Revista Dr Plinio 314
Maio de 2024
Maio de 2024
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Publicação Mensal<br />
Vol. XXVII - Nº <strong>314</strong> Maio de 2024<br />
Em Fátima, os clarões sacrais<br />
da aurora do Reino de Maria
Amor e adoração no<br />
mistério da Visitação<br />
Flávio Lourenço<br />
Nossa Senhora era cheia de amor para com sua prima Santa Isabel,<br />
não só porque no Oriente esses parentescos se contavam muito mais<br />
do que entre nós, mas por serem duas santas, santíssimas, e por<br />
isso queriam-se mutuamente como não se pode imaginar.<br />
As duas mães e os dois meninos se encontraram.<br />
Pela primeira vez o Precursor, no<br />
claustro materno, tomou conhecimento<br />
do seu Salvador.<br />
Imaginem o ato de amor do<br />
Menino Jesus para com esse<br />
Precursor que haveria de<br />
morrer por Ele tão heroicamente!<br />
E, de outro lado, o<br />
ato de adoração de<br />
São João em relação<br />
ao Redentor<br />
pelo qual ele ia<br />
morrer.<br />
Que coisa<br />
magnífica!<br />
(Extraído de<br />
conferência de<br />
2/7/1995)<br />
Visitação - Catedral de Santa<br />
Maria de Freising, Alemanha
Sumário<br />
Publicação Mensal<br />
Vol. XXVII - Nº <strong>314</strong> Maio de 2024<br />
Vol. XXVII - Nº <strong>314</strong> Maio de 2024<br />
Em Fátima, os clarões sacrais<br />
da aurora do Reino de Maria<br />
Na capa,<br />
Imagem peregrina de<br />
Nossa Senhora de Fátima.<br />
Foto: Luis C.R. Abreu<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
ISSN - 2595-1599<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
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Roberto Kasuo Takayanagi<br />
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Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
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Segunda página<br />
2 Amor e adoração no<br />
mistério da Visitação<br />
Editorial<br />
4 Fátima: divisor de águas<br />
Piedade pliniana<br />
5 Renovai a face da Terra!<br />
Dona Lucilia<br />
6 Harmonia, esplendor e<br />
delicadeza de matizes<br />
Reflexões teológicas<br />
8 As mil expressões de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo na Ascensão<br />
Denúncia profética<br />
15 A mensagem de Fátima e o<br />
triunfo da Contra-Revolução<br />
Calendário dos Santos<br />
22 Santos de Maio<br />
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
24 Um padroeiro para os imperfeitos<br />
Hagiografia<br />
26 Integridade e vigilância<br />
Apóstolo do pulchrum<br />
33 Sonhos que adivinham as<br />
magnificências de Deus<br />
Última página<br />
36 Nossa Senhora do<br />
Santíssimo Sacramento<br />
3
Editorial<br />
Fátima: divisor de águas<br />
O<br />
elemento essencial das mensagens de Nossa Senhora em Fátima consiste em abrir os olhos dos homens<br />
para a gravidade da crise universal de nossos dias, em lhes ensinar sua explicação à luz dos planos da Providência<br />
Divina e em indicar os meios necessários para evitar a catástrofe. É a própria história de nossa época<br />
e, mais do que isto, o seu futuro, que nos são ensinados pela Santíssima Virgem.<br />
Não há uma só aparição em que não se insista sobre este fato: os pecados da humanidade se tornaram de um peso<br />
insuportável na balança da justiça divina. Eis a causa recôndita de todas as misérias e desordens contemporâneas.<br />
Os castigos mais terríveis ameaçam a humanidade e, para que não sobrevenham, é preciso que os homens se convertam.<br />
O pensamento constante de todas as mensagens é este: o mundo está a braços com uma terrível crise religiosa<br />
e moral; os pecados cometidos são incontáveis e constituem a verdadeira causa da desolação universal. O modo<br />
mais acertado para remediar seus efeitos consiste na oração e na reparação.<br />
Nossa Senhora desceu à Terra a fim de atrair para esse imenso panorama o zelo das almas. Ela quer piedade, quer reparação,<br />
mas baseia seu desejo numa visão imensa dos grandes interesses de Deus em toda a vastidão da Terra.<br />
Diante desse panorama, o mundo de hoje vai se dividindo cada vez mais em duas famílias de almas. Uma considera<br />
que a humanidade é presa de um feixe de erros e de iniquidades que começaram na esfera religiosa e cultural<br />
com o Humanismo, a Renascença e a pseudo-Reforma protestante, agravaram-se com o iluminismo e o racionalismo,<br />
e culminaram na esfera política com a Revolução Francesa. Do terreno político passaram para o campo social e<br />
econômico, no século XIX, com o socialismo utópico e com o socialismo dito científico.<br />
Ao mesmo tempo, sobretudo a partir da Grande Guerra, a moralidade se pôs a declinar com rapidez espantosa<br />
no Ocidente, preparando-o para a capitulação ante o comunismo.<br />
Para as incontáveis almas que compartem esse modo de pensar, a mensagem de Fátima é tudo quanto há de mais<br />
coerente com a doutrina católica e com a realidade dos fatos.<br />
Há outra família de almas para a qual os problemas do mundo contemporâneo pouca ou nenhuma relação têm com<br />
a impiedade e a imoralidade. Nascem eles exclusivamente de equívocos involuntários que uma boa difusão doutrinária<br />
e um conhecimento objetivo da realidade podem dissipar. Esses equívocos resultam, aliás, de carências econômicas.<br />
Filhos da fome, morrerão quando no mundo não houver mais fome. Com o auxílio da ciência e da técnica, a crise da<br />
humanidade se resolverá. Ademais, não havendo o fator culpa como nota tônica das catástrofes e dos perigos em meio<br />
aos quais nos debatemos, a noção de um castigo universal se torna incompreensível.<br />
Entre uma e outra família de almas há muitas gamas. Na medida em que qualquer das correntes intermediárias se<br />
aproxima de um dos polos, para ela vai se tornando compreensível ou incompreensível a mensagem de Fátima. Esta se<br />
encontra, pois, neste sentido, como um verdadeiro divisor de águas das mentalidades contemporâneas.<br />
Dar-se-ão todos os acontecimentos previstos em Fátima? É a pergunta que a humanidade contemporânea faz.<br />
Em princípio, não há como duvidar, pois o fato de uma parte das profecias já se haver realizado com impressionante<br />
precisão prova o caráter sobrenatural delas. Provado tal caráter, não há como pôr em dúvida que a mensagem celeste<br />
se cumprirá até o fim.<br />
Desde que não se operou no orbe a imensa transformação espiritual pedida na Cova da Iria, vamos cada vez mais caminhando<br />
para o abismo. E, à medida que caminhamos, aquela transformação se vai tornando sempre mais improvável.<br />
O que importa é, pois, rezar, sofrer e agir para que a humanidade se converta. E isto com redobrado empenho,<br />
porque senão o castigo está às portas.<br />
Para obviar o castigo, obter a conversão dos homens e caminhar no meio das hecatombes que tão gravemente nos ameaçam,<br />
o que podemos fazer? Nossa Senhora no-lo indica: o afervoramento na devoção a Ela – para o que Se revestiu dos atributos<br />
próprios às invocações de Rainha do Rosário, Mãe Dolorosa e Nossa Senhora do Carmo –, a oração e a penitência.<br />
Outrossim, insistiu a Virgem de Fátima de modo muitíssimo especial sobre a devoção ao seu Imaculado Coração.<br />
Que nosso espírito se detenha na consideração das perspectivas últimas da mensagem de Fátima. Para além da<br />
tristeza e das punições supremamente prováveis para as quais caminhamos, temos diante de nós os clarões sacrais<br />
da aurora do Reino de Maria: “Por fim o meu Imaculado Coração triunfará.” *<br />
* Cf. Catolicismo n. 29 e 197, maio de 1953 e de 1967.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
Renovai a face da Terra!<br />
Ó<br />
Mãe, a quem cultuamos tantas vezes sob a invocação quão apropriada de Nossa Senhora<br />
do Santíssimo Sacramento! O vosso Filho adorável a nós veio, Senhora, e tivemos a graça<br />
de O receber, porque rezastes por nós; vossa prece imaculada, rica em méritos perfeitos e<br />
inefáveis, mediou entre a nossa prece de pecadores e o Divino Destinatário ao qual elas queriam<br />
subir. Vós as tomastes, as purificastes, as fizestes vossas e, passando por vosso Coração e vossos<br />
lábios, elas puderam ser aceitas por vosso Divino Filho. Quando O recebemos, foi com confiança,<br />
porque sabíamos que Vós estáveis rezando por nós junto a Ele e encobrindo nossos defeitos<br />
com vossas qualidades.<br />
Ó Mãe Santíssima, neste momento nós Vos suplicamos: dai-nos um desejo profético, abrasado,<br />
enchei-nos desse desejo que é uma fagulha do vosso. E, em união com ele, fazei com que o<br />
nosso voe até o trono de Nosso Senhor, perto do qual estais.<br />
Minha Mãe, pedi-Lhe que, à vista do oceano de crimes e pecados que a Revolução vai a todo<br />
momento avolumando, Ele não demore mais, que venha já, que esmague, que disperse, que faça<br />
desaparecer da face da Terra até mesmo a memória dos homens malditos que O perseguem e O<br />
ultrajam, de dentro ou de fora da Santa Igreja.<br />
Fazei, ó Minha Mãe, com que a Santa Igreja resplandeça de novo. Que a Cátedra da Verdade<br />
fulgure com o brilho dos grandes dias, mas, sobretudo, dos grandes dias que virão, em que, segundo<br />
esperava e pedia o varão de vossa destra, São Luís Maria Grignion de Montfort, vossa glória<br />
aparecerá mais esplendorosa do que nos mais belos momentos da história da Igreja.<br />
Fazei, ó minha Mãe, com que a sociedade temporal, menor em dignidade do que a sociedade espiritual,<br />
mas criatura vossa, resplandeça ela também com a grandeza, a pureza e a força de vosso Reino.<br />
Vosso Divino Filho nunca é tão plena e efetivamente Rei como quando sois Rainha. E é para<br />
que o Reino d’Ele seja pleno e efetivo que pedimos que tal seja o vosso Reino, ó Vós que sois<br />
o ápice, a medula e a glória do Reino d’Ele, a criatura perfeita na qual, como em nenhuma outra,<br />
o Reino d’Ele se realizou, se realiza e se realizará. Vós sois, ó minha Mãe, o Reino de Cristo!<br />
Fazei com que tudo seja remodelado segundo Vós,<br />
para que o Criador, olhando a sociedade espiritual e<br />
a temporal levadas ao ápice de virtude, de união convosco,<br />
resplandecendo de semelhança convosco, sejam-Lhe<br />
agradáveis. E que, considerando-as, Deus tome<br />
o seu repouso como no começo de sua obra, quando<br />
olhou para o universo e viu que cada coisa era boa,<br />
mas que o conjunto delas era ainda melhor.<br />
Que todos os Anjos e Santos do Céu e, sobretudo,<br />
ó Mãe, todas as fibras de vosso Coração Sapiencial<br />
e Imaculado implorem ao Divino Espírito Santo<br />
que, por meio de Vós, derrame sobre os homens<br />
o vosso espírito; e o que deve ser destruído seja destruído,<br />
como o que deve ser renovado seja renovado.<br />
Por vossa prece, ó minha Mãe, tereis assim conseguido<br />
que se renove a face da Terra.<br />
Obtende que venha o Divino Espírito Santo e renovareis<br />
a face da Terra. Renovai-a logo, inteiramente,<br />
para o auge de vossa glória, ó minha Mãe, é o que<br />
Vos peço.<br />
Não olheis para os nossos pecados, olhai para esse<br />
desejo que Vós mesma obtivestes para nós. Um desejo<br />
uníssono com o vosso Coração Sapiencial e Imaculado.<br />
Esse desejo obterá a grande graça. Vinde, ó Maria!<br />
Flávio Lourenço<br />
(Composta em 9/9/1977)<br />
Anunciação - Galeria<br />
Nacional de Úmbria, Itália<br />
5
Dona Lucilia<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Muito sensível a cores<br />
e a flores, Dona Lucilia<br />
gostava de contemplar<br />
os aspectos delicados e<br />
harmoniosos das coisas,<br />
porém não deixava<br />
de se extasiar com os<br />
grandes panoramas ou<br />
com um belo pôr do sol.<br />
Mamãe era eminentemente,<br />
no sentido bom da<br />
palavra, sensível a milhares<br />
de coisas.<br />
Alma contemplativa<br />
dos aspectos delicados<br />
e grandiosos<br />
Por exemplo, uma flor que se desse<br />
para ela. Seu hábito era, se fosse<br />
uma flor bonita, excepcional, parar,<br />
contemplá-la por um bom período,<br />
quieta, sorrindo. Depois de analisar,<br />
às vezes passava muito ligeiramente o<br />
dedo num ou noutro ponto e depois,<br />
6
com toda a naturalidade, comentava<br />
algum aspecto. Não sabia exprimir o<br />
exercício de transcendência feito por<br />
ela, mas dizia: “Veja a beleza de tal<br />
estria de tal pétala, tal tonalidade...”<br />
Dir-se-ia, por todos os seus comentários,<br />
ser ela muito sensível especialmente<br />
às coisas delicadas; e<br />
que tudo quanto significasse delicadeza<br />
de sentimentos, delicadeza de<br />
alma, matizes, boa medida das coisas,<br />
proporções adequadas, harmoniosas,<br />
tudo quanto significasse harmonia<br />
era a luz primordial dela.<br />
Isso é verdade apenas em parte.<br />
Porque eu já a vi extasiar-se com<br />
coisas maravilhosas, de um modo tal<br />
que só mesmo com ajuda da graça se<br />
pode explicar por inteiro.<br />
No tempo que ela estava viva, São<br />
Paulo não tinha tanta poluição quanto<br />
tem hoje. E o movimento de automóveis<br />
de nosso bairro era muito<br />
menor, sendo o ar muito mais puro.<br />
Em certa época do ano, o Sol,<br />
quando se põe, aparece bem acima<br />
da Rua Alagoas. E há na calçada, vizinha<br />
ao jardim da Praça Buenos Aires,<br />
uma extensão grande de árvores,<br />
hoje já meio velhas, mas que naquele<br />
tempo estavam em todo o seu viço.<br />
O Sol se pondo, as árvores formam<br />
uma espécie de cúpula e por debaixo<br />
se viam os raios de luz que entravam.<br />
Ela ficava em pé junto à janela<br />
olhando longamente, extasiada. Eu<br />
via que ali a extasiava o esplendor<br />
junto com o jogo delicado dos matizes,<br />
à medida que o esplendor ia se<br />
atenuando e se transformando em<br />
delicadeza, porque o Sol, quando vai<br />
morrendo, morre com delicadeza.<br />
Ela se extasiava com isso.<br />
Contemplando o mar<br />
do Rio de Janeiro<br />
Mas eu nunca a vi, diante de uma<br />
coisa natural, tão extasiada como<br />
quando eu a levei ao Rio, para assistir<br />
minha posse como deputado. Arranjei<br />
para ela um dos melhores quartos<br />
do Hotel Glória. Naquele tempo o<br />
Glória e o Copacabana eram os dois<br />
melhores hotéis do Rio, portanto, os<br />
melhores do Brasil. E eu arranjei para<br />
ela um quarto excelente, de frente,<br />
que dava para ver bem o mar.<br />
O mar, com as reformas que fizeram,<br />
está longe do hotel, mas naquele<br />
tempo quase batia, por assim dizer,<br />
no hotel. A uns dez metros do<br />
hotel já havia mar, com apenas o necessário<br />
para passar uma avenida estreita<br />
e um espaço pequeno para os<br />
automóveis encostarem e deixarem<br />
os hóspedes.<br />
No quarto onde ela ficou isso não se<br />
via. Via-se diretamente o mar. Podia-se<br />
ter a ilusão de estar em alto-mar.<br />
Era a beleza da praia do Flamengo<br />
e daquela encosta, que naquele tempo<br />
também tinha um desenho diferente,<br />
muito bonito, que ela ficava olhando.<br />
Ela teve uma pequena indisposição<br />
de fígado e os dois ou três dias<br />
que passamos no Rio ela passou<br />
Hotel Glória no final da década de 1920<br />
quase todos no quarto. Mas ela estava<br />
satisfeita com a circunstância,<br />
porque ficava sentada junto à janela,<br />
nessas cadeiras espreguiçadeiras,<br />
para fazer bem para o fígado, horas<br />
e horas, sozinha e sem ter o que dizer<br />
da beleza do panorama.<br />
Eu era obrigado a entrar e sair para<br />
uma coisa, para outra etc. Estavam<br />
lá minha irmã, meu pai, entravam, falavam<br />
um pouco com ela. Ela emudecia<br />
a conversa para olhar o panorama,<br />
inebriada com o Flamengo, muito mais<br />
bonito naquele tempo do que hoje.<br />
Havia, diante do hotel, duas palmeiras<br />
– não eram palmeiras imperiais,<br />
mas tendiam a isso – altas e que<br />
se recortavam sobre o panorama do<br />
mar. Ela gostava de olhá-las.<br />
Depois vinha a lua. De tudo isso<br />
ela depois dava “jornal-falado”. E<br />
assim ela se regalava muito. v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 9/4/1983)<br />
Núcleo de digitalização / IMS(CC3.0)<br />
7
Reflexões teológicas<br />
Flávio Lourenço<br />
Ascensão -<br />
Museu Palácio<br />
Barberini, Roma<br />
As mil expressões de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo na Ascensão<br />
Não é possível que Nosso Senhor Jesus Cristo ascendesse sem glória. O<br />
Evangelho não narra quais foram os sinais sensíveis daquela ocasião,<br />
mas devemos imaginá-los majestosos, grandiosos e enlevantes.<br />
Uma meditação completa<br />
sobre a Ascensão deveria<br />
comportar dois aspectos:<br />
o primeiro seria a respeito<br />
do que ela significa teoricamente. O<br />
outro, uma recomposição do quadro<br />
daquilo que se passou por ocasião da<br />
Ascensão e que simbolizaria o significado<br />
dela.<br />
Era preciso a glorificação<br />
atingir o Céu<br />
A Ascensão de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo aos Céus representou a<br />
consumação do triunfo d’Ele aos<br />
olhos dos homens. Ele Se encarnou,<br />
nasceu de Maria Virgem, viveu<br />
praticando maravilhas, foi glorificado<br />
antes de sua Paixão pelos numerosos<br />
milagres que operou, tanto no<br />
Tabor, como na aclamação do povo<br />
em Jerusalém; foi também humilhado,<br />
crucificado e morto.<br />
Era preciso que a enorme injustiça<br />
cometida contra Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo fosse reparada. Essa reparação<br />
se fez sob a forma primeira da<br />
8
Ressurreição gloriosa d’Ele, na qual<br />
Ele venceu a morte e por todos os séculos<br />
ficou demonstrado ser Ele o Filho<br />
de Deus, e que tudo quanto quiseram<br />
fazer não valeu de nada. Com<br />
a Ressurreição, todos os seus adversários<br />
ficaram aniquilados e a glória<br />
do Homem-Deus atingiu o auge.<br />
Mas era ainda uma glória se realizando<br />
nesta Terra. Era preciso a glorificação<br />
atingir o Céu, quer dizer,<br />
depois de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
ser glorificado aos olhos dos homens,<br />
que estes vissem Deus Pai elevá-Lo<br />
à mais alta das glórias, levando-O<br />
ao Céu para governar ao seu<br />
lado. E o triunfo d’Ele ser o de estar<br />
sentado por toda a eternidade ao lado<br />
direito do Padre Eterno.<br />
Ele nunca deixou de estar no Céu.<br />
Contudo, na sua natureza humana,<br />
esteve também na Terra. Na Ascensão,<br />
Ele, na sua humanidade, subiu<br />
ao Céu e sentou-Se à direita do Pai.<br />
E como Ele era Homem-Deus, completamente<br />
Deus e completamente<br />
Homem, para a natureza humana<br />
d’Ele era uma glorificação sem precedentes<br />
estar num lugar onde nunca<br />
um Querubim ou um Serafim ousou<br />
pensar em estar. Ali está sentado<br />
um verdadeiro homem, com corpo,<br />
sangue e alma humana, hipostaticamente<br />
unido à Segunda Pessoa<br />
da Santíssima Trindade.<br />
O último ato da existência d’Ele<br />
na Terra foi a Ascensão. Fisicamente,<br />
ela é um ato pelo qual Ele foi subindo<br />
até perder-se da vista dos homens.<br />
Entretanto, é muito mais do<br />
que um subir: é entrar no Céu e sentar-Se<br />
à mão direita de Deus Pai.<br />
Os Céus se abrem<br />
Há como que “duas ascensões”<br />
de Nosso Senhor Jesus Cristo. A primeira,<br />
aos olhos dos homens: Ele<br />
perfura todo o espaço e sobe ao<br />
Céu. Depois, é aos olhos dos Santos,<br />
quando atravessa subindo – no sentido<br />
figurativo da palavra – os coros<br />
dos Anjos e chega até Deus. Ele Se<br />
torna superior a todas as criaturas<br />
existentes no Céu.<br />
São, portanto, duas festas: uma<br />
que é a Ascensão d’Ele na Terra e<br />
uma no Céu. Ele subir tanto aos<br />
olhos dos homens indica de um modo<br />
material a glória que Ele recebeu<br />
no Céu, pois subir é ser glorificado.<br />
Devemos, à vista disso, considerar<br />
que essa glória foi seguida ou<br />
acompanhada de outra glória imensa:<br />
Nossa Senhora, os Apóstolos, os<br />
discípulos, viram-No subir, estavam<br />
presentes, mas com Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo subiram todas as almas<br />
justas que estavam no Limbo à espera<br />
d’Ele, porque ninguém tinha entrado<br />
no Céu antes d’Ele.<br />
Então, São José, o mais santo dos<br />
homens; São João Batista, o maior<br />
dos homens nascidos de mulher; todos<br />
os profetas do Antigo Testamento,<br />
com exceção de Elias e de Enoc;<br />
todas as figuras justas que já tinham<br />
saído do Limbo ou do Purgatório,<br />
entrando no Céu; Nosso Senhor levou<br />
essa miríade de almas resplandecentes.<br />
Era uma data histórica: o<br />
Céu, que estivera fechado para os<br />
homens, se abria!<br />
Uma outra imensa festa, que só se<br />
tornava possível a partir da Ascensão,<br />
começava a se preparar: a entrada<br />
de Nossa Senhora no Céu. Então<br />
as mais altas glórias do Céu ficariam<br />
completas, porque com Nosso Senhor<br />
e Nossa Senhora lá, todo o resto<br />
é acidental, é novidade de quinta<br />
categoria.<br />
Ele foi humilhado e<br />
glorificado como ninguém!<br />
Tomando em consideração esse<br />
cúmulo de glória, deve-se procurar<br />
medir o valor dela.<br />
O demônio prometeu a Nosso Senhor<br />
que Lhe daria todas as coisas<br />
se, prostrado por terra, o adorasse.<br />
Ele o recusou. Imaginem que Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo tivesse ficado rei<br />
na Terra durante dez mil anos – e o<br />
mais poderoso, o mais feliz, o mais<br />
dominador dos reis da Terra, até hoje<br />
– acharíamos isso uma recompensa<br />
enorme. Mas seria uma baixa de<br />
nível. Por que ficar reinando na Terra,<br />
quando podia subir para o Céu?<br />
A glória na Terra que qualquer<br />
criatura teve não pode se comparar<br />
Ressurreição - Basílica do Salvador, Bréscia, Itália<br />
Flávio Lourenço<br />
9
Reflexões teológicas<br />
Gabriel K.<br />
à glória de Nosso Senhor ao subir ao<br />
Céu. Ele foi humilhado como ninguém,<br />
Ele foi glorificado como ninguém!<br />
Existe aí uma manifestação da<br />
justiça divina. Deus, quando permite<br />
que os bons sejam perseguidos e<br />
humilhados, tem em vista um desígnio<br />
altíssimo. Qual? Que depois a recompensa<br />
seja muito maior do que<br />
foi a humilhação. Seja nesta Terra ou<br />
no Céu, a glória da pessoa humilhada<br />
resplandecerá de um modo inimaginável.<br />
Nosso Senhor nos<br />
dá um princípio<br />
De maneira que se olhássemos todos<br />
os perseguidos por amor à justiça,<br />
os fiéis a Nosso Senhor na Terra<br />
atualmente e que lutam por Ele; todas<br />
as almas boas que há pelo mundo<br />
e, por isso, ficam colocadas numa<br />
posição secundária porque são<br />
detestadas pelas outras, deveríamos<br />
olhá-las com admiração!<br />
Tomando, por exemplo, qualquer<br />
velhinha que possa estar a esta hora<br />
na Santa Casa de Misericórdia, abandonada<br />
pela família porque não gosta<br />
de conversas imorais, e os familiares,<br />
por gostarem de conversar sobre<br />
imoralidades, mandam-na para lá como<br />
para um depósito, ela, por causa<br />
da humilhação que sofre, será recompensada<br />
no Céu com um diadema de<br />
glória inimaginável, refulgente.<br />
Sempre ao considerar uma pessoa<br />
perseguida ou humilhada de modo<br />
injusto, máxime se a injustiça for<br />
por amor à Igreja, deveríamos dizer:<br />
“Que felicidade! Que prodigiosa<br />
glória e que coroa receberá no Céu<br />
por toda a eternidade! Que prêmio<br />
fantástico terá!” Por quê? Porque é<br />
o caminho de Nosso Senhor. Ele foi<br />
humilhado até onde podia ser; por<br />
causa disso Ele foi glorificado até<br />
onde o foi!<br />
Jesus desce ao Limbo - Galeria Nacional de Arte, Washington<br />
Tira-se disso um princípio adotado<br />
por Nosso Senhor e pelo qual Ele<br />
nos convida a segui-Lo: é de ter uma<br />
glória imensa no Céu – e às vezes até<br />
na Terra –, desde que Lhe sejamos fiéis<br />
na adversidade.<br />
Não perder ocasião<br />
de enfrentar a luta<br />
Esse pensamento é uma verdade,<br />
primeiro dado. Depois deve vir<br />
a aplicação da verdade a uma situação<br />
que nos interessa, segundo dado.<br />
Isso pede uma resolução. Qual? É<br />
não evitarmos uma só ocasião de nos<br />
apresentarmos aos olhos do mundo<br />
com coragem, ainda que sejamos<br />
perseguidos. Se disserem uma imoralidade<br />
em nossa presença, protestarmos;<br />
se atacarem a Igreja, protestarmos;<br />
se fizerem um ato de propaganda<br />
comunista, contra-atacarmos.<br />
Enfim, nos apresentarmos de todos<br />
os modos e formas com coragem na<br />
nossa luta. Seremos combatidos e<br />
aviltados, mas a glória que teremos<br />
no Céu será enorme. Por quê? Porque<br />
fomos perseguidos por amor à<br />
Causa Católica. Exclusivamente por<br />
isso.<br />
Quando chegarem no Céu, os<br />
bons encontrarão uma verdadeira<br />
coroa de glória, enquanto haverá<br />
uma “coroa” de opróbrio no inferno<br />
para o subversivo que está lá,<br />
porque não se arrependeu de seu<br />
pecado. São as palavras do Magnificat:<br />
“Esurientes implevit bonis et divites<br />
dimisit inanes” – exaltou aqueles<br />
que eram humilhados e os que estavam<br />
cheios de riquezas injustas, de<br />
um poder mal adquirido, Deus dispersou.<br />
Poder mal adquirido... Isto faz<br />
pensar em Herodes. Se havia um poder<br />
mal adquirido era aquele. Como<br />
ele ficou achincalhado, escangalhado<br />
diante da glorificação de Nosso<br />
Senhor!<br />
Aqui está, portanto, um método<br />
de fazer a meditação clássica com<br />
10
uma resolução: não perder nenhuma<br />
ocasião de enfrentar a luta,<br />
lembrando-se de Nosso Senhor,<br />
da glória que a Igreja tem<br />
nos seus verdadeiros filhos e da<br />
glória vindoura no Céu.<br />
E terminaria com um pedido<br />
para que Nossa Senhora dê fecundidade<br />
a esses pensamentos, obtendo<br />
as graças necessárias para,<br />
de fato, correspondermos a pensamentos<br />
tão elevados, e com isso<br />
santificarmos a nossa alma.<br />
Composição de lugar<br />
Um outro tipo de meditação, é<br />
um complemento, que Santo Inácio<br />
chama composição de lugar.<br />
Para bem compreendermos o fundamento<br />
disso é preciso haver uma<br />
explicação prévia, de caráter mais<br />
ou menos teológico da cena. E é a<br />
seguinte: tudo leva a crer – e as visões<br />
de Anna Catarina Emmerich,<br />
de Maria de Ágreda o dizem –,<br />
que Nosso Senhor subiu ao Céu<br />
com sinais sensíveis de sua glória,<br />
deixando entusiasmadas, enlevadas<br />
as pessoas ali presentes.<br />
Não é de se crer que Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo tivesse querido<br />
manifestar sua Ascensão sem<br />
glória, que fosse uma pura subida,<br />
mais nada. O Evangelho não nos<br />
conta quais foram os sinais sensíveis,<br />
mas devemos imaginá-los majestosos,<br />
grandiosos e enlevantes,<br />
na medida em que era deslumbrante,<br />
majestoso e grandioso o próprio<br />
fato que então estava se passando.<br />
Subir ao Céu é uma coisa altamente<br />
majestosa, altamente grandiosa<br />
e altamente deslumbrante,<br />
porque é Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo partindo para a própria<br />
fonte de toda a bondade. E, na<br />
medida em que sobe, vai irradiando<br />
bondade sobre toda a Terra.<br />
É possível que, por símbolos<br />
externos, Ele tenha inundado a<br />
alma santíssima de Nossa Senhora,<br />
as almas santas dos Apóstolos,<br />
Ascensão - Museu do Palácio Corsini, Itália<br />
Flávio Lourenço<br />
as almas virtuosas de todas as pessoas<br />
ali presentes. Ele as inundou<br />
com graças e com sinais sensíveis.<br />
Além de se desprenderem do rosto<br />
e de toda a Pessoa d’Ele formas<br />
inexprimíveis de majestade, de<br />
grandeza, de afabilidade!<br />
Os olhares de<br />
Nosso Senhor<br />
Podemos imaginá-Lo de muitos<br />
modos. Porque, estando na impossibilidade<br />
de nossa mente compor<br />
tudo isso reunido, podemos considerar<br />
por partes os aspectos daquela<br />
ocasião. Assim pode-se pensar<br />
em mil expressões de fisionomia<br />
d’Ele, todas verdadeiras, pois,<br />
conforme cada alma que estava ali,<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo aparecia<br />
de um modo. Com a mesma expressão,<br />
Ele sorria para um, afagava<br />
outro com outro olhar e falava a<br />
todo mundo alguma coisa no íntimo<br />
da alma, sendo o mesmo e impassível<br />
para todos.<br />
Saint-Simon 1 nos conta – para<br />
baixar muito o nível, porque nessa<br />
matéria quando se trata de Saint-<br />
-Simon é um tombo – de uma senhora<br />
da corte que era capaz de<br />
fazer uma só reverência para cinco<br />
homens de categorias muito<br />
diversas e, com o olhar, cumprimentar<br />
cada um de acordo com a<br />
respectiva categoria. Se a criatura<br />
humana pode fazer algo assim,<br />
quanto mais Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo olhando para uma multidão<br />
de milhares de pessoas, penetrando<br />
com o olhar santíssimo<br />
d’Ele em cada alma e olhando individualmente<br />
cada um como devia<br />
ser olhado!<br />
Consideremos um de nós no<br />
canto, longe, contemplando Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo olhar para<br />
cada um, e mal ousando esperar<br />
o momento de Ele olhar também<br />
para nós, vendo o olhar d’Ele para<br />
todas aquelas almas, para Nos-<br />
11
Reflexões teológicas<br />
Samuel Holanda<br />
Ressurreição de Nosso Senhor - Catedral de Valência, Espanha<br />
sa Senhora. Depois, quando o olhar<br />
d’Ele pousasse em nós, como seria<br />
esse olhar…<br />
Como eu quereria que Nosso Senhor<br />
olhasse para mim? Quantos<br />
olhares quereria ter da parte d’Ele<br />
e quantas coisas gostaria que Ele<br />
me dissesse! Como isso será parecido<br />
com o primeiro olhar que Ele me<br />
dará quando me acolher no Céu e eu<br />
aparecer face a face diante d’Ele!<br />
São meditações úteis, mas como recomposição,<br />
conjecturas. Não é uma<br />
imaginação mentirosa, porque tem<br />
um fundamento na verdade. Tem um<br />
fruto na imaginação e um fundamento<br />
na verdade, de maneira que com toda<br />
a autenticidade pode-se fazer.<br />
Outros pontos de meditação<br />
Ao lado disso, imaginemos que<br />
Nosso Senhor tenha permitido os<br />
Anjos serem vistos. Então, que Anjos<br />
e quantos Anjos! Estou certo de<br />
ter aparecido na ocasião toda a glória<br />
da natureza angélica. Quem sabe<br />
se o Céu se rasgou de par em par<br />
e todos os Anjos ficaram visíveis?<br />
Quem sabe se por detrás de todos os<br />
Anjos apareceu alguma coisa da luz<br />
de Deus? Ou se os Anjos cantavam e<br />
em coro respondiam todas as almas<br />
que vinham saindo do Limbo? Como<br />
seriam esses cânticos? Cânticos de<br />
alegria das almas ao entrar, convites<br />
dos Anjos explicando para as almas<br />
como é a grandeza de Deus!<br />
Quando Nosso Senhor falava,<br />
que silêncio e que superação de todos<br />
esses cânticos! Ele cantou cânticos<br />
sacros em vida. Quem sabe se<br />
Ele cantou alguns cânticos ao subir<br />
aos Céus? Podemos imaginar o que<br />
seria um cântico entoado pelo Homem-Deus...<br />
Talvez quando Ele cantou<br />
todos tenham ficado quietos,<br />
porque ninguém se sentiu à altura<br />
de responder. E quem sabe se Nossa<br />
Senhora respondeu, sozinha? Quanto<br />
tempo demorou a Ascensão?<br />
Como era a natureza em volta, o<br />
resplendor da Terra, como estava o<br />
céu? Se em Fátima o céu deitou tantas<br />
luzes, quantas luzes terá o Sol<br />
deitado naquela ocasião? E se as estrelas<br />
se fizeram visíveis? Ou se vieram<br />
os passarinhos? Quiçá vieram os<br />
leões acompanhar com rugidos majestosos<br />
a Ascensão do Criador?<br />
Ainda que não tenham vindo leões<br />
nem passarinhos, e o Sol não tenha<br />
brilhado com um brilho especial,<br />
essas formas de glória de algum modo<br />
ali estiveram presentes. De maneira<br />
que o produto de nossa imaginação<br />
tem um fundamento na verdade.<br />
Portanto, conforme o dia, podemos<br />
meditar quinze, vinte Ascensões<br />
diferentes. Todas verdadeiras de algum<br />
modo, todas enchendo a nossa<br />
alma e preparando-a com o desejo<br />
de ir para o Céu.<br />
12
Antecedentes da Ascensão<br />
Temos ainda para comentar uma<br />
ficha sobre a Ascensão de Nosso Senhor,<br />
tirada da obra Vida Divina da<br />
Santíssima Virgem Maria, da Venerável<br />
Maria de Ágreda.<br />
Chegou enfim a hora em que devia<br />
coroar sua vida pela Ascensão. Ele<br />
saiu do Cenáculo com cento e vinte<br />
privilegiados que aí se encontravam.<br />
Sua Mãe estava ao lado d’Ele e Ele<br />
os conduzia através das ruas de Jerusalém.<br />
Os Santos que Ele tinha tirado<br />
do Limbo os seguiam cantando com<br />
os Anjos, cânticos novos. Mas eles<br />
não eram visíveis, a não ser para Nossa<br />
Senhora. Por causa de sua infidelidade,<br />
os judeus não perceberam essa<br />
soberba procissão. Ela passou por<br />
Betânia e chegou em pouco tempo ao<br />
Monte das Oliveiras.<br />
Há aqui um outro aspecto: quantas<br />
coisas se passam assim numa<br />
grande cidade moderna! Maravilhas<br />
acontecem e essa cidade não nota<br />
por causa de sua infidelidade. Quantas<br />
vezes a cidade fecha os olhos. Por<br />
exemplo, há alguma coisa no nosso<br />
movimento, aqui ou em qualquer<br />
outro local onde existimos: o mundo<br />
fecha os olhos, porque a impiedade<br />
não permite ver as coisas como são.<br />
No Monte das Oliveiras o cortejo<br />
santo se divide em três coros formados<br />
pelos Anjos, os Santos e os fiéis.<br />
São os coros que há pouco comentamos.<br />
Isso é coro: todos os Anjos,<br />
depois as almas santas e os fiéis.<br />
No momento da Ascensão<br />
A Santíssima Virgem prosternou-Se<br />
aos pés de Nosso Senhor, adorou-O e<br />
Lhe pediu a sua última bênção. Todos<br />
os outros Lhe prestaram a mesma homenagem.<br />
Depois daquelas palavras,<br />
Ele juntou suas mãos com ar majestoso<br />
e começou a Se elevar da terra, deixando<br />
ali a marca de seus pés sagrados.<br />
Ele subiu insensivelmente, extasiando<br />
os olhos e os corações dos primeiros<br />
filhos da Igreja, e atraiu atrás<br />
de Si os Anjos e Santos que O acompanhavam,<br />
de sorte que se elevavam<br />
eles também, na mais bela ordem seguida<br />
pelo seu Chefe.<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo ascendia<br />
seguido de um cortejo magnífico<br />
de todas as almas que Ele tinha resgatado<br />
até aquele momento com seu<br />
Sangue infinitamente precioso e que<br />
tinham correspondido a esse resgate.<br />
A glorificação<br />
Teria o triunfo de Jesus Cristo sido<br />
completo, se houvesse n’Ele uma<br />
lacuna lamentável, se sua Santíssima<br />
Mãe estivesse ausente?<br />
Seria possível que Ela fosse excluída,<br />
enquanto os Anjos e os Santos, da<br />
qual era Rainha, deveriam gozar desse<br />
espetáculo? E, enfim, não tinha Ela,<br />
mais do que ninguém, merecido participar<br />
dessa cena, Ela que tão perfeitamente<br />
tinha participado da Paixão?<br />
Por todos esses motivos, o Divino<br />
Filho triunfador tinha prometido a<br />
Ela, depois da Ressurreição, de A levar<br />
com Ele e realizou sua promessa<br />
de um modo admirável. Ele fez subir<br />
a sua Bem-aventurada Mãe com Ele,<br />
colocou-A à sua destra no Céu e A revestiu<br />
do esplendor da sua glória, como<br />
Ele tinha anunciado, como tinha<br />
anunciado Davi no Salmo.<br />
A Pessoa do Pai vinha, assim, ao<br />
encontro de seu Filho encarnado e<br />
de sua digna Mãe. Aproximando-Se,<br />
Ele Os recebeu num amplexo próprio<br />
a seu amor infinito. E esse espetáculo<br />
causou uma nova alegria às incontáveis<br />
legiões de Anjos que Os acompanhavam.<br />
Essa incomparável assembleia,<br />
em pouco tempo, atingiu as alturas<br />
do Céu Empíreo. À sua entrada,<br />
os Anjos do cortejo disseram àqueles<br />
que tinham ficado no Céu: “Abri,<br />
ó portas eternas, para deixar entrar o<br />
Aparição de Cristo ressuscitado à Santíssima Virgem - Museu<br />
Diocesano, Palma de Mallorca, Espanha<br />
Flávio Lourenço<br />
13
Reflexões teológicas<br />
Rei da glória, o Restaurador da humanidade.”<br />
Foram dois coros de Anjos, uns<br />
que tinham descido à Terra, outros<br />
que permaneceram no Céu. Há os<br />
que acompanham Nosso Senhor. Ele<br />
ascende com uma glória única!<br />
Nossa Senhora na Ascensão<br />
A fim de pôr um cúmulo à nossa<br />
alegria, Ele leva a seu lado sua Mãe<br />
de bondade, que Lhe deu forma humana<br />
e que é adornada de tanta graça<br />
e de tanta beleza que encanta todos<br />
os olhares.<br />
Essa procissão toda nova entrou<br />
no Céu Empíreo em meio a transportes<br />
de uma alegria que sobrepuja tudo<br />
quanto se possa imaginar. Os Anjos e<br />
os Santos se puseram em duas fileiras.<br />
Nosso Senhor e sua<br />
Mãe Santíssima passaram<br />
no meio deles e<br />
todos entoando cânticos,<br />
prestaram a Ele o<br />
culto de adoração e a<br />
Ela a homenagem devida<br />
à sua alta dignidade.<br />
O Padre Eterno colocou<br />
à sua direita o<br />
Verbo Encarnado, que<br />
aparecia sobre um trono<br />
de Divindade, com<br />
tanta glória e majestade,<br />
que Ele inspirou<br />
temor respeitoso a todos<br />
os habitantes do<br />
Céu. Então, em execução<br />
de um decreto da<br />
Santíssima Trindade<br />
que foi comunicado<br />
à corte celeste, a Santíssima<br />
Virgem foi colocada<br />
sobre o trono<br />
mesmo da Divindade,<br />
à direita de seu Filho.<br />
Foi-Lhe dada a segurança<br />
de que esse<br />
lugar Lhe seria destinado<br />
depois de sua<br />
morte, mas que Ela<br />
Flávio Lourenço<br />
era livre para não deixar mais esse excelso<br />
lugar. Ao mesmo tempo, o Altíssimo<br />
Lhe descobriu as necessidades<br />
da Igreja militante na Terra, a fim<br />
de Lhe dar ocasião de fazer um ato<br />
sublime de caridade para com os homens<br />
e acrescer a seus méritos, já tão<br />
grandes.<br />
Singularíssimo ato<br />
de abnegação<br />
Ela se prosternou diante das Três<br />
Pessoas Divinas e disse:<br />
“Meu Deus, se fico perto de Vós, Eu<br />
estarei no repouso e na alegria. Mas se<br />
Eu voltar para a Terra, meu trabalho<br />
redundará em glória vossa e em proveito<br />
dos homens segundo vosso bel<br />
prazer. Escolhi, portanto, o trabalho,<br />
Ascensão - Museu Nacional de Arte da Catalunha, Barcelona<br />
pedindo-Vos de Me assistir na empresa<br />
que Vós Me tendes confiado.”<br />
Termina com essa glorificação de<br />
Nossa Senhora, por um ato de renúncia,<br />
tendo algo parecido ao ato<br />
que Ela fez no alto da Cruz. Lá Ela<br />
concordou uma vez mais na imolação<br />
de seu Divino Filho para a glória<br />
de Deus e para a salvação das<br />
almas. E aceitava, além da dor da<br />
morte, a dor da separação. Aqui,<br />
Ela aceita a dor da separação novamente.<br />
Ela estava com o Divino Filho,<br />
mas separava-Se e voltava para<br />
a Terra. E é patente que era uma<br />
ocasião de muito sofrimento para<br />
Ela.<br />
Podemos imaginar que baixa de<br />
nível, depois de ter assistido a uma<br />
festa dessas, descer em Jerusalém,<br />
com aqueles fariseus,<br />
saduceus, deicidas todos,<br />
passando de um lado<br />
para outro... O Templo<br />
profanado, toda<br />
aquela desolação e a luta<br />
dentro da Igreja, que<br />
sempre teve problemas<br />
internos a vencer<br />
e dificuldades internas<br />
muitíssimo penosas para<br />
resolver, e assim terá<br />
até o fim do mundo...<br />
Pois bem, Nossa Senhora<br />
preferiu isso para o<br />
bem das almas e voltou<br />
para a Terra!<br />
Assim, com esse ato<br />
de singularíssima abnegação,<br />
termina o comentário<br />
da Festa da<br />
Ascensão de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo. v<br />
(Extraído de<br />
conferências de<br />
3/5/1967 e 7/5/1970)<br />
1) Claude-Henri de Rouvroy,<br />
Conde de Saint-Simon<br />
(*1760 - †1825).<br />
14
Denúncia profética<br />
A mensagem de<br />
Fátima e o triunfo<br />
Angelo Cordeiro<br />
da Contra-Revolução<br />
Haverá um milagre capaz de sustar o<br />
processo revolucionário que, desde tempos<br />
remotos, vem convulsionando o mundo? A<br />
Contra-Revolução vencerá? Deverá haver um<br />
grande entrechoque que resultará na derrota<br />
da Revolução e na vitória do Reino de Maria.<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
D<br />
evo tratar a respeito da irreversibilidade<br />
da Contra-<br />
-Revolução. É um tema<br />
complexo, vasto e que obriga a que eu<br />
seja muito denso em minha exposição,<br />
deixando de lado quaisquer floreios<br />
oratórios ou literários, para tratar exclusiva<br />
e diretamente da matéria.<br />
Esclarecendo conceitos:<br />
reversibilidade e<br />
irreversibilidade<br />
Para discorrermos<br />
bem sobre o assunto,<br />
devemos dividi-<br />
-lo. A primeira parte<br />
é o conceito de<br />
irreversibilidade, a<br />
partir do qual compreenderemos<br />
a importância<br />
desta conferência.<br />
Reversível é aquilo que pode voltar<br />
atrás, como a marcha de um automóvel.<br />
Ou seja, o veículo se põe<br />
em curso rumo a determinada direção,<br />
mas ele pode, a qualquer momento,<br />
fazer o caminho inverso.<br />
Irreversível é aquilo que, uma vez<br />
posto em marcha, não tem a possibilidade<br />
de reverter. Pode ser destruído,<br />
liquidado, mas não pode voltar<br />
atrás.<br />
Entendido esse conceito, passo à<br />
tese: hoje a Revolução é irreversível,<br />
donde se deduz que também a Contra-Revolução<br />
o seja.<br />
A Revolução está num auge em<br />
que, necessariamente, tem que chegar<br />
às suas últimas violências e a<br />
seus últimos excessos; de outro lado,<br />
e por isso mesmo, ela caminha para<br />
a sua destruição e, em consequência,<br />
a vitória da Contra-Revolução é irre-<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em julho de 1971 15
Denúncia profética<br />
versível. Este é, em essência, o pensamento<br />
que vou desenvolver.<br />
Enunciada a tese, dou a importância<br />
e o alcance que ela tem para nós.<br />
Nós vemos que há hoje uma desproporção<br />
enorme entre as forças da<br />
Revolução e as da Contra-Revolução.<br />
A Revolução se nos afigura como um<br />
poder mundial, avassalador, em comparação<br />
com o qual as forças da Contra-Revolução<br />
se mostram muito menores,<br />
humanamente falando. Daí<br />
decorre para nós uma questão: Qual<br />
é o sentido de nossa luta? Dada essa<br />
desproporção tão grande de forças,<br />
poderemos vencer?<br />
É um problema que muitas vezes,<br />
de modo consciente ou subconsciente,<br />
nos aflorará ao espírito, e esta conferência<br />
é fundamental para resolvê-lo,<br />
porque mostrará que motivos racionais<br />
há para nós, como católicos, termos<br />
a certeza de nossa vitória.<br />
A processividade<br />
da Revolução<br />
Passo à terceira parte da conferência,<br />
na qual provarei a irreversibilidade<br />
da Revolução e, em seguida,<br />
quarta parte, a irreversibilidade da<br />
Contra-Revolução.<br />
Não é possível compreender a irreversibilidade<br />
da Revolução se não<br />
soubermos o que é um processo,<br />
pois ela é processiva.<br />
Observamos na natureza que as<br />
causas, quaisquer que elas sejam,<br />
são de espécies diversas. Algumas<br />
produzem um só efeito e logo morrem.<br />
Por exemplo, se alguém acende<br />
um foguete, vê sair dele uma chama<br />
que se perde no ar e se desfaz. Aquela<br />
causa produziu um efeito, morreu<br />
ao produzi-lo, e o mesmo efeito se<br />
extinguiu pouco depois.<br />
A causa pode produzir vários efeitos<br />
simultâneos, como um fogo de<br />
artifício que lança cinco, dez, vinte<br />
fugazes chamas no ar, e que se apagam<br />
em seguida. Isto não é um processo.<br />
O que chamamos, pois, processo?<br />
O processo é o conjunto de operações<br />
ou fatos desencadeados por<br />
uma sucessão de causas e efeitos; é<br />
uma causa cujo efeito se torna causa<br />
de outros, em cadeia continuada.<br />
Dois tipos de processos:<br />
declínio ou ascensão<br />
Há duas espécies de processos.<br />
Uma é aquela em que a causa produz<br />
efeitos em declínio, os quais tendem<br />
a se extinguir. Um exemplo comum<br />
é o jogo de snooker, o bilhar<br />
norte-americano. Sobre a mesa há<br />
várias bolas e aos cantos as caçapas.<br />
Uma pessoa bate com o taco numa<br />
bola; esta move outra, que move<br />
uma segunda, que move uma terceira.<br />
O impulso recebido pela última<br />
bola é muito mais fraco do que o<br />
inicial, porque a energia vai se extenuando<br />
à medida que passa de uma<br />
bola à outra, até se extinguir. É um<br />
processo, mas em declínio.<br />
Ora, há processos, pelo contrário,<br />
que se dão em ascensão e são frequentes<br />
no que diz respeito à alma<br />
humana, não na ordem física, mas<br />
moral.<br />
Considerem uma pessoa que tem<br />
uma inclinação natural, por exemplo,<br />
atávica, para se embriagar. Ela<br />
toma um primeiro cálice, que desperta<br />
nela todo o seu atavismo erra-<br />
Gabriel K.<br />
16
Florian Albrecht (CC3.0)<br />
Gabriel K.<br />
Almoço no parque - Museu de Belas Artes de Boston<br />
do. O efeito do primeiro cálice é ela<br />
querer tomar um segundo, o qual lhe<br />
dará uma vontade muito maior de se<br />
embebedar; e, assim, cada taça sucessiva<br />
lhe aumentará o vício, resultando<br />
num processo em ascensão,<br />
cuja causa se nutre com seus próprios<br />
efeitos.<br />
Conta-se que certos assassinos<br />
nunca antes pensaram em matar; em<br />
determinado momento, matam pela<br />
primeira vez e ficam eletrizados com<br />
aquela ideia da morte. Cada vez que<br />
comentem um homicídio, querem<br />
matar mais e o processo de corrupção<br />
moral vai em ascensão.<br />
Com todos os vícios e defeitos morais<br />
isso se dá assim: o processo é ascensional.<br />
É evidente que o homem<br />
pode cortá-lo, caso contrário, chegará<br />
ao delírio, à loucura. Mas esta é a<br />
marcha do vício. Ora, esse processo<br />
ascensional ainda não é irreversível.<br />
A marcha viciosa da<br />
Revolução rumo ao<br />
auge de maldade<br />
Diante desse imenso processo da<br />
Revolução, vicioso, ascendente e galopante,<br />
nós nos perguntamos: por<br />
que ele é irreversível? Por que não<br />
se pode evitar que a Revolução chegue<br />
a seus últimos horrores? Ela está<br />
posta no caminho dos horrores e não<br />
voltará mais.<br />
Consideremos esse princípio na<br />
alma de um indivíduo e, depois, na<br />
psicologia de um povo. Quando um<br />
indivíduo se atola demais, por exemplo,<br />
nas drogas, quando esse vício está<br />
quase na última fase, no ponto de<br />
produzir nele os piores horrores, salvo<br />
uma graça excepcionalíssima de<br />
Deus, esse vício não é mais vencível,<br />
individualmente falando. Ele chegará<br />
à degeneração final.<br />
Assim também uma pessoa que<br />
tem o costume de jogar. Os bancos<br />
não emprestam dinheiro a pessoas<br />
com esse mau hábito, e, inclusive,<br />
possuem um sistema de fiscalização<br />
a respeito daqueles que lhes pedem<br />
dinheiro; se são jogadores, eles<br />
negam o crédito. Um banqueiro até<br />
poderia pensar: “Não, mas quem sabe<br />
se ele corta esse vício?” Entra em<br />
questão o “quem sabe”, não é? Porque<br />
o processo normal é que ele não<br />
corte e que o vício vá crescendo e ele<br />
se afunde por completo. Esse é o dinamismo<br />
próprio do vício quando<br />
chega a seu último extremo.<br />
A Revolução é um processo de vícios<br />
que, como está no livro RCR, resulta,<br />
sobretudo, da exacerbação da<br />
sensualidade e do orgulho, que caminham<br />
a galope e levam com facilidade<br />
para o delírio, cada um a seu modo.<br />
Esses vícios de que a Revolução<br />
resulta se tornaram tão profundos<br />
e tão gerais, ela está engajada de tal<br />
maneira que, salvo um milagre, só<br />
pode chegar a seu próprio auge. Não<br />
há outro caminho possível.<br />
A irreversibilidade do<br />
processo revolucionário<br />
na atualidade<br />
Faço uma descrição da conjuntura<br />
contemporânea que prova que a Revolução<br />
está nessa situação, usando a<br />
distinção entre as duas formas de subversão:<br />
a clássica, que se faz através do<br />
progressismo, da Democracia Cristã,<br />
do socialismo e do comunismo; e a neossubversão<br />
hippie-contestatária.<br />
A subversão comunista, no momento,<br />
se realiza em virtude de duas<br />
ordens de fatos. Um é o extraordinário<br />
poder com o qual o comunismo<br />
se manifesta cada vez mais, avançando<br />
por toda parte. Por outro lado,<br />
esse avanço comunista é agravado<br />
pela falta de uma reação contrária.<br />
As duas maiores potências anticomunistas<br />
do mundo, cada uma na<br />
esfera própria, eram há pouco: na<br />
17
Denúncia profética<br />
Vicente Torres<br />
A Revolução - Museu de Política e História da Rússia, São Petersburgo<br />
esfera temporal, os Estados Unidos;<br />
na esfera espiritual, a Igreja.<br />
Os Estados Unidos não só abandonam<br />
a liderança da luta anticomunista,<br />
mas são infiltrados. É um fato notório,<br />
não sofre a mínima discussão, os<br />
próprios norte-americanos o afirmam.<br />
Infelizmente, com sangue jorrando<br />
de nosso coração de católicos,<br />
nós devemos reconhecer que a Igreja<br />
está abandonando a liderança espiritual<br />
da luta anticomunista. É evidente…<br />
A liderança anticomunista<br />
se transformou numa colaboração<br />
com o comunismo. Em traços muito<br />
rápidos, essa é a marcha ascensional<br />
da subversão clássica.<br />
A subversão contestatária hippie<br />
não existe sob a forma de um partido<br />
ou de uma associação definida;<br />
é uma espécie de lepra ou erisipela,<br />
que vai cobrindo todo o corpo da sociedade<br />
contemporânea.<br />
O hippismo não consiste apenas<br />
no fato de que alguns jovens se entregam<br />
à vida hippie, mas é de que<br />
incontáveis moços, que não vivem a<br />
vida hippie, adquirem hábitos e mentalidade<br />
hippies. É uma realidade<br />
universal, não adianta querer fechar<br />
os olhos: começa num lugar e espalha-se<br />
por toda a parte, como mais<br />
ou menos já está acontecendo.<br />
O resultado é que o mundo ocidental<br />
está minado por esse processo,<br />
por duas agressões: uma externa,<br />
do mundo oriental para cá, e outra<br />
– nossa doença interna – que é a<br />
agressão contestatária.<br />
Ora, quando as coisas chegam a esse<br />
extremo, não há razão para esperar<br />
que, da ordem natural das coisas, surja<br />
uma força capaz de segurar isso. Qual<br />
é o fim? É o comunismo, de um modo<br />
ou de outro, seja pela vitória dos russos<br />
ou pela degenerescência interna.<br />
Não tem por onde escapar.<br />
A própria Revolução<br />
já é um castigo<br />
Eu passo a fazer agora uma objeção<br />
contra o meu argumento. Eu estou<br />
provando que a Revolução é irreversível<br />
e que, humanamente falando,<br />
nada mais a segura. Mas, poderíamos<br />
nos perguntar: se os meios naturais<br />
não podem mais segurar a marcha<br />
da Revolução, ela pode ser sustada<br />
por um milagre? Se o milagre é<br />
um fato sobrenatural, que só pode ser<br />
determinado por razões sobrenaturais,<br />
há razões para esperá-lo?<br />
Eu respondo: não há! Por dois<br />
motivos claríssimos.<br />
O primeiro é que Nossa Senhora declarou<br />
em Fátima que, se os homens<br />
não se convertessem de sua imoralidade<br />
e de sua impiedade, o comunismo se<br />
espalharia por todo o mundo. Isto daria<br />
origem a uma grande perseguição,<br />
durante a qual o Papa teria muito que<br />
sofrer. Isso está textual em todas as versões<br />
das revelações de Fátima.<br />
Ora, essas revelações foram feitas<br />
em 1917, pouco antes do término da<br />
Primeira Guerra Mundial. Comparem<br />
a imoralidade daquele tempo com a<br />
de hoje. É um abismo! Como trajes,<br />
costumes, tudo, a decadência que se<br />
operou foi simplesmente prodigiosa.<br />
Comparem o estado da Religião naquele<br />
tempo com o progresso do ateísmo<br />
em nossos dias. Também é um pro-<br />
18
dígio. Então, há de vir o castigo, porque<br />
Nossa Senhora pôs uma condição:<br />
penitência ou castigo. Não houve penitência,<br />
houve agravamento do pecado;<br />
logo, virá o castigo. Mais claro não<br />
pode ser. Assim, já está anunciado que<br />
não haverá o milagre.<br />
Há outra razão também, e essa teológica,<br />
muito profunda. São Tomás,<br />
Santo Agostinho, os grandes Doutores<br />
da Igreja dizem o seguinte: muitas<br />
vezes os homens ruins, os pecadores,<br />
são felizes na Terra, mas depois são<br />
punidos no Inferno. Pelo contrário,<br />
quantas vezes acontece que homens<br />
virtuosos são infelizes na Terra e premiados<br />
no Céu. Todos nós sabemos<br />
disso. Mas, dizem eles que com os povos,<br />
as nações, os países, não acontecerá<br />
como com os indivíduos. E a razão<br />
é muito interessante.<br />
No Céu haverá espanhóis, portugueses,<br />
uruguaios, argentinos, colombianos,<br />
brasileiros, enfim, de todos<br />
os lugares. Mas não haverá um Brasil,<br />
nem um Portugal, nem uma Espanha,<br />
nem uma Argentina, nem um<br />
Uruguai, uma Colômbia. Por quê?<br />
Porque os países são instituições terrenas,<br />
que devem ser premiados ou<br />
castigados na Terra, pelo bem ou mal<br />
que nela fazem. Donde acontece que<br />
essa montanha de pecados cometidos<br />
tem que ser castigada. Qual é o castigo?<br />
É a própria Revolução, o caos, a<br />
explosão para a qual ela caminha.<br />
A Revolução já está no momento<br />
de chegar a seu domínio final sobre<br />
o mundo. Nós caminhamos, portanto,<br />
para uma explosão, porque é um<br />
processo irreversível.<br />
Podemos nos perguntar: por que<br />
a Contra-Revolução é também irreversível?<br />
Até então parece que ela<br />
está esmagada.<br />
Há um princípio histórico o qual<br />
devemos considerar, que é o seguinte:<br />
ao longo da História, muitos povos<br />
foram destruídos, porque levaram<br />
o pecado a um ponto intolerável<br />
para a glória de Deus. Dois exemplos<br />
famosos são o Dilúvio e a dispersão<br />
dos povos na Torre de Babel.<br />
Vemos também tantos outros povos,<br />
como o Império Romano do<br />
Ocidente, o Império Romano do<br />
Oriente. Quando o pecado chega a<br />
um certo auge, a cólera de Deus intervém<br />
e castiga. Essa é a marcha<br />
dos acontecimentos. Logo, Deus<br />
não permitirá que o mundo fique<br />
estavelmente em regime comunista<br />
e contestatário, muito pior do que<br />
Sodoma e Gomorra, pior do que<br />
tudo.<br />
Se é certo que Deus não permitirá<br />
isso, de duas uma: ou vem o<br />
fim do mundo ou deverá vir uma<br />
era que já não tenha todo esse lado<br />
ruim. Daí não se escapa.<br />
Virá o fim do mundo? Há várias<br />
razões para achar que não. Dou<br />
apenas duas: a primeira é o que<br />
Nossa Senhora anunciou em Fátima:<br />
“Por fim, meu Imaculado Coração<br />
triunfará.” Logo, neste contexto,<br />
é certo que o mundo continuará<br />
com o Imaculado Coração<br />
d’Ela triunfando.<br />
Ela poderia ter usado a seguinte<br />
expressão: “Meu Imaculado Coração<br />
vencerá.” Ela diz “triunfará”,<br />
o que transmite uma diferença de<br />
matiz muito acentuada. Um triunfo<br />
é uma vitória insigne muito grande;<br />
Ela anuncia uma vitória com glória,<br />
na qual Ela Se tornará a senhora da<br />
situação. Logo, virá o Reino d’Ela,<br />
Flávio Lourenço<br />
Flávio Lourenço<br />
A promessa da Rainha<br />
dos Céus afirma a<br />
irreversibilidade do bem<br />
Acima, a Torre de Babel - Museu de São Pedro, Salzburgo, Áustria.<br />
Abaixo, embarque na Arca de Noé - Igreja de São Maurício, Milão.<br />
19
Denúncia profética<br />
Flávio Lourenço<br />
Roubo em uma igreja, em 1793 - Museu<br />
da Revolução Francesa, França<br />
porque não se compreende que Ela<br />
vença sem ser Rainha.<br />
Quem sabe analisar a mensagem<br />
de Fátima vê que nela está afirmada<br />
a vitória do comunismo, a generalização<br />
e a derrota dele, e prognosticado<br />
o Reino de Maria.<br />
Ante a efêmera<br />
vitória do mal, e o<br />
triunfo do Imaculado<br />
Coração de Maria<br />
Em segundo lugar, há uma regra<br />
de sabedoria natural que está nesta<br />
linha. Tomem um homem, por exemplo,<br />
o que matou Santa Maria Goretti,<br />
menina italiana de 11 anos. Sabe-<br />
-se, que ele, depois do crime, se converteu<br />
e fez a única coisa que lhe cabia<br />
fazer: saindo da prisão, tornou-se<br />
frade. Porque as grandes conversões<br />
levam para a santidade e não para a<br />
mediocridade.<br />
Se o mundo não deve acabar, a<br />
parcela da humanidade que restar<br />
após o castigo terá de se<br />
converter; essa conversão<br />
só pode ser muito radical.<br />
Logo, a maldade tem<br />
que ser substituída por<br />
uma grande virtude e este<br />
é mais um motivo que<br />
afirma a vinda do Reino<br />
de Maria e não o fim do<br />
mundo.<br />
Há ainda uma outra razão<br />
para nós julgarmos<br />
que o mundo não acabará<br />
e que, pelo contrário, vai<br />
dar lugar a uma grande<br />
conversão: no mundo de<br />
hoje a maldade é, sobretudo,<br />
das cúpulas podres.<br />
Há muitos que se deixam<br />
arrastar e aderem à Revolução<br />
por certa debilidade.<br />
É evidente que, em<br />
atenção a estes, não venha<br />
o fim do mundo, pois<br />
se não são tão culpados,<br />
compreende-se que não sejam exterminados.<br />
É natural: onde menor é o<br />
pecado, menor há de ser o castigo.<br />
Assim, temos demonstrada de um<br />
lado a vitória do comunismo e, de<br />
outro, a vitória de Nossa Senhora.<br />
Mas, entre uma e outra, o que restará?<br />
Há uma espécie de contradição<br />
naquilo que eu digo. Porque de<br />
um lado eu digo que tem que vir um<br />
grande castigo e depois eu digo que<br />
a humanidade vai continuar. Então,<br />
como será esse castigo? Quem será<br />
castigado?<br />
Muitos têm que ser exterminados.<br />
E a mensagem de Fátima diz isto:<br />
“Várias nações serão aniquiladas…”<br />
1 Provavelmente, os incorrigíveis<br />
vão ser eliminados. Como será<br />
isto? É possível que haja uma guerra;<br />
vem pelo meio algum castigo misterioso<br />
e que não seja só uma guerra;<br />
vai se misturar talvez com ela e vai<br />
colher os incorrigíveis para eliminá-<br />
-los. Se nações inteiras têm que ser<br />
exterminadas, ou haverá uma guerra<br />
ou haverá um castigo misterioso que<br />
os extirpará. Uma epidemia terrível,<br />
algo que não sabemos o que será.<br />
Quais são as nações a serem exterminadas?<br />
As mais pecadoras, é<br />
evidente. E se elas serão exterminadas,<br />
em outras nações apenas os<br />
maiores pecadores serão exterminados,<br />
porque vai ser a caça ao pecado.<br />
O que restará? O que for mais<br />
limpo, mais branco, mais luminoso.<br />
Ou, ao menos, menos hediondo, menos<br />
sujo, menos escuro. Temos, então,<br />
o grande caos, o grande entrechoque<br />
que fará a transição entre a<br />
derrota da Revolução e a vitória do<br />
Reino de Maria.<br />
Uma demonstração<br />
irrefutável para<br />
almas com fé<br />
Minha demonstração está concluída,<br />
eu apenas a repito.<br />
Eu provei que a Revolução é irreversível<br />
e, por ser ela irreversível, ou<br />
o mundo acaba – e ele não vai acabar<br />
– ou a Contra-Revolução triunfa<br />
e domina o mundo, e isto é forçoso.<br />
De que maneira a Contra-Revo-<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em julho de 1971<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
20
lução domina? Pela intervenção de<br />
um grande castigo que liquida o poder<br />
dos maus e pela luta dos bons<br />
que vencem em nome de Maria.<br />
Fica, portanto, prognosticado que<br />
um punhado de bons lutará até nas<br />
piores ocasiões e levantará o estandarte<br />
de Nossa Senhora durante a batalha.<br />
E estes, que por enquanto são<br />
muito pouco numerosos em vista da<br />
massa imensa da Revolução, têm de<br />
seu lado o curso dos acontecimentos,<br />
porque o mal caminha forçosamente<br />
para a sua própria morte e aniquilação;<br />
ele se destrói a si próprio.<br />
É como uma doença. Quando ela<br />
tem livre curso num organismo, mata<br />
o doente. Ora, matando-o, morre<br />
ela mesma. O câncer mata o canceroso,<br />
mas a morte dele é a morte<br />
do próprio câncer. Assim é o mal: na<br />
sua evolução ele se destrói a si próprio.<br />
E então, o único que fica são<br />
aqueles que tiverem sido fiéis. Um<br />
número pequeno, insignificante, que<br />
continua valente e imperturbavelmente<br />
a lutar.<br />
Na luta de todos os dias, quiçá nos<br />
perguntaremos várias vezes sobre<br />
essas questões, sobretudo à medida<br />
que a Revolução for crescendo e parecendo<br />
incontenível. Eu quereria<br />
que esta conferência fosse uma demonstração<br />
sem literatura, sem floreio,<br />
mas irrecusável para o homem<br />
que tenha fé.<br />
A recompensa do<br />
batalhador de Maria<br />
Foi-nos dado o lindo papel de sermos<br />
abençoados por Nossa Senhora,<br />
escolhidos dentre milhões, aqueles<br />
que agora não cedem e não transigem<br />
em nada, não recuam diante<br />
de nenhuma luta, não têm medo de<br />
nenhum sacrifício e querem ter todas<br />
as dedicações e todos os heroísmos.<br />
Aqueles que estão dispostos a<br />
ser cada vez mais dedicados, à medida<br />
que a luta for se tornando mais<br />
feroz. Aqueles para quem vai ser um<br />
prêmio incomensurável atravessar<br />
os acontecimentos e encontrar no<br />
outro lado o Reino de Maria.<br />
Nossa Senhora sorrindo nos dirá<br />
aquelas palavras de Deus a Abrão:<br />
“Serei Eu mesmo a vossa recompensa<br />
demasiadamente grande” (cf.<br />
Gn 15,1). A nossa luta é difícil, árdua,<br />
ela é terrível, mas Ela há de ser<br />
nossa recompensa demasiadamente<br />
grande. A única recompensa? Não!<br />
Aqueles que abandonam tudo por<br />
amor a Ela já recebem o cêntuplo<br />
nesta vida, no ato da renúncia. Trabalhamos,<br />
lutamos, enquanto outros<br />
se divertem. Somos perseguidos, atacados,<br />
contestados por um mundo<br />
em desagregação que não nos compreende,<br />
porque não nos quer compreender.<br />
Mas trazemos conosco,<br />
desde já, um prêmio que vale mais<br />
do que todo o resto: a paz de consciência,<br />
a tranquilidade da verdade conhecida,<br />
da causa certa adotada, da<br />
vida entregue à sua verdadeira finalidade<br />
e que segue o seu rumo.<br />
Que Nossa Senhora nos mantenha<br />
na luta contra os seus inimigos,<br />
com essa paz de alma interior, à espera<br />
do Reino d’Ela! v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 14/7/1971)<br />
1) IRMÃ LÚCIA. Memórias I. Quarta<br />
Memória, c.II, n.5. 13.ed. Fátima: Secretariado<br />
dos Pastorinhos, 2007, p.177.<br />
Angelo Ovelha<br />
21
Flávio Lourenço<br />
C<br />
alendário<br />
1. Sete santos varões apostólicos,<br />
bispos (†data inc.). Segundo a tradição,<br />
os sete varões apostólicos foram<br />
discípulos do Apóstolo São Tiago<br />
Maior, enviados por São Pedro e<br />
São Paulo para evangelizar a Hispânia,<br />
sendo cada um bispo de uma sede.<br />
São eles: Torcato, bispo de Guádix;<br />
Ctesifonte, em Berja; Segundo,<br />
em Ávila; Indalécio, em Almeria; Cecílio,<br />
em Elvira (Granada); Hesíquio,<br />
em Carcesa e Eufrásio, em Andújar.<br />
2. Santo Atanásio, bispo e Doutor<br />
da Igreja (†373).<br />
Beato Guilherme Tirry, presbítero<br />
e mártir (†1654). Agostiniano, por<br />
perseverar fiel à Igreja Romana, foi<br />
martirizado sob o governo de Oliver<br />
Cromwel, em Clonmel, Irlanda.<br />
3. São Filipe e São Tiago Menor,<br />
Apóstolos (†séc. I).<br />
Santo Ansfredo, bispo (†1008). Filho<br />
de uma nobre família, seguiu primeiro<br />
a carreira militar e depois encetou<br />
a via clerical.<br />
4. Beato Ladislau de Gielniow,<br />
presbítero (†1505). Religioso fran-<br />
Beato Forte Gabriélli<br />
dos Santos – ––––––<br />
ciscano falecido em Varsóvia, pregou<br />
com zelo a Paixão de Nosso Senhor e<br />
compôs piedosos hinos em seu louvor.<br />
5. VI Domingo da Páscoa.<br />
São Mauronto, abade e diácono<br />
(†702). Discípulo de Santo Amando.<br />
6. Beatos Henrique Kaczorowski<br />
e Casimiro Gostynski, presbíteros e<br />
mártires (†1942). Deportados da Polônia<br />
na ocupação militar, foram levados<br />
para o campo de concentração de Dachau,<br />
Alemanha, onde foram intoxicados<br />
numa câmara de gás mortífero.<br />
7. São Cenerico, diácono e monge<br />
(†séc. VII). Depois de visitar os sepulcros<br />
de São Martinho de Tours e São<br />
Julião de Le Mans, abraçou uma vida<br />
de solidão e austeridade.<br />
Santa Rosa Veneríni, virgem<br />
(†1728). Em Viterbo, juntamente<br />
com as Piedosas Mestras, abriu as primeiras<br />
escolas na Itália para a instrução<br />
da juventude feminina.<br />
8. Santo Acácio, soldado e mártir<br />
(†303). Militar romano, natural da<br />
Capadócia, decapitado em Bizâncio<br />
durante a perseguição de Diocleciano.<br />
Constantino, o Grande, construiu<br />
uma igreja em sua honra.<br />
9. Beato Forte Gabriélli, eremita<br />
(†1040). Proveniente de Gubbio, comuna<br />
italiana, após viver muitos anos<br />
a vida eremítica, ingressou no mosteiro<br />
camaldulense de Fonte Avellana, na<br />
Úmbria, sendo nessa comunidade contemporâneo<br />
de São Pedro Damião.<br />
10. São João de Ávila, presbítero e<br />
Doutor da Igreja (†1569).<br />
Beata Beatriz d’Este, virgem<br />
(†1226). Fundou o mosteiro de Gêmmola<br />
nas colinas Eugâneas e, no breve<br />
tempo da sua vida monástica, percorreu<br />
um caminho árduo de santidade.<br />
11. Beatos João Rochester e Jaime<br />
Walwort, presbíteros e mártires<br />
Beata Joana de Portugal<br />
(†1537). Monges da Cartuxa de Londres.<br />
Durante o reinado de Henrique<br />
VIII, por perseverarem fiéis à<br />
Igreja, foram suspensos por cadeias<br />
nas ameias da cidade de York, até a<br />
morte.<br />
12. Solenidade da Ascensão do Senhor.<br />
Beata Joana de Portugal, virgem<br />
(†1490). Filha do rei Afonso V, renunciou<br />
à via matrimonial, aspirando<br />
ser religiosa. Serviu a Deus na Ordem<br />
dos Pregadores e depois de uma<br />
vida de extraordinária piedade, morreu<br />
no mosteiro dominicano de Aveiro,<br />
em Portugal.<br />
13. Nossa Senhora de Fátima (1917).<br />
Beata Madalena Albríci, abadessa<br />
(†1834). Ainda jovem, professou na<br />
Ordem Agostiniana em Brunate, na<br />
província de Como; reconhecida por<br />
suas virtudes, foi eleita abadessa, cargo<br />
no qual estimulou de modo eminente<br />
o fervor das irmãs religiosas.<br />
14. São Matias, Apóstolo (†séc. I).<br />
São Galo, bispo (†551). Varão humilde<br />
e pacífico, foi tio paterno de<br />
São Gregório de Tours.<br />
Flávio Lourenço<br />
22
––––––––––––––––––– * Maio * ––––<br />
15. Santo Aquileu, bispo (†séc. IV).<br />
Cognominado o Taumaturgo, tomou<br />
parte no primeiro Concílio Ecumênico<br />
de Niceia e, animado de grande zelo<br />
apostólico, evangelizou vários povos<br />
pagãos.<br />
16. Beato Vital Vladimiro Bajrak,<br />
presbítero e mártir (†1946). Nascido<br />
em Ternopil, Ucrânia, aos quinze<br />
anos entrou na Ordem Basiliana de<br />
São Josafat. Com a implantação do<br />
regime soviético, escreveu um artigo<br />
denunciando a perseguição religiosa,<br />
fato pelo qual foi detido e levado para<br />
um campo de concentração, onde, pelo<br />
combate da fé, alcançou o fruto da<br />
vida eterna.<br />
17. Santo Adrião, mártir (†c.<br />
séc. IV). Martirizado em Alexandria,<br />
no Egito.<br />
Beatos Joaquim Mine Sukedayu,<br />
Paulo Nishida Kyuhachi e companheiros,<br />
mártires (†1627). Em Unzen,<br />
no Japão.<br />
18. São João I, Papa e mártir (†526).<br />
Enviado pelo rei ariano Teodorico ao<br />
imperador Justino de Constantinopla,<br />
foi o primeiro Pontífice Romano a celebrar<br />
o sacrifício pascal naquela igreja;<br />
no regresso de Constantinopla, foi<br />
recebido de forma indigna pelo mesmo<br />
Teodorico e metido no cárcere.<br />
Morreu em Ravena, na Emília-Romanha,<br />
como vítima de Cristo Senhor.<br />
19. Solenidade de Pentecostes.<br />
20. São Bernardino de Sena, presbítero<br />
(†1444).<br />
Beata Josefa (Hendrina Stenmanns),<br />
virgem (†1903). Co-fundadora<br />
da Congregação das Irmãs Missionárias<br />
Servas do Espírito Santo,<br />
em Steyl, Holanda.<br />
21. São Cristóvão Magalhães,<br />
presbítero, e companheiros, mártires<br />
(†1927).<br />
Beatos Manuel Gómez González,<br />
presbítero, e Adílio Da Ronch, mártires<br />
(†1924). Sacerdote espanhol e pároco<br />
de Soledade e Nonoai, municípios<br />
do Rio Grande do Sul. Enquanto<br />
visitava as capelas da região junto<br />
com o seu coroinha Adílio, foram assassinados<br />
por revolucionários armados<br />
na localidade de Feijão Miúdo.<br />
22. Santa Rita de Cássia, religiosa<br />
(†1457).<br />
Santa Júlia, virgem e mártir (†data<br />
inc.). Venerada na ilha da Córsega,<br />
sendo padroeira dessa localidade.<br />
23. Santo Esperança (ou Exuperâncio),<br />
abade (†c. 517). Religioso do<br />
convento de Campi, na Itália central,<br />
contraiu cegueira na juventude, suportando<br />
esse infortúnio com paciência<br />
e mansidão. Tornou-se abade e<br />
exerceu o encargo com santidade.<br />
24. Nossa Senhora Auxiliadora dos<br />
Cristãos (1816).<br />
Beata Joana (†séc. I). Esposa de<br />
Cuza, procurador de Herodes, juntamente<br />
com outras mulheres, serviam<br />
Santo Acácio<br />
Flávio Lourenço<br />
Jesus e os Apóstolos; no dia da Ressurreição<br />
do Senhor estava entre as<br />
que encontraram a pedra do túmulo<br />
removida e O anunciaram aos discípulos.<br />
25. São Dionísio Ssebuggwawo,<br />
mártir (†1886). Aos dezesseis anos de<br />
idade, por ter instruído dois pajens<br />
da corte nos rudimentos da religião<br />
cristã, foi degolado pelo próprio rei<br />
Mwanga, em Uganda, África.<br />
26. Solenidade da Santíssima Trindade.<br />
São Filipe Néri, presbítero (†1595).<br />
27. Santo Agostinho de Cantuária,<br />
bispo (†604/605).<br />
São Restituto, mártir (†c. séc. IV).<br />
28. Santa Helicônides, mártir (†séc.<br />
III). No tempo do imperador Gordiano,<br />
sob a jurisdição do governador Perênio<br />
e do seu sucessor Justino, depois<br />
de suportar muitos tormentos, consumou<br />
seu martírio sendo decapitada.<br />
Beato Herculano de Piegaro, presbítero<br />
(†1451). Pertencia à Ordem<br />
Franciscana, foi exímio pregador e<br />
resplandeceu pela austeridade de vida<br />
e teve reputação de taumaturgo.<br />
29. Beato José Gerard, presbítero<br />
(†1914). Missionário dos Oblatos de<br />
Maria Imaculada, pregou o Evangelho<br />
incansavelmente em regiões da África<br />
Austral.<br />
30. Solenidade do Santíssimo Corpo<br />
e Sangue de Cristo.<br />
31. Visitação de Nossa Senhora.<br />
Santa Camila Baptista de Varano,<br />
abadessa (†1524). Após uma juventude<br />
frívola converteu-se, ingressando<br />
na vida religiosa. Tornou-se abadessa<br />
de um mosteiro de clarissas fundado<br />
por seu pai, onde experimentou<br />
grandes tribulações e também consolações<br />
místicas.<br />
23
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Gabriel K. Tomas T.<br />
Um padroeiro para<br />
A<br />
aparição de Nossa Senhora<br />
de Fátima foi muitas vezes<br />
comentada entre nós.<br />
Mas, dentro dos riquíssimos pormenores<br />
deste assunto, não poderíamos<br />
encontrar mais algum fato que servisse<br />
para nossa edificação espiritual?<br />
Há um fato muito interessante e<br />
que pode nos servir.<br />
Os graus de interlocução<br />
Numa interlocução com alguém,<br />
podemos considerar três graus. O<br />
grau mais perfeito é quando vemos<br />
os imperfeitos<br />
Francisco Marto é um modelo da esperança para<br />
todos aqueles que não se sentem bastante fiéis. É um<br />
padroeiro para os imperfeitos, para os que poderiam<br />
se desesperar por estarem tristes consigo.<br />
o interlocutor, ouvimos e falamos<br />
com ele. Há um segundo grau, menos<br />
perfeito, em que vemos e ouvimos<br />
o interlocutor, mas não falamos.<br />
E há um terceiro grau, menos perfeito<br />
ainda, quando só vemos, não ouvimos<br />
nem falamos. Estes são os três<br />
graus decrescentes de uma interlocução.<br />
Ora, a Santíssima Virgem, em Fátima,<br />
teve esses três graus de interlocução.<br />
Porque Lúcia A viu, ouviu-A e<br />
falou com Ela, tendo a plenitude do<br />
contato com Nossa Senhora. Jacinta<br />
A viu e A ouviu, mas não falou com<br />
Ela, apenas presenciou. Francisco<br />
não ouvia nem falava, apenas via.<br />
Nossa Senhora estava descontente<br />
com algumas imperfeições dele.<br />
Por causa disso, sem lhe cancelar o<br />
inestimável dom de participar das visões,<br />
barrou-lhe dois pontos: ele não<br />
pôde ouvi-La nem falar com Ela.<br />
Durante essas visões, Francisco<br />
se converteu. Não quer dizer que<br />
ele fosse um pervertido, mas era relaxado<br />
e estava em condições menos<br />
perfeitas. Entretanto, Nossa Senhora<br />
teve pena dele, converteu-o; ele<br />
se tornou um menino exemplar, pediu<br />
muito perdão por todas as imperfeições<br />
que teve e morreu como<br />
um santo.<br />
Um ensinamento de<br />
vida espiritual<br />
Não me recordo dos pormenores<br />
da conversão dele, mas me lembro<br />
que, quando a li, fiquei impressionado<br />
e em meu espírito veio a<br />
seguinte ideia – eu ainda era muito<br />
moço naquele tempo: “Será mesmo<br />
possível uma pessoa mudar tan-<br />
24
to quanto ele? Há conversões, afervoramentos<br />
assim?” Estou falando<br />
intencionalmente em conversão de<br />
afervoramento. Francisco era uma<br />
pessoa pouco fervorosa por alguns<br />
aspectos e se tornou depois muito<br />
fervoroso.<br />
Um esquema da vida espiritual de<br />
Francisco: primeiro, grande chamado;<br />
segundo, correspondência medíocre;<br />
terceiro, imensa misericórdia,<br />
não foi barrado; quarto: entretanto,<br />
não deixou de perder algo; quinto:<br />
Nossa Senhora depois lhe deu tudo,<br />
porque ele se uniu a Ela no Céu como<br />
se tivesse sido fiel durante todo o<br />
tempo. Estas são as cinco notas dominantes<br />
da vida de Francisco.<br />
Há uma outra nota colateral a essas<br />
e que é o melhor sorriso de Nossa<br />
Senhora, porque isso tudo indica<br />
a sua misericórdia: aos que Ela chama,<br />
e que não sejam, talvez, bastante<br />
fervorosos, Ela pede uma plena entrega.<br />
E, apesar de ser a Mãe da misericórdia,<br />
Ela não é nem um pouco<br />
mole.<br />
Punido, mas não excluído<br />
Pode-se imaginar tudo quanto<br />
Francisco perdeu em não ouvir Nossa<br />
Senhora, em não poder falar com<br />
Ela? Ouvir o seu timbre de voz… O<br />
que é receber na alma as mil graças<br />
através do timbre de voz da Mãe de<br />
Deus?<br />
Para dar uma pálida ideia, imaginem<br />
qual a infelicidade de um homem<br />
que nunca ouviu música sacra,<br />
apenas profanas. Como seria de horizontes<br />
limitados! É muito melhor<br />
ter ouvido somente música eclesiástica<br />
e nunca todas as profanas, a ter<br />
ficado privado na sua alma do conhecimento<br />
desse valor maravilhoso<br />
que é a Igreja cantando. Pois bem, se<br />
o canto da Igreja tem tanta expressão<br />
e faz tão bem à alma, o que pode<br />
fazer para a alma o timbre de voz<br />
de Nossa Senhora? Ele traz consigo<br />
a modulação de todas as virtudes<br />
imagináveis, num grau muito maior<br />
do que se pode ou se possa<br />
imaginar!<br />
Vê-se, portanto, a enorme<br />
perda que Francisco teve.<br />
É natural, é legítimo sermos<br />
mais sensíveis à ideia da privação<br />
de ver Nossa Senhora. Porque<br />
ver é mais cognoscitivo do que ouvir,<br />
debaixo de certo ponto de vista.<br />
Mas, por tudo quanto se perde não<br />
vendo, pode-se calcular algum tanto<br />
do que se perde não ouvindo. Ele<br />
foi punido, mas com quanta maternal<br />
bondade! Ele podia ser excluído<br />
e, entretanto, lhe foi dada aquela<br />
maravilha: ver! E recebeu as graças<br />
enormes decorrentes do ver. Mais<br />
ainda: no ver, ele se converteu; no<br />
se converter, ele amou plenamente e<br />
alcançou a graça das graças de uma<br />
plena fidelidade e da morte perfeita.<br />
Ele obteve a graça da santidade.<br />
Como Francisco, também<br />
serei perdoado!<br />
Nisso, que foi como uma lágrima<br />
de Nossa Senhora, brilhou um sorriso.<br />
Francisco foi o padrão, o modelo,<br />
o exemplo da esperança de todos<br />
aqueles que, chamados, não se sentem<br />
bastante fiéis; têm preocupação<br />
quanto à fidelidade que tenham tido<br />
e têm medo do dia no qual a Providência<br />
baterá à porta de suas almas,<br />
e eles também não verem ou não estarem<br />
presentes.<br />
Nossa Senhora constitui assim,<br />
para os imperfeitos, um padroeiro<br />
cuja oração é a esperança daqueles<br />
que poderiam se desesperar por estarem<br />
tristes consigo. Aquele que<br />
foi chamado e foi infiel, em parte<br />
foi punido, em parte, entretanto,<br />
foi aceito, convertido e chamado ao<br />
Céu, tornando-se um ânimo para os<br />
que estivessem nas mesmas condições<br />
dele na Terra.<br />
Assim, se alguns se encontram na<br />
situação de Francisco têm todas as<br />
razões para bater no peito, e no dia<br />
de Nossa Senhora de Fátima, pedir-<br />
Lhe, por meio desse vidente, que ponha<br />
na nossa alma uma esperança viva:<br />
como ele, também eu poderei ser<br />
perdoado!<br />
Maria Santíssima deu-me a glória,<br />
a mercê de ser devoto d’Ela e de conhecer<br />
a Causa contrarrevolucionária.<br />
Eu vi, mas – hélas! – ouvi menos<br />
do que deveria? Será que a voz da<br />
graça eu ouvi com alguma surdez?<br />
Que Nossa Senhora me cure dessa<br />
surdez, para aproveitar inteiramente<br />
a presença e o calor daquilo que me<br />
foi dado ver; para ser, eu também,<br />
perdoado por completo; para ser fiel<br />
nos dias dos castigos preditos por Ela<br />
em Fátima, como Francisco o foi no<br />
momento da morte. Para ser um santo<br />
como ele e rezar no Céu por todos<br />
aqueles que, à maneira minha e à maneira<br />
dele, se arrastam e cambaleiam<br />
pelos caminhos da fidelidade, até o<br />
momento de a Mãe de misericórdia<br />
ter pena de nós.<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 13/5/1970)<br />
Luis C. R. Abreu<br />
25
Hagiografia<br />
Integridade e vigilância<br />
Utrecht<br />
Rijksmuseum,<br />
Países Baixos<br />
Joost Cornelisz <strong>Dr</strong>oochsloot(CC3.0)<br />
O perfil da alma de Santo Ansfredo foi<br />
completo. Conheceu todas as condições<br />
sociais e todos os cenários da vida,<br />
sendo capaz de renunciar a tudo. Ao<br />
aceitar o episcopado, transformou-se<br />
num homem da Igreja e governou sua<br />
diocese com todo o ardor de um homem<br />
de guerra. Humilde e despretensioso,<br />
foi sempre vigilante contra si mesmo.<br />
Medvedev(CC3.0)<br />
Santo Ansfredo, Conde de Lovaina<br />
e Bispo de Utrecht, nasceu<br />
da ilustre família dos condes<br />
de Lovaina e de Brabante. Foi<br />
educado como exigia a nobreza de seu<br />
nascimento, por Robert, Arcebispo de<br />
Trèves, seu tio paterno, na carreira das<br />
armas, a qual abraçou muito cedo.<br />
Distinguiu-se não só pela inteligência,<br />
mas ainda por sua brilhante coragem<br />
e uma fidelidade exemplar aos deveres<br />
de sua posição.<br />
Como era também muito bem instruído<br />
nas leis divinas e humanas, tinha<br />
uma grande autoridade, seja nos<br />
julgamentos, seja nas dietas ou nas assembleias.<br />
As pessoas ignorantes, vendo<br />
que ele passava suas horas de descanso<br />
embebido na leitura, diziam<br />
que levava uma vida de monge.<br />
O nome do conde inspirava tão<br />
grande confiança no Imperador Oto,<br />
o Grande, que este, indo a Roma, encarregou-o<br />
de velar pela sua pessoa<br />
com a espada na mão, enquanto fazia<br />
suas orações nas Confissões dos<br />
Apóstolos. Depois, sob a ordem de<br />
Oto e de seus sucessores, tomou par-<br />
Imperador Oto, o Grande - Museu de<br />
História de Hamburgo, Alemanha<br />
26
Joseph Anton Settegast(CC3.0)<br />
Oto III<br />
te considerável no governo do império,<br />
em todas as guerras da época e, sobretudo,<br />
na repressão das desordens que<br />
assolavam Brabante.<br />
Santo Ansfredo usou de suas grandes<br />
riquezas para fundar, de acordo<br />
com sua esposa, a célebre Abadia de<br />
Thorn, onde sua filha, Santa Benedita,<br />
foi a primeira abadessa.<br />
A esposa do Conde para ali se retirou,<br />
morrendo santamente. Sentindo-se<br />
então livre, o Conde de Lovaina<br />
abraçou a vida monástica,<br />
mas Oto III encarregou-o do bispado<br />
de Utrecht tendo morrido o bispo<br />
anterior. Ele não queria aceitar<br />
alegando sua idade e o fato de ter<br />
passado a sua vida na carreira das<br />
armas.<br />
Enfim, não podendo resistir à insistência<br />
do Imperador, o piedoso cavaleiro<br />
desembainhou sua espada e a<br />
depositou no altar de Nossa Senhora<br />
em Aix-la-Chapelle, dizendo: “Até<br />
o presente, empreguei minha honra<br />
e meu poder temporal contra os inimigos<br />
dos pobres de Cristo; de agora<br />
em diante, confio à minha Santa<br />
Soberana Virgem Maria, a guarda e<br />
a salvação de minha alma.” Ouvindo<br />
pronunciar estas palavras, aquele<br />
que ouviu pôs-se a chorar agradecendo<br />
a Deus por ter concedido à sua<br />
Igreja um tão digno prelado. A Mãe<br />
de Deus, de fato, concedeu-lhe numerosas<br />
graças para que conduzisse<br />
seu rebanho com inteligência, zelo e<br />
piedade.<br />
Cego no fim de sua vida, nunca<br />
perdeu a serenidade de seu semblante,<br />
antes, porém, retirou-se para<br />
um mosteiro entregando-se à disciplina<br />
e à austeridade. Fazia-se flagelar<br />
por seu superior todas as vezes que regressava<br />
de um concílio ou dieta onde<br />
brilhara por sua sabedoria e doutrina.<br />
Esgotado pela idade e pelos trabalhos<br />
de uma vida tão ativa e laboriosa,<br />
já estava em seu leito de morte quando<br />
o Senhor se dignou devolver-lhe a<br />
visão. Então ele disse aos que o rodeavam:<br />
“No Senhor é que se encontra<br />
a única luz que nunca se apagará jamais.”<br />
Estas foram suas últimas palavras.<br />
Quando o transportaram de<br />
Thorn a Utrecht, um perfume delicioso<br />
espalhou-se pela estrada e não deixava<br />
o caixão deste poderoso do século,<br />
deste servidor de Cristo, cuja vida<br />
exalara inestimável perfume da humildade<br />
e da caridade.<br />
Alupus (CC3.0)<br />
Igreja da Abadia de Thorn<br />
27
Hagiografia<br />
O sacerdote deve ser<br />
um homem íntegro<br />
Trata-se aqui de um fato digno<br />
de nossa atenção: um arcebispo da<br />
Igreja, sendo antes um grande homem<br />
do século, teve depois as qualidades<br />
opostas aos defeitos tão frequentes<br />
nos homens eclesiásticos.<br />
Eu sustento a tese – hoje se tornou<br />
uma verdade esquecida – que<br />
para ocupar um cargo eclesiástico,<br />
seja ele grande ou pequeno, é preciso<br />
ter todas as qualidades distintivas<br />
de um homem capaz de se realçar na<br />
vida temporal. Um grande bispo ou<br />
abade, um cônego ilustre, um pároco<br />
zeloso, o mínimo coadjutor de aldeia,<br />
deve ter as qualidades à altura<br />
de seu sacerdócio, deve colocar a<br />
serviço dele a capacidade de trabalho<br />
igual à que o comerciante mais<br />
ganancioso emprega para ganhar dinheiro.<br />
Ele deve ser zeloso<br />
pela glória de Deus como<br />
o político mais vaidoso<br />
de sua própria glória.<br />
Deve ser arguto pelos interesses<br />
da Igreja como o<br />
diplomata mais esperto é<br />
arguto no exercício de sua<br />
missão; ou um policial<br />
mais destro, mais habituado<br />
ao seu ofício, é arguto<br />
na missão de polícia.<br />
O clérigo não deve ser<br />
considerado um homem<br />
com algo a menos do que<br />
os outros, mas deve ser de<br />
uma estatura maior, do<br />
ponto de vista da hombridade<br />
de espírito, do que<br />
o comum dos homens do<br />
ambiente no qual ele se<br />
move.<br />
Essa é a verdadeira fisionomia<br />
do verdadeiro<br />
sacerdote. Eu compreendo<br />
que inclusive as imagens<br />
sulpicianas deformam<br />
essa visão, mas nós<br />
temos aqui o exemplo de<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
um grande arcebispo, um grande<br />
Santo que realizou essa figura, como<br />
tantos outros arcebispos, bispos,<br />
abades e sacerdotes canonizados pela<br />
Igreja. Esse Santo foi um grande<br />
guerreiro que, naquela época de<br />
guerra, tornou-se célebre por cima<br />
de todos os outros guerreiros de seu<br />
tempo e mereceu do Imperador uma<br />
honraria especial, da qual precisaríamos<br />
calcular bem o alcance debaixo<br />
de dois pontos de vista: o simbólico<br />
e o prático.<br />
Naquela época, havia uma espécie<br />
de terrorismo à arma branca; as<br />
lutas entre famílias e feudos eram<br />
muito numerosas, pois era o resto<br />
da selvageria bárbara que a Igreja<br />
ainda não tinha conseguido amansar<br />
por completo. Nestas condições,<br />
o Imperador e os grandes do mundo<br />
viviam sempre cercados de guardas<br />
que não tinham a missão protocolar<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma conferência em 1971<br />
dos guardas da Rainha da Inglaterra,<br />
por exemplo, mas tinham, de fato,<br />
de proteger o rei, o imperador, o nobre,<br />
contra um atentado que, a qualquer<br />
momento, poderia se dar.<br />
Para essa missão, os soberanos<br />
não escolhiam só os mais eficazes,<br />
mas, dentre os mais eficazes, escolhiam<br />
os que queriam honrá-lo, porque<br />
era uma honra servir o soberano.<br />
E então, numa ocasião muito<br />
honrosa, quando Oto I, Imperador<br />
do Sacro Império, estava venerando<br />
a sepultura dos Apóstolos em Roma,<br />
quis que Santo Ansfredo ficasse junto<br />
dele de espada na mão. Era uma<br />
honra conferida a um guerreiro insigne.<br />
Ele era realmente um homem<br />
virtuoso.<br />
Despretensão e aceitação<br />
inteira da vontade de Deus<br />
Por outro lado, Santo<br />
Ansfredo não quis ficar<br />
arcebispo, mas ele era<br />
tão piedoso, tão devoto,<br />
que os seus súditos – era<br />
senhor feudal – achavam<br />
que ele vivia como monge;<br />
e o Imperador, tendo<br />
vagado uma importante<br />
diocese, conferiu-lhe o<br />
governo desta. Era o tempo<br />
em que os imperadores<br />
indicavam, propunham<br />
os nomes aos Papas<br />
e estes nomeavam sempre<br />
que o candidato era digno,<br />
de maneira que a designação<br />
daquele homem<br />
pelo Imperador já equivalia<br />
a uma nomeação, apesar<br />
de não jurídica.<br />
Santo Ansfredo recusou-se<br />
dizendo ser indigno,<br />
mas, a partir do momento<br />
em que aceitou,<br />
ele se transformou num<br />
homem de Igreja, que<br />
não amoleceu nem se desengomou<br />
de repente,<br />
28
mas continuou na direção<br />
da diocese com<br />
todo o calor e todo o<br />
fogo de um homem de<br />
guerra. Esse foi o perfil<br />
da alma deste Santo.<br />
Flávio Lourenço<br />
Nunca se deter<br />
para pensar<br />
naquilo que se<br />
fez de bom<br />
Quanta vigilância é<br />
necessária para que a<br />
pessoa não caia no pecado<br />
de vaidade! Essa<br />
vigilância corresponde<br />
à seguinte pergunta:<br />
se eu fiz uma determinada<br />
coisa e volto<br />
contente, eu tomo o<br />
cuidado de não pensar<br />
mais naquilo que eu<br />
fiz? Porque é impossível<br />
pensar numa coisa que eu tenha<br />
feito bem, sem me comprazer naquilo.<br />
É como um homem olhar, por<br />
exemplo, para uma estampa imoral<br />
e não se comprazer nela. É praticamente<br />
impossível.<br />
O mesmo acontece quando um<br />
homem discutiu com outro, fez um<br />
bonito papel e o achatou; ele pensa<br />
naquilo quinze vezes por dia: “Como<br />
eu arrasei o outro!”; até se vangloria,<br />
imaginando a coisa como não foi, e<br />
dá um jeito de, numa roda, aquele<br />
assunto entrar em cena para ver se<br />
alguém diz:<br />
— Você quer contar como foi<br />
aquela discussão?<br />
— Eu posso, se vocês quiserem.<br />
Todo mundo já sabe, mas vocês querem,<br />
não é?<br />
Há um que quer, então lá vai.<br />
Vem nova narração. Não sei que tipo<br />
de manifestações de orgulho a pessoa<br />
pode ter.<br />
É preciso ter uma vigilância contínua<br />
para não pensar mais no que<br />
fizemos de bom. O episódio honroso<br />
para nós passou! Vamos encontrá-lo<br />
no Céu e, aí sim, será florescente.<br />
Se nós não pensarmos mais<br />
em nossos méritos, Nossa Senhora<br />
os administra por nós, Ela os faz<br />
render para nós. Nós temos que<br />
desviar os olhos disso. Entretanto,<br />
como às vezes acontecem distrações,<br />
é preciso ter uma vigilância assídua<br />
e frequente, como contra os<br />
maus pensamentos.<br />
Santo Ansfredo começou a participar<br />
de concílios e assembleias onde<br />
se davam debates doutrinários;<br />
ele, que tinha sido um lutador à mão<br />
armada, passou a ser um lutador de<br />
ideias e de doutrinas. Na Idade Média<br />
realizavam-se com fre quência<br />
Concílios, não apenas universais,<br />
mas regionais de uma determinada<br />
nação, ou de uma região numa nação.<br />
Santo Ansfredo vinha desses<br />
concílios carregado de glória e ele,<br />
que tinha lutado a vida inteira pela<br />
justiça, ou seja, pelos pobres de<br />
Jesus Cristo, como ele disse bem<br />
nessa linda oração; ele, cujo braço<br />
tanto tinha feito tremer os adversários,<br />
quando voltava, estava aterrorizado.<br />
Por quê? Como ele tinha<br />
um grande prestígio pessoal pelo<br />
seu passado, pela posição de sua família,<br />
pelo papel que tivera quando<br />
estava na vida civil, pelo brilho que<br />
tinha como Bispo, pela influência<br />
que exercia nos Concílios, ele tinha<br />
medo de ficar orgulhoso. Então,<br />
quando voltava ao convento, pedia<br />
ao seu superior que passasse o chicote<br />
nele até a vaidade passar. Depois,<br />
com humildade, ia cuidar de<br />
seus negócios.<br />
Pedir a graça da<br />
vigilância sobre si<br />
Como é importante a virtude da<br />
vigilância! Ele era uma alma que tinha<br />
passado por tudo, tinha conhecido<br />
todas as condições sociais e to-<br />
29
Hagiografia<br />
João C. V. Villa<br />
São Vicente Ferrer - Igreja de São Domingos, Cuenca, Equador<br />
dos os cenários da vida, estava declinando<br />
para o fim de sua existência,<br />
tinha renunciado, sincera e modelarmente,<br />
ao século; este homem ainda<br />
tinha pavor de ficar vaidoso e, mais<br />
ainda, receava que, se o superior não<br />
lhe desse uma sova, poderia consentir<br />
num pecado de vaidade.<br />
Vejam como o pecado de vaidade<br />
é profundo e com que facilidade<br />
o homem pode cair nele.<br />
Alguém me dirá: “Eu não consigo<br />
prestar tanta atenção em mim mesmo.”<br />
De fato, o ver dentro de si com<br />
toda lucidez, o discernir dentro de si<br />
o que se passa é uma graça. Ter a alma<br />
diante dos próprios olhos, de maneira<br />
a poder dizer sempre a Deus o<br />
que está se passando no seu interior,<br />
é a presença da graça de Deus. E uma<br />
forma de ter sempre Deus presente<br />
no espírito é saber como está sendo<br />
o valor da ação que estamos praticando.<br />
E esta graça nós devemos pedir.<br />
Eu gostaria que o fruto desta<br />
conferência, a ser conquistado como<br />
um dos mais preciosos, seja este:<br />
pedirmos a Nossa Senhora que,<br />
contra o orgulho, dê-nos a graça de<br />
não pensarmos nos assuntos que<br />
nos podem envaidecer e, para isso,<br />
termos sempre presente aos nossos<br />
olhos a nossa própria alma, de maneira<br />
a podermos dizer a qualquer<br />
momento o que está se passando<br />
dentro dela.<br />
Sem vigilância, há vaidade<br />
Eu me lembro de um fato curioso<br />
da vida de um grande Santo, o qual<br />
disse de si mesmo um elogio desses<br />
que eu não sei se um homem pode<br />
fazer de si um elogio maior. São Vicente<br />
Ferrer disse que ele era o Anjo<br />
do Apocalipse suscitado por Deus<br />
para anunciar o fim do mundo. Está<br />
nas biografias dele, portanto, é o que<br />
afirmam sobre ele.<br />
Certa vez, São Vicente Ferrer ia<br />
pregar uma missão na cidade de Barcelona<br />
e prepararam-lhe uma manifestação<br />
estupenda, daquelas que só<br />
na Idade Média se sabia prestar. Ao<br />
entrar, foram-lhe dadas as chaves da<br />
cidade de presente; depois passou pelas<br />
ruas adornadas de tapetes de alto<br />
a baixo, famílias jogando flores, cantando<br />
as glórias do Santo, incenso,<br />
etc., etc. E ele andava ali de olhos baixos.<br />
Então alguém lhe fez uma pergunta<br />
baixinho: “Irmão Vicente, a<br />
vaidade não lhe está atormentando?”<br />
A pergunta é compreensível, não é?<br />
São Vicente Ferrer deu a seguinte<br />
resposta, própria da humildade de<br />
um Santo: “A vaidade esvoaça em<br />
torno de mim, mas não entra.” Ou<br />
seja, “ela tenta entrar, mas encontra<br />
fechadas as portas de minha alma<br />
pela vigilância; de maneira que,<br />
com o favor de Deus, eu continuo a<br />
não me sentir vaidoso.” O que equivale<br />
a dizer de outra maneira o seguinte:<br />
“Eu, o Anjo do Apocalipse,<br />
ficaria vaidoso se não prestasse atenção.”<br />
Essa é a conclusão!<br />
Se o Anjo do Apocalipse ficaria<br />
vaidoso se não vigiasse, nós não<br />
30
o ficaremos se não prestarmos atenção?<br />
E quando digo “nós” estou me<br />
incluindo, no duro. Porque eu não<br />
acredito que haja um homem na Terra<br />
que, se não prestar atenção, não<br />
possa cair em vaidade. Absolutamente<br />
não creio.<br />
Há diferentes formas de vaidades.<br />
Alguns se envaidecem com o aplauso<br />
dos outros; outros se envaidecem<br />
com o próprio aplauso. Nós poderíamos<br />
dizer que este último tipo de<br />
vaidade é de predomínio próprio aos<br />
povos germânicos, anglo-saxônicos e<br />
congêneres. O envaidecimento com<br />
o aplauso dos outros é muito característico<br />
do latino.<br />
Eu pergunto: se nós não prestarmos<br />
toda a atenção, não nos envaideceríamos<br />
também? É claro, por isso<br />
é preciso prestar toda a atenção.<br />
Sem vigilância, há vaidade.<br />
Sintomas característicos<br />
do consentimento<br />
Alguém poderia perguntar: como<br />
a pessoa pode saber se está consentindo<br />
na vaidade?<br />
Eu confesso que esse é um ponto<br />
que eu não soube ainda desvendar.<br />
Trata-se do problema<br />
do consentimento e não<br />
do sentimento. O problema<br />
não é notar se teve um<br />
ímpeto interno de vaidade,<br />
mas saber se deu trela<br />
a ela ou não.<br />
Por assombroso que<br />
pareça, tanto quanto pude<br />
observar na minha geração<br />
– eu não dou garantia<br />
do que digo –, as pessoas<br />
percebiam mais ou menos<br />
quando davam consentimento<br />
ou não. Mas,<br />
parece que essa noção do<br />
consentimento foi se tornando<br />
mais difusa ao longo<br />
das gerações e, conforme<br />
vamos subindo na escala<br />
das gerações, quando<br />
se chega ao alto da pirâmide, parece<br />
que a noção de consentimento é das<br />
mais confusas.<br />
Portanto, eu não posso apelar para<br />
o elemento fundamental, ou seja,<br />
o conhecimento que o homem tem<br />
do que ele mesmo faz. Eu tenho que<br />
dar os sintomas externos. O sintoma<br />
característico do consentimento na<br />
vangloria é quando a pessoa se recorda<br />
de algo que lhe lisonjeia a vaidade,<br />
o amor-próprio, a faceirice, o<br />
que quiser; sente com isso a alegria<br />
correlata e não opõe a menor resistência.<br />
Dou um exemplo entre cem outros.<br />
Eu tive ocasião de perceber<br />
que um grande número de pessoas,<br />
quando passa diante de um espelho,<br />
olha-se e se arranja. Ora, é evidente<br />
que nisso entra uma certa complacência,<br />
desde que a pessoa não tenha<br />
um motivo razoável, por exemplo:<br />
a pessoa está chegando de uma<br />
viagem de automóvel numa casa onde<br />
tem visitas, pode estar um pouco<br />
desarranjada, qualquer coisa, é normal;<br />
passa diante do espelho para<br />
manter sua própria compostura. Entretanto,<br />
ter o hábito de se olhar no<br />
espelho, ou de se dar um arranjinho<br />
sempre que passa diante do espelho,<br />
a meu ver, indica o hábito de se autocontemplar.<br />
Ora, um hábito envolve<br />
um consentimento. Em que momento,<br />
ou de que forma, não sei.<br />
Mas, esse hábito deve ser combatido<br />
e, se não o for, o consentimento está<br />
definido.<br />
A vaidade se encontra a respeito<br />
de mil modos de ser da pessoa,<br />
de tudo. Pode-se dizer que alguém<br />
às vezes tem esse vício porque é alto,<br />
outro porque é baixo; há a respeito<br />
das coisas mais malucas do mundo.<br />
Se uma pessoa qualquer é vaidosa<br />
por determinada razão, de vez em<br />
quando se lembra disso e fica pensando,<br />
e acaba por entrar na escola<br />
das comparações: “Este tem isso<br />
em grau mais alto ou não? Aquele<br />
tem aquele grau acima ou abaixo<br />
de mim? Como é Fulano comparado<br />
comigo, como é Sicrano comparado<br />
comigo, a respeito desse assunto?”<br />
Isso é uma forma de se deter nesses<br />
pensamentos, um modo claro do<br />
consentimento na vaidade: “Eu fui<br />
convidado para ser o conferencista.<br />
Como vou fazer? Tomo ou não<br />
tomo antes o copo de água? Como<br />
olho para o auditório? Eu entro sé-<br />
Gabriel K.<br />
31
Hagiografia<br />
rio ou risonho? Digo, ‘Meus senhores,<br />
meus amigos’, ou não digo nada?<br />
Começo com voz grave ou com<br />
voz doce; sonora, aliciante, estrondosa,<br />
despretensiosa e normal? Como<br />
eu posso dar uma melhor apresentação<br />
de minha própria pessoa?<br />
E depois, no fim, digo uma piada para<br />
fazer com que todo mundo pense<br />
que a conferência foi muito aplaudida<br />
com interrupções; tomo o copo<br />
d’água pensando que alguém vai<br />
aplaudir?”<br />
Todos esses artifícios são atos externos<br />
que indicam o consentimento<br />
na vaidade.<br />
A vaidade das almas<br />
deprimidas<br />
Há um outro modo de as pessoas<br />
serem vaidosas, e este é muito curioso.<br />
Vale a pena saber. É o<br />
terror de ter certo defeito.<br />
Essas pessoas não são exaltadas,<br />
mas são deprimidas.<br />
Há gente deprimida que nota<br />
em si algum defeito e fica<br />
com terror dele. “Imagina,<br />
eu sou assim! Agora, como é<br />
isso? Será que os outros notam?<br />
Será que eu sou mais<br />
assim do que o outro?” Por<br />
exemplo, ela ouve uma conversa<br />
entre dois outros: “Fulano,<br />
coitado, como ele custa<br />
para aprender!” O outro<br />
diz: “Puxa, ele é burro. Bem,<br />
nós temos que ter paciência,<br />
ele é até bonzinho”, qualquer<br />
coisa assim. “Ah! Ai,<br />
ai, ai, então eu sou burro.”<br />
Quem é mais burro, quem é<br />
menos burro, perturbações<br />
em duelos fictícios dessa natureza.<br />
“Eu vou provar para<br />
ele que eu não sou burro,<br />
etc., etc.” Eu tenho visto<br />
coisas dessas.<br />
Por exemplo, dois sujeitos<br />
conversam a respeito de<br />
um terceiro: “Ele é muito<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
capaz, mas ele não é um homem que<br />
serve para nosso século.” A pessoa<br />
ouve: “Puxa, que é isso? Será que<br />
eu tenho uma orelha colada na testa?”<br />
Os dois continuam: “Ele é um<br />
colosso, mas para línguas tem muita<br />
dificuldade; nós somos da época dos<br />
contatos internacionais; nossa Instituição<br />
é uma organização que se estende<br />
por todo o mundo e esse coitado<br />
tem de aprender língua alemã...”<br />
Daí surgem as perturbações de<br />
uma forma de vaidade. Por quê?<br />
Porque todo mundo tem defeitos.<br />
Eu tenho defeitos, e quem me ouve<br />
provavelmente tem também. Eu sou<br />
um incompetente para os negócios<br />
que é uma coisa fenomenal. Quando<br />
alguém quer me explicar alguma coisa<br />
de negócios, em noventa por cento<br />
dos casos, eu presto atenção por<br />
educação, porque na realidade não<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma conferência em 1971<br />
entendo nada. Mas, eu não tenho<br />
vergonha de dizer.<br />
Alguns anos atrás encontrei-me<br />
com um velho padre jesuíta, que foi<br />
meu professor de Matemática; ele<br />
me disse:<br />
— <strong>Plinio</strong>, você me deu muito trabalho<br />
quando pequeno.<br />
Eu fui um aluno bem comportado.<br />
— Mas, por quê, Padre?<br />
— Eu levei muito pito por sua<br />
causa. Porque o Reitor pegava o seu<br />
boletim e dizia: “Como é que as notas<br />
dele são boas em tudo e na sua<br />
matéria ele tem sempre notas péssimas?<br />
Você não ensina bem. Deve<br />
haver alguma coisa.”<br />
E eu respondia:<br />
— Não, é porque eu não tenho capacidade<br />
para Matemática.<br />
O professor dizia:<br />
— Raramente aparecem<br />
tais desníveis, em algumas<br />
matérias você se sai bem;<br />
não é normal existir essa nulidade<br />
em matéria de Matemática.<br />
E continua até hoje.<br />
Qualquer cálculo que não<br />
seja uma soma, eu tenho dificuldade<br />
de fazer. Somar<br />
dinheiro, ainda mais com inflação,<br />
se eu posso, dou para<br />
meus amigos fazerem.<br />
Mas nós temos uma ideia<br />
de “perfeiçosa” pela qual<br />
nunca diríamos isso em público.<br />
Por exemplo, a vergonha<br />
de dizer que não se sabe<br />
somar dinheiro é suma. Para<br />
mim é o contrário: “Não sei.<br />
Faça você por mim.” Eu sei<br />
algumas coisinhas, outros<br />
sabem as outras, a vida foi<br />
feita para nos entreajudar.<br />
Não querer contar essas<br />
coisas, não querer vê-las, isso<br />
é consentir na vaidade.v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 6/5/1971)<br />
32
Apóstolo do pulchrum<br />
Sonhos que adivinham as<br />
magnificências de Deus<br />
Leandro Verdadeiro<br />
Com seu engenho artístico, o homem deveria aprimorar as<br />
belezas do Paraíso. Imaginando maravilhas e realizando-as,<br />
ele próprio completaria em si a imagem subjacente,<br />
ignota, de magnificências para as quais foi criado.<br />
Podemos imaginar que, se não tivesse havido o<br />
pecado original, o espírito humano, conhecendo<br />
as pedras preciosas do Paraíso, analisando<br />
os rubis, os brilhantes, as safiras, as esmeraldas, perceberia<br />
que elas, dispostas como estavam na natureza, não<br />
transmitiam toda sua beleza, e que haveria um pulchrum<br />
mais elevado a lhes ser conferido.<br />
Arte de aprimorar a obra de Deus<br />
Como o domínio que o homem tinha sobre a natureza<br />
fazia com que todas as criaturas lhe obedecessem, tudo<br />
se fazia sem esforço. Assim, com um peteleco bem dado,<br />
a ganga de um brilhante cairia e ele saberia como expô-lo<br />
ao sol, de maneira a ficar o suficientemente mole<br />
para ser modelado. Ele sabia e podia tudo, e elaboraria<br />
com as pedras um belo mosaico.<br />
Ora, qual seria a razão de ele fazer isso?<br />
À primeira vista, é porque o deleite visual que as pedras<br />
esparsas dão é menor do que aquele causado pelo<br />
mosaico, diante do qual tem-se mais do que o simples<br />
deleite: o bem-estar de uma ordem superior, de algo que<br />
estava em desordem e foi posto numa ordem que Deus<br />
não constituiu, mas queria que o homem a imaginasse e<br />
a realizasse.<br />
Assim, ao longo dos séculos, os homens iriam modelando<br />
o próprio Paraíso terrestre, de maneira a realizar<br />
nele uma certa forma e um certo grau magnífico de beleza,<br />
até ao ponto em que Deus lhes dissesse: “Podeis ces-<br />
33
Apóstolo do pulchrum<br />
Carla Belke(CC3.0)<br />
sar, porque tudo quanto Eu queria que fizésseis do Paraíso<br />
foi feito!”<br />
E, no decorrer desse trabalho de ornato do Paraíso, a própria<br />
alma do homem iria se adornando. Porque, ao sonhar<br />
com as maravilhas e realizá-las, ele próprio completaria em<br />
si a imagem subjacente, ignota, de magnificências para as<br />
quais ele foi criado, mas que até então não existiam.<br />
E assim como na procriação, transmitindo a vida<br />
a outro, prolonga-se a ação criadora de Deus, também<br />
nas elaborações artísticas, poéticas, literárias, o homem<br />
aperfeiçoa a obra da Criação, dando-lhe um acabado<br />
que Deus não quis dar.<br />
Ora, por que a Providência dispôs que sua obra atingisse,<br />
pela ação humana, esse aperfeiçoamento, esse acabamento?<br />
É evidente que é para que o homem atingisse o grau de semelhança<br />
com Ele, o que Lhe daria a glória inteira.<br />
Deste modo, quando desejamos melhorar algo do universo<br />
criado – se temos espírito de fé –, devemos compreender<br />
que estamos querendo torná-lo mais transparente,<br />
para através dele vermos melhor a Deus.<br />
Um passeio imaginário<br />
Imaginemos que o Paraíso tivesse uma longa extensão;<br />
ninguém sabe que tamanho ele tinha. O fato concreto<br />
é que podemos cogitar, por exemplo, a seguinte<br />
cena: alguns de nós andando deleitados pelo Paraíso,<br />
quando, de repente, encontramos um grupo de pessoas,<br />
também inocentes, que passam cantando. Elas estão<br />
adornadas com flores, banhadas de luz, são perfumadas,<br />
todas belas, castas, não suscitam a menor concupiscência.<br />
E nós, dentro de uma água cristalina, onde nos deleitamos<br />
– não nos banhamos, porque a ideia banho traz<br />
a ideia de limpeza e de sujeira – vemos à margem passar<br />
esse cortejo. Andam todas ordenadas de tal maneira,<br />
que é belo vê-las passar.<br />
O que é isso? É algo que Deus quis que o Paraíso tivesse<br />
em virtude das almas que, feitas à imagem e semelhança<br />
d’Ele, se aprimorariam lá, e que seria a melhor<br />
beleza disso. É, portanto, amor a Deus.<br />
Se, por exemplo, um sacerdote estudasse bem nos<br />
Doutores da Igreja, em Padres e na Tradição, tudo quanto<br />
há sobre as hipóteses do Paraíso e se especializasse<br />
em pregar sobre essa matéria e nada mais, como seria?<br />
Ele atrairia multidões para o ouvirem! E creio que ele<br />
deixaria atrás de si um rastro de interesse pelas coisas<br />
da Igreja, que seria profundamente diverso de tantos outros<br />
sermões, que não há comparação.<br />
34
Pensamentos benfazejos que<br />
enlevam e distendem<br />
Não é verdade que nós descansamos um pouco evocando<br />
isso? Não é verdade que, por exemplo, isso prepara<br />
para o sono, para a distensão?<br />
Eu acho que ser capaz de pensar como seria o Paraíso<br />
terrestre e como será o Paraíso celeste acaba descansando<br />
muito mais do que as câmaras de recuperação, onde<br />
o doente fica estendido, com vários aparelhos ligados em<br />
si, para ver se não está morrendo; e ele vivo, deixando o<br />
tempo correr…<br />
Que bom pensamento a se fazer para um cardíaco que<br />
esteja em estado de graça: “Meu caro, é bem verdade que<br />
se estourar uma veia de teu coração, que pode estourar<br />
de repente, tu morrerás. Mas, já pensaste o que é morrer?<br />
Estando em estado de graça, irás a um lugar muito<br />
melhor do que este, irás para o Céu ver Deus face a face.<br />
Separa-te do Céu apenas a parede tão tênue de uma artéria<br />
que não está funcionando bem.”<br />
A alguns doentes seria preciso persuadir de continuar<br />
na cama, em vez de facilitar para ver se morriam. E não<br />
é aquele terror da morte que têm os que agonizam. Quer<br />
dizer, isso é eminentemente benfazejo, interessante, bonito<br />
e o que mais queiram.<br />
Sonhos que adivinham a realidade<br />
Se eu tivesse tempo e se a tanto me ajudasse engenho<br />
e arte, eu estudaria isso no Cornélio a Lápide 1 e faria<br />
várias reuniões sobre o tema. Mas, deixando que depois<br />
cada um dos senhores imaginasse as coisas do Paraíso<br />
na linha de nossa vocação e de nosso espírito, acrescido<br />
porém com peculiaridades pessoais, desenvolvendo o assunto.<br />
Daria uma conversa muito bonita.<br />
Como seria bom se, às noites, nos encontrássemos para<br />
trocar impressões sobre as últimas novidades do Paraíso,<br />
os “fatinhos” do Paraíso imaginário! Não seria<br />
muito mais atraente do que qualquer televisão, rádio,<br />
tudo que anda por aí por fora?<br />
Diriam: nós somos uns sonhadores. É verdade, mas<br />
desses sonhos que não são contrários à realidade, mas a<br />
adivinham.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de 9/4/1983)<br />
1) Jesuíta e exegeta flamengo (*1567 - †1637).<br />
Leandro Verdadeiro<br />
35
Nossa Senhora do<br />
Santíssimo Sacramento<br />
Samuel Holanda<br />
Segundo a Tradição, a Santíssima Virgem sobreviveu<br />
a Nosso Senhor durante muito tempo<br />
e, sendo a Sagrada Eucaristia adorada por<br />
todos os fiéis, Nossa Senhora era o exemplo de pessoa<br />
com uma intensa devoção eucarística.<br />
É muito plausível que Ela tenha recebido a<br />
graça de que as Sagradas Espécies nunca se corrompessem<br />
n’Ela. Assim, tornou-Se um tabernáculo<br />
vivo, trazendo novamente em Si seu Divino Filho<br />
de um modo diferente, mas tão real quanto O tinha<br />
durante a sacrossanta gestação.<br />
Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento é,<br />
pois, o modelo da adoradora, mas também Aquela<br />
que está junto a Jesus Sacramentado rezando<br />
por nós.<br />
Se Maria é a Medianeira Universal<br />
de todas as graças e se a fonte das graças<br />
é Nosso Senhor Jesus Cristo realmente<br />
presente na Sagrada Eucaristia como<br />
no Céu, é evidente que a contínua mediação<br />
d’Ela junto ao Santíssimo Sacramento<br />
do altar é indispensável para nós, à<br />
qual devemos recorrer em todas as nossas Comunhões.<br />
Como diz São Luís Maria Grignion de Montfort,<br />
o perfeito devoto de Maria deve, durante a<br />
Comunhão, dirigir todas as suas súplicas a Nosso<br />
Senhor por meio d’Ela, pedindo-Lhe que interceda<br />
para que os atos de adoração, de ação de graças, de<br />
reparação e de petição sejam bem recebidos, e também<br />
para nos serem encaminhadas, pela mediação<br />
d’Ela, todas as graças que Ele nos destina.<br />
(Extraído de conferência de 1964)<br />
Virgem do Pilar - Catedral<br />
de Zaragoça, Espanha