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O FINAL DO CÉLTICO HESPÉRICO - Adigal

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O <strong>FINAL</strong> <strong>DO</strong><br />

<strong>CÉLTICO</strong> <strong>HESPÉRICO</strong><br />

O céltico da montanha chega ao séc. XI<br />

O céltico no Império<br />

Etimologias de<br />

arrear “pôr arreios, aparelhar”,<br />

arrear “enfeitar, adornar, ataviar” e “jactar-se”,<br />

arriar “abaixar (velas, bandeiras, cabos)”,<br />

arre! interjetivo e<br />

arreio (a reio) locução adverbial<br />

Restos do sacrifício calaico<br />

Etimologia de oferta<br />

Orraca ou o final do céltico hespérico<br />

Etimologia de Orraca e do castelhano Urraca<br />

Pamplona y algunos misterios de su etimologia<br />

Etimologia de Pamplona (en castelhano)<br />

A denegrição do montanhês<br />

Etimologia de trosma


ARREAR<br />

E O <strong>CÉLTICO</strong> NO IMPÉRIO<br />

Sói repetir-se a etimologia de Gamillscheg: vulg. *ARREDARE, do gót. *rēþs “conselho;<br />

provisão”, que existiria, vistas as outras línguas germânicas, da raiz ie. *rē- “dotar” 1 . Mas,<br />

apesar dos esforços, não dá claro o evoluir do significado. À simples vista vê-se a semântica<br />

complexa, que faz os dicionaristas multiplicar as entradas. Coromines defende –a meu ver<br />

com tino– a unidade original das aceções de arrear e as de arriar (só diferentes na escrita).<br />

Semântica<br />

É família pan-românica (sem o romeno). Poremos juntos dados dos romances hispânicos:<br />

a) Cifra semântica é “pôr arreios, aparelhar”, “enfeitar, adornar, ataviar”. E de “enfeitar-se”,<br />

“jactar-se”. Os textos falam sempre de cavalgaduras; arreios de cavalos, asnos e carros.<br />

b) Os lexicógrafos unem arriar a arrear. Para Meyer-Lübke aquele veio-nos do catalão.<br />

Será, dada a importância da linguagem náutica catalã, paragonável à portuguesa. Hoje é<br />

“abaixar (velas, bandeiras, cabos); fazer descer”. Coromines nota que nos primeiros textos<br />

também era “erguer vela por uma banda”. Logo antes foi “preparar (chegada ou partida)”.<br />

c) Não vejo arrear “incitar cavalgaduras” nos léxicos portugueses. É dos falares, qual em<br />

galego; daí arrieiro (séc. XVII arreeiro). Nem “golpear, bourar (seguidamente, arreio)”,<br />

vivo em galego e castelhano. Arreio “a fio” (a reio é má grafia) subsiste e será deverbal<br />

adverbializado de arrear. Tiram este da interjeição arre! Apesar da confusão, não cremos<br />

arre! ser o ponto de partida 2 .<br />

d) Coromines provou (sem corolários) adrede vir do gót. *at rēd (acusativo) ou *at rēda<br />

(dativo) “por conselho; deliberadamente” (DCECeH, adrede). Como poderia *at rēd(a)<br />

latinizar-se a par e duplamente na mesma língua? Adrede e arreio “a fio” são autóctones.<br />

1 Romania Germanica I, Berlin, 1934, p. 364.<br />

2 O prof. Coromines cria arre! ser interjeição de origem expressiva; tal se sente. Ora, a nitidez das áreas que o tipo<br />

abrange, a escassa interpenetração com os vizinhos, a transparência etimológica dalgum destes (p. ex. ingl. gee!, com<br />

to go, germ. *gai-, *gæ-), dá a pensar se não haverá mais, uma remota raiz esquecida, ao cabo causa eficiente dessa<br />

limpa área de (h)arre, (h)árri. Porque segundo Coromines a interjeição cobre toda a bacia do Mediterrâneo ocidental:<br />

Hispânia, sul da França, Itália e o Magrebe. Fora este (unido ao extinto árabe hispânico), a área corresponde à metade<br />

sul do mundo céltico. Hoje o setentrião do território –central então na geografia linguística– não apresenta a forma,<br />

mas isto pode ser justamente inovação própria de áreas cêntricas. Rastos da voz aí seriam os termos franceses por<br />

Coromines aduzidos na nota 4 de arre no DCECeH: fr. ant. ha(r)rier “acharner (terme de chasse)”, fr. ant. harer, arer,<br />

haler, fr. harasser “acossar”, que se creem de origem interjetiva. Arre logo será eco do pref. e prep. célt. ARE “ante,<br />

diante de; ao leste de”. Fácil é ver nascer a função adverbial junto do imperativo: “vai adiante”, “adiante!”. Mesmo<br />

na hipótese doutra origem é difícil negar o necessário influxo paretimológico do ARE tanto tempo presente.<br />

Explica-se a aspiração inicial (onde a fonologia admite), e o R múltiplo, pela intensidade expiratória. Desta vem<br />

o alongamento do A-, lenição e queda da vogal final (no céltico já neutra por átona: ie. *pári > célt. ARE). A queda<br />

da vogal final é fenómeno trivial. ARE passou a *ĀR. Esta recobrou depois um -e secundário, não antes de o som<br />

vibrante (neutralizado no final) passar a ser representado pelo termo múltiplo. Isto põe difíceis questões de fonologia<br />

diacrónica, mas é fácil ver que, mesmo se o representante do arquifonema vibrante não fosse o múltiplo, a simples<br />

função interjetiva, expressiva, pede reforço articulatório. A aspiração inicial doutras línguas? Pede-a foneticamente<br />

o esforço. O atraso das cordas laríngeas ante o forte impulso articulatório explica o h-, aliás de muitas interjeições<br />

afins doutras terras: hü, hup, haide, e também no arr(e) de línguas que não têm o fonema H no sistema fonológico.


Reconstrução do étimo<br />

Arrear (arriar), os pares castelhanos e catalães, o provençal arrezar, francês ant. areer e o<br />

italiano arredare acusam o étimo lat.-vulg. *ARREDARE, ao que não ponho quantidades.<br />

Conforme o fr. arroi (deverbal do ant. aréer), seria *ARRĒDĀRE, que não é latino velho.<br />

Nos primórdios da linguística diacrónica era natural que com tais fundamentos os autores<br />

alemães apelassem ao germânico, por hipotético que fosse. Apesar do cómodo instalado,<br />

já não é possível. Certo é o étimo *ARRĒDĀRE e o vago valor originário “arranjar, aparelhar<br />

(partida; secundariamente, chegada), sobretudo com cavalgaduras”. Está longe do núcleo<br />

significativo do alemão rat, a meu ver abstrato demais. Por associação livre cabe chegar a<br />

qualquer parte, mas deve provar-se a senda percorrida.<br />

Novo rumo<br />

E. A. Roberts 3 reduz o cast. arrear ao germ. *raidjan, da raiz ie. *reidh- “montar” (“viajar<br />

em carro” > “cavalgar”), céltica, germânica e báltica.<br />

Não sei que autor fez a inovação, a meu ver de semântica atinada. Mas de ie. *reidh- e<br />

*roidh-, o germânico tem os frutos *rīd- e *raid-, que não dariam *ARRĒDĀRE por mais<br />

jogos malabares que se façam. No império *raidjan transcrever-se-ia *raediare, talvez<br />

*raedare, mas nunca *rēdare, de som diverso.<br />

A tese gótica põe o empréstimo entre soldados no Império final para explicar a difusão<br />

geral e amplidão semântica. Nesse teatro ilumina melhor o surgir da palavra (nem latina<br />

antiga nem romena) trazê-la da mais extensa das línguas no Império de Ocidente, o céltico.<br />

O irlandês antigo ríad “facto de ir em carro ou a cavalo” (logo “viagem, curso, carreira”)<br />

antes foi *RĒDĀ (ie. *reidh-). O par gaulês passou ao latim rēda “espécie de carruagem”.<br />

Vê-se, por caso, em Eporedia, hoje Ivrea, no NO da Itália (“a das carreiras de cavalos”), e<br />

no antropónimo Eporedorix “rei das carreiras de cavalos”. É ríad substantivo e nome verbal<br />

(categoria similar ao infinitivo). O verbo é réidid “vai em carro, viaja” (< *RĒDETI).<br />

O verbo céltico fazia muitos derivados por prefixação. Bem que o gaélico velho registe<br />

só um composto com imb- (< AMBÍ- “arredor”), é difícil crer que ARE, a preposição mais<br />

comum, não matizasse o tema. É obrigado imaginar um *ARE-RĒDĀ-, lit. “pré-cursar” ou<br />

“preparar viagem com cavalgaduras”, passado foneticamente a *ARREDA-, como Aremorica<br />

passou a Armorica (César), tanto em céltico quanto em românico.<br />

Continuamos em terreno hipotético e falta o documento dirimente, mas não se negará mais<br />

clareza e verossimilitude na hipótese assim que se revisem os textos românicos e medievais<br />

onde vence a relação com os cavalos. Repassamos à luz da hipótese o conjunto da família:<br />

1) O verbo céltico *ARE-RĒDĀ- significaria “preparar viagem que se serve de cavalos”.<br />

2) Por via fonética, passaria a célt. *ARREDA-, primeiro de RR geminado, depois múltiplo.<br />

3) Difuso no ocidente bilíngue, passou ao lat. vulg. na forma *ARRE-DARE no tempo final<br />

do Império, quando o latim não distinguia longas de breves, mas sim abertas de fechadas.<br />

Dada a passagem pelo latim, foneticamente responde ao sistema românico, quer dizer, não<br />

transparece o sistema céltico de longas abertas e breves fechadas, senão ao invés.<br />

3 Dicc. Etim. Indoeuropeo de la Lengua Castellana, Alianza, Madrid, 1996.


4) “Preparar viagem com cavalos” inclui muitas operações:<br />

a) “Pôr correame e sela”, “jungir ao carro”, deu arrear “pôr arreios, aparelhar”. Hoje, e a<br />

custo por causa da memória residual da origem, metaforizou-se em “enfeitar (-se)”, e<br />

este depois em “jactar-se”, pela presunção do que se apura e açacala.<br />

b) “Dispor-se a partir fustigando cavalo” (cruzado com are! > arre! “adiante!”) foi o<br />

arrear “estimular cavalgadura”, que decaiu em português, mas que deixou pegadas<br />

certas, como arrieiro. Daí também arrear “bater a fio”, hoje não português, mas vivo<br />

nos falares galegos e no advérbio arreio “a fio”, deverbal no que pode haver outros<br />

contributos 4 . Arrear não vem de arre, bem que contenha o comum ARE; convergiram<br />

mercê dos sons afins e a vizinhança semântica.<br />

c) Aplicado por metáfora às viagens náuticas, foi primeiro “dispor a partida”. A técnica<br />

do velame visava juntamente esse momento e o da chegada. Afinal no uso prevaleceria<br />

o momento último, que no navegante concita mais ansiedade: hoje é só “abaixar velas,<br />

bandeiras, etc.” Tal será a origem de arriar, qualquer que seja o lugar em que primeiro<br />

se desenvolveu.<br />

4 Também convergiria um *AD-RĒDĀ “muito correr” ou “muito emitir (golpes)”.


OS RESTOS <strong>DO</strong> SACRIFÍCIO CALAICO<br />

Universalidade do sacrifício<br />

A doação à divindade de bens estimados valiosos pelo devoto oferente parece ter estado na<br />

companha aos humanos desde o princípio. As pegadas arqueológicas mais remotas notam<br />

a existência. Supõe-se os cruentos reproduzir a morte da preia pelo caçador, desviando só<br />

a fruição para a transcendência. A mesma agricultura teria origem na oferenda aos deuses,<br />

na proximidade das moradas, de presas do grão silvestre recolhido.<br />

Os rastos calaicos abundam, apesar de os registros escritos serem parcos e isolados, e os<br />

arqueológicos, árduos. De época céltico-romana é a pia sacrificial de Mougás e o santuário<br />

das Panoias. Cumpre supor a existência da enorme pletora de oferendas das que sabemos<br />

por outras vias, de espécies animais, de bebidas, mesmo de humanos. Seria também geral a<br />

queima de perfumes, que se sói atribuir a influência do Mediterrâneo oriental, mas que foi<br />

prática universal. Os fóculos para queimá-los vêem-se na cara superior das lápides votivas<br />

aos Lúgoves. Apesar da letra latina e do tempo romano, os rituais soem ser conservadores.<br />

Também são frequentíssimos os fóculos nos petróglifos, muitos deles do tempo anterior.<br />

Devemos agora cingir-nos a focar os ecos linguísticos.<br />

Oferta<br />

Apesar da aparência, oferta não é do latim. Oferre era verbo supletivo, do que no tema de<br />

perfeito desaparecera a raiz *bher-. O aspecto romano foi o que fez a palavra pré-romana<br />

sobreviver, disfarçada, como em cantiga. Coromines disse 5 o asturiano ofierta “oblata de<br />

milho, trigo ou de roscas de pam” vir de um vulg. *offerita. Mas teria dado *ofierda, e na<br />

nossa língua *oferda. Quanto ao cast. oferta, é decerto de origem galo-românica, como se<br />

nota pela falta de ditongo e o uso restritamente comercial (“ley de oferta y demanda, ofertas<br />

de temporada”). Nada como o galego-português oferta “oferenda”, popular e antigo, já nas<br />

Cantigas de Santa Maria. Machado propõe o étimo analógico *offerta, por oblata. Em si é<br />

possível, mas fica em cifra algébrica, abstração hipotética necessitada de maior estudo.<br />

Será a nossa oferta um empréstimo de além os Pirineus? Possível, mas improvável, visto<br />

o âmbito íntimo do uso. Ao cabo, donde vêm as galo-românicas com -RT-, substantivas ou<br />

participiais? Quadra lembrar que a documentação mais velha do eclesiástico offertōrium é<br />

de Santo Isidoro, na Hispânia do séc. VI. Comodiano, de fins do II, traz offertor, mas não<br />

sabemos donde era. Em oferta cuido termos caso similar ao de rima e arrimar 6 .<br />

Havia sim um elo com offerre, mas paretimológico. Enquanto ferre se perdia sempre, o<br />

derivado offerō ficou no âmbito religioso, donde era. O fr. offerte é sinónimo de offertoire.<br />

A nossa conservadora língua também acusa o original cariz religioso. Aqui oferta, popular<br />

e velha, é sinónimo de oferenda, ex-voto, dom, quer dizer, de todos os sacrifícios populares<br />

subsistentes trás a substituição cristã dos cruentos pela Hóstia ou Vítima eucarística.<br />

*ADUSSBERTĀ<br />

Como diziam “sacrifício” em céltico? Dentre muitos sinónimos, as neocélticas coincidem<br />

na conservação da mesma voz antiga. O gaélico antigo audbart, edbart, idbart, feminino<br />

5 DCECeH IVj, p. 633b, 17.<br />

6 Actas do III Congresso Int. da Língua Galego-portuguesa na Galiza, Vigo-Ourense, Set.-Out. de 1990, p. 236.


tema em Ā, era substantivo e nome verbal: “oferta” e “oferecer”. Sobrevive no irlandês<br />

íobairt [ībeřt], passado aos temas em I. Em britónico temos os pares galês aberth e bretão<br />

aberz. Para Thurneysen e Pokorny, estes vocábulos vêm de *ADUSSBERTĀ, de *BERTĀ<br />

“levada”, o tema de perfeito passivo banido do latim (aí ie. *telə- por *bher-), precedido<br />

de AD “a, para” e USS “arriba” (ie. *ups > célt. UXS > USS, ou ie. ud-s > uss). A evolução<br />

dos sons é fatal. Na România ocidental –bilingue– -D- caiu logo quase sempre, e o ditongo<br />

emergente, átono, pronto se reduziu. *Osberta soaria *ozberta, com assimilação regressiva,<br />

que chega por sua vez a oferta pela assimilação progressiva -SB- > -SF- > -F- que vemos<br />

no castelhano platino resbalar > resfalar > refalar. O sentido céltico seria logo “(vítima,<br />

essência, madeira) levada arriba”, quer dizer, “queimada e elevada no fumo”. Nos inícios<br />

logo não abrangia nem libações nem sacrifícios de oferendas sumidas na terra ou nas águas.<br />

Sim festins de comunhão, holocaustos (“queimados de todo”) e perfumaduras.<br />

Oferta fornecia ora aos restos românicos de offerre um particípio passivo da raiz *bher-<br />

que no latim histórico nunca se documentara. Vista a perda de ferō e os mais dos derivados<br />

populares, vê-se a razão da subsistência de offerō no latim eclesiástico. Aí havia palavras<br />

como missa, oblata e afins, inequívocas e exatas. Além de raro, o lat. fertum ou ferctum<br />

“pastel de sacrifício” era neutro e sem sílaba pretónica; no máximo, pôde ser harmónico,<br />

um reforço na memória paretimológica. A única razão dirimente teve que ser a presença<br />

oportuna do célt. *ADUSSBERTA-*ausberta, que fácil esvarava para *ozberta, e daí mais<br />

facilmente para oferta. Nessa forma atingia dous objetivos. Dum lado, disfarçado sob saio<br />

pseudo-latino, enervava a censura da língua dominante. Do outro, na nova família léxica<br />

vigorava o verbo do que o supunham vir, offerre, pronto a desaparecer. Quase consumada<br />

a perda, foram as formas próximas *offerire e *offerescere as que se abriram caminho.<br />

Além do interesse histórico concreto desta “vítima levada arriba”, da vida da palavra na<br />

Galo-românia e na Gallaecia, a romanística mesma deveria tê-lo em conta, se a pesquisa<br />

der certa. Bem que produza arrepio em muitos, a pesquisa não pode deixar de aventurar-se<br />

sistematicamente nas trevas do substrato, se é que se quer saber algo do passado. Mesmo<br />

para libertar-se dele, estamos obrigados a conhecê-lo. Casos como rima, arrimar, cantiga<br />

ou este de oferta, falam às claras da importância do labor.<br />

*DAXTÓNION<br />

O nome da grã vila dos lémavos, *DAXTÓNION, fornece outro nome céltico do sacrifício 7 .<br />

Que significava? Tirada a desinência -(O)NO-, de teónimos ou de representantes (“divino”,<br />

“por excelência”), fica nu o tema *DAXTO-, com o suf. -AXTĀ de abstratos e coletivos. O<br />

radical é logo extremamente reduzido: D- mais uma vogal incognita sumida no A do sufixo.<br />

Qual a raiz do reduzido tema? Duas pode agachar o D- de vogal incognita: a) ie. *dō-<br />

“dar”, mas, como não se documenta em céltico, é improvável que se trate dele; b) ie. *dhē-<br />

“pôr”, no grau zero *dhə-, que semanticamente percorre um caminho bem próximo. Num<br />

caso, o valor seria “conjunto de dons”; no outro, mais provável, “conjunto de oferendas”.<br />

É óbivo o convergir. “Dons” ou “depósitos” ao cabo resultam no “(Oppidum) das Divinas<br />

Oferendas”. Qual o sinónimo de *ADUSSBERTA? Certamente *DAXTĀ.<br />

7 Sempre identificado com Monforte de Lemos; só Monteagudo diferiu. Notam-no tanto a centralidade quanto o atual<br />

nome (Monte Forte dos Lémavos). Além disso, por aí corre o Cabe, nome que vem do vulg. *Capi, g. do vulg. *capu,<br />

por caput, -itis “cabeça”. Logo o Cabe é “rio da cabeça ou capital”.


ORRACA OU O <strong>FINAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>CÉLTICO</strong> <strong>HESPÉRICO</strong><br />

Intriga a origem do sonoro nome, tamanho no medievo e depois subitamente banido; trevas<br />

antes e trevas depois. Pouco dá o castelhano urraca “pega”, que para Coromines não é outro<br />

que o antropónimo dado ao pássaro, que em toda a parte leva nome de mulher pelo arremedo<br />

de uma voz gárrula que se quer feminina. Surge no séc. XVI, quando como nome de mulher<br />

já saíra do uso.<br />

Coromines, trás rechaçar hipóteses caducas, detém a pesquisa julgando-o pré-romano,<br />

“quiçá ibérico e mesmo acaso aparentado com o basco”. Qual costumava, Coromines, não<br />

chegando a termo certo, deixava o campo ordenado, com dados suficientes para acabar a<br />

busca. Tentá-la-emos, mas antes fixemos uns factos pertinentes, não computados, talvez<br />

úteis na hora de etimologizar.<br />

Dados históricos<br />

a) O nome aparece no séc. IX, abunda até o XIII e depois languidece até fins do séc. XIV.<br />

b) Nos três primeiros séculos, as Orracas (e Urracas castelhanas) das crónicas são todas<br />

mulheres de reis. Só no séc. XIII pegam a levá-lo as nem esposas de reis nem reinantes.<br />

c) Quanto ao espaço, dá-se em todo o Norte, de Galiza a Catalunha. Devo contestar firme<br />

e respeitosamente o asserto do DCECeH de julgar raro o nome em português e empréstimo<br />

castelhano. Leva-o a filha de Afonso I de Portugal, casada com Fernando II de Leão.<br />

O ponto b) é fulcral. A primeira que vejo, na Crónica Galega, é a mulher de Ramiro I<br />

de Leão (rei de 842 a 850). Em Navarra chamam assim a mulher de Garcia Éneguez (rei<br />

de 851 a 870), morta duma lança moura que lhe provoca o parto. No X destaca uma filha<br />

de Sancho I de Navarra. Das quatro filhas que lhe nasceram, Sancha, Orraca, Maria e<br />

Velasquita, só a segunda casa com rei, de Leão. Caso curioso é o das Orracas sucessivas<br />

de D. Fernando II de Leão, uma a ementada filha do rei de Portugal, a outra Orraca López,<br />

filha de Lopo senhor de Haro.<br />

Caso notável é o da rainha de Aragão entre 1137 e 1162. Ao nascer “disserom Dona<br />

Peroniela (Petronila). Mas mudarom-lhe depois o nome et chamarom-lhe Dona Orraca. Et<br />

esta Dona Peroniela foi casada com o conde Dom Reimom de Barcelona.” (Crónica Galega,<br />

pág. 291, 53). Por que muda o nome? Nos sécs. IX, X e XI todas são esposas de reis; no<br />

XII duas já reinam por direito próprio: Petronila-Orraca de Aragão e Orraca de Castela e<br />

Leão, rainha per se de 1109 a 1126.<br />

As variantes formais dos documentos<br />

Orraca é a nossa forma mais frequente 8 . O O- átono é irrelevante como todos os átonos<br />

(sobretudo o final absoluto, que não segue o vocalismo lat.-vulg. de tipo “napolitano” e<br />

sempre soou U). Informa mais o texto castelhano do Norte (Cantábria?) datado em 1285,<br />

que Coromines topa em M. Pidal (Documentos Lingüísticos de España, 67. 18, 23, 24).<br />

Três vezes lê-se Vurraca e uma vez Burraca. Veio-me daí a ocorrência que vou expor e<br />

ainda me pasma. A grafia nota decerto uma inicial semiconsoante, um uau em processo de<br />

fechar-se e consonantizar. O uau na península e no séc. XIII soa insólito. Pode-se ignorálo,<br />

despachá-lo com um expediente qualquer, e também cabe seguir a indagar por ver que<br />

aguarda ao cabo do túnel.<br />

8<br />

Uma Orracca de duplo C (Coimbra 1094) só nota a erudição do copista, que sabia a equação latina da oclusiva<br />

velar surda intervocálica do vulgar.


Buscar o étimo, reconstruir o monstro<br />

As grafias O-, U-, Vu- e Bu- convergem no fonema uau. Vurraca –a letra deve estudar-se<br />

in situ– mostra a letra W, inventada pelos anglo-saxões para o uau e rapidamente espalhada<br />

alhures. Um copista insular é possível, mas não necessário. Bu- também representa uau,<br />

limítrofe com a consoante 9 .<br />

Falar de uau é ousado. Supõe o grupo WR-, não românico, mas doutras línguas indoeuropeias:<br />

é inglês e foi germânico. E céltico; no insular subsistiu até perto do séc. VII: no<br />

gaélico fez-se fr-, no britónico gwr-. Aqui não há WR-, há WRR-, de R similar ao inicial e<br />

de evolução paralela: o substrato céltico reforçou o R- hispânico e gascão 10 . Leio Wrraca,<br />

que noto WRaka. Não é palavra românica, bem que sumida em meio bilíngue. O resto é<br />

fácil: -C- intervocálico vem de -CC-; reforço do R-/WR- e simplificação de geminadas são<br />

solidários na lenição. Logo Orraca-Urraca-Vurra-ca-*WRaka aponta ao étimo *WRAKKA.<br />

Quadra buscar no pré-romano ou no germânico. Neste nada há. Os casos de lenição,<br />

paralelos aos substráticos dos romanços, induzem a busca no céltico.<br />

*WRAKKĀ<br />

Há vozes célticas deste feitio? Existem sim, e não posso crer não se notarem antes. O ant.<br />

gaélico tinha fracc “mulher, esposa”, hoje só no escocês frag “id.”. No britónico há galês<br />

gwrach “bruxa”, córnico ant. gruah, mod. gwrah, bret. méd. groach, mod. groac’h (Léon<br />

grac’h) “velha”. Todas do étimo céltico antigo que encabeça o parágrafo, isto é, *WRAKKĀ<br />

“esposa”, de câmbios semânticos fáceis de ver: “esposa”, sentido jurídico, enfraqueceu em<br />

“mulher”, que esvarou erraticamente. A forma escocesa é “mulher, esposa”, cf. Thurneysen<br />

de conotações positivas: “a kind wife”.<br />

Donde vem *WRAKKĀ? Era hipocorístico (var. carinhosa) de *WRAKŪ, WRAKONOS f.<br />

“esposa”, voz só jurídica, donde galês gwraig (< *wrakī < *wrakū), córn. ant. grueg, greg,<br />

méd. gurek, mod. gwrēg, bret. méd. gruec, mod. groek, grouek, Léon grek. A geração do<br />

hipocorístico é a usual: redução, geminação expressiva 11 , atrair do morfema -Ā, típico do<br />

feminino. Para além não há étimo indo-europeu certo, mas Pedersen compara-o com o lat.<br />

virgō, virginis, próximo, não igual, que o Ernout-Meillet declara de origem ignota. A meu<br />

ver Pedersen atina: célt. *WRAKŪ e lat. virgō não só têm feitios próximos, têm semânticas<br />

contíguas. Noção original comum é “esposa, desposada”, de puro conteúdo jurídico. O latim<br />

só focaria o lapso entre contrato de esponsais e início da coabitação, entanto que o céltico<br />

usou dele todo o tempo de vigor do contrato matrimonial. Será ũa alucinação? Como tantas<br />

coincidências? Se chegamos aqui, sigamos. A sequência é: célt. *WRAKŪ, WRAKONOS ><br />

hipocorístico *WRAKKĀ > célt. hespérico *wRaka, já lenido, > romances orraca e urraca.<br />

Corolários<br />

a) Cada vez vemos melhor quão pouco sabemos do meio cultural e linguístico de fins do<br />

primeiro milénio. Amiúde saem dados pasmosos e seguimos a dizer que “o rei vai vestido”.<br />

b) Os montanheses iletrados da cornija cantábrica ainda falavam céltico. Somente ficaram<br />

rastos toponímicos (só se escrevia latim); o que não era latim era invisível, mesmos os<br />

romances. Das Orracas de reis surge a língua estar viva nos sécs. IX e X.<br />

9 Ver Bráulio em 36, § 15, n. 17. Em textos do reino de Leão (a Galécia medieval) o uau interno grafa-se -BO-. M. Pidal<br />

chama de anti-hiático o que decerto é uau implossivo: 944 Brabolio, patroním. Braboliz, 1097 Brabolio.<br />

10 Jungemann, La Teoría del Sustrato y los dialectos hispano-romances y gascones, Madrid, 1955, p. 258.<br />

11 Redução e geminação como a de Eporedorix a Eppos.


c) O Reino de Leão (sequela da Gallaecia para cristãos e muçulmanos) era âmbito rude e<br />

iletrado. Os montanheses que só falavam céltico –arcaico e próximo do gaélico– na língua<br />

residual chamavam de Esposa por excelência à do rei. Até o séc. XII foi só de rainhas por<br />

casamento. Então surgem desse nome duas rainhas per se. Petronila-Orraca é dúbia: citam<br />

a mudança de nome e a seguir o matrimónio com o conde de Barcelona. A castelhana,<br />

rainha de 1109 a 1126, a meu ver já demonstraria opacidade: em céltico chamariam-na<br />

*RĪGANĪ, não *WRAKKĀ.<br />

d) Não se vê diferença entre cântabro e calaico: a voz é partilhada pela cornija cantábrica 12 .<br />

e) Dar-se *WRAKKĀ mesmo em Navarra e Aragão nota o céltico ainda valer como língua<br />

franca popular, misturada com romance mas com estruturas subsistentes, ainda só em parte<br />

substituída na função pelo latim, língua franca culta. Daí o facto de Pompaelo e Barcino<br />

não dar os regulares *Pamplon e *Barcelon, dos acusativos Pompaelonem e Barcinonem,<br />

senão Pamplona e Barcelona, dos acusativos célticos *POMPAILONAN e *BARKINONAN.<br />

Assim é mais clara a etimologia barscunes-bascunes de Tovar. Isolados há muito, os bascos<br />

protegiam a identidade usando estruturalmente duas línguas, a própria e íntima, e a externa<br />

ou franca. A franca primeiro foi o céltico –por mais tempo do que se cria–, superpondo-se<br />

depois o latim, agora o francês e o castelhano. Esse uso não seria só dos bascos, também<br />

dos iberos.<br />

Como apêndice do último corolário, reproduzo um artigo meu publicado no boletim da<br />

Fundación Vasco Argentina “Juan de Garay”, de Buenos Aires, setembro de 1996.<br />

PAMPLONA y algunos misterios de su etimologia<br />

El nombre latino de Pamplona, POMPAELŌ, POMPAELŌNIS, no nació en el latín. Lo acuñaron<br />

vascos y rápidamente fue latinizado. Honraba a Pompeyo. Era nombre osco o umbro:<br />

*Pumpais > *Pompaios “quintus”. La otra parte, hoy no tan conocida, es el protovasco<br />

*ILUN “ciudad”.<br />

Una vez acuñado el nombre, pasó a la lengua del Imperio, donde a favor de la opacidad<br />

su fortuna se prolongó indefinidamente. En vasco, como consecuencia de la transparencia<br />

intralingüística, la suerte del topónimo debía ser paralela a la del jefe romano. Derrotado<br />

Pompeyo, quedó el vasco *ILUN-AR, que sufrió rotacismo de la antigua L dulce, caída de<br />

la -N- intervocálica, generación de una palatal nasal desde la -I- antihiática nasalizada, reducción<br />

del demostrativo-artículo enclítico, aglutinado con pérdida de la función sintáctica,<br />

y nueva incorporación de artículo; Iruñea. El lat. POMPÆLŌ quedó cristalizado.<br />

Si tratamos de imaginar la hipotética evolución del proto-vasco *POMPAIILUN-AR, hoy<br />

tendríamos *Banberuñea, con paso regular de P a B, resolución del diptongo (pretónico en<br />

la prosodia latina) por la pronunciación latina popular del tiempo imperial, y con el rotacismo<br />

y otros fenómenos mencionados en relación con *ILUN-AR. También cabe notar la<br />

conservación del timbre único de la U vasca. Sobre la caída de la -N- intervocálica en los<br />

siglos III o VIII cabe abundar. Meyer-Lübke, sistematizando datos de Gavel, Altube y<br />

Azkue, clasifica las soluciones de la antigua -N- intervocálica en el vasco conocido, y<br />

muestra que el protovasco -UNA puede pasar a -ŨA y después a -UMA, como en português<br />

moderno, o, en otros dialectos, a -UA: lat. cūna > vasco kuma o kua. El resultado debía ser<br />

*Banberuma o *Banberua, en vez del antes propuesto *Banberuñea. Si optamos por éste<br />

12 Nem entre calaico e lusitano, cf. Promontorium Artabrum (Plínio IV 113), Cabo da Roca, norte da foz do Tejo.


es por el Iruñea real. El resultado -UÑE- supone la presencia regular de un sonido palatal<br />

(¿antihiático?) interpuesto entre las vocales tras la caída de la -N-: -ŨIA/-ŨIE.<br />

Hasta aquí, más allá del obvio interés de conocer orígenes y revivir mundos perdidos,<br />

no hay grandes sorpresas. Pero si, aceptada la condición románica de POMPÆLŌ, tratamos<br />

de seguir su curso evolutivo, surge un curioso fantasma. La índole románica de Pamplona<br />

exige aplicarle las reglas de su gramática histórica. El acusativo latino POMPAELŌNE- (caso<br />

del objeto directo, base etimológica de las formas románicas sin declinación) sin duda debía<br />

dar regularmente un castellano *Pomplón o *Pamplón (El timbre de la vocal pretónica es<br />

lábil y no se cuestiona, pero adelantamos que se debe a la pronunciación nasal de la vocal,<br />

que sustituye la articulación de la consonante nasal: molīnu- > fr. moulin /mulaN/ [mulã]).<br />

Clama al cielo que no se haya visto. Esa regularidad (repetida en Barcelona y otros<br />

lugares peninsulares donde se esperaría castellano -ón, catalán -ó) ya no se puede ignorar<br />

por más tiempo. Hasta donde veo, no hay respuesta fuera de que la base de esas formas<br />

románicas (cast. Pamplona y fr. Pampelune) no es realmente latina. Acusa una variante<br />

céltica, tal vez inconsciente, fantasmal. Parece que nos contradecimos; hemos reclamado<br />

la condición latina del vocablo Pamplona y ahora decimos que viene del celta. Decimos<br />

que había POMPÆLŌ en la lengua oficial y de los cultos, y a la vez otra forma popular entre<br />

los vecinos no euskaldunes e incluso entre éstos cuando se comunicaban en la lengua franca<br />

popular. Con la autoridad imparcial de Thurneysen, Pedersen y Pokorny, hoy no hay duda<br />

de que el tema latino POMPÆLŌN- en el céltico del s. I dC. se declinaba en singular con<br />

nominativo (sujeto) *POMPELŪ, genitivo (caso posesivo) *POMPELONOS, acusativo<br />

*POMPELONA(N), acusativo plural *POMPELONĀS. Es precisamente tal acusativo singular<br />

el que nos llegó. Se sabe que la nasal final no se articulaba y sólo se realizaba fonológicamente<br />

con la nasalidad de la vocal anterior. PAM- con su apertura supone justo la nasalidad<br />

vocálica. Por otra parte, la francesa Pampelune supone también una base *Pompelūna,<br />

coincidente en la -A final, y también curiosa por el timbre de la vocal tónica, que en las<br />

lenguas románicas siempre es firme. Podría alegarse que es el timbre de la base vasca,<br />

pero recaeríamos en el tránsito imposible entre sistemas. Creo que la -Ū- se debe a analogía<br />

del nominativo, facilitada por ser cerrada la O breve del céltico, al revés de la latina, abierta.<br />

El mismo fenómeno se da en el gallego Arçua (< *Artiū, Artionos, ac. *Artionan).<br />

Hoy se sabe que el celta era la lengua de las tribus que rodeaban a los euskaldunes y su<br />

lengua franca antes de la adopción del latín. Lo que hasta hace poco no se podía sospechar<br />

era la fuerza de la inercia cultural de la montaña, que operaría no sólo a favor del mantenimiento<br />

de la lengua propia, en el ámbito interno y familiar, sino también del de otros factores<br />

culturales. En verdad no debería sorprender que los vascos afrontaran el complejo problema<br />

de su aislamiento cultural y lingüístico sin perder la identidad, que es su lengua, y lo<br />

resolvieran con dos lenguas, la propia y la franca, sea ésta celta, latín, castellano o francés.<br />

Lo sorprendente es la complejidad de la inercia cultural en el primer milenio de nuestra era.<br />

Aunque suene extemporáneo, quiero dejar puntual y explícito testimonio de mi simpatía<br />

activa e interesada, no sólo en la supervivencia de la lengua y cultura vasca, sino también<br />

en la normalización plena de su estatuto lingüístico. Este estudio no persigue otro objeto<br />

que la verdad. No pretende sentar precedentes históricos para programas de “bilingüismo<br />

armónico”, que sólo buscan la extinción de las lenguas minorizadas. Tampoco pretende<br />

llevar agua para el molino de la cultura celta, que podemos amar pero que sabemos que<br />

terminó superficialmente derrotada y oprobiada. Sólo busca conocer verdad y realidad,<br />

siempre más generosas que la ficción, y de paso gozar con el encanto que nos prodigan a<br />

borbotones.


TROSMA, A DENEGRIÇÃO <strong>DO</strong> MONTANHÊS<br />

Trosma<br />

Só galego. Estraviz define: adj. “pasmado, estonteado, alelado; aparvalhado, pateta, inábil,<br />

torpe, sem jeito; muito ignorante; sem inteligência”. Só galego, não lhe sei de estudos. Não<br />

há registos antigos. Não a vejo no P. Sarmento, sim em R. Gonçález e Carré. Nestas vozes<br />

que não concitam a atenção letrada, da tardança não cabe deduzir origem recente.<br />

Prosma<br />

Mais comum é o sinónimo prosma, também português europeu dialetal. Estraviz define-o:<br />

subst. “condição de pesado, fleuma; léria, lábia”; adj. “lento, pesado no atuar e falar; babiolo,<br />

papaleisão”. E há prosmada e prosmeiro. Este é “pesado, enfadonho, estulto”; e, rumo<br />

invertido, “chocarreiro, taimado, dissimulado, velhaco”, que se explica desde “pessoa que<br />

ri dissimuladamente do prosma”. Muito cismei aí sem fruto. Não se vê elo com proximus.<br />

Será cruzamento de trosma com pesado. A condição difficilior de trosma é certa.<br />

*TRUDSMIĀ<br />

Tornando a trosma, pois que as línguas modernas e o latim nada brindam, buscarei étimo<br />

no fundo pré-romano, e topo o célt. *TRUDSMIĀ, étimo do gaél. ant. trummae “peso,<br />

pesadume”, abstrato do adj. tromm “pesado” (*TRUDSMO-), ao que substituía metonimicamente.<br />

*TRUDSMO- ecoa nas neo-célticas e por substrato nas românicas. A raiz *treud-<br />

(Pokorny 1095), indo-europeia ocidental 13 , era “sobrecarregar, agravar” e “pôr em aperto”.<br />

O lat. trudō “empuxar” irá de “pesar rechaçando” a “rechaçar”. Céltico só “carregar” ><br />

“pesar”; outro rumo no eslavo (“odiar”) e no germânico (“causar ódio”).<br />

Mudanças fonéticas<br />

Os adjetivos vêm de *TRUDSMO- (> *TRUSMO-), de raiz no grau zero e de sufixo -smo-.<br />

Com alongar compensatório da vogal, passou a *TRŪMO- em britónico e no provençal<br />

trum. Às avessas, o protogaélico guardou o O breve e grupo -sm-: *TRUSSMO- > *TRUSMO-<br />

> *trummo- > *tromm(ĕ). A estranha preservação de -sm- (na verdade -dsm-) também se<br />

deu em calaico. *TRUDSMIĀ “pesadume” passaria logo a *TRUSSMIĀ já no céltico. Em<br />

românico o iode postónico caiu sem fechar a vogal tónica breve por metafonia do -A.<br />

Variações semânticas<br />

O gaél. trom(m) difere. É “pesado”, de harmónicos “severo; penoso” e “poderoso, enorme”,<br />

às vezes “difícil”. Nas neocélticas não há a denegrição geral românica (“pesado” > “lento”<br />

> “parvo, pasmado, tonto”). Logo –a dar certa esta etimologia– a mudança de significado<br />

produziu-se em contexto plena ou predominantemente românico.<br />

O britónico muda pronto a semântica: “pesado” > “triste”. Galês trwm, córn. trom, bretão<br />

troum “gravis, tristis”. Coromines provou daí vir o ant. prov. trum “escuro, lôbrego”, subst.<br />

“trevas”, que pede o curso “pesado” > “triste” > “escuro, lôbrego”. Não é de notar tanto a<br />

deriva, espontânea e universal (cf. pesar, pesadume), quanto a precocidade e solidez.<br />

Não oculto o que mostra o cotejo. No orbe gaélico soberano, de “pesado” saem harmónicos<br />

graves, mas respeitosos. No britónico, já ferido da transculturação, “pesado” virou a “triste”<br />

e “escuro”, com perdas de valor social. Na Galiza “pesado” encheu-se de míngua para ferir<br />

os rudes “montanheses” que não falavam latim ou romanço.<br />

13 Latina, céltica, germânica e eslava.

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