Cultura de Bancada, 23º Número
Cultura de Bancada, 23º número, lançado a 12 de junho de 2024
Cultura de Bancada, 23º número, lançado a 12 de junho de 2024
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Os Cravos ainda não chegaram
a todo o lado!
HISTÓRIA DO MOVIMENTO
ORGANIZADO DE ADEPTOS
no SC Farense
comunicação independente
tó madeira
à conversa com
desnorteados
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na pele de um interdito
memórias da bancada
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resumo da bancada
quando a nigéria bateu os mestres
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bola de notas
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glasgow away
uma maratona internacional
dérbi do minho
final da taça de portugal
101
103
106
djugarden x hammarby
cultura de adepto
A voz do leitor
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Edito
Mais uma época que está a acabar
e, com isso, repete-se a história de vida dos
adeptos. Uns celebram as conquistas dos seus
clubes e outros, pelo contrário, lamentam o
insucesso. É a sina de quem ama, num ciclo
que se repetirá eternamente.
Com os anos a passar, cada vez
fica mais longe a memória que temos das
nossas experiências “livres” na bancada. O
ritual de colocar as faixas, a preparação das
grandes bandeiras, a organização e ritmo
que o tambor trazia à bancada, só quem
esteve lá percebe. Para muitos de nós este
é mesmo um cenário cada vez mais distante
e, com isso, tem sido comum ver que existe
uma resignação e adaptação à realidade
actual. Não fazemos o julgamento de
qualidade, mas, era prejudicial esconder que
é lamentável termos de reconhecer que falta
força aos grupos e que estão a ser vencidos
pelo cansaço. Sem esquecer que as novas
gerações, tão importantes para o futuro, não
entendem a mensagem do passado porque
não viveram o mesmo que nós. É importante
sublinhar que as nossas palavras não têm
como intenção descredibilizar o que é feito
pelos grupos. Os tempos são o que são e a
realidade é difícil, mas queremos acreditar
que vale a pena lembrar que ser Ultra é dar
um pouco mais e o movimento precisa disso
como nunca.
Deixamos uma nota acerca da
participação dos adeptos na nossa rubrica
denominada por A voz do leitor. Queremos
salientar que vemos, com alguma surpresa,
a falta de interesse dos nossos leitores em
participar na janela que abrimos para o efeito.
Quando criamos essa secção, recordamos as
cartas que antigamente eram enviadas para
as fanzines. Tudo levava a crer que a facilidade
dos novos meios de comunicação poderia
conduzir a uma boa participação. Estávamos
errados.
Enquanto projecto, nascemos
com a consciência que existe a necessidade
de afirmar e reforçar a cultura colectiva dos
adeptos portugueses. Só que os factos, dos
quais temos conhecimento, demonstram que
Director
J. Lobo
Redacção
L. Cruz
G. Mata
J. Sousa
Design
S. Frias
M. Bondoso
Revisão
J. Rocha
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cada vez menos se faz para caminhar nessa
direcção. Isto é preocupante e irá determinar
o futuro.
Pela nossa experiência, a existência
de uma comunidade de adeptos activos é
essencial para a construção do caminho que
queremos trilhar e para a defesa do pouco
que nos resta. Essa foi, por exemplo, a base
que ajudou a APDA a nascer. A semente
que foi alimentada durante vários anos
tornou-se no corpo que abriu portas a uma
nova realidade cultural no nosso país. A
necessidade de erguer essa ponte, para
unir novos adeptos, também foi trabalhada
desde o início da Cultura de Bancada, só que
nem assim ficamos de consciência tranquila.
Estamos numa prova contra-relógio e, por
este andar, quando os adeptos acordarem
deste “sono” vai ser tarde demais. E depois
já sabem, “lá fora é que é, os alemães estão
anos-luz à nossa frente”.
Este pessimismo não nos pertence
- é antigo e subscrito por muitos ao longo de
vários anos. Já pensaram que, após tantos
anos de problemas, podiam unir o “melhor”
que temos entre todos para fazermos mais
e, salvo raras excepções, isso não acontece?
Fomos ousados na crítica, mas temos tento.
Assim, terminamos as nossas palavras com
um pedido de reflexão aos nossos leitores
e que se juntem a quem, por ventura, se
interesse por este tema tanto como vós.
Ajudem a agitar a malta, já dizia alguém que
é o que faz falta.
Aproveitem o 23º número da
Cultura de Bancada. Daqui a dois meses
estamos cá de novo.
Convidados
Martha Gens
Edgar Macedo
Desnorteados
Eupremio Scarpa
Daniel Freire Santos
Sergio P.
Pedro Marques
Guido Bruno
N. Oliveira
P. Alves
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OS CRAVOS AINDA NÃO CHEGARAM
A TODO O LADO!
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Comemorou-se, no passado mês
de Abril, 50 anos desde “a madrugada que
eu esperava”. Celebrou-se a restituição
da liberdade em todas as frentes, mas
sobretudo, a restituição da liberdade de
expressão – hoje configurada como um
direito constitucionalmente previsto.
A APDA fez circular um manifesto,
no feriado de Abril, no qual tecemos
diversas considerações sobre cumprir Abril.
Quisemos que pensassem connosco e que
nos acompanhassem, não só na celebração,
mas motivando todos os que nos seguem, no
caminho longo que nos falta percorrer.
Estas celebrações não podem, nem
devem, fazer-nos cruzar os braços. Antes de
sair para a rua com cravos na mão, é crucial
olharmos à nossa volta e perceber se o
legado que alguns conquistaram se tornou
uma realidade. Se esse legado é palpável, se
ele existe de forma pura, ou se é apenas uma
lápide onde todos os anos deixamos flores e
agradecemos.
À semelhança de muitos outros dias
do ano, em que celebramos factos em que
houve uma conquista de direitos, esquecemonos
que esse legado nos foi deixado, não
apenas para ser preservado, mas para que
nós, 50 anos depois, o tornemos exequível e
para que, sobretudo, seja uma realidade nas
nossas vidas.
A verdade é que, no que às nossas
bancadas diz respeito, ainda estamos longe
de cumprir este legado de Abril.
Vemos, por essa Europa fora,
bancadas cheias de bandeiras, safe standing,
coreografias que enchem os jornais de cores
e fazem qualquer leitor querer estar numa
bancada de futebol.
Nos termos da lei que foi projectada
e está em vigor, alegadamente por um partido
de centro/esquerda, os Grupos Organizados
têm de estar nas ZCEAP – e apenas aí (aquelas
que não têm condições para ninguém estar
de pé em segurança).
Por aqui, os grupos organizados
de adeptos, na sua maioria, continuam
sem povoar as infames zonas especiais com
condições especiais para adeptos, como a lei
obriga. Porque, na verdade, não deve ser a lei
a determinar onde nos devemos sentar – nem
num recinto desportivo, nem num concerto,
nem em lado nenhum. Muito menos porque
essa mesma lei cria essa obrigação baseada
num estereótipo de adeptos conveniente
a muitas instituições - estereotipo esse
bolorento, errado e que atropela gravemente
o direito à igualdade. E assim, nos nossos
estádios, prevalece a resistência, e resistir
a estas obrigações tem um reverso – estes
adeptos, sentando-se fora das zonas que a lei
determina, estão assim impedidos de fazer
tudo aquilo que os fascinou no dia em que
quiseram fazer parte deste movimento. Não
há bandeiras grandes, não há tambores, nem
há zonas que lhes permitam estar de pé e
saltar em segurança.
Perdeu-se a magia de cativar os
nossos sobrinhos, irmãos e filhos para vir ao
fim do dia à sede pintar a bandeira ou fazer
a coreografia do dia de jogo – aquela que
orgulhosamente fariam questão de levantar
no apito inicial – aquela que os faria entrar
cedo para o estádio no dia de jogo, a fim
de ter tudo preparado. A longo prazo, esta
cultura irá definhar, com a conivência e a
cumplicidade de todos os intervenientes, que
viram tudo a acontecer, e nada fizeram para o
impedir.
A liberdade nos estádios é uma
liberdade que não se exerce em pleno. Talvez
seja uma frase difícil de escrever, mas aqui
fica, para que a leiam e pensem no tanto
que nos falta fazer – não há liberdade de
expressão dentro de um estádio de futebol.
Portanto, se abdicarem de TUDO, “podem”
estar em qualquer outra zona do estádio.
Mas cuidado com o que cantam.
Não podem cantar em manifestação a outras
instituições do futebol. Serão multados
e interditos. Não podem levar bandeiras
políticas. Nem com o Che Guevara. Também
não podem levar t-shirts da Amnistia
Internacional, a favor dos direitos humanos
- serão barrados à entrada. Também não
convém fazerem muito barulho quando vos
tentam reprimir ainda mais os vossos direitos
– estarão a ser insurretos e a incentivar
comportamentos antidesportivos.
Podia estar a escrever de forma
extremamente pessimista, mas na verdade,
são estes os testemunhos que nos chegam
todos os fins de semana. São estas as
experiências que vivemos todos os fins de
semana.
Por esse motivo, resolvi trazê-las
para o papel – para vos lembrar que, para
nós, há muito Abril por cumprir.
Estádio Novo? Pois é, foi este o mote que
escolhemos para a nossa reflexão nos 50
anos de comemoração do 25 de Abril –
porque mesmo em tempos de censura, havia
liberdade num estádio.
Queria recordar-vos que há tanto
por fazer… não façamos dos legados uma
pedra preciosa que colocamos numa redoma,
apenas para admirar e celebrar. Deram-nos o
mote, cabe-nos a nós transformá-lo numa
realidade.
Viva a Liberdade.
Por Martha Gens, Presidente da Associação
Portuguesa de Defesa do Adepto
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Desta feita a caminhada é feita de chinelos... Aqui há 10 meses de verão e mistura
de azáfama da cidade e a calma da ilha, beijada pela água doce da ria e pelo salitre do mar.
Os seus primeiros registos recuam à era de domínio romano, durante o século III a. C. Após os
visigodos conquistarem aquele território, seriam os fenícios a dominarem-no a partir do século
IV a. C., denominando esta localidade, que já se destacava como centro urbano e comercial, por
Ossonoba. No século XI, já como capital de um principado independente, veio a ser chamada de
Santa Maria Ibn Harum, numa altura em que se edificaram muralhas para a proteger. Falamos
de Faro, a capital do Algarve, e falaremos dos farenses, até porque “é tudo uma questão de
educação” e “és de Faro, és Farense”
Já depois da independência portuguesa e da reconquista dos nossos territórios
aos mouros, a cidade foi renomeada para Santa Maria de Faaron ou Santa Maria de Faaram,
aproximando-se do seu nome actual. Continuaram os tempos prósperos, muito por culpa dos
Descobrimentos Portugueses, da sua posição geográfica, do seu porto marítimo e do comércio de
sal e produtos biológicos. Era uma localidade de artesãos, recheada de empreendedores, tendo a
comunidade judaica peso na prosperidade da cidade, até que D. Manuel I expulsa de Portugal os
judeus que não se convertessem ao catolicismo. O século XV foi de construção de infra-estruturas,
tendo ficado o século seguinte marcado pela elevação a cidade e pela invasão inglesa, que causou
danos. Apesar disso, os séculos seguintes foram de expansão territorial da cidade, somente
travada pelo terramoto de Lisboa, em 1755, que arruinou também os principais edifícios de Faro.
Até finais do séc. XIX, a cidade manteve-se dentro dos limites da Cerca Seiscentista, uma segunda
muralha construída para defender uma possível invasão espanhola na sequência da Restauração
de 1640.
A corveta de guerra “Duque de Palmela” foi espaço de promoção do futebol no Algarve,
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uma vez que estava ancorada na Ria Formosa como navio-escola. Os aprendizes de marinheiros
aprenderam a jogar à bola nos primeiros anos do séc. XX, sendo o primeiro jogo oficial em 1907,
no atual Largo de São Francisco, entre os militares do exército e os marinheiros da corveta. Já os
alunos do liceu de Faro também quiseram experimentar o novo desporto, e o professor Lyster
Franco ensinou-lhes as regras que trazia do Club Lisbonense. Este desporto foi conquistando
o interesse dos farenses e, em 1909, surgiu a ideia de se fundar um clube com equipamentos,
campo, sede e sócios que contribuíam semanalmente com uma quota de um pataco. É esta a
semente do que se efetivou, a 1 de abril de 1910, como Sporting Club Farense. A inspiração
dos fundadores foi o Sporting Clube de Portugal, possível de perceber através do nome e do
equipamento “Stromp”. A escolha das cores preta e branca deveu-se à tonalidade das fotografias
da equipa sportinguista que chegavam a Faro. A sua primeira casa foi o Campo de São Francisco,
depois o Campo da Sra. da Saúde, onde hoje está instalada a emissora nacional, antes de se
instalar definitivamente no Santo Stadium, hoje Estádio de São Luís.
O SCF é um dos principais impulsionadores do futebol na região mais a sul do país,
tendo sido fundador da União Foot-ball de Faro, juntamente com a Associação Académica do
Liceu de Faro, a Escola Normal de Faro e o Boavista Foot-ball Club no decorrer de 1914. É criado o
Campeonato de Faro e o Campeonato do Algarve, tendo o Farense vencido as primeiras edições
de ambas as competições. Esta organização acabaria por se extinguir em 1916, sucedendo-se a
formação da Associação de Foot-ball do Algarve, em 1917, que viria a extinguir-se volvido um
ano. Já em 1921, o Ginásio Club Farense recebe dirigentes do Sporting Club Farense, Sport Lisboa
e Faro, Boxing Foot-ball Club, Sporting Club Olhanense, Luzitano Foot-ball Club, Esperança Football
Club, Gloria Foot-ball Club, Portimonense Sporting Club, Sport Club União e Sport Club Os
Leões Portimonenses, símbolos que fundaram a ainda ativa Associação de Futebol do Algarve.
Dada a falta de campos dignos da dimensão da cidade, Manuel Santo, emigrante que
tinha regressado, projeta a construção do Santo Stadium, em 1922, num terreno perto da Igreja
de São Luís. Este recinto foi projetado de raiz para a prática desportiva, algo raro à época. Portanto,
assegurou-se que o campo tinha medidas apropriadas e bancadas para acolher adeptos, com
camarotes incluídos. Dá-se a sua inauguração a 1 de dezembro de 1923 e, no ano seguinte, o
Farense arrendou o estádio para receber os seus jogos, jogando lá até aos dias de hoje.
A temporada 1934/1935 marca a estreia dos campeonatos nacionais, com a formação
da I e II ligas, tendo o Sporting Club Farense participado no segundo escalão. Continuou nessa
divisão até depois de se sagrar campeão nacional da 2ª Divisão, em 1939/1940, uma vez que
a 1ª Divisão não permitia a participação de clubes fora de Lisboa e do Porto até 1941/1942. A
tão desejada subida foi sendo adiada porque, mesmo após vencer a série do sul, não conseguiu
voltar a tornar-se campeão nacional e assim consumar a ascensão. As décadas seguintes foram
de subidas e descidas entre a segunda e terceira divisão, marcando presença nas fases de subida
por várias vezes, como é o caso de 1956/1957. Encontramos uma fotografia de farenses num
autocarro em que rumaram ao Porto, num momento de confraternização com a equipa antes do
encontro com o Salgueiros.
Em 1969/1970 conseguem ascender pela primeira vez ao mais alto patamar português.
Nesse ano já é possível ver as bancadas do São Luís bem compostas com muitas bandeiras a
serem onduladas ao vento, sendo o início das três décadas com mais sucesso da história daquele
que é o maior representante algarvio nos campeonatos nacionais. Entre sucessivas permanências
e descidas, surge a primeira organização de um grupo de apoio mais organizado, a Juventude
Farense. Dá-se a segunda conquista do Campeonato Nacional da II Divisão em 1982/1983, o
ano que também entra na história por ver surgir os Demónios Brancos, coletivo de apoio que
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se manteve ativo até 1988, reaparecendo na Final da Taça de Portugal em 1990. Contudo, havia
pouca organização e cultura de claque, tendo a maioria do público uma maior participação
através de cânticos curtos, apupos, palmas e pressão junto às vedações, o que fez do São Luís um
estádio sempre animado e difícil de passar. Os Demónios Brancos apoiavam munidos de faixa,
bandeiras, um panal, capacetes de construção civil com o seu nome inscrito, tambores e gaitas,
por exemplo.
O Farense disputou a II Liga de 1989/1990, vencendo a zona sul, conseguindo novo
regresso ao primeiro escalão. Juntou a isso o feito inédito de ser finalista da Taça de Portugal,
decidida à segunda numa finalíssima contra o primodivisionário Estrela da Amadora. Diz-se
que Faro ficou vazia, tendo milhares de farenses enchido o Jamor de bandeiras, de pequenas e
grandes dimensões. Foi a última aparição dos Demónios Brancos.
Na época seguinte, aparece a Pujança Moura, grupo que se apresentava na bancada
com faixa, fumos, papel cortado e bandeiras grandes. A Pujança Moura, existente entre 1991 e
1992, e a Alma Algarvia, com atividade entre 1992 e 1993, ajudaram o SCF a conseguir um 7º e
dois 6º lugares consecutivos.
É à quinta jornada de 1994/1995, em recepção ao Sporting de Braga, que aparecem
os South Side Boys. Formado por jovens, tornou-se um grupo disruptivo com o estilo dos seus
antecessores, fruto da irreverência mostrada e pela aglomeração de malta de diversas ideologias
e subculturas sob o estilo Ultras, levando a cabo uma valorização de Faro e do que o seu povo
proporcionava. Logo no seu primeiro jogo deram espetáculo: juntaram cerca de 100 elementos,
abanaram balões e abriram extintores, tochas e potes de fumo. Não fugindo à regra do movimento
de apoio nacional nos anos 90, faziam cachecoladas com cachecóis de Portugal e de diversos
clubes e grupos estrangeiros, especialmente de Itália, Espanha e Inglaterra. A primeira de quatro
deslocações (nessa época) fica na memória do grupo não só por ser a de estreia, mas sobretudo
pelas aventuras desde a chegada, à hora de almoço, até à saída de Setúbal. Na chegada ao
estádio, a polícia apreendeu um extintor, dois potes e uma tocha, tendo sido recuperados pelos
South Side alguns desses dispositivos. Fizeram então uma tochada com mais de uma dezena de
artefactos, cenário que se repetiria no Municipal de Leiria. Provocações na bancada, pedrada no
autocarro dos Ultras Sul, lembranças nas áreas de serviço e luta de comida dentro da viatura… os
danos contribuíram para a perda de um patrocínio e consequente demissão de vários membros
da primeira direcção da claque. Este primeiro ano fica também marcado pela censura policial às
faixas “Ragazzi della Violenza” e “Hooligans”, bem como pelo aumento de receitas, inauguração
da primeira sede, criação da SS Zine e belas coreografias (uma cascata de papel, outra com dois
lençóis), oscilando as mobilizações em Faro entre os 200 e os 500 elementos. Para isso também
contribuíram as iniciativas que os SS organizavam com bandas da cidade, como concertos de
conjuntos locais que chegaram a ensaiar na sede do grupo, bem como a criação de núcleos por
zonas da cidade. Desde logo começaram a surgir tensões e confrontos com equipas da cidade do
Porto, inicialmente com os Super Dragões. Acabariam por ajudar o Farense a atingir o 5º lugar na
I Divisão, a sua melhor classificação de sempre, adquirindo o direito a disputar as competições
europeias na época posterior. Na última jornada festejaram com uma coreografia com dois
lençóis e os dizeres “Nascemos para te levar à Europa”, havendo ainda invasão de campo. Para
culminar, deslocaram-se em bom número a Olhão, onde o Farense festejou a subida de divisão à
primeira divisão de Basquetebol.
A temporada 1995/1996 trouxe novidades. Em Setembro, jogaram-se os dois únicos
jogos europeus da história do clube. Em Faro, os South Side Boys prepararam uma grande
coreografia de cartolinas a recriar a bandeira nacional, estando todos com uma t-shirt do grupo,
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tendo recebido o reconhecimento dos Bad Gones no final da partida. Para a segunda-mão,
disputada em solo francês, compareceram 15 ultras, que se depararam com um aparato policial
fora do normal da realidade portuguesa. Houve abusos nas revistas, tendo a polícia exigido o
corte das faixas para poderem estar expostas na rede do sector e, devido a isso, a faixa principal
ficou deslocada, não tendo de ser recortada. Mais tarde, antes de um jogo contra o Porto, Faro
foi presenteada com o primeiro cortejo dos SS, onde perfilaram cerca de 250 elementos. Ao
nível de mobilizações para outras terras, dobraram a primeira época, contabilizando um total de
oito deslocações. Praticamente isolados no Algarve e numa altura em que era muito mais difícil
viajar, as viagens ao norte eram realizadas por três (Guimarães), cinco (Porto) ou dez elementos
(Braga), por exemplo. Em Campo Maior, naturalmente, a mobilização foi maior, registando-se um
dos maiores confrontos da história dos South Side Boys, com 15 membros a receberem ordem de
detenção.
Há então uma reestruturação, passando os núcleos das zonas de Faro a serem
considerados grupos. Dada a maturação e de se levantarem valores mais altos do que as zonas
de residência, a identificação de uns elementos com outros torna-se mais importante na coesão
do grupo e dos subgrupos. Isto aconteceu numa altura em que a claque atraia adeptos de outras
terras, constituindo aquilo que eram considerados núcleos nas suas áreas residenciais, onde
quem pagasse a quota anual de 1 000$00 tinha direito a presenciar todos os jogos caseiros.
A permanência viria a ser garantida numa deslocação à Luz, na qual participaram 60 SS, numa
época em que mereceram várias menções honrosas em fanzines nacionais e internacionais.
A época seguinte é de alguma regressão, uma vez que o número e a postura da
maioria da bancada decresceram. Contudo, este momento foi de afirmação/revelação de alguns
membros. O grupo inaugurou a sua nova sede, na qual esteve sediada por muitos anos de forma
intermitente, num edifício do clube adjacente ao estádio. No âmbito coreográfico, há a destacar
a coreografia “Ontem, hoje e sempre... Sempre Farense!” na recepção ao Sporting, numa
temporada em que marcaram presença em cinco partidas longe de Faro.
Nova época, nova reestruturação na direcção dos South Side, embora esta tenha sido
mais profunda, pois foram convidados dois membros de cada núcleo a serem integrados. Surgem
então alguns grupos muito militantes e históricos, em contraciclo, uma vez que o espírito de
grupo estava em baixo, notando-se isso, por exemplo, nas parcas coreografias executadas. Nos
jogos fora, destacaram-se as transfertas realizadas até ao Mondego.
Em 98/99 a faixa não é apresentada em alguns jogos, fruto do estado do grupo, que
quase não festeja o seu quinto aniversário. Com presenças pouco numerosas, perdem alguns
dirigentes e a sede, bem como a liderança técnica da equipa do mítico Paco Fortes. Dá-se ainda a
criação da SAD e, na época seguinte, a situação do clube deteriorou-se. Entre as cinco transfertas,
destaca-se aquela em que os adeptos farenses lotaram 10 autocarros para irem até ao terreno
do Campomaiorense. Surgem espanhóis para o comando da sociedade anónima desportiva,
com supostos intentos de mudança do símbolo farense, aumentando o descontentamento
e o fosso entre sócios, cidade e o clube. Apesar de tudo, os South Side Boys criam um bom
relacionamento com o representante dos espanhóis, que tinha liderado os ultras do Salamanca e,
por isso, contribuído com algumas propostas para os algarvios. Entre outras, uma foi aplicada em
2000/2001: Bancada Jovem SS - um bilhete anual com custo de 12 000 escudos. O colectivo de
apoio acabou por mostrar a sua verdadeira força numa época em que redobraram as intervenções
contra a direcção e a equipa técnica.
Apesar do regresso do treinador Paco Fortes, o Farense acabaria por descer na época
2001/2002, após 12 épocas na Primeira Liga. Por essa altura, os South Side, que estiveram
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presentes em cinco estádios fora de Faro, constituem-se enquanto associação. Meses depois
iriam apoiar o Farense pela primeira vez numa divisão secundária. Foi a primeira de três descidas
consecutivas, uma fase que se pode considerar o período mais negro da sua história. O maior
emblema algarvio só parou na antiga III Divisão (quarto escalão nacional), mas culminando
com a desclassificação em 2005/2006, por ter três faltas de comparência devido a dificuldades
financeiras que impediram a inscrição da equipa sénior nesse ano.
Em 2002/2003, no regresso da II Liga ao São Luís, há mudanças na direcção do grupo.
Num ano em que são feitos os primeiros cachecóis de cetim do grupo, velhos amigos voltam
à bancada e novos criam subgrupos, e os SSB passam a contabilizar cerca de 100 elementos
activos. O seu apoio foi sentido em nove estádios de sul a norte de Portugal, destacando-se
a mobilização de 130 SS a Portimão, num dos dérbis mais apetecidos por aquelas bandas. O
9º aniversário da claque foi comemorado em grande estilo com um concerto no pavilhão do
clube, onde actuaram três bandas. Em campo, os alvinegros garantiram a permanência, somente
desfeita pela gestão danosa da SAD, que levou à descida na secretaria. Os South Side Boys iamse
tornando cada vez mais o maior bastião do clube, que na maioria das vezes seria o único.
Fizeram desta fase do clube um motivo para coesão grupal, tendo na época seguinte marcado
presença em todos os campos da II Divisão B, nos continentes e no arquipélago madeirense. A
equipa era composta por jogadores juniores, o que não impediu uma invasão de barco por parte
dos ultras a Olhão e a inscrição de 230 sócios nessa época. As assistências aumentaram e o apoio
foi incondicional, numa verdadeira demonstração de amor e fidelidade, numa tendência que se
fez notar na fundação de mais núcleos e numa maior responsabilidade dentro do clube, com os
South Side a tomarem conta da gestão dos bares do estádio.
Na III Divisão, em 2005/2006, os South Side fazem o seu segundo pleno, numa época que
o Farense iniciou com os juniores. A nova sede é um espaço fundamental para o fortalecimento
da coesão do grupo, que se mostra com imensa vitalidade e com uma rivalidade interna saudável,
provocando uma crescente vontade de darem o melhor à causa, muito por culpa da iniciativa
“O Grupo Mais Fiel”. Expandem o seu raio de acção e mostram-se à cidade na concentração de
motos, na semana académica e na semana da juventude. Este trabalho contribuiu para presenças
memoráveis, como a dos 100 elementos em casa do Imortal. Contudo, a situação do clube não
melhorava e os South Side mostraram-se sempre na linha da frente, fazendo uma manifestação
no centro da cidade, que contou com a presença de 400 pessoas, e uma invasão de campo, onde
mostraram a frase “Tens vergonha de ser Farense?”. Dada a pressão dos farenses, a muito custo,
o clube foi inscrito no mesmo campeonato na época seguinte, mas viria a desistir depois de oito
jogos com os juniores, que jogavam dois campeonatos em simultâneo.
Um grupo de apoio sem equipa para apoiar... isto aconteceu em Faro e os South Side
Boys continuaram a palmilhar o seu caminho, fortalecendo o grupo, vindo a formar uma lista para
concorrer às eleições do clube. Os elementos do grupo consideraram essa assembleia-eleitoral
ilegal, por não se terem cumpridos os prazos devidos.
Em 2006/2007, o Farense reergue-se a partir da última divisão distrital algarvia. Sagrase
campeão duas vezes seguidas e está de volta aos nacionais, tendo-se feito festa por vários dias
em ambas as ocasiões. A experiência nos distritais é descrita como inesquecível por quem a viveu,
por diversos motivos, como verem o Farense jogar em pelados. Era uma realidade desconhecida.
Nesta altura, poucos mais são aqueles que, além dos SS, se mantêm fiéis ao clube da cidade,
sendo então lançada a campanha “És de Faro... és Farense”. Embora os esforços, houve ainda
uma situação que aumentou a distância entre a cidade e o clube: o clube passou a jogar no
Estádio do Algarve, construído para o Euro 2004, até porque o São Luís esteve à venda, tendo-se
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projectado ali a construção de habitações. Neste período destacam-se as deslocações a Salir, a
Vila Real de Santo António (onde 200 ultras desfilaram até ao estádio), a Odeceixe e a Alvor. Pode
dizer-se que memorável também foi o festejo dos 14 anos de actividade do grupo, na baixa da
cidade.
O regresso aos nacionais expande o raio de acção do apoio além da região algarvia.
O autocarro volta a ser muito solicitado para percorrer quilómetros e quilómetros. Estiveram
duas vezes em Évora, tendo-se registado confrontos com a polícia por ocasião do jogo com o
Lusitano e ocorrido o resgate de um membro que se encontrava detido na esquadra. Na partida
em casa da Juventude, apareceram com 100 ultras. Já na Cova da Piedade, com o clube da casa a
aumentar excessivamente o preço do bilhete, os South Side Boys apoiaram a sua equipa a partir
de um monte com faixas e panos presos em árvores. As expectativas a nível desportivo eram
altas, mas acabaram deflagradas, com o director desportivo a terminar a época a treinador, saída
do líder dos SS e consequentes eleições, cenário que também se verificou no clube. Elementos
de grupos constituem uma lista, não vencendo o sufrágio, que desta feita é considerado legítimo.
Para a nova época, o velho desígnio: aproximar Faro do Farense. Distribuem a bandeira
“Farense Sempre”, com diversos estabelecimentos comerciais, e abrem a sua sede para artistas
conterrâneos contemplarem a cidade com a sua arte. Continuam o trabalho social desenvolvido
na época anterior, através da recolha de roupa e brinquedos no Natal, enquanto uma grave
crise económica assolava Portugal. O SCF festejou o seu centenário na baixa de Faro, tendo
homenageado a sua claque nessa ocasião. Contudo, alguns ainda teimavam em conotar o
grupo com a Schutzstaffel, organização paramilitar e policial nazi, criando divergências quanto à
intenção de patrocinarem as escolas de formação, introduzindo o seu símbolo nas camisolas de
jogo. Posto isto, os South Side Boys acabaram por ajudar o 11 Esperanças, outro clube da cidade.
Num ano em que as trasfertas ao Barreiro e a Monte Gordo ficam marcadas por confrontos com a
polícia, o Farense volta ao São Luís. Visto como um mal necessário para a sobrevivência do clube,
havia a intenção de vender o terreno, mas tal não se sucedeu. Com o estádio cheio a apoiar, é
garantida a subida à II Divisão B, abrilhantando o centenário.
Os South Side Boys mostraram logo no primeiro jogo do campeonato que não queriam
perder o comboio que tinha como próxima paragem a 2ª Liga, numa época em estiveram
presentes nos Açores por três vezes, uma vez com 15, outra com cinco e outra com 25 elementos.
Outras deslocações que ficaram na memória foram a Merelim e a Chelas, onde decorreram fortes
confrontos com os locais e a polícia. Entretanto, Joaquim Sequeira, treinador da equipa, morre
no decorrer da temporada e, apesar de uma fase positiva que recuperou a equipa, o Farense viria
a sucumbir perante 5 000 farenses, que se mostraram ao lado da equipa mesmo descendo de
divisão.
Não seria este percalço desportivo que afectaria profundamente a vitalidade do grupo,
que no primeiro jogo oficial da época estaria nas Caldas da Rainha. No Campo da Mata, na
sequência de provocações do keeper do Caldas, os SS invadem o relvado e envolvem-se numa
troca de galhardetes com os jogadores adversários e a polícia. Já na fase final do campeonato, o
Farense teria o seu estádio interditado por um jogo como castigo. Na semana seguinte, em Faro,
dão o mote com umas das maiores fumaradas da sua história. A vontade de contribuírem para
o desenvolvimento da formação perdurou, até que o clube aceitou o patrocínio, tendo o grupo
organizado um almoço para estreitar laços com os jovens e os seus pais. A dobrar a primeira
volta, 130 ultras viajam até à Costa da Caparica, numa época de novos feitos internos, como
a coreografia “Amor Eterno” que ocupou todo o topo norte, num jogo em que a festa acabou
estragada pela actuação policial, sucedendo-se confrontos com os azuis. No jogo seguinte no São
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Luís, os South Side Boys fazem um protesto, com boicote parcial de apoio e a apresentação da
frase “Repressão policial, bancadas vazias, silêncio total”, sendo ovacionados quando entram no
sector ultra. Para o jogo, no qual o Farense viria a tornar-se campeão, a claque distribuiu convites
para o jogo amarrados a balões pretos e brancos pelos carros estacionados na cidade, tendo
a festa alargado pela baixa da cidade, pela semana académica e pelo primeiro Arraial Farense,
iniciativa dos próprios.
No regresso à Segunda B, as expectativas de subida imediata são atiradas para canto,
embora dessem o mote de estarem “em busca do tesouro perdido”, como dizia na coreografia
onde perfilavam duas caravelas. O grupo mostra-se em todos os jogos fora, fazendo todas as
viagens de autocarro, à excepção da viagem à Madeira, onde compareceram 60 ultras. Há ainda
invasões a Chelas e a Mafra, embora o número de sócios tenha diminuído, acreditando que isto
se deveu à obrigatoriedade de um sócio SS ser também sócio do clube, inédito na vida da claque.
Nesse mesmo ano voltariam ao seu sector original, o topo sul, que esteve fechado três épocas
por parcas condições de segurança, facto merecedor de coreografia para assinalar. Contudo, o
período junto dos sócios comuns foi bom, para os mesmos compreenderem melhor a dinâmica
e envolvente do grupo, culminando em aproximação de ambas as partes. Para a partida em que
confirmaram a subida à 2ª Liga, houve uma grande concentração dos SS, tendo a equipa chegado
ao estádio escoltada pelo Moto Clube de Faro, onde jogaram perante 14 000 farenses. Os South
Side Boys fizeram nova coreografia, conotada com a primeira da época, onde 1 500 bandeiras
com o símbolo do grupo se conjugaram com a frase “Tesouro à vista, vamos à conquista!”. Subida
carimbada e o mar de alegria dos adeptos inundou o relvado.
A temporada 2013/2014 é marcante, pelo regresso aos campeonatos profissionais
depois de tanta fidelidade e militância e pelos 20 anos de actividade dos South Side Boys.
Esses foram festejados com aquela que nos parece a maior coreografia da história do grupo,
complementada por tochada no relvado. Uma realidade diferente para todos os membros,
até porque era um campeonato com 46 jornadas, mais Taça da Liga e Taça de Portugal. Ainda
mais diferente seria para a nova guarda, que entrara para o grupo quando a equipa militava
nas divisões secundárias, mas fizeram questão de marcar presença em todos os jogos, tentando
sempre ter o maior número possível na bancada. Sempre que o SCF jogou fora durante o fim-desemana,
estava garantido um autocarro do grupo. Começaram em Tondela e, de seguida, foram
até Portimão, onde 250 ultras marcaram presença. Naquela que é a maior viagem do futebol
profissional português, seis ultras percorreram o caminho da Estrada Nacional 2 durante três dias.
Um belíssimo exemplo da capacidade dos SS nessa altura foi a deslocação a Matosinhos, com o
autocarro esgotado, para um jogo a uma quarta-feira à tarde. Outubro foi um mês desafiante no
que a viagens diz respeito, pois obrigou o Farense a estar presente na Madeira por três ocasiões,
nas quais os South Side Boys marcaram presença com seis membros de cada vez. Brindaram a
sua equipa com bons espetáculos coreográficos, como “A Morte em Chamas” (Oliveirense) e
“Honra o Teu Clube, Defende a Tua Cidade” (Tondela), por exemplo. Contribuíram ainda para a
vida farense com iniciativas como o Arraial SS, o SS Music Fest, distribuição de autocolantes nas
escolas de Faro, um lanche com o Futebol de Formação e o apoio ao Basquetebol.
O grupo de apoio do “maior do Algarve” abre 2014/2015 com a Taça da Liga, a segunda
da sua história, marcando boas presenças nos primeiros três jogos. A Segunda Liga é novamente
reformulada, passando a ser constituída por 24 equipas. Na abertura da mesma apresentam
um tifo de bancada, associando o símbolo do grupo ao lema “Este é o Símbolo Que Nunca Vos
Abandonará”, dando assim o mote para ultrapassarem, por mais um jogo, as 49 presenças em jogos
oficiais na época anterior. Nesse ano reencontram o Olhanense para mais um derby escaldante.
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Na primeira volta vão até Olhão centenas de ultras, tendo ainda antes do apito inicial conseguido
roubar duas faixas de um grupo rival, através de uma incursão pelo relvado. De seguida, exibição
da faixa e destruição da mesma, certamente ao som de “na minha vida uma missão: pôr uma
bomba em Olhão”. Para a entrada das equipas, cascata de rolos, bandeirada, lençol e pirotecnia,
numa belíssima combinação. Entretanto, o topo sul entra em obras e os South Side voltam à norte
durante alguns jogos. De volta ao seu lugar, até ao fim do campeonato desenvolvem coreografias
como “Fidelidade Eterna À Minha Cidade”, “Sou de Faro... Sou Farense” e “21 Anos de Incrível
Paixão”. Outro grande jogo foi em casa do Portimonense, onde 150 ultras foram brindados com o
empate farense quase no fim do jogo, num forte e incondicional apoio durante 90’.
Os SSB começaram a pré-época 15/16 em grande forma, desenvolvendo um concurso
interno. Cada grupo deveria pintar um mural pela cidade sob o tema “Sou de Faro, Sou Farense”,
e o vencedor receberia uma bandeira grande, saindo todos com o troféu, mas acima de tudo
com boas memórias de companheirismo em mais uma operação de charme perante a cidade.
Esta iniciativa representa a continuidade na aposta na pintura de murais pela cidade, que fez
de Faro a cidade portuguesa mais próxima de Split no que a arte dedicada ao clube local diz
respeito. Como vinha sendo hábito, na primeira jornada caseira do campeonato realizaram uma
coreografia - “Sempre Convosco!” - seguida de uma em forma de homenagem e apelo à subida
de divisão - “Reencarnem o Espírito de 69/70”. A verdade é que, apesar de todos os intentos e do
incansável apoio dos SS, a equipa acabaria por sucumbir na fase final da época, muito por culpa
do caso Harramiz, numa época em que desceram cinco equipas e o Farense ficou a um ponto da
manutenção. Ainda no que a coreografias diz respeito, há a salientar a expressão do desejo de
irem ao Jamor, através de “Ontem Tive Um Sonho - Vamos Torná-lo Realidade” em jogo contra o
Braga. Numa altura em que se sentia uma perda de interesse em volta da equipa há alguns jogos,
certamente fruto do desgaste e dos maus resultados, os SS fecham os jogos em casa com uma
coreografia de topo, combinando imagens da cidade com o dizer “84 Anos Até Nos Veres - Agora
é Até Morrer”.
Depois de mais um murro no estômago, mais uma prova de resiliência e fidelidade na
sua missão. Para isso foi fundamental a mudança de liderança na SAD farense, com um investidor
local a assumir o papel principal até aos dias de hoje. Os South Side Boys não desarmaram no
regresso aos estádios sem cadeiras, alguns ainda com peão, sem medidas de segurança excessiva,
sem incontáveis jogos à quarta-feira... O adversário era o Armacenenses, mas que importa?
Coreografia a elevar os “ULTRAS” alvi-negros. Mais tarde, apesar da diminuição de presentes no
topo, apresentariam “Defende o Clube da Nossa Cidade” e uma das mais emblemáticas: “É Tudo
Uma Questão de Educação”, numa alusão à passagem do amor à camisola por parte de um pai
para um filho. Em campo, o SCF não atingiria a subida por um ponto, prolongando a sua estadia
no Campeonato de Portugal por mais um ano.
2017/2018 ficou marcado pela subida de divisão e pela boa campanha na Taça de
Portugal, somente travada pelo incrível Caldas no Campo da Mata, onde os South Side Boys
marcaram uma grande presença. Acabariam por chegar ao Jamor, mas para decidirem o campeão
do terceiro escalão, suportados por mais de 5 000 farenses. “Defensores de Uma Cidade” foi
a primeira coreografia da época, antecedente à que foi feita na recepção ao Olhanense. Esta
foi realizada em duas partes, numa excelente execução sobre a deixa “A Nossa Glória… Será o
Vosso Pesadelo!”. Também na Taça de Portugal, esta de Futsal, o Farense faz uma bela campanha,
chegando à final 8 disputada em Gondomar. Para o jogo em que carimbaram a passagem a essa
fase, os South Side Boys prepararam uma coreografia em duas bancadas, uma de cartolinas e
outra com um lençol. Mais tarde, o grupo apresentou-se no pavilhão nortenho, apesar do jogo
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ser realizado durante uma tarde a meio da semana, enchendo uma carrinha para o efeito. A
subida de divisão foi garantida em Vila Franca de Xira, onde parte da faixa SS Penha foi cortada e
levada durante o jogo, onde houve confrontos entre grupos e invasão de campo para festejar a
vitória. Uma tarde à moda antiga.
Seguiu-se uma caminhada cheia de sobressaltos na II Liga, sendo a permanência
assegurada numa emocionante última jornada. Mas, antes disso, os South Side percorreram
imensos quilómetros, sempre presentes como seu lema e posicionando-se desde a primeira
hora contra o Cartão do Adepto. “Tudo por Esta Camisola” frente ao Varzim e “Até ao Fim! Nós
Queremos, Nós Conseguimos” frente ao Académico de Viseu foram coreografias realizadas
em recepções a adversários directos que demonstram a importância que o grupo deu a estes
confrontos num ano em que comemoraram 25 anos de vida dos South Side Boys. Para esse
efeito, novo tifo bem concebido, onde proclamaram “Somos Um Modo de Vida!”.
De uma época difícil formou-se a base para o feito de 2019/2020, associando-se a
isso um grande investimento na melhoria da equipa e das condições na sua envolvente. Com
o Farense bem lançado na luta pelo regresso à Primeira Liga, em Dezembro disseram ao Pai
Natal, através de uma bela coreografia, “Queremos a Prenda Em Maio”. Entram em 2020 com
uma boa deslocação a Pina Manique e fazem, a 9 de Março, o último jogo antes das bancadas
serem interditas pelo Covid-19, no Estádio do Mar. Por essa altura, o SCF encontrava-se em 2º
lugar e a Liga decidiu terminar as competições e atribuir a subida aos algarvios. Consumou-se
assim o regresso do clube à principal divisão portuguesa, 18 anos após a sua última participação.
Contudo, o sentimento foi agridoce para os South Side Boys, que gostavam de ver a sua equipa
subir por mérito próprio e estando na bancada a fazerem o que mais gostam.
Mesmo com o Covid, os Ultras Sul continuaram o seu caminho. Efectuaram doações
solidárias a instituições e levaram a cabo a iniciativa “Pintar Faro de Preto e Branco”, com a
pintura competente de vários murais nas ruas e em cafés da cidade. Após meio ano de paragem,
as competições voltam a ser disputadas, embora que o adepto tenha sido relegado para o sofá.
Os South Side Boys aprontaram-se e encheram uma carrinha que rumou a Moreira de Cónegos,
onde receberam a equipa à chegada ao estádio. Foram 1 200 quilómetros de amor à camisola
para apoiarem, durante poucos segundos, o seu símbolo neste tão desejado regresso. Fizeram
o mesmo em jogos em casa, em Lisboa, em treinos, destacando-se as ocasiões em que viram
e apoiaram em cima de prédio, em que fizeram concentrações no estágio da equipa, cordões
humanos e o espectáculo pirotécnico na recepção ao Portimonense. Apesar de todo o esforço,
a equipa não conseguiu manter-se na I Divisão.
Em Augusto de 2021, regressam às bancadas fruto da abertura parcial ao público,
viajando regularmente por todo o país. Jogaram a 2ª Eliminatória da Taça de Portugal na casa
do São Roque, nos Açores, sendo o grupo representado por um membro, que não se fez rogado
e fez ouvir a sua voz. O grupo consegue manter boas presenças nos jogos em casa, perdendo
fulgor nas deslocações, numa época em que o clube terminou no 11º lugar. Fecham a época
com mais uma presença nas Festas de São Pedro com a barraca SS.
O Cartão do Adepto passou a condicionar mais os grupos, sendo os South Side
Boys também afectados por isto. O seu sector foi fechado para portadores do cartão, tendo
de se deslocar uns metros para o lado e impossibilitando o grupo de apresentar tifos como
fazia regularmente. Os campeonatos profissionais sempre brindaram os SS com a maioria das
equipas sendo nortenhas e, nos últimos anos, a capacidade de mobilização regrediu, sendo
grande parte delas feitas por menos de 20 elementos. 2022/2023 ficou marcado por ser uma
época de sucesso, onde o Farense regressou ao mais alto patamar nacional para gáudio dos
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seus adeptos. Neste ano há a destacar a presença em Alvalade e Seixal pela quantidade, mas há
a destacar a presença em 21 estádios a mais de 100 quilómetros de Faro. Os South Side Boys
podem finalmente festejar a subida à Primeira como ambicionavam, sentindo esta vitória como
fruto do seu esforço.
Mantêm-se “fortes na vitória, fiéis na derrota” numa época em que o Farense faz um
campeonato tranquilo e os SS completam novo pleno. O Inferno do São Luís é a maior força do
clube, muito impulsionado pelos aficionados que a partir do topo sul fazem a festa durante todo
o jogo. Por esta altura, o Farense tem das melhores assistências e ambientes caseiros, fazendo
o grupo deslocações em maior número até à zona metropolitana de Lisboa, agregando-se a
eles algumas centenas de farenses por ali radicados. Para fecharem a época em beleza, juntam
à festa da manutenção a festa pelos 30 anos de devoção à causa farense, que certamente não
ficará por aqui.
Por L. Cruz
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Talvez seja melhor começar por
esclarecer quem é Tó Madeira. Para quem
não esteja familiarizado, eventualmente
por algum “gap geracional”, o Tó Madeira
era um ponta de lança do Clube Desportivo
de Gouveia que constava de uma primeira
versão do jogo de computador Championship
Manager de 2001/02. Tratava-se de um
“super avançado” e quem o contratasse
tinha a garantia de pelo menos uns 30 golos
por época. Contudo, o que distinguia este
craque de outros dessa edição, como por
exemplo o avançado Maxim Tsigalko, era o
facto de o Tó Madeira na realidade não existir
enquanto jogador de futebol. Reza a lenda
(que um dia será devidamente tratada num
episódio do Podcast, fica a promessa) de que
foi a pessoa responsável pela introdução da
equipa do CD Gouveia na base de dados do
jogo que se colocou a si próprio com aquelas
caraterísticas. E foi exatamente por eu ter
observado esse gesto como um exemplo de
subversão do sistema, o de alguém que não
pertence ao jogo introduzir-se como parte do
mesmo, baralhando as regras e trocando as
voltas a partir de um local tão improvável como
Gouveia, que não hesitei na hora de baptizar
dessa maneira o Podcast, simultaneamente
prestando uma homenagem mas também
querendo transmitir a mensagem de que há
um futebol que está a passar fora do radar do
sistema, mas que só depende de nós baralhar
as regras do jogo e colocá-lo em lugar de
destaque. Não sou, portanto, o “verdadeiro
e famoso” Tó Madeira. O meu nome é Edgar
Macedo, de Lisboa, um gajo que tem um
podcast.
O Podcast Tó Madeira nasce de um
certo desconforto e desilusão com o futebol
profissional em Portugal nas suas mais
amplas vertentes. Desde a sempre constante
e cada vez mais feroz visão “tripartida”, em
que tudo gira em torno de três clubes, até às
cada vez mais absurdas regras que asfixiam
os adeptos, os horários dos jogos ou a visão
empresarial que faz passar como inevitável a
ideia de que 90% dos emblemas tenham de
estar sob domínio de indivíduos ou grupos
empresariais dos quais pouco ou nada se
sabe e cujos intentos deixam muito a desejar.
Que o associativismo é uma ideia romântica
de “meia dúzia de líricos”, condenada à
morte, porque os “tempos mudaram”. Como
se não estivéssemos todos de uma forma
constante e tristemente repetitiva a sermos
confrontados com o fracasso do modelo
empresarial que afasta clubes do seu próprio
estádio, que compra e vende direitos de
participação como se fosse dia de peixe fresco
na lota ou atira emblemas à falência. Acresce
a isto a experiência, enquanto sócio do Clube
de Futebol “Os Belenenses”, que permitiu
testemunhar um percurso desde a 7ª divisão
até ao futebol profissional, constatando e
comprovando que outro futebol existe e é
possível. Que podemos ter jogos a horas
decentes, a preços populares, que pode
ser consumido álcool na bancada, que as
crianças podem fazer a festa com bandeiras,
cornetas, buzinas. Que há um sem número
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de clubes a viver o associativismo, com sedes
a serem pontos de encontro, a cumprirem
a sua natureza de instituições de utilidade
pública, facultando a prática de desporto à
sua comunidade e cuja História, muitas vezes
absolutamente central nas localidades onde
se encontram, está por descobrir.
Os episódios foram sendo
concentrados em torno destes temas
e o Podcast tem evoluído ao sabor das
descobertas que tem feito, procurando
sempre que possível sair para o terreno e
ir conhecer estádios, gentes e memórias,
mas também obter respostas para situações
assumidas como “inevitáveis” no futebol
moderno e em relação às quais muita gente
se pergunta “porquê” sem que chegue uma
resposta esclarecedora, e estabelecendo por
vezes uma ponte com o mundo académico,
contrariando a ideia de que o futebol é
aquilo que junta umas pessoas aos berros
em programas de “debate” televisivo, para
conhecer e divulgar investigações e teses
que têm o futebol como objeto de estudo.
Desde, por exemplo, procurar resposta
para o sentido da proibição do consumo de
álcool nos estádios (episódio 13 a partir da
investigação de Phelipe Caldas), da submissão
do futebol às apostas desportivas e à ameaça
do match-fixing (episódio 16 com o britânico
James Grimes e a tese do investigador
Marcelo Moriconi), ou como os clubes eram
donos dos jogadores antes do nascimento do
sindicato (episódio 9 com o académico Pierre
Marie). Ou então, por exemplo, ir conhecer a
“versão portuguesa” de um Botafogo vs Vasco
da Gama, que existe na distrital de Setúbal,
ir a Coimbra saber porque existem “duas
Académicas” ou escutar sobre a identidade
e projeção social e cultural de Marítimo,
Nacional e União na ilha da Madeira. A
relação entre a gentrificação de Marvila e
o Clube Oriental de Lisboa, a memória do
mítico Campo da Hortinha em Alhandra ou
um punk-rocker que escrevia hinos de amor
ao futebol, mas também demonstrando
como é possível estabelecer uma relação
entre o futebol e os 50 anos do 25 de Abril
de 1974, temática à qual irei dedicar todos
os episódios de 2024. Até ao momento,
desde Janeiro, já permitiu fazer a ponte entre
locais e acontecimentos da revolução com
a realidade do Clube Atlético e Cultural da
Pontinha, com a “casa às costas” desde que o
município de Lisboa deitou o estádio abaixo,
dos mais de 200 clubes portugueses que
existem em França, fruto da emigração dos
anos 60, da história da centenária Associação
de Futebol de Santarém, do “desconhecido”
São Domingos Futebol Clube que esteve na
génese do futebol em Setúbal ou da feroz
rivalidade entre os dois clubes de Grândola
antes de se fundirem em um só.
Em paralelo com o Podcast,
escrevo ocasionalmente na página
tomadeira.substack.com textos de opinião
ou de divulgação de filmes, livros ou música
relacionada com o futebol.
A ideia passa por continuar a
acreditar que outro futebol existe e é possível.
Conhecer cada vez mais gente, locais, jogos,
histórias. É o que se leva disto.
Por Edgar Macedo
29
À CONVERSA COM
DESNORTEADOS
Quando e como nasceram os Desnorteados?
Os Desnorteados nasceram em 1990, fruto
da junção de dois grupos já existentes. Um
dos grupos (com poucos rasgos ultras), os
TMUC (Tuna Musical Unidos da Carriça),
era composto por atletas das várias
modalidades e camadas jovens do clube
e era liderado pelo Tadeu, figura bastante
respeitada e capaz de congregar muita gente
à sua volta. Era um grupo bastante ruidoso
e irreverente. O outro era os Ultra Boys, um
grupo formado essencialmente por jovens do
circuito underground espinhense que eram
apaixonados pelo movimento ultra e que
eram liderados pelo Pipa, que se destacaram
pelos primeiros shows pirotécnicos e faixas de
grande e belo recorte. Após um jogo fatídico
para o clube, estes dois grupos decidiram unir
forças e formar o ainda actual grupo ultra do
Sporting Clube de Espinho.
Os primeiros anos foram de grande euforia,
com bastante dinamismo na curva e na
própria cidade. Com o estereótipo de
violência que pairava sobre os ultras na
altura, os Desnorteados sempre tentaram
pautar as suas acções e a sua postura através
do respeito e da amizade. Sempre tentaram
fazer das tardes de domingo uma verdadeira
festa, repleta de partilha de valores da curva,
de momentos bem passados entre todos,
de aproximação a outros grupos com que
se cruzavam a fim de partilha de opiniões,
de valorização e crescimento do movimento
ultra, e nos anos 90 foi um dos grupos
que mais tentou impulsionar o mesmo.
Eram frequentes as grandes tochadas, as
coreografias, as enormes e vistosas faixas
e o apoio incessante durante todo o jogo.
Na própria cidade organizaram-se muitos
concertos e festas com o propósito de unir
ainda mais o grupo e por vezes trazer bandas e
ultras doutras terras. Com o desaparecimento
do Tadeu, o grupo ressentiu-se bastante
e teve na época seguinte uma quebra de
rendimento, mas após reunir forças voltou à
máxima força e até usou isso para organizar
anualmente um torneio de futebol de praia
em sua memória, com vários grupos ultras
nacionais. Chegou a haver também vários
convívios e futeboladas com outros grupos,
mas nas suas cidades.
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Como foi escolhido o nome?
O nome foi inspirado no vento dominante
(Nortada) que assola constantemente a
nossa cidade, e ao local que ocupavam
no velho campo d’Avenida, a ponta Norte.
Coincidência, ou não, resultou num nome
com 12 letras.
Como foram os primeiros anos e a década de
90 para os Desnorteados?
Como é que a vossa identidade foi evoluindo
com as dificuldades passadas ao longo dos
anos?
Desde sempre o grupo passou pelas mais
diversas adversidades, o que fez com que
os seus membros sempre tivessem que se
superar para conseguir com que este pudesse
crescer e manter-se activo por tantos anos. A
nossa identidade foi-se solidificando através
das amarguras, certos dissabores e dos
muitos sacrifícios que fomos encontrando
ao longo do percurso. Desde logo, na nossa
formação, os restantes sócios e adeptos em
geral sempre criticaram, sempre nos olharam
de lado, com um certo estereótipo inerente
às gentes mais novas e mais rebeldes. Já aí
houve a necessidade de tentar transformar
mentalidades e mostrar que o grupo se
definia pelo amor e respeito ao clube, e que
iria tentar ser um baluarte do mesmo. Depois,
sempre foi um grupo autossustentável, sem
depender de ajudas ou esmolas sorrateiras.
Sempre vincou que tudo o que se fizesse
seria fruto de muito esforço, muita luta e
muita criatividade. Em certas alturas, resistiu
graças à força e devoção de “meia dúzia”
que, bem comprometidos com este, tudo
fizeram para que a mística e a mentalidade
permanecessem. A carapaça foi ficando cada
vez mais rija, os ideais cada vez mais vincados
e a postura/atitude cada vez mais definidas.
Houve muitas circunstâncias que poderiam
ter extinguido o grupo, mas todas elas
serviram para este se fortalecer, se manter
coeso e se moldar aos tempos e sociedade,
sem perder a sua identidade. Tudo isso
criou uma identidade bem delineada, bem
identificável e imutável ao longo do tempo.
Qual foi o maior número de associados que
atingiram? Quantos sócios têm actualmente?
Em 2000 chegamos a ter cerca de 500 sócios.
Actualmente não temos sócios.
Como é que, hoje em dia, se organizam
internamente?
Como o próprio nome do grupo indica,
não podemos falar propriamente numa
organização. Temos alguém que não sendo
um líder oficial nem sequer presidente, visto
não haver eleições para algo do género, se
destaca em termos de coordenação pela
dedicação, disponibilidade e experiência
que foi tendo ao longo dos anos. Depois
há mais alguns elementos com mais anos
no grupo que ajudam nas decisões e /
ou acções. Fruto da boa mentalidade e
espírito de camaradagem que há na curva
presentemente, todos sabem os seus lugares,
todos sabem quem ouvir ou seguir.
Para ser membro dos Desnorteados é preciso
ser sócio do Espinho?
Não sendo uma obrigação, tentamos
sensibilizar todos os membros nesse sentido,
para que possam ser ainda mais fundamentais
no quotidiano do clube, contribuindo com
as cotas e tendo voz activa nas assembleias,
podendo fazer parte nas diversas votações
levadas a cabo pelo clube.
Que factores valorizam mais enquanto
grupo, tanto fora da bancada como dentro?
Amor e devoção pelo clube! O Espinho está
acima de tudo e de todos. Orgulho e respeito
pelo grupo e pela sua história. Mentalidade
ultra, resiliência, espírito de sacrifício e de
camaradagem, sentimento de partilha e de
preocupação para com os nossos. Saber
estar na curva, apoiar de início ao fim, elevar
o nosso nome, o do nosso clube e da nossa
cidade. Fora da bancada, o saber que há
toda uma possível família que, apesar de
desnorteada, se norteia pela amizade e
entreajuda. Valorizamos bastante quando há
álcool na bancada, quando fazemos os nossos
31
32
convívios e quando não somos reprimidos nos
jogos e nos dão total liberdade para apoiar!
O grupo está aberto a novos membros? Em
caso afirmativo, de que forma procuram
recrutá-los?
Sim, estamos sempre receptivos a acolher
novos membros. Tal como em tudo na vida,
é uma selecção natural. Quem vem e ama
o clube, quem se sacrífica semana após
semana, quem sabe absorver todos os valores
do grupo, quem sabe estar e partilhar, vai
ficando e vai fazendo parte de nós. Não sendo
um grupo muito numeroso, conhecemos
todos os elementos e sabemos quem
aparece de novo. Com a presença constante
dessas pessoas, com o seu comportamento
e postura, decidimos se a tentamos integrar,
se lhe incutimos o gosto pelo nosso modo de
vida e pela maneira de viver o clube. Depois
os sacrifícios que a curva acarreta ditará a sua
continuidade...
De que forma explicam o que é ser
Desnorteado a um jovem que acabou de
entrar no vosso grupo?
Mais do que explicar, tentamos agir. Podemos
tentar transmitir os nossos valores, mas só
com as nossas acções e postura constantes
ele irá enraizar os nossos ideais. Tal como o
nosso lema diz: Podemos perder a cabeça,
mas nunca a Fé...ou seja, aconteça o que
acontecer, nós estaremos sempre lá. Um
Desnorteado nunca desistirá, nunca baixará
os braços, nunca abandonará nem se
calará. Ser Desnorteado é acima de tudo ser
resiliente...é amar e apoiar o Espinho seja em
que situação for.
O grupo possui núcleos? Qual a vossa opinião
acerca do papel dos núcleos e como é que os
mesmos funcionam?
Sim, possui alguns. Sempre foram bastante
importantes no nosso grupo e na nossa
história. Aquando da nossa fundação e nos
primeiros anos, houve alguns núcleos com
bastante criatividade, irreverência e carisma
próprio que ajudaram ao crescimento do
grupo. Núcleos como os Kumando Taínha
ou os Indios da Tabuaça eram bastante
respeitados pelo grande número de
elementos, pela força que tinham dentro do
grupo e pela dinâmica que tinham na própria
cidade. Actualmente temos alguns núcleos
que, apesar das suas diferenças, têm a perfeita
noção que fazem parte do mesmo grupo e
em que todos eles participam activamente
no bom funcionamento e desempenho do
mesmo. Têm a particularidade de atraírem
malta do mesmo local, da mesma faixa etária
e da mesma forma de estar na vida para o
seu seio, logo mais elementos para a curva.
Actualmente, funcionam à semelhança
do grupo em geral, havendo alguém que
lidera e que transmite ao seu núcleo todas
as acções e actividades. É usual fazerem
convívios apenas com os seus elementos,
mas são parte integrante de um todo, o qual
respeitam bastante. Conseguem agilizar
algumas deslocações, o seu material e certas
actividades extra curva.
Têm ou já tiveram uma fanzine própria? Que
opinião têm acerca das fanzines?
Já tivemos uma fanzine intitulada Nortada.
Somos bastante apologistas das “zines”. Nos
anos 90 a nossa saía regularmente e ainda
tínhamos alguns membros que colaboravam
com outras nacionais. Eram um bom veículo
de partilha de ideias, de moradas para
trocas de material, de informação sobre o
momento de cada grupo e do movimento
ultra internacional. Além disso, actualmente,
algumas delas servem como uma referência
para que os elementos tenham um maior
conhecimento dos ideais e valores do grupo,
assim como parte da sua história e de certas
peripécias de então.
As fanzines actuais, sendo em pequena
escala, são do nosso ponto de vista algo
bastante positivo, pois revelam que certos
ultras ainda mantêm vivo aquele velho
espírito e que trabalham de forma árdua na
valorização do movimento e das tradições
inerentes a este, sobretudo num mundo cada
vez mais desligado de leituras e consumos
prolongados...
Possuem alguma plataforma de comunicação
online? Que opinião têm acerca da
comunicação do grupo com o exterior?
Tínhamos uma página de Facebook sempre
actualizada mas que foi bloqueada. Neste
momento temos uma, mas que é mais
direccionada a dar ênfase a certos momentos
da nossa história, indo ao encontro de um site
que temos em jeito de time line. Como não
gostamos de nos expor muito, fazemos por
não ter muita informação nossa divulgada.
Tentamos com que as fotos e vídeos
divulgados sejam apenas os necessários para
o bem-estar do grupo. Não nos procurem na
net, mas sim nas curvas, é quase como um
lema. Tudo o que fazemos é com o propósito
de ser visto pelo universo alvi-negro. Se
isso chegar a outros lugares, pelo menos
que seja com respeito à nossa história e ao
movimento.
Fazem material para os membros com
regularidade? O que é que lançaram esta
época?
Não costumamos fazer com regularidade.
Esta época não fizemos nem lançamos nada.
Lançamos apenas quando achamos que está
na hora de fazer algo. Talvez o facto de não
termos estádio ou sede, e em virtude disso
termos de andar com o material às costas,
também nos demova um pouco. O verdadeiro
Desnorteado não precisa de indumentária
para ser identificado.
O que pensam acerca do registo dos grupos
junto da APCVD, popularmente conhecido
por “legalização”?
Somos totalmente contra. Como “Grupo
Desorganizado de Amigos” que somos, não
queremos ceder dados nem informações a
autoridades, entidades ou associações que
podem jogar com isso da forma que lhes
puder ser conveniente. Cedemos apenas os
dados estritamente necessários ao nosso
clube para sermos associados do mesmo.
Como é que o grupo resiste e se tem
sustentado?
Resiste através da mentalidade, resiliência e
espírito de sacrifício dos seus elementos. Temse
sustentado com a paixão e fervor clubístico
de todos. Não temos receitas por opção, não
temos sede, nem sócios, nem bilhetes, nem
material em grande quantidade. As despesas
que vamos tendo são suportadas por todos,
com rifas, alguns jogos tipo apostas de
resultados, entre outras artimanhas que não
33
34
nos tragam uma dinâmica empreendedora e
sim de mera carolice ultra.
Quais os piores momentos que tiveram na
vida do grupo?
Sem dúvida que foram todos os momentos
em que “perdemos” algum elemento. A
partida do Tadeu foi um grande murro no
estômago para o grupo, abalou bastante
todos os elementos e consequentemente a
estabilidade e dinâmica da curva. Era uma
referência para todos, era uma força e uma
inspiração para muitos. Anos mais tarde foi
a vez do Rafa, um miúdo incrível com uma
empatia enorme e que nos fez dar ainda mais
valor às amizades, momentos e partilhas
na curva face ao seu desaparecimento
repentino. A sua partida, com um mar de
gente e com cânticos e tochada, foi algo
que continua a arrepiar sempre que nos
vem à memória ou quando falamos disso.
Mais recentemente um membro da Nova
Guarda, que abalou bastante este núcleo.
Desportivamente, a primeira descida aos
distritais foi algo marcante, a perda do nosso
estádio foi algo bastante penoso e doloroso
devido às inúmeras vivências que lá tivemos.
A pandemia também foi desoladora, pois
não pudemos estar reunidos semana após
semana, como grupo, naquilo que mais
gostamos de fazer.
Por outro lado, quais os melhores momentos
que destacam?
As histórias mirabolantes com que nos fomos
deparando ao longo de todos estes anos e que
tantos e tantos km de estrada nos trouxeram.
É incrível como nos lembramos com sorrisos
rasgados e com saudosismo de peripécias na
curva, dos convívios, de algumas deslocações
mais do que propriamente com “o futebol”.
Ficam na memória as enormes deslocações
ao Restelo, ao Bonfim, os torneios de futebol
de praia, os jantares de aniversário, as
coreografias bem conseguidas e os momentos
da sua elaboração. Na deslocação do jogo da
última subida à segunda liga, em que ficamos
muitas horas à porta de um hospital por causa
de um elemento nosso, quando na cidade
já todos festejavam e até os jogadores já se
tinham juntado à festa... Horas mais tarde
lá chegamos e tínhamos um mar de gente à
nossa espera, incluindo os jogadores, quase
parecendo que nós é que éramos os heróis
da subida... até em cima do autocarro vinham
muitos de nós. Claro que todas as subidas
são belos momentos, mas muitas vezes são
apenas festas. De salientar que todos aqueles
momentos em que soubemos que fomos o
verdadeiro 12.º jogador e que tivemos um
apoio tremendo na curva, são e serão sempre
alguns dos melhores momentos.
Possuem uma amizade sobejamente
conhecida com a Mancha. Falem-nos um
pouco dela. Têm mais alguma amizade activa
no momento?
É uma amizade com muitos anos e que tem
sobrevivido com o tempo e com a distância
de patamares de divisões de ambos os
clubes. É frequente haver elementos nossos
nos jogos deles e vice-versa. Começou de
forma bem peculiar e ficou bem cimentada
face a isso, o que comprova a mentalidade
partilhada por ambos os grupos. Naquela
altura já havia uma boa relação, com muito
respeito e admiração. Houve um jogo em
Espinho, em que a MN se viu envolvida em
desacatos com outros adeptos locais, e o Pipa
e outros elementos nossos ao aperceberemse,
deitaram o portão que separava os dois
sectores abaixo. Quando todos pensavam
que eles também se iriam juntar a esses
adeptos para malhar na malta de Coimbra, os
nossos elementos pegaram nos elementos da
Mancha e levaram-nos para o nosso sector.
Desde aí, sempre que nos defrontamos
houve convívios antes dos jogos e até alguns
cortejos em conjunto até ao estádio. Não
temos mais nenhuma amizade, apenas boas
relações com alguns grupos.
Têm ou tiveram algum grupo como inimigo
ou, se preferirem, rival? Querem contar a
história?
Tivemos uma bem acesa e conhecida durante
alguns anos com um grupo corticeiro. Face
à realidade recente do mesmo, tem-se
desvanecido. Mas há sempre um sentimento
de repulsa quando nos defrontamos. A
história fica para quem a viveu... parte dela é
bem audível num cântico nosso.
O grupo define-se politicamente?
Não. É uma das regras sagradas do grupo,
não haver qualquer conexão a nenhum
partido, lado partidário ou cor política. Como
costumamos cantar em tempo de eleições ou
em acções relacionadas com a construção do
estádio municipal: “o meu partido é o SCE!”
Em processos de falência de vários clubes, há
malta dos grupos que transita para lugares
de trabalho nos seus clubes. Isso também se
sucedeu convosco. Nesse caso, acham que
prejudicou o grupo?
É algo natural. Quando os clubes se
encontram mesmo mal é que se vê quem
realmente os ama e se preocupa realmente
com eles sem interesses terceiros. Sendo
que os ultras vivem para o clube, estão
salientes de todas as adversidades com que
este passa ao longo dos anos e, estando
habituados a fazerem sacrifícios sem nada
em troca, é normal que sejam os primeiros
a não deixarem o clube extinguir-se ou ir
parar à mão de abutres. Connosco aconteceu
isso mesmo. O clube estava enterrado em
dívidas, com o estádio penhorado e surgiu a
possibilidade da entrada de uma SAD. Houve
um grupo de sócios, em que se incluíam três
ultras, que avançaram para uma candidatura.
Conseguiram vencer as eleições e trazer
novamente a mística ao clube. Naquele
momento em nada prejudicou o grupo e até
veio trazer uma maior proximidade e melhor
diálogo com a direcção.
Como é que vêm a situação do Espinho
actualmente? Os Desnorteados fazem parte
do dia a dia do clube?
Actualmente, e com muito desalento nosso, o
clube está de rastos. Tirando as modalidades,
que são autossustentáveis e nos têm dado
algumas alegrias e bastantes conquistas, o
futebol e o voleibol (modalidade outrora
de excelência local) estão à deriva. Fruto de
uma direção ausente, desinteressada, talvez
desmotivada e saturada, as últimas épocas
têm sido desastrosas, com o futebol a penar
na distrital, sem vislumbre de uma real subida
e sem equipas com a nossa mística. A isto
junta-se um cenário totalmente desolador,
um clube que não possui património, sem
estádio nem pavilhão, com um centro de
35
da pequena densidade populacional que a
cidade tem. Apesar de jogarmos sempre fora,
tentamos jogar sempre em casa. Continuamos
a pressionar a autarquia para que haja uma
solução definitiva para o estádio municipal.
36
formação bastante precário, sem grande
promoção junto a entidades ou possíveis
patrocinadores locais, sem campanhas de
angariação de sócios ou direcionadas aos
actuais para a continuidade do seu apoio ou
fervor… Tentamos fazer parte sempre que
podemos: marcamos presença em todos os
momentos cruciais, em todas as assembleias,
em todas as eleições, somos uma constante
voz crítica e até de alerta, fazendo acções e
campanhas na cidade. De forma mais activa,
temos alguns elementos que colaboram em
várias modalidades.
Ao longo dos anos quais foram as maiores
referências (grupos ou outras) para os
Desnorteados?
Tivemos sempre como grandes referências as
nossas gentes. Quem lutou e fez muito pelo
clube, desde figuras deste aos seus fervorosos
adeptos. Em termos ultras, muitos dos grupos
italianos que se destacavam nos anos 80 e
90. O Pipa chegou a viajar várias vezes até
Itália para contactar com as suas realidades e
absorver a cultura ultra ao máximo.
Que mais nos podem contar acerca da
história e da actualidade dos Desnorteados?
Poderíamos contar tanto sobre a nossa
história, mas seriam precisos mais números
da fanzine para a relatar eheh! Face à
actualidade, o grupo continua a apoiar do
primeiro ao último minuto, em todos os
jogos, apesar do clube se arrastar nas divisões
inferiores há bastantes anos. Tentamos
manter o grupo coeso e levar o máximo de
elementos e adeptos aos estádios, apesar
Como veem o panorama ultra nacional?
O movimento ultra nacional, no nosso
entender, atravessa um momento algo
turbulento. Se por um lado muitos grupos
mantêm a sua mentalidade e máxima
força, por outro enfrentam cada vez mais
repressões e tentativas de os enfraquecer.
É bastante agradável ver que muitos grupos
antigos se mantêm activos e com os ideais
de sempre, e que tem havido alguns grupos
a aparecer, sobretudo nas divisões inferiores,
com bom número e uma boa mentalidade.
Mas também se tem assistido a alguns grupos
cederem a pressões e a perderem parte ou a
totalidade da sua identidade, por vezes indo
pelo caminho mais fácil ou simplesmente
desistindo de lutar. A actual conjuntura é
bastante prejudicial para o movimento:
os grupos enfrentam cada vez mais
adversidades, das mais variadas entidades,
onde as repressões são cada vez mais penosas
a nível individual. Mas os grupos não seriam
ultras se não estivessem dispostos a enfrentar
tudo isso com a mentalidade que lhes deveria
ser intrínseca. Continua a haver grupos
muito bons, com uma enorme mentalidade,
com valores incríveis e que os definem ou
os demarcam dos outros, e é graças a isso
que possuem tamanha longevidade. Mas
também há outros que por cá andam para
conquistas de visualizações, fruto de certas
modas, por interesses alheios, em nada
contribuindo para o movimento. Felizmente,
a história tende a encurtar a sua linha do
tempo. Visualizando o futebol, a sociedade, a
autoridade do país, o movimento até não está
num patamar assim tão mau. Pensamos que,
com as novas gerações, este perca fulgor para
outras “modas”.
O que significa para vocês a palavra Ultra?
Radical, diferente, irreverente, criativo,
resiliente, defensor de uma crença, pessoa
com um ideal bem vincado, que o faz ficar
ligado à curva sete dias por semana, adepto
que tem uma prioridade bem definida e que
se sacrifica e se desprende de tudo para
se dedicar a ela, tendendo a manter uma
relação que muitas vezes afecta todas as
outras. Alguém com um enorme sentimento
de partilha com os seus, alguém que defende
o seu clube, o seu grupo, os seus “irmãos” de
curva a todo o custo. É alguém que mesmo
sendo julgado, segmentado ou estereotipado,
mantém a sua postura, a sua forma de ser e o
seu modo de vida.
Quais as prioridades que identificam para
a luta dos ultras portugueses nos próximos
tempos? O que acham que deve ser feito?
Horários decentes, preços de bilhetes
acessíveis para a maioria dos adeptos,
menos repressão e consequentemente mais
liberdade para apoiar, leis mais rigorosas
que protejam os clubes das embrulhadas
das sociedades desportivas, um futebol que
possa ser novamente direccionado para os
fãs, com uma envolvência mais transparente,
mais familiar e sem almejar lucros a quem
nada acrescenta a este deporto que tanto
amamos. Pensamos que faz falta a realização
de algo em grande escala e com bastante
impacto, levado a cabo pela maioria dos
grupos numa demonstração de total união
em torno do movimento, talvez em forma
de manifestação conjunta. Numa escala
menor, talvez uma reedição das reuniões
realizadas recentemente com ideias e acções
bem definidas e com fortes possibilidades de
serem postas em prática com benefício para
o movimento.
Querem deixar uma mensagem para os
nossos leitores?
Se forem adeptos comuns, continuem a
apoiar os vossos clubes o melhor que sabem e
podem. Se forem ultras, continuem a resistir,
que se mantenham resilientes e criativos,
que nunca cedam a pressões, ordens e
supostas leis das vossas direcções, SAD’s,
autoridades, ligas, federações ou associações.
Mantenham-se informados das reais leis,
confrontem toda e qualquer autoridade nos
devidos locais, hajam em conjunto como um
verdadeiro grupo ultra largando os devaneios
inerentes a uma “claque”, mantenham o
velho estilo ultra bem vivo, valorizem sempre
o movimento e desfrutem dos valores que a
curva vos oferece.
37
NA PELE DE UM INTERDITO
38
Ao longo dos anos, aqueles que
seguem com mais atenção as incidências
do movimento de adeptos pela Europa,
habituaram-se a ouvir recorrentemente
os termos “diffida” e “banning orders”,
como sendo o pináculo da repressão sobre
os aficionados de futebol, sobretudo em
países como Itália e Inglaterra. A pretexto do
combate à violência, as sanções de interdição
em estádios foram-se generalizando nos
países já mencionados, bem como em vários
outros espalhados pelo velho continente.
A acção naturalmente gera reacção, e
como seria expectável começaram a fazerse
sentir os protestos contra a repressão e
o apoio àqueles que se viam sancionados
por estas medidas. A
expressão “Diffidati
con noi”, que se traduz
para português em
qualquer coisa como
“Interditos connosco”,
disseminou-se por todo
o movimento ultra e
foi, e é, uma forma
de demonstrar apoio
a todos os ultras que
estão proibidos de aceder ao interior dos
estádios.
Apesar deste tipo de mecanismo
ser já utilizado há bastante tempo noutras
latitudes, para os portugueses estas palavras
pouco mais representavam do que meros
chavões e sequelas de uma realidade distante.
A criação da APCVD, como consequência de
um endurecimento da repressão sobre o
movimento organizado de adeptos no nosso
país, veio, contudo, alterar esta situação,
normalizando-a e contribuindo assim para o
esmagamento do, já de si frágil, movimento
ultra português. A histeria mediática
criada por comentadores e jornalistas
sensacionalistas, que ignoram os factos e os
métodos científicos de análise de fenómenos
desta natureza, com vista a granjear maiores
audiências, deu aso a uma verdadeira caça
às bruxas, colocando as “claques” como o
inimigo público número um do estado e da
pretensa segurança dos cidadãos.
A partir daqui farei um relato
da minha experiência pessoal enquanto
adepto e ultra interdito de aceder a recintos
desportivos. A pena que agora cumpro é
relativa a um processo ocorrido no ano
de 2018, mas que por um conjunto de
circunstâncias mais ou menos esquisitas, só
começaria a “valer” a partir de fevereiro do
presente ano.
A minha
paixão pelo “jogo das
bancadas” há de ter
começado de forma
mais séria entre o final
da infância e o início da
adolescência, já depois
de ter solidificado o
amor pelo meu clube.
Passaram-se poucos
anos até que ingressei
oficialmente num dos grupos ultras que
apoiam o emblema do meu coração, e por lá
fiquei até aos dias de hoje. Mais de metade da
minha vida foi ali passada, portanto facilmente
compreenderão que as minhas vivências,
as minhas amizades e até a minha visão do
mundo e valores morais foram seriamente
condicionadas por este percurso. Durante
mais de década e meia fui presença assídua
em quase todos os jogos disputados pelo meu
clube em solo nacional, quer na condição de
visitado, quer como visitante, e desde que
comecei a trabalhar e adquiri independência
financeira, comecei a viajar também para fora
do país para apoiar a equipa, inclusivamente
nos jogos das competições europeias. Ser,
de um dia para o outro, impedido de fazer
aquilo que mais gosto, foi um golpe muito
duro e que mexeu muito com o meu estado
anímico. Para mim, ser ultra é, antes de tudo
mais, fazer todos os sacrifícios possíveis e
necessários para estar no estádio a cantar
durante 90 minutos. A transmissão televisiva
não ameniza em nada esse golpe, e ver os
companheiros partir a cada semana é sempre
doloroso. No entanto, há momentos em que
esse sentimento é ainda mais difícil de digerir,
e nestes meses passei por dois episódios que
são representativos disso.
Para além do futebol, o grupo que
integro acompanha, há bastantes anos, a
equipa de futsal do meu clube, e ao longo
do tempo foi-se desenvolvendo uma relação
entre o grupo e a secção que faz com que
sintamos cada vitória como sendo um bocado
nossa e também com que haja uma empatia
com os jogadores que há muito não se vive
com o plantel principal de futebol nesta
era de mercantilização do jogo. Já vivemos
épocas na segunda divisão, manutenções
na primeira garantidas a ferros na disputa
do play-out, derrotas em finais de Taças de
Portugal e da liga, mas este ano haveria de ser
diferente. Pela primeira vez conquistamos um
troféu em futsal, numa final four disputada
em Sines, com a rapaziada a viajar até à
Costa Alentejana na sexta e no sábado para
empurrar a equipa até à conquista do troféu.
Por tudo o que expressei anteriormente, foi
com um misto de sabores que vivi o dia da
conquista. A alegria da vitória contrastava
com a frustração de não ter podido lá estar,
contribuir com a minha voz durante os 40
minutos e poder festejar com companheiros
de bancada e jogadores. “Estive em todas
as que perdemos, inclusive durante o
confinamento derivado da COVID, em que
fui juntamente com uns 20 companheiros
até à porta do Pavilhão de Matosinhos
dar um ânimo à equipa antes de uma das
finais perdidas, e agora que finalmente
conseguimos, impediram-me de lá estar”.
Foi aquilo que me veio à cabeça quando vi
o capitão subir à bancada, para “entregar” a
taça à malta.
Outro momento difícil foi
naturalmente o dérbi contra o grande rival,
um jogo especial para qualquer adepto
fervoroso. Depois de um dia de convívio,
de um ambiente brutal de entusiasmo e
animação, ficar a ver as camionetas partirem
não é nada agradável, ainda para mais num
jogo que foi extraordinário, dentro e fora do
campo, talvez um dos melhores de sempre em
matéria de apoio vocal e pirotecnia, coroado
com uma vitória já na compensação com um
grande golo e que resultou na confirmação de
que ficamos de novo à frente do eterno rival
regional na classificação da liga.
Apesar destas frustrações, não
me passa pela cabeça a ideia de afastarme
ou desistir. Continuo da forma que
posso a participar na organização do grupo
e a incentivar os meus companheiros,
compreendendo que vivemos tempos
difíceis em que há um notório ataque
concertado à nossa forma apaixonada de
viver o futebol. Exige-se perseverança e
convicção a bem deste movimento, porque
ceder ou amedrontar-nos perante esta
ameaça existencial, é dar de bandeja a vitória
ao inimigo. E desenganem-se aqueles que
acham que o inimigo é o integrante da curva
de outro clube… Parafraseando o subtítulo de
uma saga de filmes que fez sucesso nos países
lusófonos, acordem meus amigos, porque “O
inimigo agora é outro”!
Por J. Sousa
39
MEMÓRIAS Da BANCADA
CD’S , K7’S E DVD’S
Diabos Vermelhos
2002
40
Super Dragões
2003
Directivo Ultras XXI
2002
41
Mancha Negra
2003
White Angels
2015
42
Super Dragões
2004
Red Boys
2007
43
Bracara Legion
2010
White Angels
2003
44
South Side
2016
Super Dragões
2006
45
Mancha Negra
2012
Supporting
2016
46
Super Dragões
2007
Supporting
2016
47
Juve Leo
2001
Diabos Vermelhos
2003
48
Directivo Ultras XXI
2017
49
Supporting
2021
Colectivo Ultras 95
2007
50
Directivo Ultras XXI
2005
Máfia Vermelha
2005
51
Máfia Vermelha
2006
Juve Leo
1986
52
Vários de Clubes
53
Pois é, o tempo a passa a correr e chegámos a mais um final de temporada da maioria das
competições desportivas. O quarto desde o começo da Cultura de Bancada. Como sempre,
inúmeros acontecimentos, com as grandes decisões a ocorrerem, desde a festa de troféus
conseguidos, subidas de divisões e outras emoções na luta pelos respectivos objectivos das
suas equipas. Aqui fica outro Resumo da
Bancada!
Sporting CP x SL Benfica | 06-04-2024
Quatro dias depois, Sporting e Benfica
voltariam a encontrar-se [recorde-se que
tinham jogado antes para a Taça de Portugal],
numa das partidas mais importantes e
decisivas da época. Mais de 48 milhares
de presentes, o que significou quase casa
cheia. Antes, houve um bom ambiente entre
os adeptos da casa à volta do recinto e um
habitual longo cortejo do público benfiquista,
mas com estes últimos a chegarem também
em turmas fora do mesmo.
No interior do estádio, o habitual espetáculo
fora das quatro linhas, com muitos cânticos e
incentivos à sua equipa. Não faltou pirotecnia
nos vários sectores dos grupos organizados,
com os da casa a ficarem iluminados de forma
esverdeada, enquanto o forasteiro pintou-se
como habitualmente com tochas encarnadas.
Quanto ao desafio em si, não faltou emoção
e muita felicidade para os da casa. Marcaram
logo a abrir, nos primeiros segundos, sendo
que o Benfica conseguiu empatar. Porém, já
no tempo de descontos da segunda parte,
o Sporting fez o 2-1 final, provocando uma
explosão de alegria com um golo que já
sabia a título nacional, pois os sportinguistas
alargaram a vantagem pontual que já tinham,
faltando poucas jornadas para o fim.
54
“O Elvas” CAD x Vitória FC | 07-04-2024
Encontro entre dois clubes históricos em
Elvas, num recinto que lembra os míticos
campos do futebol nacional e que contou
com uma excelente moldura humana. O
mais impressionante é que se jogava a última
jornada da fase regular do Campeonato de
Portugal, sendo que este embate não tinha
qualquer efeito prático, pois os vitorianos
já tinham assegurado o primeiro lugar e,
consequentemente, o acesso à fase de
promoção ao terceiro escalão nacional,
enquanto os da casa realizavam a derradeira
partida oficial da temporada, não tendo
qualquer hipóteses de subida ou descida.
Na entrada das formações, o público da casa
realizou uma coreografia com cartolinas e
plástico com as cores do clube, sendo que a
claque da casa, com o nome precisamente de
Juve Azul e Ouro, ainda abriu fumo amarelo.
Bom espetáculo no que ao ambiente diz
respeito, num domingo à tarde, com o
emblema do Sado a contar também com o
apoio de alguns elementos do Grupo 1910
e de outros sadinos em geral. A equipa
alentejana premiou os seus simpatizantes
com uma reviravolta já na parte final,
havendo depois uma boa sintonia final entre
os jogadores e os seus adeptos.
De realçar ainda uma confraternização
amigável, no exterior do recinto, entre as
gentes de ambos os clubes.
Varzim SC x Lusitânia de Lourosa FC | 07-04-
2024
Jogo que contou com uma boa moldura
humana nas bancadas, tanto do lado de
simpatizantes varzinistas como dos de
Lourosa, e que ficou marcado pela despedida
de Ricardo Nunes, histórico guarda-redes do
emblema poveiro, que decidiu fazer aqui a sua
última partida e candidatar-se à presidência
do clube, num momento particularmente
conturbado (que já abordámos na fanzine
recentemente).
Houve muita emoção e 90 minutos bem
disputados neste embate a contar para a
55
fase de promoção da Liga 3, com uma vitória
do Varzim por 4-3 (!), sendo que no final, tal
como já seria de esperar, houve um grande
momento de comunhão entre o capitão
Ricardo e os adeptos, principalmente com o
grupo Os De 1915.
FC Porto x Vitória SC | 07-04-2024
Tal como no clássico existente na véspera,
também aqui estas duas formações se
defrontaram pela segunda vez consecutiva,
depois de um jogo que ocorrera quatro
dias antes a contar para a Taça de Portugal.
Estiveram presentes cerca de 34 mil
espectadores num Domingo à noite, com
destaque para os muitos vitorianos que
compuseram grande parte do sector visitante
e que se fizeram ouvir na maioria do encontro.
Os simpatizantes do emblema vimaranense
foram brindados por uma vitória por 1-2, que
fez equilibrar ainda mais a luta pelo terceiro
lugar da tabela classificativa, motivando uma
grande festa no final.
SL Benfica x OC Barcelos | 11-04-2024
Partida a contar para a segunda mão dos
quartos-de-final da Liga dos Campeões de
Hóquei em Patins e o grupo Kaos Barcelense
fez questão de comparecer, como já tem sido
seu apanágio, mesmo que novamente a meio
da semana e a centenas de quilómetros de
sua casa. Cerca de 20 elementos empurram,
no sector visitante do Pavilhão da Luz, a
sua equipa para mais uma vitória (depois
de também ter vencido na primeira mão),
garantindo a passagem à ‘final four’ da
competição, que ocorrerá na cidade do Porto.
56
SL Benfica x Olympique de Marseille | 11-04-
2024
A pouco mais de uma semana deste
dia, surgiu uma notícia nos órgãos de
comunicação social que indicava a proibição
da deslocação de simpatizantes encarnados
até Marselha, que se iria desenrolar uma
semana após esta primeira mão deste
embate dos quartos-de-final da Liga Europa,
algo que se viria a confirmar a apenas
algumas horas desta partida na Luz. Como
resposta, o Benfica decidiu anular todos os
bilhetes vendidos para o sector visitante, o
que poderia originar obviamente uma grande
confusão entre os muitos marselheses que
viajaram até Lisboa. A verdade é que, entre
algumas reviravoltas neste assunto, ambas as
proibições desapareceram e estava dada “luz
verde” para a presença de forasteiros nos
dois lados.
Quase 54 mil espectadores estiveram no
recinto para este desafio, que teve o condão de
trazer novos episódios polémicos envolvendo
adeptos. Um policiamento acima do normal
no topo sul fez com que os No Name Boys
abandonassem o sector, deixando-o vazio
pouco depois do início. Também na bancada
norte, junto da zona onde ficam os Diabos
Vermelhos, houve algumas movimentações
nas bancadas que obrigaram a um reforço
ainda maior de policiamento.
Os NN acabaram por regressar na segunda
parte, melhorando o ambiente no estádio,
que estava a ser praticamente dominado
pela falange azul e branca, sendo que ainda
proporcionaram (mais um) espetáculo
pirotécnico num encontro europeu.
O Benfica venceu 2-1, tendo estado a vencer
por dois golos, o que fez com que o golo do
Marselha, motivasse muito os seus apoiantes,
ainda que intranquilizasse o público da casa,
que acabou com alguns assobios à sua equipa.
Gil Vicente FC x Sporting CP | 12-04-2024
Mais de 11 mil presentes, a grande maioria
simpatizantes sportinguistas, o que é
sinónimo de casa quase cheia no Estádio
Cidade de Barcelos. Nesta 6.ª feira à noite
houve mais uma empolgada falange de apoio
leonina que empurrou a sua equipa para uma
nova (confortável) vitória, por 0-4, ficando
cada vez mais próxima do título.
No regresso do autocarro houve muita
pirotecnia, em clima de festa, em vários
pontos da passagem pela auto-estrada.
57
SC Braga “B” x Varzim SC | 13-04-2024
Um encontro peculiar nesta segunda fase da
Liga 3, de acesso à subida de divisão, uma vez
que a equipa secundária bracarense realiza
as suas partidas no Complexo Desportivo
de Fão, o que significa que se trata de uma
deslocação mais curta para os poveiros do que
para alguém vindo de Braga. Os escassos 20
quilómetros que separam a Póvoa de Varzim
da localidade de Fão naturalmente fizeram
com que os fiéis simpatizantes varzinistas se
deslocassem em massa, lotando um sector
visitante que não é propriamente muito
grande, criando um bom ambiente.
Os arsenalistas venceram por 2-1,
confirmando a tendência de luta pela
promoção, ao contrário do Varzim, que não
conseguiu superar as expectativas e dar uma
esperança maior aos seus adeptos.
Vitória SC X SC Farense | 13-04-2024
Num Sábado à tarde, ambiente digno de
registo em Guimarães. Motivados pelo
momento de forma da sua equipa, muitos
vitorianos receberam o autocarro da sua
formação na chegada ao estádio, de forma
a dar um incentivo extra. Dentro do recinto,
cerca de 20 mil espectadores estiveram
presentes, com o habitual bom apoio, sendo
que a presença da falange farense no sector
visitante contribuiu para melhorar a festa.
Curiosamente, foi o próprio Farense que cedo
se adiantou no marcador. A sua vantagem
causou incerteza durante praticamente todo
o desafio, acabando o Vitória por empatar
mesmo a acabar, para alívio dos da casa.
SC Espinho x CF União de Lamas | 14-04-
2024
Um dos melhores dérbis do distrito aveirense
a ter lugar numa bela tarde de Domingo, em
Nogueira da Regedoura, em mais uma casa
emprestada ao Espinho que, como é sabido,
continua sem recinto desde a demolição
do seu mítico estádio. Esse facto serviu
para ser um dos motivos de destaque nas
picardias entre rivais, pois os lamacenses
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não perdem a oportunidade de provocar os
seus rivais, apelidando-os de “sem abrigo”.
Isso levou a que os Desnorteados, grupo
do emblema espinhense, abrisse a seguinte
mensagem: “Antes ser sem abrigo do que ter
desaparecido!” - uma alusão aos Papa Tintos,
claque do Lamas, não ter tido uma história de
apoio sem interrupções.
Muita gente esteve no Parque de Jogos
Joaquim Domingos Maia, numa moldura
humana a fazer lembrar outros tempos do
futebol nacional - até pelas condições do
recinto em questão - que viu a formação
rubro-negra vencer e a ficar a apenas um
pequeno passo de garantir a promoção ao
Campeonato de Portugal.
FC Famalicão x Sporting CP | 16-04-2024
Uma partida que estava prevista acontecer
no dia 3 de Fevereiro (e que fora das
quatro linhas aí começou, a bem dizer),
mais concretamente no tal fim-de-semana
que ficou marcado em Portugal pela greve
dos polícias em determinados encontros.
Nessa tarde de sábado, os espectadores
deslocaram-se até às imediações do estádio,
pois não faziam ideia que o jogo não iria ser
realizado, sendo que existiram confrontos
entre adeptos de ambos os conjuntos,
levando mesmo a que um famalicense ficasse
ferido e fosse transportado para o hospital.
Entre o calendário apertado do emblema
leonino e uma paragem para compromissos
das selecções pelo meio, apenas foi possível
arranjar espaço para este embate se realizar
nesta 3.ª feira nocturna, a meio de Abril. Ainda
assim, nada impediu que houvesse a melhor
casa da época, com cerca de cinco milhares
de presentes. Os sportinguistas criaram
mais um excelente ambiente, apoiando
incessantemente o seu conjunto durante
praticamente todo o duelo, conseguindo uma
sofrida vitória que os aproximou ainda mais
do título nacional.
Já durante a madrugada, houve uma recepção
com muita festa e pirotecnia ao autocarro na
chegada a Alvalade.
59
FC Porto x Vitória SC | 17-04-2024
Segunda mão das meias-finais da Taça, sendo
que o destaque vai para a invasão vitoriana
até ao Dragão, aproveitando este embate
para se converter no clube que mais público
forasteiro levou esta época àquele estádio,
com mais de três milhares de presentes
nesta 4.ª feira à noite, mesmo partindo
em desvantagem por causa da derrota na
primeira mão. Cerca de quatro dezenas de
autocarros encheram nesta deslocação e,
sem grande surpresa, o empolgamento foi
grande e foram os que mais se fizeram ouvir,
entre os cerca de 30 mil espectadores que
estiveram no recinto.
O Vitória abriu o marcador praticamente no
início do jogo, igualando a eliminatória, o que
motivou ainda mais os seus simpatizantes.
De qualquer maneira, o Porto deu a volta
e conseguiu um novo triunfo, garantindo a
passagem ao Jamor. No final, os habituais
cumprimentos e festejos pelo resultado,
entre o público da casa e a equipa, havendo
também espaço para um bom momento de
comunhão entre os jogadores visitantes e os
muitos vitorianos.
60
Olympique de Marseille x SL Benfica | 18-04-
2024
Cerca de 1.600 benfiquistas estiveram
presentes no mítico Vélodrome. Um
número abaixo do que costumam levar em
deslocações a solo francês, sendo que as
confusões e indefinições acerca da permissão
da deslocação também podem ter tido algum
efeito.
Um ambiente sempre complicado por
parte dos marselheses, com as habituais
coreografias, muito apoio, mensagens (sendo
uma delas a criticar precisamente o assunto
da possível proibição, exibida pelos Fanatics
Marseille) e hostilidade ao adversário. Ainda
assim, os benfiquistas iam incentivando e
tentando fazerem-se ouvir.
O Marselha conseguiu a passagem no
desempate por grandes penalidades, depois
de ter empatado a eliminatória, através de um
golo já na parte final do tempo regulamentar.
Houve, portanto, uma explosão de alegria
entre o público da casa e tristeza entre os
visitantes.
SC Braga x FC Vizela | 20-04-2024
Perto de 13 mil espectadores assistiram
à vitória sofrida por 2-1 do Braga sobre o
Vizela. O destaque vai para a homenagem
dos ultras braguistas, pela morte de Gustavo
Duarte, ao treinador Rui Duarte e ao jogador
da formação Afonso Durte, respectivamente
pai e irmão de Gustavo, que tinha 23 anos.
Precisamente ao minuto 23 do encontro,
levantaram a seguinte mensagem: “Nenhum
guerreiro caminhará sozinho. Força, mister e
Afonso!”.
De referir que a Força Azul, grupo do Vizela,
anunciou, dois dias antes, o boicote a todas
as partidas até final da época, como forma de
protesto contra a sua SAD.
Sporting CP x Vitória SC | 21-04-2024
Mais de 46 mil espectadores, nesta que
foi uma das melhores casas da época
em Alvalade. A Juventude Leonina deu o
mote com a mensagem “... eu quero ser
campeão outra vez!” e um bom espectáculo
pirotécnico, houve muito apoio, sendo que a
vitória tranquila por 3-0 assim ajudou.
De qualquer maneira, neste Domingo à noite,
as várias centenas de vitorianos presentes no
sector visitante ainda se conseguiram fazer
ouvir.
SC Farense x SL Benfica | 22-04-2024
Mais uma enchente no São Luís perante
um dos três clubes de maior dimensão em
Portugal. Numa 2.ª feira à noite, mais de seis
milhares de espectadores criaram um bom
ambiente de parte a parte, com os South Side
Boys a comandarem o público da casa, de
um lado, e os grupos encarnados, do outro,
localizados na bancada nascente do recinto,
a também se fazerem ouvir, criando um bom
duelo fora das quatro linhas.
Dentro de campo o Benfica venceu, mas
61
deu-se mais um episódio da contestação
encarnada à sua equipa, pela época
decepcionante. No final do encontro, quando
os jogadores se iam encaminhando para o
túnel, muitos adeptos seus aproximaram-se
dessa zona, entoando insultos e chegando
mesmo a atirar objectos.
Acções contra a repressão | 25-04-2024
Este ano cumpriram-se 50 anos do 25 de
Abril, um acontecimento marcante no
panorama histórico nacional. Como já é
mais do que sabido, os adeptos portugueses
vivem um autêntico clima repressivo, com
regras mais apertadas do que nunca e leis
persecutórias e discriminatórias sobre os
mesmos. A Associação Portuguesa da Defesa
do Adepto (APDA) não deixou de emitir uma
mensagem em vídeo, referindo este problema
existente, que podem ver em vídeo nas suas
redes sociais. Também os ultras leixonenses
deixaram as seguintes mensagens nas ruas:
“Após 50 anos de liberdade... A opressão
aos ultras é prioridade!” e “A 1x1 metro a
bandeira é condicionada, e a liberdade de
expressão é negada”.
CD Paços de Brandão x CF União de Lamas |
27-04-2024
Um Sábado que ficou marcado pela subida
do Lamas ao Campeonato de Portugal, o
quarto escalão nacional. Muita gente fez a
curta deslocação até ao Estádio Dona Zulmira
Sá e Silva, em Paços de Brandão, ao bom
estilo do futebol popular, fazendo recordar o
antigamente, seja pelas condições do recinto
ou pela muita festa em si, que culminou
numa invasão de campo, após um empate,
neste embate entre primeiro e segundo
classificados do campeonato distrital
aveirense.
Também na cidade de Lamas houve, neste
dia, muita festa entre a equipa e os seus
simpatizantes.
62
‘Final Four’ da Taça de Portugal de Hóquei
em Patins
O Pavilhão Municipal de Barcelos recebeu
as decisões da Taça, em hóquei em patins,
tendo o destaque sido, sem grande surpresa,
o público da casa, que criou excelentes
ambientes, tanto no Sábado como no
Domingo, graças ao fervoroso apoio do Kaos
Barcelense. No primeiro dia, eliminaram o
Benfica, motivando uma grande festa entre
equipa e simpatizantes presentes. No dia
seguinte, perderam a final por 3-2 frente
ao FC Porto, não conseguindo aproveitar
o factor casa, apesar de também terem
proporcionado um bom espetáculo.
SL Benfica x SC Braga | 27-04-2024
Novo encontro do Benfica, nova contestação
dos seus adeptos, nomeadamente dos No
Name Boys. Mais de 55 mil neste final de
tarde de Sábado, em que o Benfica venceu
por 3-1, apesar de até ter começado a perder,
mas que mesmo assim não impediu um clima
tenso.
Ainda na primeira parte, quando o Braga
vencia, os No Name atiraram uma série
de tochas para o relvado, interrompendo
momentaneamente a partida, enquanto
exibiam a mensagem “Presidente, o nosso
amor não tem limite”. Houve simultaneamente
muitos insultos em direcção ao treinador
Roger Schmidt.
Nota, ainda, para algumas centenas de ultras
braguistas presentes no sector visitante, a
maioria pertencentes aos seus grupos ultras,
que foram apoiando de forma regular e se
fizeram ouvir várias vezes.
Vitória SC x Boavista FC | 27-04-2024
Mais de 16 mil espectadores em Guimarães
para este clássico do futebol nacional,
realizado numa noite de Sábado. Actualmente
diferem no que toca aos seus objectivos, com
o emblema vimaranense a já ter assegurado o
acesso às competições europeias da próxima
época, enquanto os boavisteiros pretendem
alcançar a manutenção. Nem por isso a
63
rivalidade esmorece, com muitas picardias de
parte a parte e um bom ambiente no recinto,
com os boavisteiros presentes no sector
visitante a também terem sido bastante
audíveis.
A partida terminou com uma vitória pela
margem mínima por parte dos da casa, que
valeu novo momento de festejos entre a sua
equipa e o público. Do lado axadrezado, o seu
público valorizou o esforço dos seus jogadores
e teve um bom momento de comunhão final
com eles.
SC Braga “B” x Académica de Coimbra | 28-
04-2024
Destaque para a intensa procura de ingressos
por parte do público academista, neste
encontro de importância máxima na luta pela
subida à segunda liga. Tal como já referimos
anteriormente, o sector visitante em Fão não
é de grandes dimensões e, por isso, muitos
simpatizantes do clube de Coimbra não
conseguiram o tão desejado bilhete.
Como esperado, o sector ficou a abarrotar
neste Domingo matinal, numa partida
bastante emotiva, que terminou com um
empate a uma bola, tendo os dois golos sido
feitos através de penáltis depois do minuto
90!
64
FC Porto x Sporting CP | 28-04-2024
Clássico de muitas emoções, entre dois
clubes que passam por contextos diferentes.
O Sporting muito próximo do título de
campeão nacional, com os seus adeptos a
aproveitarem cada momento para criar bons
incentivos, como foi o caso tanto da saída da
equipa em Alvalade, na véspera, como da
própria chegada ao hotel, em Vila Nova de
Gaia. Não faltaram cânticos e pirotecnia em
ambos os lados.
Já o Porto viveu, um dia antes, as eleições
do clube, que culminaram na saída de Pinto
da Costa, 42 anos depois, para a eleição
de André Villas-Boas. Para além disso,
desportivamente vai tentando assegurar o
terceiro lugar, uma realidade aquém do que
os portistas inicialmente idealizavam.
Por isso, houve estados de espírito distintos
nas bancadas, entre os cerca de 45 mil
espectadores presentes. No que toca aos
da casa, foi uma partida que teve como foco
as homenagens a Pinto da Costa, ouvindose
cânticos com o seu nome ainda antes
do início da partida. Pouco depois do jogo
começar, houve uma coreografia de grandes
dimensões aberta com a sua imagem na
bancada sul, por parte dos Super Dragões.
Depois do minuto 42, houve um aplauso
por parte dos sócios azuis e brancos e uma
grande tochada do Colectivo 95.
Relativamente aos sportinguistas, que lotaram
o sector visitante, tiveram um bom nível de
apoio, com muita pirotecnia, destacandose
nesta parte um grande espetáculo
pirotécnico, onde houve inclusivamente fogo
de artifício.
O Porto até esteve a vencer durante a maior
parte do tempo, mas dois golos de rajada por
parte do goleador sueco Gyökeres, perto do
final, empataram a duas bolas este encontro,
para gáudio dos simpatizantes verdes e
brancos presentes no sector visitante.
CF Estrela da Amadora x SC Farense | 29-04-
2024
A fechar a 31.ª jornada houve encontro entre
dois conjuntos que lutam pela manutenção,
numa 2.ª feira à noite, contando com uma
boa afluência, estando mais de cinco milhares
de espectadores presentes na Reboleira. O
destaque vai para a boa deslocação realizada
pelos South Side Boys e simpatizantes
farenses em geral, que foram premiados
com uma importante e excelente vitória,
por 0-3, ficando quase com a permanência
no principal escalão garantida, motivando
uma grande festa entre a equipa e o público
forasteiro.
Sportinguistas presentes na Arménia
Este ano, para desagrado das equipas e dos
adeptos, a ‘Final-four’ da Liga dos Campeões
de Futsal realizou-se na cidade arménia de
65
Yerevan. A Península Ibérica levava as quatro
formações, duas portuguesas e outras duas
espanholas, confirmando a sua hegemonia
nesta modalidade no continente europeu.
Com todas as dificuldades logísticas que
esta deslocação acarretava, uma dúzia de
elementos da Juventude Leonina realizaram
a longa viagem, aos quais se juntaram outros
simpatizantes verde e brancos na bancada,
nos dois jogos que realizaram. Acabaram por
perder em ambos - com o Barcelona e contra
o Benfica - ficando em quarto lugar na maior
prova europeia de clubes de futsal, o que não
tirou brilho a este histórico apoio.
De salientar, ainda, que os ultras realizaram
este registo numa altura em que o Sporting
se viria a sagrar campeão nacional de futebol,
preterindo esse momento por esta aventura
notável.
Moreirense FC x FC Vizela | 03-05-2024
Como referimos anteriormente, a Força
Azul anunciou um boicote nesta recta
final da temporada, em protesto contra a
SAD. Curiosamente, o Vizela jogava agora
em casa do grande rival, nesta partida
inaugural da antepenúltima jornada, ficando
matematicamente despromovido em caso
de resultado negativo. A claque vizelense,
apesar de faltar ao jogo, quis apimentar nessa
semana, nas imediações do reduto rival,
através de tarjas insultuosas ao Moreirense e
aos Green Devils. Estes últimos responderam
com a seguinte mensagem: “A vossa queda
será abismal, da segunda à distrital”.
Na noite do encontro, que se realizou numa
6.ª feira à noite, cerca de dois milhares
de cónegos assistiram mesmo, para sua
felicidade, à confirmação da despromoção
do Vizela, depois de uma vitória pela margem
mínima.
Rio Ave FC x Vitória SC | 04-05-2024
As idas do emblema vimaranense a Vila do
Conde costumam ser sinónimo de invasão e
esta não foi excepção. O sector visitante do
Estádio dos Arcos esteve completamente a
66
abarrotar, com muitos vitorianos empolgados
por uma possível ida da sua equipa à Liga
Europa. Não faltaram, portanto, cânticos
durante todo o encontro, em mais um recital
dado pelos seus simpatizantes. Infelizmente
para eles, o Rio Ave conseguiu os três pontos,
para festa do público da casa.
Sporting CP x Portimonense SC | 04-05-2024
Casa cheia em Alvalade para um encontro
que já cheirava a título, apesar de
matematicamente ainda não ser possível.
Clima de festa com uma enorme recepção
ao autocarro da equipa verde e branca antes
do jogo. Durante a partida, várias tochadas
e mensagens de incentivo nas bancadas das
claques, em mais um dia de festa por uma
nova confortável vitória.
CF União de Lamas x CD Estarreja | 05-05-
2024
Como referimos antes, o Lamas conseguiu a
promoção ao Campeonato de Portugal. Por
isso, a sua claque - os Papa Tintos - aproveitou
para realizar uma coreografia em forma de
agradecimento à sua equipa pela época
bem sucedida, com a mensagem “Obrigado
campeões”. Houve também fumo e muitos
cânticos nesta partida.
FC Famalicão x SL Benfica | 05-05-2024
Encontro num Domingo à noite que tinha
como atracção principal o facto de se verificar
se o Benfica conseguiria ou não uma vitória, de
maneira a saber se o rival Sporting se sagraria
campeão nacional. A casa esteve muito bem
composta, com quase cinco milhares de
espectadores, e a falange benfiquista até
estava bastante audível durante a maioria da
partida. Porém, já na parte final, o Famalicão
fez dois golos e conseguiu uma vitória, para
gáudio do público da casa. Nessa altura,
houve mais um episódio de contestação
encarnada, com tochas atiradas do exterior
do recinto que caíram dentro do relvado e
interromperam momentaneamente o duelo.
67
Sporting CP campeão nacional
Em consequência do registo anterior, o
Sporting acabou por se sagrar campeão.
Para muitos, o facto de ter sido sem jogar
e num Domingo à noite impediu festejos
como desejariam, mas nem por isso a festa
deixou de ser impressionante. O Marquês
pintou-se de verde e branco, houve imensa
pirotecnia (registando-se imagens incríveis),
um concerto dos Supporting que levou a
multidão à loucura e muitos cânticos.
A festa sportinguista teve continuação no
resto do campeonato, com destaque especial
para o último jogo do campeonato, em
casa, frente ao Chaves, dois fins-de-semana
depois, onde se registou nova casa cheia
em Alvalade, com muita pirotecnia e ainda
uma coreografia do Directivo Ultras XXI, de
maneira a festejar também o 22.º aniversário
do grupo.
‘Final Four’ da Liga dos Campeões de Hóquei
em Patins
Realizou-se na cidade do Porto, mais
concretamente no Pavilhão Rosa Mota, a ‘final
four’ da Champions de hóquei, que contou
exclusivamente com formações portuguesas:
FC Porto, Sporting, Oliveirense e Óquei de
Barcelos. Os destaques vão essencialmente
para o grande apoio dos barcelenses no
Sábado, contra a Oliveirense, mas que
terminou com um resultado favorável aos
de Oliveira de Azeméis, impedindo que no
dia seguinte houvesse novo espectáculo
da claque Kaos Barcelense e restantes
simpatizantes do clube. Porém, a final contou
com a presença dos ultras leoninos, que
deram um bom recital e ajudaram o seu
conjunto a sagrar-se campeão europeu da
modalidade.
68
GD Estoril Praia x Sporting CP | 11-05-2024
Primeiro encontro do Sporting depois da
conquista do campeonato, levando muita
gente até à Amoreira. Porém, o destaque fora
das quatro linhas vai para o facto das claques
Juventude Leonina, Directivo Ultras XXI e
Torcida Verde terem boicotado a partida,
apoiando fora do reduto, pelo facto de não
concordarem com a política de bilhética do
clube leonino.
Vitória SC x SC Braga | 11-05-2024
O dérbi do Minho dispensa apresentações
e este não desiludiu, antes pelo contrário,
pois teve um dos melhores ambientes do
passado recente, contando com mais de 25
mil espectadores, muitas emoções (até pelo
contexto desportivo) e imensa pirotecnia
nos vários sectores. Os White Angels, por
exemplo, voltaram a esmerar-se numa
tochada a abrir o encontro. Desta vez quem
sorriu com um golo nos instantes finais foi o
Braga, vencendo por 2-3, e provocando uma
enorme explosão de alegria entre os seus.
A partida teve direito a uma publicação
especial, que podem ler neste número da
fanzine.
SL Benfica x FC Arouca | 12-05-2024
Novo episódio da saga de contestação
dos No Name Boys contra o seu treinador.
Ao seu estilo, interromperam outra vez o
encontro com tochas, enquanto expunham
uma tarja contra Roger Schmidt. A partida
teve também a particularidade de ter
servido como despedida de Rafa do clube,
tendo sido ovacionado pelos quase 50 mil
espectadores presentes, que também viram
o seu Benfica vencer de forma tranquila, por
uns expressivos 5-0.
FC Porto x Boavista FC | 12-05-2024
Fim-de-semana marcado por buscas no
Dragão, mais concretamente pela investigação
judicial aos bilhetes cedidos pelo clube azul
e branco aos Super Dragões. Isso resultou
no cancelamento dos ingressos da claque
para este dérbi e, por conseguinte, do facto
histórico da ausência da claque a um embate
em casa do seu clube. Por causa disso, os
boavisteiros, que se deslocaram com cerca
de 1.500 elementos ao reduto do rival (num
cortejo desde o antigo campo do Salgueiros),
69
fizeram-se ouvir com mais expressividade na
maior parte do encontro, sendo que o apoio
da casa era comandado pelo Colectivo 95.
Foi um jogo muito mais imprevisível do que a
maioria esperava, com o Porto a ter alcançado
uma vitória muito sofrida, por 2-1, com o golo
decisivo a ser feito ao 98.º minuto, para festa
dos da casa e desilusão dos forasteiros, que
com o empate alcançavam a manutenção.
SC Farense x Portimonense SC | 18-05-2024
Foi uma última jornada do campeonato de
emoções fortes na luta pela manutenção
no principal escalão do nosso futebol.
Portimonense, Estrela da Amadora e Boavista
tinham os jogos à mesma hora, sendo que a
única equipa que não dependia de si própria
para evitar o play-off era a de Portimão, que
jogava precisamente o dérbi algarvio, no São
Luís. Não foi então de estranhar que quase
seis milhares de espectadores criassem um
excelente ambiente.
Os South Side Boys com o seu habitual bom
apoio e várias centenas de simpatizantes do
Portimonense, empolgados pelo resultado
positivo, também se fizeram ouvir. A questão
é que, no final, houve um golo do Boavista
que foi um enorme “balde de água fria” para
os portimonenses, que viram mesmo os
seus rivais na bancada a entoarem o nome
do emblema axadrezado, como forma de
provocação.
Boavista FC x FC Vizela | 18-05-2024
Ao Boavista bastava um empate contra o
já despromovido Vizela ou um resultado
negativo em qualquer um dos outros dois
campos. Porém, aquilo que se previa como
uma tarefa simples, complicou-se bastante,
com os axadrezados a entrarem no minuto 90
a perder e a saberem que os dois adversários
directos estavam a vencer. A verdade é que,
através de uma grande penalidade no último
lance da partida, a grande apreensão dos
cerca de 20 mil presentes transformou-se
numa enorme explosão de alegria, havendo
ainda espaço, à posteriori, para uma
70
tradicional invasão de campo que permitiu
aos seus adeptos fazerem a festa com os
próprios jogadores.
Nota ainda para o facto dos Panteras Negras
terem aberto uma coreografia a assinalar
o 40.º aniversário do histórico grupo do
panorama nacional.
SC Braga x FC Porto | 18-05-2024
Última jornada com direito a um jogo de
elevado nível para decidir quem ficaria na
terceira posição da tabela classificativa. Mais
de 23 mil espectadores estiveram presentes,
animando bastante o ambiente. No primeiro
anel da bancada nascente houve uma
coreografia com a mensagem “Até ao último
segundo, até à última gota de suor!”, como
forma de inspiração para os seus jogadores,
que necessitavam de vencer para ultrapassar
o seu adversário. Os ultras arsenalistas, para
além do habitual apoio, ainda realizaram uma
boa tochada no seu sector.
Relativamente aos azuis e brancos, os
mesmos foram bastante audíveis, acabando
por ficar a sorrir depois de um triunfo pela
margem mínima, garantindo a presença na
fase de grupos da Liga Europa da própria
temporada, antes da ida ao Jamor.
Lusitânia de Lourosa FC x FC Alverca | 19-05-
2024
Emoções fortes na última jornada da fase de
Apuramento de Campeão da Liga 3. O reduto
do Lourosa encheu para o embate com o já
promovido Alverca, na tentativa de ajudar o
seu conjunto a ainda conseguir um lugar no
play-off contra um adversário da Segunda
Liga. Numa tarde de Domingo, viveu-se um
ambiente incrível naquela localidade do
distrito aveirense, pois a combinação da
sua vitória por 3-2 com um surpreendente
empate caseiro da formação secundária do
Braga frente ao Atlético serviu para garantir o
terceiro lugar da tabela, galvanizando imenso
os simpatizantes dos leões de Lourosa.
71
Amarante FC x Pevidém SC | 19-05-2024
Numa fase crucial das decisões sobre quem
sobe do Campeonato de Portugal até à Liga 3,
a Federação decidiu, de uma forma ridícula,
castigar os amarantinos com este encontro
à porta fechada, por alegado apoio da sua
direcção a um Grupo Organizado de Adeptos
na temporada anterior.
A verdade é que os simpatizantes do
Amarante decidiram marcar presença nas
imediações do recinto, incentivando lá e
festejando a importante vitória com os seus
jogadores após a partida.
UD Santarém x Vitória FC | 19-05-2024
O histórico emblema sadino garantiu a
promoção ao terceiro escalão nacional,
depois de um empate no terreno do
Santarém. Para além da festa feita nesta
partida de Domingo à tarde, houve ainda
uma celebração organizada no interior do
Estádio do Bonfim, com muitos adeptos a
ovacionarem a sua equipa, já durante a noite.
Sporting CP x FC Porto | 26-05-2024
Clássico na final da prova rainha portuguesa,
obviamente com casa cheia. O espírito de
festa do Jamor foi manchado por incidentes
envolvendo adeptos portistas e a polícia, com
várias imagens lamentáveis da actuação das
autoridades, tanto antes como durante a
partida.
Foi um bom duelo de apoio entre os dois
lados. Os sportinguistas estavam claramente
motivados pela parte desportiva conseguida
até então. “Aqueceram” bem com um
concerto dos Supporting antes, começaram
a ganhar e parecia estar tudo favorável para
os verde e brancos, mas rapidamente viram
o Porto a empatar, ficar em superioridade
numérica em campo e acabar por vencer já
durante o prolongamento, levando o troféu
para a Invicta. Isto fez com que a festa fosse
dos dragões, que ainda tiveram o registo de
uma bela tochada dos Porto Casuals.
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QUANDO OS PÉS DESCALÇOS BATERAM OS
“MESTRES” INGLESES
O futebol africano é hoje em dia
uma realidade completamente afirmada e
reconhecida; os grandes clubes europeus são
repletos de jogadores originários de África
como também há seleções que conseguiram
vitórias e títulos até há pouco tempo. Um
exemplo para todos: Quem não se lembra da
emblemática seleção dos anos 90 da Nigéria
(medalha de ouro aos jogos olímpicos em
1996, eliminada nos oitavos no mundial 1994
e vencedor da Copa de África no mesmo
ano)? Só que a história e a lenda dos Green
Eagles vem de muitas décadas atrás: é esta
epopeia que hoje queremos contar.
Em 1949, 18 jogadores de futebol
nigerianos viajaram para o Reino Unido para
disputar nove jogos amigáveis contra clubes
amadores ingleses. O objetivo desta viagem
foi testar o nível técnico nigeriano contra
adversários de boa qualidade e veladamente
mostrar a bondade da “assimilação colonial”
inglesa. Se por um lado o evento foi utilizado
por este motivo, por outro não diminui o
grande impacto e influência que teve nos
anos a seguir sobre todo o movimento
futebolístico africano.
Foi a primeira viagem de uma
equipa da África Ocidental para a Europa.
Chegaram, vindo de duas semanas de viagem
desde Lagos até Liverpool, no dia 29 de agosto
de 1949. Durante a viagem mantiveramse
em forma correndo e fazendo exercícios
todas as manhãs e noites, e na carga do navio
estavam alimentos nigerianos (arroz, óleo
de palma, camarão seco, inhame, presunto,
carneiro e pimenta vermelha) para sustentar
os jogadores enquanto estivessem no Reino
Unido. Aliás, os organizadores da viagem
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contrataram quatro mulheres nigerianas,
esposas de funcionários do governo nigeriano
a viver em Londres, para ajudar a preparar
refeições para os jogadores durante a sua
estadia na cidade, uma vez que os jogadores
não gostavam muito da comida inglesa.
Dois dias depois da chegada,
disputaram o primeiro jogo contra o Marine
Crosby FC. Qual o espanto dos adversários
e do público em perceber que os jogadores
nigerianos não tinham chuteiras e jogariam
de pés descalços (alguns tinham umas ligas
nos joelhos). Os jogadores atraíram a atenção
da imprensa. Havia algo de misterioso numa
equipa de jogadores de futebol negros
descalços que capturou a imaginação do
público inglês. Bom, tudo isto (pés descalços,
sem chuteiras) não impediu o “milagre”: a
equipa nigeriana venceu os ingleses por 5-2,
colocando em delírio os 6000 espectadores
presentes (entre os quais muitos africanos
ocidentais emigrantes). Foi uma vitória que
marcou uma era no futebol africano!
A turné continuou nas semanas
seguintes com mais 8 jogos e resultados
alternados: mais uma vitória, 2 empates e 5
derrotas. Curiosidade: em todas as derrotas
os jogadores calçaram chuteiras…
Outra curiosidade: O último jogo
da turné, contra o South Liverpool Football
Club, foi disputado sob holofotes, tendo esse
clube inglês sido um dos primeiros do país
a ter holofotes permanentes. As bolas da
partida tiveram que ser pintadas de branco
para torná-las visíveis para os jogadores
e espectadores durante a partida. Outros
tempos…
Para memória futura queremos
deixar aqui os nomes dos 18 heróis e a
repectiva equipa: Sam Ibiam (Port Harcourt),
Isaac Akioye (Hercules, Ibadan) Justin
Onwudiwe (Lagos Railway), Olisa Chukwura
(Abeokuta), ATB Ottun (Lagos Marines),
Isiaku Shittu (Lagos UAC), John Dankaro
(Jos), Hope Lawson (Lagos Marine), Dan
Anyiam (Lagos UAC), Okoronkwo Kanu (Land
& Survey) Mesembe Otu (Lagos Marine),
Peter Anieke (Lagos Railway), Sokari Dokubo
(Lagos Railway), Godwin Anosike (Lagos
Railway), Tesilim Balogun (Lagos Railway),
Titus Okere (Lagos Railway), Etim Henshaw –
o capitão (Lagos Marine) e Edet Ben (Lagos
Marine). Treze dos dezoito jogadores eram da
Liga de Lagos e Distrital, dois das Províncias
Ocidentais, dois das Províncias Orientais e
um das Províncias do Norte. Um resultado
significativo desta viagem ao Reino Unido
de 1949 foi que ela abriu as portas para a
migração de jogadores de futebol nigerianos
para o país. Alguns membros da turné de
1949 fizeram parte da primeira geração de
jogadores de futebol nigerianos a jogar em
clubes ingleses: lembramos aqui Tesilimi
Balogun, que teve uma honrosa carreira
no Peterborough United e no Queen’s Park
Rangers, e que se tornou uma lenda no
seu país de origem que até foi erguida uma
estátua em frente ao estádio em Lagos, que
tem o seu nome, para homenageá-lo.
Por Eupremio Scarpa
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BOLA DE NOTAS
A 777 Partners apresenta-se como
“uma plataforma de investimento alternativa
que ajuda empreendedores ousados a
transformarem visões em valor duradouro”.
Este consórcio, sediado nos EUA, é accionista
em clubes de futebol (Sevilla - 15%; Genoa
- 99,9%; Standard Liège - 99,7%; Red Star FC
- 100%; Vasco da Gama - 70%; Melbourne
Victory - 70%; Hertha Berlin - 64,7%) e de
basquetebol, e detém também os direitos
de distribuição comercial internacional das
ligas de futebol argentina e brasileira e 45%
da liga de basquetebol britânica, das seleções
nacionais de futebol do Chile e do Peru e das
principais ligas europeias de futebol feminino.
Além disso, é ainda detentor de companhias
aéreas e empresas de fintech. Porém, várias
das empresas do portfólio da 777 Partners
acusam-na de não pagar dívidas, atuando
sob a visão de que “aumentamos o valor dos
nossos direitos fortalecendo os plantéis das
equipas com novos talentos e fortalecendo
o seu potencial de ganhos através do
desenvolvimento de talentos e produtos,
patrocínios, merchandising, publicidade,
estratégia de distribuição, NFTs, abordagem
Web3, monetização de dados, desportos
de fantasia e videojogos. Acedemos a um
mercado vasto e subdesenvolvido, com
enorme apetite dos consumidores por
conteúdos desportivos. Aplicamos equipas
e tecnologia de ponta para permitir avanços
na criação e distribuição de conteúdo digital.
Trabalhamos incansavelmente para criar
uma experiência de mídia que atinja todos
os pontos de contato do consumidor (...)
aumentando drasticamente o valor dos ativos
de nossas equipas”. O objectivo é claro: gerar
lucro financeiro.
Falamos então de um grupo
multi-clubes/multipropriedade que detém
a maioria do capital de seis clubes e é
accionista minoritário de outro, aquisições
estas realizadas em apenas 18 meses. Além
disso, o consórcio “conquistou” acusações
de fraude, de oferta de empréstimos ilegais
e falta de pagamento de contas que totalizam
centenas de milhares de dólares. Contase
que o 777 apresenta como garantias
supostos fundos que não lhe pertencem
ou não existem, estando já envolvido em
insolvências e, neste momento, estão
também em curso vários processos judiciais
contra o grupo nos EUA. O desempenho de
vários dos seus clubes está bem abaixo dos
seus pergaminhos e cada vez mais adeptos
desses símbolos estão insatisfeitos. São
diversas as razões para tal, como a perda
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de independência, de identidade, valores e
princípios, como a falta de transparência, o
conflito de interesses na gestão financeira e
desportiva e incompetência dos dirigentes. É
público que o modus operandi deste grupo
não foge ao da maioria, uma vez que um
dirigente do Red Star disse abertamente que
“se um dia tivermos um avançado que está a
jogar bem por nós e é um grande talento, um
clube como o Standard pode dizer que o quer.
Discutiremos, mas será uma troca”.
Nos últimos tempos, numa visita
ao Stade Bauer, casa do francês Red Star, vi
muitos autocolantes contra a 777 Partners
e a Tribune Rino Della Negra continua os
protestos que iniciou ainda antes da venda
do clube a estes em 2022, não baixando a
guarda apesar de terem subido à segunda
liga nacional esta temporada. Importa referir
que falamos de um emblema oriundo de
Saint-Ouen, subúrbio parisiense que é a zona
com maior pobreza na França continental
e que, em 2023, com o clube a actuar na
terceira divisão, o preço dos bilhetes anuais
aumentou 83%, chegando a ser superior ao de
clubes da primeira liga. Isto escalou a tensão
entre adeptos e direcção, a qual acabou
por recuar nas suas intenções, face aos
constantes protestos sob os lemas “777 não
são bem-vindos” e “rua 777”. Para o último
jogo desta época de sucesso desportivo, a
TRDN organizou um cortejo no qual pedem a
saída da 777, de Patrice Haddad (presidente
do clube que o vendeu) e a entrada de um
novo investidor, tendo aproveitado o início
da segunda parte para apresentarem a
coreografia “multipropriedade e aqueles
que pisam os nossos valores - rua 777”.
Festi’Bauer é um evento organizado pelos
ultras que serve de reunião dos adeptos e
de homenagem ao médico e combatente da
Resistência Francesa Jean-Claude Bauer, no
qual este ano estiveram em debate os efeitos
que as multipropriedades provocam nos
clubes. Ambos os eventos foram publicitados
com cartazes em forma de notas de dólares
com a cara de Josh Wander e inscrições como
“Falsificações Unidas da Flórida” e “Não
confiamos no Josh”.
Em Setembro passado, o accionista
maioritário do Everton, Farhad Moshiri,
acordou vender 94,1% à 777 por 685 milhões
de dólares, um negócio que teve a aprovação
da Financial Conduct Authority e da Football
Association, encontrando a reprovação da
Premier League. Tal reprovação tem arrastado
a concretização da transacção até hoje,
tendo a PL solicitado provas de que detêm
os fundos necessários para a compra das
acções, completar a construção de um novo
estádio e atender aos custos operacionais,
não havendo resposta por parte dos supostos
investidores. Por isso, agora procura-se um
novo comprador dos toffees.
Ainda antes da venda do clube,
ultras do Hertha posicionaram-se desde
logo contra o negócio, exigindo a aplicação
do modelo 50+1: “777 só no casino. Somos
contra os investidores”. Também no Brasil se
sentem as repercussões da gestão danosa
da 777 Partners, com o Vasco da Gama a
revelar ter ordenados em atraso. Ainda em
2023, a Força Jovem liderou um movimento
de contestação, levando a cabo protestos em
frente às sedes da empresa no Rio de Janeiro
e em Miami. O mesmo acontece ao Standard
de Liège, clube que pediu a apreensão dos
activos do consórcio. O clube foi comprado
há cerca de dois anos e os Hell Side, Ultras
Inferno e Publik Hysterik Kaos têm composto
um tridente que ecoa a voz da revolta, pelo
menos desde 2023. Antes do jogo St. Liège
vs Westerlo, agendado para 10 de maio, os
grupos em comunicado apelaram à união e
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presença dos adeptos neste momento que
consideram sombrio, comunicando que iam
realizar diversas acções de protesto para
aquela partida e encorajando investidores
locais a apresentarem-se como solução para
o clube. Neste comunicado disseram ainda
que “Esta sociedade mafiosa, que consiste
em fazer circular fluxos financeiros de uma
empresa para outra sem nunca investir
no seu bom funcionamento, está hoje
encurralada pelas suas acções fraudulentas e
o resultado é implacável! Estes bandidos têm
julgamentos em todos os lados do Atlântico e
o nosso clube corre perigo de sobrevivência.
Já é assim há algum tempo, mas ainda
mais hoje: funcionários, fornecedores,
jogadores e staff não têm sido remunerados
e certamente não o serão por algum tempo.
Neste momento, a falência ameaça-nos mais
do que nunca!”. Contudo, ninguém esperava
que o protesto fosse feito nestes moldes:
horas antes da partida, os grupos de apoio
reuniram-se à porta do centro de estágio,
de onda partiria a equipa rumo ao estádio,
não permitindo que o autocarro saísse e
recusando negociações com os dirigentes,
originando o adiamento do jogo por falta
de comparência da sua equipa. Na semana
seguinte mantiveram a sua posição, com
novo comunicado conjunto a criticar a 777
e os dirigentes belgas do Standard, voltando
a acusar o consórcio de ser uma sociedade
fraudulenta, ultra-endividada e de ser tóxico
para o futebol, abordando o protesto do fimde-semana
antecedente: “Muito mais do que
o pior registo desportivo da nossa história,
é a falência que nos espera. Este foi o nosso
discurso aos jogadores durante o treino do
dia anterior. Os jogadores compreenderam a
mensagem e, de comum acordo, decidiram
seguir-nos nesta abordagem de não disputar
o jogo. Tivemos que tomar esta atitude forte:
impedir que a partida começasse para acabar
com a era da 777, para que vendessem o
clube o mais rápido possível. Não estamos
orgulhosos, mas tivemos de fazê-lo!
Embora a direção do clube, sob a
liderança de Pierre Locht, tente esconder a
verdade, foi comunicado aos jogadores e à
equipa técnica na manhã de quarta-feira que
não seriam mais remunerados por tempo
indeterminado. Essa é a realidade! Ele não é
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o único. Dirigimo-nos também ao Sr. Javaux,
membro do Conselho de Administração
do Standard de Liège, mas que até hoje
permaneceu em completo silêncio. (...)
Parece agora que os salários serão pagos
através de uma das companhias de seguros
dos 777 Partners. Essa mesma empresa
estaria pronta para comprar novamente o
nosso clube. Outra montagem nesta galáxia,
na qual não confiamos.
Este modelo de timeshare
confirmou todos os receios que tínhamos
de passar para segundo plano, esvaziando o
clube da sua identidade e dos seus valores.
(...) Outras ações ainda acontecerão até
ao final da temporada, mas é claro que os
últimos jogos terão de acontecer! Estando
o nosso clube num limbo total, convidamos
todos os detentores de lugar/bilhete anual
a aguardarem até ao último momento
para se inscreverem novamente, ou seja,
até 6 de julho. Não gostaríamos que os
fundos arrecadados com esta campanha
de subscrição fossem utilizados para cobrir
outras dívidas pertencentes à 777 Partners.
Queremos uma garantia de que o dinheiro
que damos ao Standard permanecerá lá!
Quanto à revenda do clube, é
inevitável! Nós, adeptos, queremos envolvernos
nessa operação para evitar ao máximo
que esse tipo de cenário se repita. Numa
altura em que o futebol moderno recebe
investidores estrangeiros de todos os lados, é
fundamental garantir raízes locais dentro do
clube! O Royal Standard de Liège é um clube
histórico e não pode acabar! Continuaremos
como garantes da identidade e do ADN do
clube.”
A 17 de Maio, surge um comunicado
contra a 777 e o modelo de multipropriedade,
subscrito pela Força Jovem e Guerreiros do
Almirante (Vasco da Gama), Tribune Rino
Della Negra (Red Star), os grupos organizados
do Hertha Berlin, North Terrace (Melbourne
City), Ultras Inferno e Publik Hysterik Kaos
(Standard Liège) e Biris Norte (Sevilla). Além
de frisarem que a 777 Partners é “uma
sociedade fraudulenta, ultra-endividada e
um agente tóxico para o futebol”, alegaram
ser “urgente que a 777 saia imediatamente
dos nossos clubes”. Acrescentaram ainda que
“mais do que nunca, a multipropriedade de
clubes surge como algo propício ao controlo
do Futebol por entidades nefastas (...),
devendo ser combatida pelos adeptos de
todo o mundo”.
O que será dos clubes que são
“geridos” pela 777? Chegamos a um ponto
em que somos obrigados a questionar a
FIFA, a UEFA, bem como as ligas nacionais e
os clubes sobre o que mais será preciso para
se criarem barreiras ao excessivo negócio
em torno do futebol e limitar a aquisição de
diversos clubes por parte de uma empresa,
terminando com as multipropriedades
e este atentado à verdade desportiva, à
transparência financeira, à identidade e
independência de símbolos que foram
desenhados sob inspiração de um ideal
contrário a todo o conflito de interesses que
este tipo de negócio constitui.
Por L. Cruz
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GLASGOW AWAY
Glasgow, a cidade mais populosa
da Escócia, não seria a minha primeira
escolha para uma viagem de lazer. Talvez
pelos seus escassos dias soalheiros aos quais
estou habituado por Lisboa ou talvez pelas
dificuldades que o Brexit colocou à nossa
livre deslocação. No entanto, as viagens de
trabalho não têm necessariamente isso em
consideração na hora de nos fazer viajar. Foi
assim que dei por mim em terras escocesas
no final de março. E foi assim também que
decidi desviar-me nas horas vagas para aquilo
muito interessa a tantos de nós: a cultura de
bancada.
Acabado de aterrar, pouco depois
de ter entrado no clássico bus de dois pisos
que nos leva ao centro da cidade, reparo
ainda em estrada naquilo que tanto marca
a história do futebol por aqui: a rivalidade
quase ancestral entre Rangers e Celtic. Se de
um lado da estrada encontrava diferentes tags
com referências ao clube verde e branco, do
outro lado logo se reparava que tinha tentado
superar o que os rivais tinham feito – tanto
assim é que denoto num grande e formidável
graffiti feito pelos Union Bears do Rangers no
alto de um prédio, a escassos metros dos tags
que antes tinha avistado.
Infelizmente, o jogo de vida ou de
morte entre os tradicionalmente opostos
católicos e protestantes (o Old Firm Derby)
não estaria disponível, nem um outro
qualquer semelhante. Por sorte, apesar de
não existir uma partida que mais me apraz –
do campeonato de clubes –, reparo que está
marcado um jogo amigável entre as seleções
da Escócia e da Irlanda do Norte no histórico
Hampden Park. A app criada em exclusivo
pelos gestores do recinto desportivo, hoje
em dia utilizado pela Federação Escocesa
(ainda que historicamente associado ao clube
Queen’s Park), ajuda-me a adquirir um bilhete
para a East Stand do dito. Vem-me à cabeça
o jogo amigável que a equipa de Portugal
proporcionou com a Escócia, em junho de
1966, em vésperas do histórico Campeonato
do Mundo de ’66. Sei que li algures sobre
isso há algum tempo. Nesse encontro, num
Hampden que não chegou às 30 mil pessoas,
a vitória ficou do lado português, graças
ao golo solitário de Torres aos 70 minutos
– segundo o Diário de Lisboa, de 19 de
junho, essa era uma vitória que servia para
“reforçar-lhe o moral, quando deste tanto
precisa na emergência”. Ora, também eu
precisava exatamente dessa motivação para
ficar pessoalmente entusiasmado para um
jogo do calibre já descrito. Mais empolgado
fiquei quando encontrei no Arquivo digital
do Município de Lisboa, durante as minhas
deambulações noturnas de nerd, uma
fotografia precisamente de Torres, ‘O Bom
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Gigante’, no campo do Chedle-Rovers, em
preparação para o Mundial, rodeado de
jovens adeptos, vestido com um esplêndido
fato de treino das Quinas e calçado com
umas icónicas Adidas azuis. A decisão estava
tomada!
No dia seguinte, para lá do trabalho
que tento despachar em meia dúzia de
horas, a minha mente já só mantém o foco
naquele que seria o trajeto a adotar no
final da tarde. Decido tomar as ruas que
partem da zona universitária, levando-me
à Glasgow Central e, daí, à zona de Mount
Florida, e, pelo caminho, vejo dezenas de
adeptos, tanto da casa como dos forasteiros,
divididos entre vários grupos de amigos, na
sua habitual pândega. Chegado à Estação
Central, o burburinho vai aumentando até se
tornar num ensurdecedor festival de cantares
que, ao longe, não consigo distinguir. Mais
perto, apercebo-me que, na verdade, não
são apenas os escoceses que fazem a festa;
também os norte-irlandeses fazem-se sentir
na mesma gare onde todos esperamos pelo
transporte. A pouca polícia tenta garantir
que tudo corre bem, mas os adeptos não
estão muito interessados na sua ajuda –
eles próprios tratam de garantir o espaço e
a segurança de uns e outros, mesmo sem
abdicarem do exercício ritual que envolve
provocações mútuas. No apertado espaço
interior da carruagem, dado a imensidão de
gente que toma o comboio, os adeptos de um
e outro lado vão trocando cânticos repletos
de ironia. Se os escoceses vociferavam “small
part of Ireland, you are just a small part of
Ireland”, os norte-irlandeses respondiam com
um “small part of England, you are just a small
part of England”. No final, mesmo antes de
chegarmos ao destino, todos eles terminam
a cantar o hino do Reino Unido em uníssono.
Já perto do estádio, encontramos banquinhas
muito concorridas onde se vendem pins
raros e as habituais roulotes de comida –
aqui não se servem bifanas ou torresmos,
mas sim as famosas scotch pies recheadas
de carne e aprimoradas com pimenta preta.
Cá fora ainda, o movimento era considerável
e todos os passos eram coordenados bem
de perto pela polícia escocesa, alguns deles
montados nos seus ‘colegas’ cavalos. Depois
de uma longa fila, lá conseguimos aceder ao
Hampden.
A primeira coisa que reparo é que a
sua disposição arquitetónica – um só grande
piso desnivelado num recinto oval bem
coberto – mais do que dar a impressão que
o estádio está a abarrotar (o que estava longe
da verdade), permite uma imersão diferente
graças à acústica. Talvez assim entenda
melhor o mito em torno do ‘hampden roar’ e
o porquê da expressão ‘what’s the hampden?’
se ter tornado tão popular entre os escoceses.
E, estando presente, só posso dificilmente
imaginar os quase 130 mil espetadores que
lotaram este mesmo recinto na final da Taça
dos Campeões Europeus de 1960, que opôs
Real Madrid e Eintracth Frankfurt. Afinal de
contas, depois das sucessivas reduções da
capacidade do estádio durante os anos ’70
e ’90, a primeira provocada pelo Safety of
Sports Grounds Act de 1975 e a segunda
motivada pelo investimento estatal que
transformou radicalmente vários estádios no
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82
Reino Unido, hoje em dia a capacidade não
passa dos cerca 51 mil, sendo que este jogo
em particular não esgotou. Entretanto, lá tive
que me sentar depois de um steward ter feito
questão de me levar ao lugar destinado, de
forma simpática, um gesto que me pareceu
recorrente por aqui.
Voltando à partida, os da casa
fazem-se ouvir em vários momentos até
ao golo solitário de Conor Bradley, perto da
meia-hora de jogo, que daria a vitória aos
forasteiros. Daí em diante, a festa pertence
apenas aos norte-irlandeses, colocados na
zona oposta onde me encontro. O futebol
aborrecido entre as duas seleções era no meu
setor apenas ali e acolá motivo de atenção e
de ânimo. Um desses momentos é quando
um dos jogadores escoceses varre o seu
adversário numa entrada que, assim creio,
só não lhe valeu o cartão vermelho porque
isto era um amigável. Contudo, o jogo não
dava para mais e o frio gélido não ajudava. Os
únicos que não pareciam muito preocupados
sobre o desenrolar da partida eram os mais
jovens. Observei vários grupos de crianças e
de adolescentes, bem vestidos com as suas
Stone Islands ou com os seus North Face de
tamanho XXS, muito mais interessados em
garantir que a noite fora de casa a um dia da
semana valeria a pena. Mal se dá o apito final,
faço-me rapidamente ao caminho, imitando a
multidão presente.
No dia seguinte, com umas horas
por aproveitar, decido perceber, entre a
moda e a literatura, o que posso afinal levar
desta cidade cinzenta para Lisboa. Após uma
rápida pesquisa, apercebo-me que tenho
duas lojas interessantes perto de mim:
a Bocca 10 e a 80’s Casual Classics! Se a
primeira se concentra sobre os dois grandes
da cidade, sobretudo com tees que fazem
referência à Taça dos Campeões Europeus
ganha pelo Celtic em 1967 no Jamor e à
Taça das Taças arrecadada pelo Rangers em
1972 no Camp Nou, a segunda abrange tudo
aquilo que muitos de nós tanto adoramos
nesta cultura. Dos vinis às fanzines, passando
pelas diferentes marcas tão conhecidas nas
bancadas. A Weekend Offender dominava a
loja, mas poderíamos ainda encontrar peças
da Lyle & Scott, Ellesse, Sergio Tacchini,
Barbour, Aquascutum, Fila e Diadora. Um
paraíso que, quanto a mim, é adocicado pela
compra de um pequeno livro intitulado The
Little Book of Casuals – Football Fashion from
the 1980s.
Para terminar esta viagem, dirijo-me
por último à Calton Books, por estas bandas
conhecida como the best radical bookshop
in the world. Não estava com expectativas
informadas, mas de qualquer forma essas
hipotéticas expectativas não fariam jus ao
que aqui encontrei, especialmente tendo
em conta as imensas ligações que por aqui
se faz ao mundo da bola. Logo de entrada,
somos esclarecidos quanto à solidariedade
para com o povo palestiniano através dos
imensos cachecóis pendurados à venda.
Depois de alguma procura, deparei-me com
uma outra peça à qual não poderia resistir:
o primeiro número da fanzine Levelling the
Score, coordenada pela FLAF (Football Lads
& Lasses Against Fascism), com uma capa a
preto e amarelo a fazer tanto referência visual
à marca Fila como ao icónico pontapé de Eric
Cantona a um xenófobo adepto adversário.
Em conversa com o dono da loja, um senhor
de meia-idade com raízes familiares na
Irlanda e simpatizante do Rangers, este
revela-me que, em bom rigor, faz parte
da FLAF e que acabo de lhe levar o último
número disponível. Segundo me conta, o
segundo número da fanzine só vai sair daqui
a uns meses e convence-me ainda mais
dos tópicos aí tratados – das comunidades
adeptas do Stella Rossa, do Clapton CFC e
do FC United of Manchester ao trabalho de
ativistas boleiros, como é o caso dos Leeds
Anti-Raids Action. Despeço-me e vou de alma
(e de mala!) cheia. Porque, afinal, os jogos
aborrecidos são sempre o menos importante.
Por Daniel Freire Santos
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UMA MARATONA INTERNACIONAL
A aventura começou na véspera
do derby de Roma, viajei de madrugada do
Porto para Lisboa e por lá fiquei até ao final
da tarde. O voo rumo à Cidade Eterna atrasou
e já me aguardavam com alguma impaciência
no aeroporto. Após um check-in relâmpago
no local de estadia, dirigimo-nos à Sede dos
Ultras Lázio, onde ultimavam os estandartes
para a coreografia do dia seguinte, ou no
caso, do próprio dia, visto já passar da meianoite.
Conhecia alguns pormenores da Sede
através de fotografias, mas presencialmente
pude comprovar que é bastante diferente do
que pensava. Sendo os Laziali historicamente
bastante atentos à questão estética,
imaginava a sua Sede bastante estilizada, em
jeito de boutique, mas nada disso. Pinturas
manuais, tudo muito cru, o essencial está
lá, mas não é um bar para socializar ou um
hostel para pernoitar. Ali é para trabalhar e
formar Grupo!
Já pela madrugada dentro alguma
malta foi descansar, eu incluído, uma vez que
um par de horas mais tarde (literalmente)
era hora de concentrar, novamente, na Sede.
Ainda me questiono como acordei, pois nem
de adormecer me recordo, muito menos de
ouvir o despertador, no entanto pelas 7h lá
estávamos. Algumas dezenas de Ultras Laziali,
uns quantos deles figurões históricos, estavam
ali a coordenar os materiais que faltavam
transportar para o estádio. Também por lá, um
grupo considerável de Ultras do Málaga, uma
das mais recentes amizades dos Ultras Lázio.
Seguimos caminho para as imediações da
entrada da Curva Nord do Olímpico de Roma e
ali estaríamos umas 120/130 pessoas. Muito
curioso ver as várias gerações ali presentes
e observar os comportamentos/dinâmicas.
Neste particular, mesmo estando Itália sob
uma repressão fortíssima e que já dura há
bastantes anos, estamos a anos luz deles. Por
ali ficamos pouco mais de uma hora, ambiente
algo tenso, mas sempre com algumas
gargalhadas e malta mais extrovertida que ia
desanuviando o ambiente. Neste entretanto,
ia havendo algumas comunicações por
parte de um dos responsáveis que ia dando
conta das possíveis movimentações do
lado Romanista. Para quem não tem ideia,
obviamente que na entrada da Curva Sud
do Olímpico estaria igualmente um Grupo
a ultimar as suas coreografias e a aguardar
por uma possibilidade para confrontar-se
com os Laziali. Nos dois derbies anteriores,
primeiro por parte dos Laziali e depois por
parte dos Romanisti, houve uma investida
em zona neutra, em busca de confronto,
confronto esse que, quase há duas décadas
não ocorria. Naturalmente refiro-me a
confrontos em números consideráveis e de
grande escala. Apesar de optimistas que este
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seria o dia em que iria acontecer, alguma
dezenas de Laziali não se mobilizaram para
a zona neutra, estaríamos uns 80/90 e bem
preparados para uma batalha, diga-se. Com o
avançar da hora, quer Digos, quer Carabinieri,
já estavam na avenida adiante de nós e que
nos separava do local onde os Romanisti
poderiam aparecer. Já um pouco cansados
de esperar e com a esperança a desvanecer,
alguma malta mais radical já ponderava
avançar até ao lado deles, no entanto isto
seria diffida ou agravamento da diffida (sim,
muita malta com diffida não fica em casa,
continua a viver o Grupo intensamente)
pela certa e um dos responsáveis teve de se
impor e meter alguma água na fervura. Meio
que desanimados começamos, devagar, a
dirigir-nos para o carro e eis que se começam
a ouvir berros! Eram eles, os Romanisti
também apareceram e em grande número
(certamente mais uns 30 do que nós), bloco
escuro, coeso, todos em marcha, bastante
imponente! Mas a malta da Lázio não tem
fama de ser violenta por acaso e avançou a
todo o gás para cima deles, sem hesitações.
Nos minutos que se seguem não há palavras
que possam descrever o que se vive,
adrenalina no máximo, fumo intenso, bombas
a rebentarem consecutivamente, tochas,
garrafas, paus, ferramentas, pedras, tudo pelo
ar! O confronto foi intenso, com momentos
de superioridade e feridos para ambas as
partes. Os efeitos do gás lacrimogéneo já não
eram suportáveis e fomos forçados a recuar
85
86
e poucos instantes depois a sair dali para
evitar mais identificações ou detenções. O
tão desejado confronto aconteceu, o maior
em quase duas décadas e para muita daquela
malta, o maior que tinham vivido contra os
maiores e mais odiados rivais.
Juntamente com a malta que me
é mais próxima, foi momento de reunir num
dos Rione históricos Romanos, por toda a
Itália designam-se por Quartiere (bairro),
excepto dentro dos muros de Roma, local
onde têm a designação de Rione. Enquanto
tomávamos o pequeno-almoço e de forma
comedida, íamos partilhando algumas
curiosidades, uma coisa que apreciei bastante
foi que, contrariamente ao que acontece por
cá, ali ninguém gosta de espalhafato, nem se
acha maior que ninguém, não presenciei uma
única pessoa a dizer que fez isto ou aquilo,
mentalidades… Entretanto começavam a
surgir as primeiras filmagens dos confrontos,
assim como fotos das apreensões feitas no
rescaldo, por parte da polícia, um misto de
gargalhadas e surrealismo.
Apesar de ainda ser cedo, o tempo
não parava e estava na hora de seguir até
à zona dos bares próxima de Ponte Milvio,
local onde a malta da Lázio se reúne antes
dos jogos. Por ali ficamos umas boas horas
e tive o prazer de ver em pessoa, gente com
muitos anos de militância no movimento.
Pessoalmente esperava um ambiente mais
tenso nas ruas, nas horas que antecederam o
jogo, mas o que havia para acontecer, já tinha
acontecido de manhã e entre fumos, tochas,
frases e cânticos anti-Roma, dos milhares que
ali pairavam, a corda do Grupo é bem selecta
e pouco dada a espectáculos. Apesar de
ainda faltarem umas horas para o jogo, era o
momento de nos despedirmos dos diffidati e
rumar ao estádio, pois a entrada para o derby
é um espectáculo dentro do espectáculo.
Sem entrar em grandes pormenores, tive a
sorte de entrar com um Top Boy e de tudo
ter corrido bem, mas há centenas de pessoas
a tentarem entrar desesperadamente na
Curva, com bilhetes para outras bancadas. Os
portões paralelos aos torniquetes parecem
saídos de um cenário de guerra, onde vão
distribuir bens alimentares, surreal! Já dentro
e após uma passagem pelo bar, foi tempo
de tirar o pulso às bancadas do Olímpico. Já
havia tido o prazer de lá estar a ver o meu
Clube e a imponência deste estádio é de tirar
o fôlego. Num dia de derby, a jogar fora e
já com as bancadas bastante compostas, as
sensações, naturalmente, não ficam nada
aquém. Aqui a tensão já é palpável, a espaços
lá saía uma assobiadela monumental seguida
de um cântico, sempre
que se ouvia o speaker
ou que tocava uma
música afecta à Roma.
Com o
jogo a aproximar-se
a coreografia estava
praticamente pronta
a ser exibida, neste
particular os Laziali
costumam estar uns
furos acima dos rivais,
o que lhes dá motivos
para dar gozo nos
dias que se seguem
ao derby. Centenas
de estandartes
espalhados pela
Curva Nord, tudo
handmade, com
motivos e expressões
típicas dos Laziali ao
longo dos anos, uma
tela gigante com uma
criança equipada à Lazio e a escrita “W la
Lazio”, feita com cartolinas azuis e brancas.
Talvez o espectáculo coreográfico menos
aparatoso dos últimos anos, mas só quem
vive um Grupo e participa nestas actividades,
sabe e entende o quão difícil e especial é
fazer algo assim, mais ainda com a mensagem
subliminar existente nesta coreografia.
Ao intervalo todos os Grupos
retiraram faixas e panos, uma vez que tinham
sido detidos alguns elementos presentes
nos confrontos dessa manhã e como tal,
impedidos de ir ao jogo. Até me admiro por
não terem tentado esvaziar a curva. Percorri
a Curva praticamente de lés-a-lés durante
o jogo, infelizmente não celebrei um golo,
houve um mas foi invalidado e pude fazer
uma apreciação o mais isenta possível do
tifo vocal da Curva da Lázio. Sendo bastante
exigente neste quesito, admito que esperava
mais, ainda por cima jogando fora e estando
presente na Curva gente de outros pontos
como a Tribuna Tevere. As dinâmicas na
Curva Nord são
complexas e apesar
de já não existirem
os Irriducibili, pareceme
haver ainda uma
sombra bastante
grande do que este
Grupo e a sua figura
de proa foram no
movimento. Ter uma
personalidade tão
vincada e um culto
de líder tão grande
deixam marcas
indeléveis e mesmo
com muita gente
capaz a levar o novo
Grupo para a frente,
há um peso histórico
difícil de suprir e que
ora gerará fracções,
ora gerará um certo
desencantamento.
Estou certo que as
novas gerações, aos poucos, poderão levar
a Curva a outros níveis, vi gente com uma
dinâmica incrível e muito apaixonada por
aquilo que representa ser Ultra. É esperar
que se consigam manter e não sejam vitimas
da repressão ou de outras situações nefastas,
as quais volta e meia pairam neste meio.
Finda a partida e com uma derrota
por 1-0 frente aos maiores rivais, a equipa foi
prontamente despachada para os balneários
pela Curva e o ambiente não podia ser de
festa, arrumou-se o que havia para arrumar,
agrupou-se até ser altura de retornar a Ponte
Milvio e por aí se ficou a comer, beber e
desanuviar um pouco antes de regressar a
casa. Não havia corpo, nem espírito para
festas, os níveis de dopamina estavam no
casco, aquela malta vive o derby como se
fosse a última coisa que vão viver na vida.
Privação de sono, de alimentação decente,
muito trabalho, tensão constante, tudo o que
não seja a Lázio e o seu Grupo ficam para
segundo plano.
Nos dias que se seguiram passei
belos momentos, os quais guardarei e
agradecerei para sempre, com pessoas
espectaculares e que me fizeram sentir como
um dos seus.
O relaxamento de quem tem tudo
sob controlo numa manhã de Segunda-feira,
foi rapidamente substituído pela adrenalina
de quem tinha percebido que precisava de
fazer o check-in de um voo para Manchester
e… tinha deixado o passaporte no Porto!
No espaço de uma hora tive de fazer um
replaneamento de viagens e de gastos para
conseguir cumprir todo o itinerário que
tinha delineado. Com mais ajuste, menos
ajuste, alguma correria e mais uma ou outra
peripécia pelo meio, lá voei de volta para o
Porto e como o Leeds x Sunderland seria na
Terça-feira à noite, lá me safei. No entanto,
o plano do dia seguinte seria no limite, tinha
uma escala para fazer em Munique e um
comboio para apanhar em Manchester e
para ambos tinha uma margem a rondar uma
hora. Tenso! Até me sentar no comboio em
Manchester não houve grande relaxamento,
mas assim que o consegui, percebi que ia
conseguir estar em Elland Road a tempo
do jogo e fiz questão de retribuir todo o
“carinho” que os meus amigos me foram
dando desde que souberam da peripécia (sou
pródigo neste tipo de situações), mas lá me
vou safando.
Da estação tive de parar
rapidamente onde iria pernoitar, para deixar
a mochila, uma vez que não há bengaleiros
87
e desde os atentados, muita coisa mudou
a nível de permissividade. Pouco depois
chegava a Elland Road e estava um dia
tipicamente Britânico, cinzento, a chuviscar,
um vento de levar povo pelo ar, tudo normal.
Foi sacar umas fotos nas imediações para
recuerdo, comprar um cachecol à maneira
e entrar no estádio. Torniquetes daqueles
de partir ossos e aí estava eu na Don Revie
Stand (ex-KOP). Estádio lotado, com grande
atmosfera, instantes antes de entrarem as
equipas. À terceira lá fui em definitivo para
o meu lugar, tinha tentado dois spots que
me pareciam mais porreiros, mas a malta
não facilita nestas coisas e lá fui eu para o
lugar que me estava designado. Entrada das
equipas, cachecóis abertos e soa o Marching
on together, hino do Leeds United. Foi
cantado a plenos pulmões e não desiludiu.
O sector visitante estava à pinha, a malta do
Sunderland (uns 3000/3500 certamente), em
especial na primeira parte, fez muito barulho
e apoiou constantemente a sua equipa. Jogo
algo morno, o Leeds tinha conseguido uma
escalada impressionante até ao primeiro lugar,
mas já tinha vacilado duas jornadas antes e
começava a dar sinais de intranquilidade.
Garganta seca, a sede apertava e não podia
esperar pelo intervalo, caso contrário não me
ia safar. Lá fui até à sala onde podem servir
cerveja com álcool e por lá vi os últimos
minutos da primeira parte, ao sabor de uma
bela Guinness. Passado o intervalo e com
o Leeds a atacar para o lado contrário, foi
quando na North Stand começaram a puxar
dos galões, grande apoio! Muitos cânticos
históricos e em especial até perto dos 70
minutos deu gosto. A partir daqui e apesar
do Leeds decidir muitos jogos nos últimos
minutos, começou a pairar o fantasma de um
resultado negativo e o apoio ressentiu-se. O
feeling tinha razão de ser e o resultado foi um
0-0, com este empate o Leeds passava para
3º e ficava dependente de uma escorregadela
do Ipswich ou do Leicester nas últimas
jornadas. Apesar de, mais uma vez, não me
ter sido possível festejar um golo, Elland Road
foi o melhor estádio onde estive em Inglaterra
e voltarei, certamente, para outras aventuras.
Mesmo não se jogando a Premier League, as
regras são apertadas e o próprio povo não
vacila lá muito. No entanto, em Leeds ainda
privilegiam os adeptos e é notório no tipo de
pessoas que vão ao estádio. Considero-me
exigente e em Leeds nada me desapontou.
No final e debaixo de um tempo maravilhoso,
88
lá fui até ao pub que está na parte externa
do estádio e bebi mais uma bela cervejola,
enquanto apreciava o povo local e os seus
costumes, uma última vez. Não acabei sem
um hamburger de roulotte e uma caminhada
até ao spot onde iria pernoitar.
No dia seguinte, pela manhã, fui
fazer a visita guiada ao estádio e se houvesse
dúvidas, ficariam esclarecidas, o Leeds é
um Clube com história, mas permanece um
Clube humilde e muito direccionado para
o seu povo. Terminei o passeio a almoçar
nas imediações, no histórico pub The Old
Peacock, fundado a 1842 e intrinsecamente
ligado à história do Leeds United e dos seus
adeptos.
Estava na hora de seguir para
Manchester, cidade que já vou conhecendo
e que tem alguns dos meus artistas favoritos
da cena musical. Além de ser um hub de
ligação a Leeds e Liverpool, cidade para
onde seguiria na manhã seguinte, tem uma
noite interessante, com belos spots para
comer e beber, além de que aproveitei para
me encontrar com um velho Amigo e matar
saudades.
Manhã seguinte e com menos sono
do que seria ideal, lá fui para Liverpool, fazer
a visita guiada a Anfield Road. Neste mesmo
dia iria acontecer o Liverpool x Atalanta
para a primeira mão dos Quartos-de-final
da Liga Europa, pelo que a visita nestes dias
é um pouco mais limitada, por imposições
da UEFA. Apesar do scouse accent, foi-me
possível entender praticamente tudo, mesmo
o sentido de humor característico dos locais,
diria mesmo que o guided tour foi o ponto alto
da minha passagem por Liverpool. Terminada
a experiência, rumei ao centro, o qual se
encontrava com bastante gente da Atalanta.
Por lá almocei e bebi uns copos, os pubs
estavam animados e o pessoal da Atalanta,
mesmo a malta do Grupo que comanda a
curva, todos muito ordeiros. Saí com alguma
antecedência para apanhar um autocarro
para o estádio e tive alguma dificuldade, não
estivesse a chover por esta altura e tinha
arriscado a caminhada. Por sorte lá me safei
e cheguei mais do que a tempo de ir a vários
pubs, todos nas imediações do estádio, cada
um com a sua especificidade, mas nenhum
me encheu as medidas. Já mais do que bem
bebido, lá me aventurei a entrar na famosa
The KOP Stand de Anfield Road. Tive de fazer
um bom malabarismo à Portuguesa com o
bilhete que tinha comprado numa plataforma
89
e gostava de dizer que valeu cada cêntimo
dos muito pagos por ele. Apesar de não ter
qualquer arrependimento, Anfield Road foi
a minha primeira deslocação Europeia para
seguir o meu Clube, no já algo longínquo
ano de 2007 e como tal, tinha uma magia
especial para mim. Desta feita, ainda mais
pois ia estar na mítica KOP, sem ilusões, sei
bem o que foi o futebol e o que é o futebol,
mas esperava manifestamente mais. Muita
gente prefere fazer o que fizeram para que
conseguisse o meu bilhete, ou seja, vendem
os seus lugares em plataformas paralelas
e com isso conseguem fazer autênticas
fortunas. Se por um lado, sem isso, não teria
a possibilidade de ir ao jogo, por outro, um
exacerbar desta actividade leva a uma perda
considerável daquilo que é o ambiente
genuíno destas bancadas e foi exactamente
isso que aconteceu. Ambiente absolutamente
miserável nas bancadas e a pior exibição da
época por parte do Liverpool, que deste jogo
em diante caiu de uma forma descontrolada
a nível exibicional. Se quisesse romantizar um
pouco, poderia dizer que estava com o pé
frio, chegaram-me pedidos de alguns amigos
para ir ver outros jogos, tal o mau agoiro que
a minha presença representava. De positivo,
porque há sempre algo de positivo, o festival
dos Bergamaschi nas bancadas de Anfield
Road. Vitória histórica (0-3) e um apoio
daqueles! Desde que as históricas figuras
decidiram pôr término à velha Curva Nord,
que olhava um pouco desconfiado para a
nova realidade do movimento em Bergamo,
a bem da verdade ainda olho, mas está-lhes
no sangue saberem apoiar a sua equipa e até
ao fim desta época fizeram-no bastante bem.
Veremos como serão os próximos anos…
Aguentei no estádio a ver o
espectáculo Atalantini até ao limite, pois
tinha hora agendada para um uber não muito
longe e dava margem. Claro que não seria
uma aventura minha, se não tivesse mais uns
sustos. Fora do estádio, fruto do aglomerado
de povo, não havia internet, ou seja, não tinha
como saber onde estava o meu uber. Lá fui
meio aflito e com cada vez menos bateria, a
um pub próximo e que tinha wi-fi e ao fim de
uns instantes, consegui saber do uber, mas os
percalços não ficavam por aqui. Várias ruas,
habitualmente abertas, estavam fechadas e
como tal, o trânsito estava absolutamente
caótico o que me fez ponderar sair do uber
e correr quase 4 kms! Tudo isto porque tinha
deixado a minha bagagem, essa manhã, na
90
estação e tinha de a levantar até às 22:45h.
Fui aguentando e explicando ao motorista
a necessidade que tinha em chegar até
determinada hora e tive a sorte de ele forçar
um par de semáforos. Cheguei 1 minuto
depois da hora e a porta já estava fechada,
o funcionário fez-me esse sinal, mas deve ter
percebido pela minha expressão que me tinha
esfalfado para chegar ali e que a mochila fazia
mesmo falta e mais uma vez, lá me safei. Ao
final de 10 minutos ali plantado, abriu-me a
porta. Cerca de uma hora mais tarde lá segui
no comboio para o aeroporto de Manchester,
de onde iria levantar voo às primeiras horas
da manhã com destino a… Roma. Sim, voltei a
Roma para mais um jogo.
Em contraste com Inglaterra, Roma
estava solarenga e quente. Nesse dia jogarse-ia
o Lázio x Salernitana, jogo com pouco
interesse a nível de calendário, mas que
me permitira viver uma experiência extra
derby onde tudo está multiplicado por mil
e também ver uma tiffoseria muito decente
do lado oposto. A nível de locais a ir antes do
jogo, foi em tudo semelhante, infelizmente
o jogo foi a um dia de semana e como tal,
as pessoas aparecem mais perto do final da
tarde nos arredores de Ponte Milvio. Também
infelizmente, trasferta vetada aos tiffosi
Salernitani o que condicionou o ambiente de
estádio. Do lado da Lazio, os Ultras estavam
em protesto depois da derrota no derby e iam
passar a primeira parte em silêncio ou apenas
a entoar cânticos de descontentamento
com a equipa e em especial com Lotito
o tão odiado Presidente. Acabou por ser
assim todo o jogo, apesar de terem goleado
(finalmente não aportava azar), passaram o
jogo a insultar e fazer uso da goliardia para
com os jogadores e justiça seja feita, até teve
momentos melhores que o próprio derby.
No final voltaram a mandar os jogadores
recambiados para o balneário. Terminado
o jogo, jantamos uma última vez por Ponte
Milvio, bebemos uns copos e deu para rir
um pouco das peripécias que tinha vivido.
Terminei a minha aventura, um par de dias
mais tarde, uma vez mais, muito bem regado
e em óptima companhia!
Por Sérgio P.
91
Recentemente, a 12 de maio, o
Vitória Sport Clube voltou a defrontar o seu
eterno rival. Desta vez foi a nossa vez de
abrir a fronteira para receber a caravana que
se deslocou desde o deserto marroquino
para visitar o Berço de Portugal. Aproveito
a alfinetada anterior para mencionar que,
ao contrário do que sucedeu na primeira
volta do campeonato, desta vez não houve a
desejada picardia nos dias que antecederam
o jogo.
Não é novidade para ninguém
que este tipo de jogos são vividos como
verdadeiras finais, onde os adeptos de
ambos os clubes fazem de tudo para estarem
presentes ao lado da sua equipa. Porém, hoje
em dia, já não são apenas os adeptos das
duas equipas que tentam estar presentes.
Este jogo tornou-se numa referência para
os adeptos portugueses, mas também é
procurado por adeptos de várias partes da
Europa.
Para ver este confronto histórico
estiverem presentes 25224 adeptos no
Estádio D. Afonso Henriques, dos quais pouco
mais de 1500 eram afectos ao clube visitante.
Como adepto do clube da casa, penso
que vale a pena dizer que é um número
pequeno, mas sei que não havia mais bilhetes
disponíveis. Isto é o espelho e consequência
da posição que o Braga implementou,
disponibilizando apenas 5% dos bilhetes aos
clubes visitantes e depois, no seu turno, esses
clubes reagem da mesma forma. Para o ano
muito provavelmente será igual, até que haja
coragem e vontade para travar este ciclo.
Sobre o pré jogo o habitual, muita
gente na rua, nos cafés e um pouco por
toda a parte. É dia de batalha e a cidade de
Guimarães veste-se de preto e branco para
apoiar o emblema da terra. Ainda sobre
esta parte, dou nota de mais uma vez a PSP
impedir os adeptos da casa de receber a
equipa do Vitória, afastando-os vários metros
sem se perceber o porquê.
O jogo começou com um show
92
de pirotecnia dos White Angels, ocupando
praticamente toda a frente da bancada sul
e também por cima de duas das entradas.
O maior destaque vai para os dois ultras
munidos de “baterias” que disparavam muitas
dezenas de foguetes. Na bancada nascente
foi apresentado um tifo, criado pelos Insane
Guys e Gruppo 1922. Consistia num mosaico
que formava uma bandeira de fundo branco
com uma cruz preta. Pouco depois, viramos
a face da folha e surgiu a bandeira e a cruz
com as cores invertidas. Foi algo pequeno
e muito simples, mas, tendo em conta as
condicionantes impostas pela Lei e que foi
tudo preparado em meia hora, acho que foi
uma boa “memória”.
Ao longo do jogo continuaram as
sessões de pirotecnia em todos os grupos.
Penso que foi o derby, entre estas equipas,
com mais pirotecnia até hoje. Sobre o
apoio é muito subjectivo estar a avaliar,
principalmente para quem está inserido
num grupo, pois limita a percepção que
temos dos outros grupos. Claro que posso
dizer que os grupos da nascente, onde me
situo, estiveram bastante activos e com bons
momentos. O Estádio D. Afonso Henriques
enriquece o derby, pois aqui é possível ver
todas as bancadas e todos os adeptos, ao
contrário do que acontece em Braga, o que é
um pormenor muito importante.
No final o resultado foi desfavorável
para o meu Vitória, com um golo dos visitantes
aos 93 minutos que fixou o marcador em 2 - 3.
Em jeito de reflexão, nos tempos que
correm, com as proibições que existem, é
muito saudável ver um tifo feito de forma
independente. A isto, associo as várias
93
94
tochadas de todos os grupos, os panos com
os símbolos principais de vários grupos e a
faixa, dividida por letras, da Bracara Legion.
Também podia dizer que havia muitos panos
e bandeiras dentro da medida imposta de 1
metro por 1 metro mas, sem lhes tirar valor,
é mais importante destacar os elementos do
passado Ultra que estiveram presente em
Guimarães. Elementos que, contra muitas
leis, muitas vontades, muita repressão e
censura, os Ultras teimam em não abdicar.
É bom quando nos sabemos adaptar às
realidades impostas pelo Estado mas, quem
vive o compromisso, sabe que adaptar não é
conformar.
Termino dizendo que, para além
dos pontos já falados que vão encher os
bolsos da Liga com o dinheiro das multas,
este foi um jogo que decorreu sem incidentes
entre adeptos das duas equipas.
Por J. Lobo
“Il derby per i tifosi è una questione di vita o
di morte”
A tão esperada semana estava
finalmente à vista. Se a ânsia por uma batalha
com os “Nuestros Hermanos” não bastasse
por si só, as condicionantes desportivas
provenientes do desenrolar do campeonato,
que não passam de um fator secundário,
prometiam elevá-lo para um patamar ainda
maior.
À entrada para a 33ª jornada, a
tabela classificativa apimentou o derby, uma
vez que as duas equipas iam disputar entre
si o 4º lugar no campeonato, mantendo
viva a esperança de ainda poder alcançar o
pódio. Se efetivamente o derby nunca se irá
basear numa posição classificativa sendo
sempre o embate mais intenso do ano,
imaginem adicionar o fator classificativo em
cima. Uma vitória em Guimarães, não só
eliminava as esperanças do nosso eterno rival
atingir o 4º lugar e assim podendo terminar
o campeonato à nossa frente, naquela que
foi provavelmente a sua melhor época nos
últimos anos, como ainda nos possibilitava
de sonhar com a chegada ao pódio na última
jornada em casa.
Posto tudo isto, aquilo que se iria
disputar dentro das 4 linhas era gasolina
extra para aquele que iria ser o último derby
do Minho da época desportiva. Mas falemos
agora do verdadeiro futebol, as bancadas.
O Sporting Clube de Braga abriu as
bilheteiras para o jogo sexta-feira dia 3, sendo
que em apenas 2 horas após a abertura a
massa associativa bracarense esgotou os
cerca de 1100 bilhetes disponibilizados. O
embate contra o nosso rival a combinar com
os fatores do jogo ser disputado a um sábado
assim como a luta pela posição classificativa
provocava uma alta expectativa em todos
os bracarenses que prometiam mais uma
grande invasão.
Estranhamente, ou não, a semana
que antecedeu o derby acabou por ser calma,
sem grandes registos, apenas à espera de
eventualmente alguém sentir o dever de
alguma resposta ou que surgissem iluminados
com o seu atrevimento momentâneo que
depois se esbarram com a realidade, espera
essa, diga-se semelhante, como andar numa
rotunda às voltas, isto se conseguirmos
sequer chegar à rotunda claro. A verdade
é que provavelmente não havia registo
fotográfico com uma pose digna o suficiente
de uma partilha.
Os preparativos para a transferta a
Espanha foram intensos. Muito planeamento
e aprimoramento de detalhes com o objetivo
de termos a organização delineada para que
tudo corra na perfeição em prol do nosso
Grupo e da nossa missão: elevar e servir o
Sporting Clube de Braga.
Chega por fim o dia, e já nas
primeiras horas da tarde, o habitual
aquecimento, com a cerveja e os cânticos a
acompanhar, começaram a criar o ambiente
de derby, que se iria prolongar com grande
intensidade até à chegada a Guimarães.
Uma vez no setor visitante,
começamos, com a colaboração e espírito
digno de um Grupo Ultra, a pôr o planeamento
em prática, exibindo na rede instalada no
setor visitante, a nossa faixa principal recriada
em 8 peças de plástico 1x1.
Desde o primeiro rolar da bola, a
curva bracarense fez-se ouvir alto e em bom
som e se o golo caseiro não calou as nossas
vozes, o empate ainda antes do intervalo
contribuiu para uma prestação de bancada
ainda mais efusiva.
Na entrada para os segundos 45
minutos, há que salientar o acender das
velas realizado pouco depois do minuto 65.
A simbiose entre a faixa improvisada, o apoio
vocal mais as tradicionais velas acendidas na
primeira fileira atrás das letras, que formavam
a faixa, em conjunto com as restantes
espalhadas pelo setor ocupado pelo Grupo
com duas tarjas expostas no centro que juntas
formavam “GUIMARÃES MERDA” tornaram
aquele momento e aquelas imagens num
expoente máximo do que é ser Ultrá. Uma
imagem representativa do que constitui os
ULTRAS BRACARA LEGION 2003. A vontade
de tifar na bancada aliada à organização e
colaboração de todos os membros conseguese
o melhor dos resultados. Afinal de contas,
nos tempos mais oprimidos que já se viveu
pelas bancadas portuguesas, quando o
espírito Ultra se sobrepõe às adversidades
criadas e às desculpas de quem sobrevive
agarrado a elas, o resultado fica à vista de
todos. É como nos identificamos como Grupo
Ultra, e daí a designação usada… somos ultras
não “claqueiros”. Que seja sempre assim,
viver para servir o Sporting Clube de Braga e
nunca para nos servirmos dele.
Como se não bastasse a prestação
de bancada por terras espanholas estar a ser
notável, como habitual, eis que aos 75 minutos
surge o segundo golo. Ora, entre todos os
bracarenses a opinião foi consensual. A forma
como, após toda aquela expectativa criada
devido à confirmação da legalidade do golo
pelo VAR, aqueles 11 jogadores mais o banco
tiveram a reação espontânea de “desatar” a
correr para o setor visitante expelindo toda
aquela garra e euforia de estar por cima do
nosso eterno inimigo foi algo que já não era
vivenciado à muito tempo e do qual não só
tínhamos nostalgia, como nos identificamos
a 200%. Só assim faz sentido! No entanto, a
loucura viria a esfriar instantes depois após o
empate dos da casa.
Se todo aquele cenário desde o
aquecimento antes do jogo, o festival de
bancada durante o mesmo, e a intensidade
dentro do campo já tornava este derby num
dos melhores já presenciados pessoalmente,
95
o golo da vitória marcado nos descontos foi o
descalabro total! Aquele descontrolo de nem
se saber como e para onde festejar…
Vencer era o cenário ideal, mas
que adjetivação se pode arranjar para uma
vitória no derby fora de portas, com um golo
nos descontos, após mais um festival de
bancada e que elimina todas as hipóteses do
nosso eterno rival ficar à nossa frente, bem
como mantendo em aberto o terceiro posto?
Impagável!
Ganhar o jogo, forte apoio vocal
dos grupos bracarenses assim como dos
associados, pirotecnia, tifo de bancada e
militância no seio do grupo, em suma, o
significado de um dia perfeito.
O derby de dia 11 de maio ficou
assim marcado por mais um recital do que é
ser Ultra e da forma como nós bem gostamos,
sem a necessidade de dependência e sustento
de todos esses holofotes e mediatismos.
Andar à procura da reputação fornecida por
todos os brochistas que passeiam nos dias
de hoje na esfera do movimento e do futebol
passa-nos ao lado. Trata-se de seguir uma
causa e cumprir o nosso dever até porque
não sabemos nem queremos estar de outra
forma. Sabemos que não se pode respeitar
e admirar o que se desconhece, mas temos
a certeza que há quem entenda a nossa
postura.
O derby é uma questão de vida ou
de morte, e este foi sem dúvida dos melhores
da minha vida!
Num estado social ineficaz e incapaz
em todas as suas componentes, os Ultras são
o bode expiatório de uma manobra ilusionista
em nome de uma falsa causa.
Se não venceram em tempos pela
força tentam agora pela força e pelo cansaço.
Quando tentas oprimir a força de um
movimento, acabas por estimulá-lo.
Jamais vencerão!
Eis o último bastião do futebol popular
Liberdade para apoiar,
Liberdade aos Ultras!
Por João. C
96
Nem sempre acontece, no caso
até nem acontecia há 5 anos, mas a final do
Jamor é o melhor dia futebolístico do ano sem
qualquer dúvida… sem hipótese de discussão
até.
Saída de casa bem cedo, às sete
da manhã, rumo à mata. Não só para estar
presente e viver este dia por completo, mas
também porque o soundcheck está marcado
para as nove horas em ponto. À semelhança
de 2019, os Supporting (banda de rock
and roll dedicada ao Sporting), vão dar um
concerto de cerca de 1 hora por volta das
15:00 na fan zone Sporting. Se este dia já por
si só é especial, imaginem ir cantar para 3 ou
4 milhares de adeptos do teu clube, músicas
que tu e os teus colegas de banda fizeram.
No meu top de coisas extraordinárias que
imaginava em criança… à frente disto, só
jogar pelo Sporting.
Feito o soundcheck é hora de ir ter
com a minha malta, que eram só uns 300,
divididos em 2 organizações lado a lado.
O habitual porco no espeto, os infindáveis
copos de cerveja (hoje menos porque senão
esqueço-me das letras hahaha), os brindes,
as gargalhadas, a música, os cânticos, enfim…
o Jamor!
14:23, hora de ir para o backstage.
Não sem antes aquecer a garganta com a
bela da poncha, oferecida por um amigo
Madeirense. Preparar tudo para que nada
falhe, afinar instrumentos, dar uma mija,
beber uma água para diluir e esperar que o
Virgul termine a sua atuação para entrarmos
nós em palco, e finalizar em apoteose a
animação na fan zone.
Um mar de gente nos esperava,
gente que sabe as músicas de cor, gente que
depois de uma manhã inteira na mata, àquela
hora já estava em altas… a tua gente, ali à tua
frente.
O concerto correu muito bem e
teve direito a tudo: invasões de palco, tochas
no palco, tochas, fumos, petardos e fogo de
artificio na plateia, crowdsurf do vocalista
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e muito cântico à capela para além das 10
malhas que tocámos.
Aproveitei a ocasião para falar
sobre a medida ridícula de impedir que se
entre com tubos de bandeiras e estandartes
nos estádios, dando até o exemplo da final da
Liga Europa em Dublin, onde o estádio estava
cheio de bandeiras de ambos os adeptos.
Falei também sobre a possibilidade de a
UEFA já permitir “safe standing” nos estádios
portugueses e desafiei a direção do Sporting
a implementar no estádio de Alvalade.
Findo o concerto, hora de rumar à
curva norte do estádio Nacional. O percurso
foi um pouco demorado devido aos inúmeros
“drink points” no caminho até à entrada.
Nada a assinalar em relação a coreografias de
ambas as “tifoserias” (o pano da norte foi o
SCP que o fez, por isso não conta).
Relativamente ao apoio, do meu
lado houve 4 ou 5 muito bons momentos,
com alguns cânticos a prolongarem-se por
mais de 10 minutos, o que não é fácil naquele
estádio. O resto do tempo foi final da taça a
ser final da taça. Fui a todas as finais da taça
onde o SCP esteve presente desde 1987, e
poucas vezes houve bons apoios neste jogo
da parte dos adeptos do Sporting - acredito
que nos outros clubes é igual.
Do lado do Porto, sinceramente só
ouvi algo forte depois dos golos e nos últimos
minutos da partida.
Final do jogo regresso a casa com
azia moderada, mas incomparavelmente
menor que a felicidade que é viver o
Jamor um dia inteiro. O resultado neste dia
especial… nunca foi, nunca é e nunca será o
mais importante.
Por Pedro Marques (Tantum)
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TAÇA DE PORTUGAL: A FESTA DO DRAGÃO
INDOMÁVEL NO JAMOR
Chegámos ao fim da temporada
23/24 e, como de costume, esta também
terminou com a prova Rainha: a final da Taça
de Portugal. O dia começou, como sempre,
no parque do Vale do Rio Jamor, marcado pela
diversão, “comes e bebes” e por um grande
clima de festa que tipicamente já caracteriza
este dia, culminando depois no espetacular
cenário do monumental Estádio Nacional.
Do ponto de vista desportivo, as
expectativas para uma grande final estavam
todas presentes e foram amplamente
cumpridas. Os finalistas Sporting e Porto
chegaram a este evento com estados
de espírito diferentes. Do lado verde e
desproporcional da polícia também provocou
reações exaltadas por parte dos adeptos,
com lançamento de objetos contra as forças
de segurança, uma reação compreensível
devido ao cansaço de suportar abusos de
poder injustificados que, infelizmente, são
amplificados pelo silêncio mediático culposo,
em alguns casos, e em outros por uma
narrativa distorcida dos factos.
Voltando ao aspecto desportivo,
iniciado o jogo, o espetáculo nas bancadas
apresentou-nos a coreografia “We are
our legacy” com a imagem de um jogador
mostrando o símbolo dos leões. Do outro
lado, além do triunfo das bandeiras, os Super
Dragões lembravam com uma faixa o seu líder
“Macaco”, atualmente preso, ao passo que o
Colectivo se apresentava na parte inferior
branco, voava-se nas asas do entusiasmo
por terem alcançado o inesperado triunfo
no campeonato. Enquanto do outro lado,
os azuis e brancos, após uma temporada
conturbada dentro e fora de campo, tinham
a sua última chance de conquistar um título.
Pouco antes do início do jogo e
durante bom pedaço da primeira parte, é
necessário destacar a conduta desagradável
da polícia, com excessos que resultaram no
ferimento de adeptos dentro e fora do estádio.
O clima e o comportamento dos adeptos,
embora com alguns exageros isolados,
dentro e fora do estádio não justificavam tal
intervenção policial caracterizada pelo uso
indiscriminado de balas de borracha,
cassetetes e gás lacrimogéneo. A atuação
direita da curva com bandeirinhas azuis e
brancas. É sempre importante lembrar que a
festa da taça é emocionante, mas não seria
a mesma coisa sem a presença numerosa
dos ultras nas bancadas. A primeira parte foi
bastante quente e pôde escutar-se um bom
apoio vocal das bancadas com uma ligeira
superioridade sportinguista, compreendida
pelo crescente entusiasmo com o golo de
St. Juste aos 20 minutos. Na curva verde
e branca, tochas e potes de fumo foram
acesos. A resposta do Porto não demorou e
com o empate de Evanilson, a curva portista
respondeu a plenos pulmões nas bancadas,
num sobressalto de confiança renovada.
O apoio aumentou com a expulsão de St.
Juste aos 30 minutos e prolongou-se até
99
enquanto os sportinguistas retornaram
rápida e tristemente às suas casas. Nenhum
domínio nacional para o Sporting, portanto,
o que reduz em parte uma temporada sólida
e bem-sucedida, enquanto o Dragão, apesar
das feridas dentro e fora de campo num ano
atípico para o clube azul e branco, mostrouse
indomável e, mais uma vez, conseguiu
triunfar contra todas as adversidades.
ao intervalo. No retorno ao balneário das
equipas, a curva do Sporting fez-se ouvir
devido ao momento de dificuldade causado
pela inferioridade numérica em campo. Fora
uma boa primeira parte nas bancadas, pese
o cansaço e o dia de farra se fizessem sentir.
Após o intervalo, a temperatura atmosférica
desceu lentamente, mas no campo e nas
bancadas, subiu cada vez mais. Na segunda
parte, uma tochada consistente dos Casuais
e Colectivo emoldurou a pressão constante
dos azuis e brancos em campo. De ambos os
lados, apenas alguns bradavam-se clamores
nos momentos de perigo porque a tensão
predominava, mas o resultado não mudou.
Seguiram-se os prolongamentos e a igualdade
foi quebrada por um penálti para o Porto,
convertido por Taremi, que levou ao êxtase o
mar azul nas bancadas do Estádio Nacional.
O resultado não mudou e a vitória sorriu ao
Porto, com festa nas bancadas com os Super
Dragões e o Colectivo entoando cânticos
antes e depois da entrega da taça.
Para os portistas, a viagem de volta
para o Porto, apesar dos muitos quilómetros,
foi alegre e doce pela conquista do troféu,
Por Guido Bruno
100
DJUGARDEN X HAMMARBY
Viajar sem ir à bola é pecado.
Como é habitual nas minhas viagens pelo
estrangeiro, depois de marcar voos, a primeira
coisa que faço é ir ver que bola é que se pode
encaixar nesses dias. Nem a propósito, fui
a Estocolmo em fim de semana de derby
Djurgarden x Hammarby, que todos nós que
acompanhamos a cena Ultra já sabemos que
é quentinho.
Quente estava também o tempo. Dia
de sol em Estocolmo, 27 graus, quase parecia
Portugal, um gajo até fica mal habituado a
pensar que aquilo é sempre assim, quase
esquecendo momentaneamente que durante
2/3 do ano eles mal veem o sol.
Indo ao que importa, falei com um
amigo meu residente na cidade para ver se
conseguíamos bilhete (nem que fosse só para
mim), e acabámos por conseguir para os dois.
Não porque seja fácil, mas sim porque ao fim
de alguns contactos houve uma malta que
desistiu de ir e acabámos por ficar com esses
bilhetes. A noite de Sábado foi forte, então já
não nos levantámos muito cedo no Domingo;
com o jogo às 14h queria chegar pelas 11h
ao estádio - cheguei às 12h30, foi quase.
Mas ainda deu para sentir bem o ambiente.
Fomos para uns bares numa das ruas centrais
adjacentes ao estádio, muita cerveja e não só,
muitos cânticos, malta a meter-se connosco
para saber de onde éramos e afins (tudo na
paz), beber mais, um petardo e uma tochada
aqui ou ali, e alguns pequenos grupos a
passar de um lado para o outro à procura
de problemas. Ali era difícil haver mocada
porque era uma zona bastante vigiada, mas
deu-me a sensação que não muito longe a
coisa aqueceu, dado o barulho das sirenes.
Entretanto entrámos. Álcool com
limite de 3.5% à venda (inclusive cerveja que
tem menor teor de álcool de propósito para
cumprir as regras suecas), o que sempre deu
para não passar sede lá dentro. Curiosamente,
apesar de estarmos na central, fomos calhar
precisamente na zona da Sektion Stim, um
subgrupo que costuma ficar ali na zona.
Não houve qualquer problema por estarmos
ao pé deles e deu para curtir o ambiente a
fundo. Logo à entrada das equipas, fumos
azuis do Djurgarden por todo o lado e uma
coreografia por todo o topo; do lado do
Hammarby, bandeiras verdes e brancas
por toda a bancada que ocupavam. Referir
apenas que, uma vez que ambos partilham
o estádio, os grupos Ultra ficam nos mesmos
setores quando jogam em casa e “fora”.
O jogo começou e, em termos vocais,
clara vantagem por parte do Hammarby.
Sobrepunham-se de forma clara aos ultras do
Djurgarden, que só se equiparavam quando
o pessoal da central onde eu estava (e em
cima) se juntava a cantar. Ambiente muito
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forte nos primeiros minutos (ao contrário
do futebol, que na maior parte do tempo
foi sofrível), e por volta dos 10 minutos, os
hooligans do Djurgarden (DY/DFG) ergueram
umas faixas para os hooligans do Hammarby
(KGB/YG). Uns insultos em sueco que diziam
algo tipo “Continuaremos a ser os vossos
donos”, uma faixa a dizer “YG NO SHOW”, e
uma mensagem a seguir a dizer “KGB/YG =
Cães dos BFB”, “Que vergonha para vocês,
suas putas”, talvez fazendo alusão a alguma
luta em que os YG não terão aparecido. Ao
mesmo tempo, na zona mais central do topo,
onde fica o capo dos Ultras, uma pequena
tochada.
Paralelamente a isto, uns minutos
depois surgiu o primeiro golo do Hammarby,
de penalty, e foi a loucura total no topo
Norte, com tochas e fumos verdes e brancos
a aparecerem em algumas zonas na bancada.
Se já estavam fortes antes, imaginem depois
do golo. Não se calaram mais, foi domínio
total na bancada até final do jogo. Mais ainda
porque o segundo golo apareceu passado
pouco tempo (um belo livre direto, em que o
GR do Djurgarden pareceu estar a dormir), e
isso desanimou muito o pessoal do Djurgarden
na central. Os Ultras ainda tentaram animar
o estádio, mas tirando o início da segunda
parte, o resto dos adeptos passou a aderir
pouco aos cânticos e a vantagem dos Ultras
do Hammarby foi esmagadora. Eu estava
localizado na central mais do lado dos Ultras
do Djurgarden e só se ouvia o pessoal do
Hammbary.
O tempo foi passando, uma tocha ou outra a
aparecer pelas bancadas, até que chegou o
grande momento do jogo fora da bancada: já
perto do final e a ganhar por 0-3, os Ultras
do Hammarby ergueram uma coregorafia
enorme com o Kenta a fazer um pirete aos
adeptos do Djurgarden e tochas por toda a
bancada, como é possível ver nas imagens.
O Kenta é uma personagem das ruas de
Estocolmo, que criou uma música chamada
“Just idag är jag stark“ (cujo significado em
português é algo do género “Hoje sinto-me
forte”), frase essa que vi pelo menos dois
adeptos terem tatuada na pele, e que foi
adotada como hino do Hammarby.
No final, tempo para comer e beber
mais uns canecos, muita polícia a passar de
um lado para o outro, mas insuficiente para
evitar uma luta de rua rápida (e com poucos
elementos) que presenciei na zona em que
estive a comer. Ainda assim, atuaram rápido
e o pessoal dispersou a partir daí.
No geral, recomendo a quem
conseguir ir a Estocolmo dar um salto à bola,
porque vale realmente a pena pelo espetáculo
fora de campo. Preparem é a carteira, que a
cidade é tão bonita quanto cara.
Por N. Oliveira
CULTURA
DE ADEPTO
Por P. Alves
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Gradinata Sud e Gradinata Nord
Internacional
Gradinata Sud e Gradinata Nord
Autor: Roberto Martinelli (Sud) e Studio Uno (Nord)
Equipa: Sampdoria (Sud) e Génoa (Nord)
Ano: 2007 (Sud) e 2008 (Nord)
Páginas: 240 (Sud) e 220 (Nord)
Preço: 19.90€
Desta vez trazemos ao mesmo tempo dois livros… um autêntico Derby della Lanterna. Gradinata
Sud e Gradinata Nord. Através de uma iniciativa da editora FFE, foi decidido fazer quase ao
mesmo tempo dois livros dedicados às claques dos dois principais clubes de Génoa.
Apresentado o mesmo grafismo, ambos os livros dedicam o seu espaço a mostrar fotos, com
algumas explicações, dos principais jogos realizados pelos clubes, com foco para as claques de
ambas as bancadas.
Relativamente aos grupos da Sampdoria, o livro Gradinata Sud dedica 8 capítulos, focando-se
no desempenho da Sul entre os anos 2002 a 2007.
No que diz aos grupos da Génoa, o livro Gradinata Nord dedica apenas 5 capítulos, no entanto
é mais extenso a nível histórico uma vez que abrange a actividade da Curva Nord, desde as
origens da Fossa Dei Griffoni até aos tempos actuais.
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Com a época desportiva 23/24
perto do final, no que a futebol diz respeito,
restam poucos jogos para a mesma terminar.
No entanto, esta fase final é sempre
empolgante, porque com ela traz sempre
jogos decisivos, o que acaba por arrastar
ainda mais adeptos aos estádios. Seja para
ser campeão, para não descer ou subir de
divisão.
No passado 26 de maio, fui até
Lourosa assistir ao derby de Santa Maria da
Feira, entre o Lourosa e o Feirense. Derby
esse que já não era jogado de forma oficial
desde a época 85/86.
Na semana que antecedeu o jogo
fui procurando alguma informação e, à
medida que o dia se ia aproximando, fui-me
apercebendo que ia encontrar um excelente
ambiente para lá das 4 linhas e, sinceramente,
era mesmo isso que eu ia à procura.
Segundo algumas páginas que fui
seguindo nas redes sociais, falava-se em 8
mil adeptos, sendo que nestes já estariam
incluídos os cerca de 250 adeptos visitantes.
Na chegada a Lourosa, por volta das 9h30,
uma hora e meia antes do jogo, já sentia o
frenesim nas ruas adjacentes ao estádio, com
a GNR, com um forte dispositivo, a controlar
quem chegava.
Estacionamos o carro e, quando
nos dirigimos para o estádio, apercebemonos
que o autocarro que trazia os jogadores
do Feirense estava mesmo ao nosso lado.
Porreiro, pensei eu - vou já perceber como
será a recepção ao mesmo. Como as ruas
eram um bocado apertadas e o trânsito já se
fazia sentir, o mesmo foi em marcha lenta.
Já não ia ali assistir a um jogo há bastante
tempo e, à medida que ia andando, via-se
cada vez mais povo nas ruas, adeptos do
Lourosa trajados a rigor. A rivalidade sentese,
mas também logo me apercebi que não
há grande animosidade. O autocarro passou
mesmo em frente ao café onde o grupo de
apoio ao Lourosa se costuma concentrar, ou
pelo menos um dos grupos, e os mesmos
ali presentes deixaram passar sem uma
única provocação. A bem da verdade é que
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por muita rivalidade que haja, a malta mais
jovem (dos 40 anos para baixo) nunca teve
oportunidade de assistir a este jogo de forma
oficial, o que acaba também por esfriar as
coisas.
Entramos cedo no estádio e, antes
de os jogadores entrarem para aquecimento,
o estádio já estava bem composto. O Lourosa
tinha deixado umas bandeiras amarelas
pequenas para dar cor e vida ao mesmo, e
a claque do Lourosa já se posicionava e já
ensaiavam cânticos. O grupo visitante chegou
e abriram um pote de fumo à saída do
autocarro e, à medida que iam entrando, iam
também abrindo os panos e a faixa principal
da Civitas Fortissima, e com eles também
trouxeram uns estandartes, material cada vez
menos visto nos estádios e que dá um aspeto
visual que gosto de ver.
O jogo aproximava-se do seu início
e o estádio cada vez mais ficava apertado
para tanta gente. O speaker ia dando uma
ajuda para que a coreografia de bandeiras
surtisse o efeito pretendido e a Armada
Lusitana, a claque da casa, ia puxando pelos
restantes adeptos para empurrar o Lourosa
ao resultado desejado. Os visitantes fizeramse
notar na sua chegada com alguns cânticos.
Na entrada das equipas, a Armada levanta
um lençol engraçado com uma imagem
estampada do castelo de Santa Maria da Feira
com uns leões (símbolo do Lusitânia) a fazer
de guardas, com uma frase na parte de cima
onde se lia “À conquista de um novo reinado”.
Do lado azul dos fogaceiros, uma cachecolada
à antiga que deu um efeito visual muito
bom - um bonito recurso para embelezar o
momento.
Começa o jogo e os dois grupos a
fazerem-se ouvir. Do lado dos amarelos, o
capo com um megafone a ajudar. Do lado dos
azuis, capo no muro a puxar pelo seu grupo
“à capela”. Com o desenrolar do jogo e a
ansiedade a tomar conta dos adeptos, roía-se
mais as unhas do que se cantava. No entanto,
o grupo da casa cantou o jogo todo, embora
sem grande força, só mesmo fazendo-se
ouvir a espaços. Depois de marcarem golo
que lhes daria a vitória, fizeram-se ouvir
mais qualquer coisa, mas sem ser um apoio
brutal. Do lado visitante, cantaram também a
espaços e de vez em quando lá se via algum
movimento na bancada. No entanto, onde
nos encontrávamos, pouco se ouviam.
Com o final do jogo, alegria de uns e tristeza
de outros. No entanto, ainda faltam 90m e
muito por decidir.
Na saída dos adeptos, uma
provocação ou outra de um lado e do outro,
com a polícia a controlar tudo e todos.
Foi um bom derby, com a rivalidade a fazer-se
sentir, sem exageros.
Nota para um adepto, na bancada
ao lado da claque do Lourosa com 2
cachecóis, 1 em cada braço e dos 2 clubes, o
que demonstra que pode haver rivalidade e
espaço para gostar dos clubes da sua cidade
(provavelmente).
Por J. Costa
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