Prevenção e atenção às IST/AIDS na saúde - BVS Ministério da ...
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aceito socialmente. Obviamente, o termo ‘doente mental’ não é utilizado por nenhum<br />
entrevistado (esse é um termo que profissio<strong>na</strong>is de <strong>saúde</strong> e o público ain<strong>da</strong> utilizam,<br />
e identifica, <strong>na</strong> generali<strong>da</strong>de, qualquer pessoa com quadro de transtorno mental e<br />
com comportamentos e hábitos diferentes do corrente <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de), mas muitos se<br />
identificam como: “sou doido”, “fiquei doido”, “saio doido pela rua”, “fico fraco <strong>da</strong> cabeça”,<br />
“sou PMD”, “sou médium”, “sou manso, mas viro outro quando me pisam no calo’,‘ tenho<br />
sistema nervoso”, “fico agressivo demais e não consigo me controlar”, “fico nervoso à toa”,<br />
“fico descontrolado”, mas também “fico assim porque fizeram uma feitiça<strong>da</strong> para mim”.<br />
Para todos, há ain<strong>da</strong> uma certeza <strong>na</strong> convivência com outras pessoas com transtornos<br />
mentais: o ‘doido’ maior é o outro.<br />
E1 expressa isto ao relatar uma tentativa frustra<strong>da</strong> de fuga do hospital:<br />
“Eu tava achando que ia agüentar pular o muro numa boa. Também eu quero<br />
(fugir), porque eu não estou doente não, eu quero, não estou doido. Estou<br />
consciente. No meio dos doidos fica pior ain<strong>da</strong>, não fica?” (S18).<br />
As idéias de anormali<strong>da</strong>de e ser diferentes subjazem em to<strong>da</strong>s essas representações.<br />
Para homens e mulheres, explicitou-se que a diferença ressenti<strong>da</strong> como ‘ser menos<br />
do que os outros’ interfere <strong>na</strong>s interações e significa manter a representação de que as<br />
relações afetivas e sexuais não são possíveis ou o são somente, no caso dos homens,<br />
com outros homens para ganhar algum dinheiro ou droga e com mulheres que “fazem<br />
sexo por dinheiro”, “prostitutas” ou que “fingem que não são, mas só querem alguma<br />
coisa material” e com as quais nunca haverá troca de “ver<strong>da</strong>deiro afeto” (E3). No caso<br />
<strong>da</strong>s mulheres, relações afetivas ou sexuais com homens aparecem representa<strong>da</strong>s, <strong>na</strong><br />
sua maioria, como possíveis, mas sempre com uma grande decepção em segui<strong>da</strong> pela<br />
traição ou por agressões, inclusive físicas, porque “os homens só querem aproveitar <strong>da</strong>s<br />
mulheres” (E16). Também a representação sobre o próprio agravo como impedidor de<br />
relações amorosas: “quem quer saber de mulher assim, doi<strong>da</strong>?” (E6, E9). A depreciação<br />
e a baixa auto-estima acabam perpetuando um círculo vicioso de encontros amorosos<br />
e sexuais decepcio<strong>na</strong>ntes e agressivos, que também contribuem para manter<br />
representações negativas sobre os homens e sobre si mesmas.<br />
As histórias relata<strong>da</strong>s desvelam também dificul<strong>da</strong>des que foram vivencia<strong>da</strong>s<br />
ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, com isolamento, medo que os outros têm de doentes mentais<br />
<strong>na</strong> convivência familiar ou social (e <strong>na</strong> falta dela), recusas de aju<strong>da</strong>, ou um simples<br />
cumprimento não <strong>da</strong>do. São dificul<strong>da</strong>des percebi<strong>da</strong>s e elabora<strong>da</strong>s rapi<strong>da</strong>mente em um<br />
significado de ser diferente e até perigoso, como no processo secular de preconceitos<br />
e discrimi<strong>na</strong>ção existente em relação ao doente mental. São relatos de sofrimento ou<br />
de sujeição, mas também de agressivi<strong>da</strong>de e ou de incompreensão em face dessas<br />
interações.<br />
Há, portanto, um imaginário social que inclui ‘teorias’ do senso comum sobre a<br />
doença mental, <strong>na</strong>s quais cabeça e nervos estão no centro, opondo-se em inocência<br />
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