Cultura de Bancada, 22º Número
Cultura de Bancada, 22º número, lançado a 12 de abril de 2024
Cultura de Bancada, 22º número, lançado a 12 de abril de 2024
1
- Page 2 and 3: 04editorial06Multi-Club OwnershipEs
- Page 4 and 5: EditoAqui está o 22º número da C
- Page 6 and 7: MULTI-CLUB OWNERSHIPESTRUTURAS MULT
- Page 8 and 9: 8A Football Supporters Europe, já
- Page 10 and 11: 10
- Page 12 and 13: 12O ano 1907 foi marcante. Em Fever
- Page 14 and 15: 14Entre 1950/1951 e 1953/1954, altu
- Page 16 and 17: 16Juventude Leonina que acompanhava
- Page 18 and 19: 18adotados os nomes “Juventude”
- Page 20 and 21: 20cartolinas presas a uma luz. Dura
- Page 22 and 23: 22que não abonavam a favor do trad
- Page 24 and 25: 24em assembleia eleitoral do clube
- Page 26 and 27: ataca a equipa. Isto levou à deten
- Page 28 and 29: 28O Cosmos Criou o Parisiense Para
- Page 30 and 31: culpem as autoridades, não o autor
- Page 32 and 33: tabela classificativa.Após uma par
- Page 34 and 35: 34relembrado pelo nosso amigo, “P
- Page 36 and 37: pudemos aproveitar para entrar, cir
- Page 38 and 39: 38identificado claramente líderes
- Page 40 and 41: Cidade do Vaticano: 0,44 Km deexten
- Page 42 and 43: O LADO OCULTO DO FUTEBOLDISCRIMINA
- Page 44 and 45: MEMÓRIAS Da BANCADAGRUPOS REFERÊN
- Page 46 and 47: Brigate NeroazzurreAtalanta x Napol
- Page 48 and 49: Mods/F.U./F.B.Bologna x Torino1988/
- Page 50 and 51: Nuclei SconvoltiCosenza x Messina19
1
04
editorial
06
Multi-Club Ownership
Estruturas Multi-Clubes
10
28
40
42
HISTÓRIA DO MOVIMENTO
ORGANIZADO DE ADEPTOS
no Sporting cp
o cosmos criou
o parisiense
mission from goal
o futebol no vaticano
o lado oculto do futebol
discriminação e segurança excessiva
44
memórias da bancada
58
resumo da bancada
2
78
qarabaq x sc braga
82
86
90
94
98
FC Koln x Eintracht Frankfurt
protestos na bélgica
dérbi dos eternos inimigos
Rayo Vallecano: Orgullo de la Clase Obrera
Uma experiência italiana
100
dérbi de praga
102
106
um olhar diferente no benfica x toulouse
cultura de adepto
110
uma noite longa... de 40 anos
3
Edito
Aqui está o 22º número da Cultura
de Bancada!
Este é mais um número que
acompanha o desenrolar do quotidiano das
bancadas, independentemente de onde elas
pertencem. Os braços da Cultura de Bancada
têm viajado um pouco por toda a parte e,
quando regressam, vêm acompanhados
de notícias, histórias e experiências que
valorizam a visão do que é “ser adepto”. Em
todo o caso, temos de nos agarrar às coisas
positivas para contrariar o atrito gerado pelas
forças opostas ao nosso movimento popular.
Parecia que estávamos a falar de Física e,
como tal, para não fugir à narrativa, convém
não esquecer o enorme peso que todos os
adeptos sentem em cada medida tomada
pela Liga ou pelo Governo.
Vamos por partes, que tipo de
movimento quer a Liga criar com a recém-
-criada plataforma de denúncia que tem
como objectivo fazer dos adeptos os “bufos”
que descrevem, fotografam ou filmam
comportamentos de outros adeptos?
Temos polícia própria para adeptos,
avançados sistemas de videovigilância nos
estádios, bases de dados com a identificação
dos membros dos grupos (o famoso registo
da “legalização”), sistema penal para adeptos
completamente desproporcional, criação
de zonas isoladas e altamente vigiadas, para
entrar nesses “guetos” criaram o famoso
cartão do adepto que entretanto caiu, mas
continua a necessidade da identificação
para aceder a ZCEAP. Sem esquecer que
eliminaram a liberdade de expressão dos
estádios! Como se não bastasse, agora
querem “chibos” ao estilo dos que eram
promovidos pela PIDE? Não precisamos de
palavras para definir aquilo no que se tornou
ir ao futebol em Portugal.
De volta à Física, embora a Liga
Portugal desconheça por completo, estas
são algumas das constantes que compõem
a equação que define a aceleração do
afastamento dos adeptos em Portugal.
Passando agora a bola para a História, os
sinais são evidentes, estão a transformar as
nossas bancadas num “Estádio Novo”. Uma
constatação que não deixa de ser engraçada
pela proximidade das comemorações dos 50
anos do 25 de abril.
Director
J. Lobo
Redacção
L. Cruz
G. Mata
J. Sousa
Design
S. Frias
M. Bondoso
Revisão
J. Rocha
4
rial2
Ainda no capítulo da História,
estamos perante um novo ciclo governativo
sobre o qual ainda não podemos falar.
Contudo, fazemos votos que a mentalidade
ultrapassada que orientava o Governo
Socialista, nestes assuntos, seja trocada. É
preciso ouvir verdadeiramente os adeptos
para conhecer o assunto para além do
sensacionalismo que é transmitido pelos
órgãos de comunicação.
Mais notícias nos chegaram do
bunker onde se esconde Pedro Proença e os
seus generais. Nada de espantar, deram o
dito pelo não dito e, vamos ter de levar mais
um ano com a desprezada Taça da Carica. Tal
como nas questões dos adeptos, esta Liga
está a deriva e sem ideias. Vão gerindo em
cima do joelho, fazem umas operações de
charme e chamam uns nomes “catedráticos”
para iludir os presidentes dos clubes.
Continuam a nivelar o futebol português pela
mediocridade, mas os clubes parecem felizes
e querem uma recandidatura do Proença.
Queremos acreditar que há luz
ao fundo do túnel, de outra forma o que
estaríamos aqui a fazer? Essa luz somos nós,
com quem mais podemos contar? Porém,
não há luzes eternas, tudo tem o seu tempo.
Companheiros de luta, vocês que ainda
sonham a bancada são a luz que precisamos
para agarrar as rédeas do nosso destino –
este é o nosso tempo! Amanhã, a maioria
seguirá outro caminho e não irá deixar um
testemunho do seu legado. Não vivam para
ocupar espaço. O universo das bancadas
precisa de mais intervenção de cada um
de nós, só assim poderemos esperar um
amanhã melhor.
Boas leituras e até daqui a dois meses.
Convidados
Martha Gens
Daniel Freire Santos
Eupremio Scarpa
Stephan Romanov
M. Ribeiro
Hugo Marcelo
Raquel Veiga
Filipe Sur
H. Oliveira
P. Alves
5
MULTI-CLUB OWNERSHIP
ESTRUTURAS MULTI-CLUBES
Os “Donos disto tudo”
6
Em Portugal, ainda se fala pouco
deste tema. A pergunta que devemos fazer
é: até quando? Mostra-nos a experiência
europeia que, provavelmente, não
aguentaremos muito mais tempo, até porque
esta realidade já entrou nas nossas fronteiras.
Contudo, ao olhar para a nossa Liga, às
ambições mercantilistas nos nossos institutos
e a forma como teimam em olhar para o
futebol, diremos ainda que todas elas devem
apoiar este tipo de iniciativas. Por isso, não
contemos com o seu apoio – porque para as
nossas estruturas governativas, o que é bom
é ter um adepto sentadinho a comer pastéis
de Tentúgal. Com toda a propriedade, diria
que as nossas estruturas estão alheadas do
que falamos quando falamos em herança,
tradição e protecção do património dos
nossos clubes. E, por muito que lhes doa,
quando executam iniciativas que não nos
interessam minimamente, estão a anosluz
de perceber que os adeptos são um dos
maiores activos patrimoniais dos clubes.
Por isso vos trago este tema – mais
uma vez, teremos o prazer de demonstrar que
estamos bem informados sobre os temas e,
novamente, somos dos poucos intervenientes
que se preocupam com o que estão a fazer
ao futebol, sem obedecer a cartilhas. Temos
e teremos sempre a liberdade de poder
dizer alto e em bom som o que queremos e,
sobretudo, o que não queremos.
E queremos ou concordamos com
esta tendência de estruturas multi-clubes, tal
como está? Não.
Factos - O Manchester City lidera
um grupo mundial de treze clubes “parceiros”,
enquanto a Red Bull possui cinco equipas de
futebol na Europa e nas Américas. O Chelsea
adquiriu uma participação maioritária no
Estrasburgo, tornando-se a última grande
equipa a entrar no negócio da detenção
de vários clubes. Pacific Media Group, King
Power International, INEOS ou Eagle Football
Holdings são exemplos de gigantes empresas
proprietárias de vários clubes, com equipas
em todos os cantos do mundo.
Um dos slogans da Eagle Football
Holdings é... “We are lovers of Football...
and we are committed to the Communities
that we serve.” Esta empresa é a principal
accionista do Olympique Lyonnais (Lyon,
França), do Botafogo Futebol (Rio de Janeiro,
Brasil), do Racing White Daring Molenbeek
FC (Bruxelas, Bélgica) e do Crystal Palace
Football Club (Londres, Reino Unido). Estão
ainda envolvidos em academias de futebol
para jovens, como fundadores da FC Florida
Preparatory Academy, em Hobe Sound,
Flórida.
E se, por um acaso (uma mera
hipótese académica!) numa qualquer
competição, o Olympique Lyonnais defrontar
o Racing White Daring Molenbeek FC? De
que lado fica o compromisso do serviço à
comunidade? Metade/metade?
James Arthur Ratcliffe é um
engenheiro químico inglês, bilionário,
e é o CEO da INEOS. Em 2020, a Forbes
considerou-o a 74ª pessoa mais rica do
mundo e a 5ª no Reino Unido. Nada contra
até aí, mas Jim Ratcliffe é coproprietário do
Manchester United, com um investimento
minoritário no clube, e detém o seu controlo
desportivo. A INEOS, de Jim Ratcliffe, é
proprietária a 100% do Nice, na Liga Francesa,
e do FC Lausanne-Sport, na Liga Suíça.
Diz-se nos corredores que existe a
possibilidade de Jim Ractcliffe querer adquirir
a totalidade da detenção do Manchester
United aos Glazer e, caso algum dia se
concretize, a hipótese que colocámos em
cima deixa de ser académica e longínqua.
A UEFA terá de analisar e decidir se United
pode competir nas competições europeias
juntamente com o Nice e o Lausanne, ambos
detidos pela INEOS.
Adicionalmente, a INEOS produz
alguns produtos químicos e compostos que
são fundamentais para o futebol, como por
exemplo: polietileno para relva artificial,
PVC utilizado em bolas de futebol, plásticos
para chuteiras, produtos químicos utilizados
no fabrico de poliéster para vestuário,
polipropileno para assentos de estádio e
redes de baliza, borracha e compósitos para
a construção de estádios.
Os próprios regulamentos das
competições UEFA não são suficientemente
claros. Afinal de contas, o RB Leipzig e o
FC Salzburg foram autorizados pela UEFA
a disputar a Liga dos Campeões apesar
de pertencerem ao mesmo grupo de
investidores. Terá este caso aberto um
precedente?
Não vamos mais longe - Tony
Bloom, proprietário do Brighton, detém uma
participação significativa do Union Saint-
Gilloise, enquanto a V Sports (Aston Villa) tem
uma participação minoritária no Vitória Sport
Clube.
Esta é só a ponta do iceberg.
Este é um perigo à nossa espreita.
7
8
A Football Supporters Europe, já apelou aos
organismos de futebol para que “adoptem
regulamentos bem restritos antes que
todo o jogo fique (irremediavelmente)
comprometido”.
Quais são os efeitos colaterais que
conseguimos desde logo observar para os
adeptos?
É inevitável – é óbvia a crescente
perda de identidade. O poder, centrado
no mesmo sítio e cada vez maior, traz
capacidade de tudo poder mudar. O nome
do clube (Red Bull – a sério?), o símbolo, as
cores. Estes são elementos inequívocos de
identidade, património e herança cultural dos
clubes. Foi também por algum destes motivos
que nos somos algo – somos verdes, somos
dos amarelos, somos dos pretos. Dizemos
que somos do azul e branco. E quando
dizemos que “somos daquele”, é porque é
ali que pertencemos. E não, não é a mesma
coisa se passar só a ser branco. Por outro
lado, com que autoridade e legitimidade o
fazem? Mudam a rota de anos de história, de
pertença e identidade cultural de centenas ou
milhares de pessoas. É crucial que haja noção
do valor não patrimonial da herança cultural
dos clubes e, se não houver noção (algo a que
já estamos habituados), que haja regulação.
Ninguém tatua o símbolo da Red
Bull, muito menos da INEOS! E isto tem de
fazer sentido nas cabeças das tutelas do
futebol.
Por outro lado, o investimento
nestes clubes é tendencialmente maior, o
que leva à existência de cada vez maiores
assimetrias financeiras dentro das ligas,
e entre as próprias ligas europeias. E isso
nota-se de forma muito óbvia, em Ligas
Profissionais de menor dimensão – vejase
que o RB Salzburg há anos que tem uma
larga distância na tabela classificativa da Liga
Austríaca relativamente ao Sturm Graz, ao
LASK, aos emblemas de Viena, entre outros.
E isto, naturalmente, traduz-se na perda
da competitividade entre equipas e numa
mensagem totalmente errada do que deve ser
o desporto (no geral). E qual é a mensagem
que os nossos filhos aqui leem? Que ganha
quem tem mais dinheiro. Tanta preocupação
com tantas falsas questões, e são estas as
mensagens que as nossas gerações acabam
por ler. Devia, pelo menos, dar que pensar.
Por fim, abordar uma última
questão. Aos olhos de um investidor que
detém participações sociais e controlo
efectivo em vários clubes, ele acautela
sempre o risco financeiro. Se um perde,
ou outro ganha… o investidor, esse, ganha
sempre.
E a última pergunta é esta... são
estas as pessoas que queremos nas nossas
estruturas? Sem absoluta dedicação, a não
ser às notas e aos cifrões?
De que forma querem fomentar
ambientes nas bancadas quando são
estes os nossos exemplos? Como querem
fomentar responsabilidade e sentimentos de
pertença quando é este o cenário que vemos
perigosamente a chegar?
Adeptos, herança e património em
primeiro. Investidores depois. É esta a ordem.
Por Martha Gens, Presidente da Associação
Portuguesa de Defesa do Adepto
9
10
Corriam os últimos anos do século XIX quando aristocratas e estrangeiros da nossa
sociedade introduziram o Futebol em Portugal. O jogo ia-se disputando por Lisboa, Cascais,
Belas e Sintra, existindo algumas equipas no início do século seguinte. Uma dessas equipas, o
Sport Clube de Belas, surgiu em 1902 pela mão dos irmãos Gavazzo, equipa essa que realizou
somente dois jogos. Dois anos mais tarde os Gavazzo, em consonância com os irmãos Stromp e
José Alvalade, fundaram o Campo Grande Football Club.
O CGFC teve nos terrenos dos aristocratas a sua primeira sede e campo de jogos, mas
o projecto virou-se mais para bailes, para desagrado de uma boa parte dos componentes que
pretendiam, sobretudo, desenvolver actividades desportiva. Há então uma cisão e aqueles que
ficaram conhecidos como “os dissidentes” fundaram um novo clube, acto para o qual contribuiu
activamente a família de José Alvalade, uma vez que cederam espaços para construírem sede
e parque de jogos, composto por um campo de Futebol e dois courts de Ténis. O avô de José
Alvalade viria mesmo a tornar-se o primeiro presidente do novo clube, numa assembleia em
que os dez fundadores, entre outras coisas, expressaram: “Queremos um Clube tão grande
como os maiores da Europa”. Pouco mais de um mês depois, ficou decidido o nome do “recémnascido”:
Sporting Clube de Portugal. Desde logo mostrou-se um clube eclético, não só virado
para a população masculina, servindo também o desenvolvimento das mulheres, implementando
Corridas e Saltos, Luta de Tração à Corda e Ginástica, além do Futebol e do Ténis, sendo esta
última a modalidade de eleição do projecto.
O equipamento todo branco do Campo Grande FC foi adaptado pelo SCP, que em 1907
viria a criar o seu primeiro emblema, no qual o leão rampante começou a acompanhar a sigla do
clube. No ano seguinte introduziu-se a camisola bipartida verde e branca e já em 1915 adoptaram
os calções pretos.
11
12
O ano 1907 foi marcante. Em Fevereiro o SCP estreou-se no Futebol, frente ao Cruz
Negra, tendo em Julho inaugurado o seu parque de jogos, no qual estavam incorporados pavilhão,
vestiários, chuveiros e banhos de imersão, salão de jogos e estar, cozinha, duas quadras de Ténis,
campo de Futebol e pista de Atletismo, algo muito à frente para o âmbito desportivo nacional.
Posteriormente, no primeiro dia de Dezembro, dá-se o primeiro desafio entre Sporting Clube de
Portugal e o Sport Lisboa, clube que está na origem do Sport Lisboa e Benfica. Seria o primeiro de
321 dérbis, até à data da publicação deste artigo, o qual teria resultado final de 2-1 favorável ao
Sporting.
Os primeiros atletas a conquistarem títulos nacionais foram António Stromp (o primeiro
de imensos atletas olímpicos), Gabriel Ribeiro e Alfredo Camecelha, todos eles em variantes de
Atletismo, modalidade que mais contribuiu para o palmarés dos leões.
José Alvalade deixou a sua marca como fundador, director, vice-presidente e Presidente,
mas “curiosamente” acabou afastado do SCP. Isto resultou de ter mandado demolir a tribuna
do Campo do Sítio das Mouras para aplicar materiais na construção do Stadium de Lisboa,
um projecto pessoal. Contudo, isto não viria a travar o progresso e, em 1914/1915, o Sporting
contrata Artur José Pereira, garantindo uma compensação financeira pelos préstimos àquele que
era considerado um dos melhores jogadores da altura (se não o melhor), algo sem precedentes
no Futebol português. Coincidentemente ou não, nessa temporada conquistaram a primeira
competição sénior, o Campeonato de Lisboa, tal como a Taça de Honra.
Em 1920 é alterada a data de fundação do clube para o dia 1 de Julho de 1906, uma vez
que foi nesse dia que se escolheu o nome Sporting Clube de Portugal, e é autorizada a constituição
de filiais e delegações por todo o país, sendo assim formado o Agrupamento Leonino. Assim, o
clube começou a ganhar dimensão nacional, surgindo em 1922 acordos com o SC Tomar, o SC
Farense e o SC Luanda.
Pouco depois de o clube atingir a marca dos 3 000 associados é conquistado o primeiro
Campeonato de Portugal em Futebol, em 1923. Quatro anos depois, com a conquista de um
título do Campeonato de Lisboa pelo meio, é num amigável que se estreiam as camisolas listadas
na horizontal. Essas camisolas eram habitualmente usadas pela equipa de Râguebi, mas os
imprevistos fizeram com que a de Futebol necessitasse de as usar e, após uma vitória no grande
dérbi, passaram a fazer parte do equipamento principal. No ano seguinte (1929), tal alteração
passa a vigorar nos estatutos do clube e todas as modalidades passam a usar a camisola listada
na horizontal.
A década de 30 foi de afirmação do clube como a mais bem sucedida força desportiva
do país, uma vez que fazia do ecletismo o seu principal argumento. O Sporting já contabilizava
mais de 1 000 títulos, entre nacionais e regionais, dando-se por esta altura o início da época
dourada do Futebol sportinguista, para a qual muito contribuiu Peyroteo, o maior goleador
português de todos os tempos. O clube continuou a evoluir nesta fase e, no início da década
seguinte, inaugura a “Vila de Estágio”, o que possibilitou às diversas modalidades usufruírem de
boas condições para se prepararem para a competição. O Estádio do Lumiar foi também alvo de
melhorias que permitiram melhores condições aos atletas e aos adeptos, com o aumento do
número de lugares sentados para 15 000 e um melhoramento do peão que tinha capacidade para
albergar 20 000 pessoas, isto numa altura em que o clube tinha cerca de 9 000 associados. Já
em 1949, numa altura em que se fechava o histórico ciclo dos Cinco Violinos, foi criado o Grupo
Turístico Os Leões, colectivo que promovia o apoio a equipas verdes e brancas fora de Lisboa,
sendo este o primeiro registo de um grupo organizado de apoio ao SCP.
13
14
Entre 1950/1951 e 1953/1954, altura em que a profissionalização do jogador de
futebol está em debate, o Sporting sagra-se tetracampeão português e mantém-se na senda
da evolução, focando-se mais na formação, para a qual implementou o Centro de Preparação
Infantil e o Centro de Iniciação Desportiva. O mítico Estádio José Alvalade viria a ser inaugurado
em 1956, dispondo de 50 000 lugares para adeptos e de iluminação artificial, sendo o primeiro a
ter este apetrecho em solo nacional. O clube também fica na história por, num amigável contra o
FK Austria, realizar a primeira transmissão televisiva em directo de uma partida, numa época em
que já se contabilizam 22 000 associados leoninos.
1964 fica marcado pela glória europeia, através da conquista da Taça das Taças frente
ao MTK Budapest em Antuérpia (1-0), após um primeiro jogo em Bruxelas (3-3). Em 66 o registo
de associados contabilizava 38 000 activos, antecedendo o ingresso de Joaquim Agostinho no
Ciclismo leonino, ele que é o maior ícone nacional de todos os tempos daquela modalidade. O
Atletismo dos leões, no qual o professor Moniz Pereira (o Senhor Atletismo) construiu um imenso
legado, continuava na senda de vitórias e de serviço às selecções olímpicas, passando a contar
com Carlos Lopes, que durante o mandato de João Rocha atinge o estatuto de lenda mundial do
Atletismo de longa distância.
Dá-se o 25 de Abril e, pouco depois, o SCP sagra-se campeão nacional, numa época em
que celebrou a quarta dobradinha, com Yazalde em grande destaque. Até ao final dessa época,
Lisboa dominava o Futebol nacional, sendo que o Benfica tinha sido campeão nacional por 20
ocasiões, o Sporting por 14, o Porto por cinco e o Belenenses por uma, mas a revolução também
afectou esta realidade, tendo o Sporting perdido fulgor nesta modalidade e “somente” vencido
mais cinco campeonatos até à época 2023/2024. Quem também contribuiu para esta dobradinha
foram os Vapores do Rego, que surgiram na bancada superior sul do José de Alvalade. Este era
um grupo de apoio composto por estudantes brasileiros que, através de batuques e tambores,
alegravam o ambiente de jogo e seguiam a equipa em Portugal e no estrangeiro, viajando
preferencialmente em comboios, autocarros e aviões. Em 1975, é alcançada a marca dos 40 000
sócios do SCP.
Reza a lenda que, após assistir a vários jogos no estrangeiro e perceber a importância
que o apoio organizado pode ter num jogo, Margarida, uma dos três filhos do histórico presidente
João Rocha, semeia a ideia entre os irmãos. Então, os três Rochas, em consonância com amigos
do Colégio São João de Brito, fundam a Juventude Leonina, a 19 de Março de 1976. A escolha
do nome do grupo foi influenciada pelas juventudes partidárias, uma vez que nessa época as
mesmas constituíam um movimento em crescendo. Inspirados também pelos Vapores do Rego
e pelo que se fazia nas arquibancadas brasileiras, inicialmente tiveram o condão de introduzir o
primeiro panal gigante num estádio português e de organizar deslocações.
O ano 1976 fica ainda marcado pela contratação de António Livramento, o melhor
hoquista do mundo, que completou o Cinco Maravilha, a fantástica equipa sportinguista que
venceu as competições nacionais e a Taça dos Campeões Europeus (a primeira de uma equipa
portuguesa), sendo considerada por alguns a melhor equipa de sempre de todo Hóquei em
Patins. Obviamente que o Futebol sempre mexeu com mais adeptos, mas sem dúvida que, numa
era em que o ecletismo leonino foi impulsionado, as modalidades amadoras ultrapassavam em
larga medida a dimensão do Futebol em número de atletas e em número e importância dos
títulos alcançados. Para termos uma ideia, a secção de Ginástica era composta por mais de 3
500 atletas e no Atletismo começa a destacar-se Fernando Mamede, mais um atleta de classe
mundial.
A fechar a década de 70, aparece um novo grupo, a Força Verde, por elementos da
15
16
Juventude Leonina que acompanhavam algumas modalidades do clube e, numa ocasião em
que saem durante um jogo no José Alvalade para irem a Queluz apoiar o Basquetebol, resolvem
fazer nascer este colectivo. Um dos fundadores tinha regressado há pouco tempo do Brasil e
implementa cá novidades como as bandeiras grandes hasteadas em canas da Índia, efeitos de
fumo feitos com farinha e pó-de-talco, o registo de associados, associando o uso de tambores na
bancada. Em 1982, numa recepção ao CSKA Sofia, fizeram possivelmente a primeira coreografia
em Portugal com o aparecimento de uma faixa com o seu nome inscrito (algo nunca antes visto
por cá), acompanhada de bandeiras e um estandarte enorme. Conhecemos ainda a versão de
que a Força Verde introduziu a primeira faixa principal de uma claque portuguesa, em jogo contra
a Real Sociedad, em março de 1983, possivelmente na rede.
Acontece que este desempenho da Força Verde traz à Juventude Leonina uma maior
vontade de melhorar as suas perfomances, fazendo por isso com a sua capacidade de criatividade
e apoios directos da direcção sportinguista. A JL e a FV acabariam por ver elementos trocarem
de grupo, inclusive fundadores, num caminho que se fez nos dois sentidos. A Força Verde
continuou a animar Alvalade com coreografias à base de lençóis gigantes, fumos e balões, por
exemplo, enquanto que a Juventude Leonina começou deixar a sua belíssima marca através de
monumentais fumaradas com centenas de bandeiras e até um “robot” pelo meio, quando já
tinham faixa principal. Tudo isto, aliado ao campeonato vencido em 81/82, apaixonou milhares
de jovens portugueses, impulsionando muitos deles a quererem fazer parte da festa, surgindo
muitos grupos de apoio ao Sporting nessa década, como o Império Verde, Vampiros Verdes,
Leões de Alvalade, Forza Leonina, Leões do Bairro Alto, Norte Leonino e a Onda Verde, que surge
da divisão que o processo eleitoral do clube em 1983 criou no seio da Força Verde, fazendo a
claque dividir-se em três “facções”, e que teria o seu fim na primeira metade dos anos 90. Devido
a isto, os rapazes que viriam a fundar a Torcida Verde decidem formar, em 1983, um subgrupo
da Juve Leo, experimentando à posteriori um encaixe na Força Verde. Em Novembro de 1984, a
Torcida Verde transforma-se em realidade. Surgiram com uma mentalidade de apoio que valoriza
o ecletismo, fazendo da criatividade e do improviso argumentos para fazerem face aos parcos
recursos para criarem ou obterem material de bancada. Os seus “tambores” eram uns caixotes
de cartão prensado que eram produzidos numa fábrica onde trabalhava um dos fundadores e
a primeira faixa foi pintada numa lona das eleições presidenciais. Para os primeiros jogos fora a
Tor Ver viajava nas excursões organizadas pelo clube, pagando integralmente, uma vez que não
tinham apoio da direcção do clube.
O ano de 1983 fica marcado pela inauguração da nova bancada central do José de
Alvalade, que veio substituir o velho peão, e pelo lançamento do álbum War dos U2. Neste
trabalho a banda irlandesa mostrou-se mais interventiva no conflito entre Irlanda do Norte e
Reino Unido, catapultando a mesma para a ribalta. Em Alvalade vai-se difundindo o som dos U2
e não só. Se olharmos para a capa europeia do single “Sunday Bloody Sunday” vemos o miúdo
que foi adoptado como símbolo da Juventude Leonina, e sabe-se ainda que o termo “Boys” foi
adoptado pela JL também por influência dos irlandeses, que denominaram o primeiro álbum
de “Boy”. No mesmo ano há ainda o comunicado da Força Verde, lançado antes da recepção ao
Celtic, em que convocam a malta a concentrar-se no Cinema de Roma, de onde iriam a desfilar
até ao estádio. Acreditamos que seja uma das, se não a primeira, das míticas e numerosas
concentrações dos ultras Sporting, fossem elas no Marquês, Saldanha, Cacilhas ou Terreiro do
Paço, que antecediam cortejos até aos estádios.
Os grupos sportinguistas estavam na vanguarda, tornando-se referências que inspiraram
o aparecimento de muitos grupos deste género noutros emblemas, sendo em muitos casos
17
18
adotados os nomes “Juventude” e “Força”, marca visível da influência que a cena de Alvalade
exerceu. A Juve Leo organizou o I Congresso Nacional de Claques, que decorreu em 1984 na
Nave de Alvalade, e orientava aos demais, possivelmente entre outras coisas, a aquisição de
pirotecnia. Ainda em 84, realizou-se a primeira “trasferta” feita de “bus” organizada por uma
claque, originada por uma pareceria entre Força Verde e Juve Leo, que mobilizou 100 elementos
ao Bessa em dois autocarros, isto em Fevereiro desse ano. Nessa ocasião, munidos de capacetes
verdes de construção civil, brindaram a equipa com uma bela tochada. É por volta deste ano que
a Juve organiza as primeiras deslocações pela Europa, como a Sevilha (83/84), Auxerre (84/85),
Roterdão (85/86, na qual Fernando Mendes, ainda menor, participou à revelia da sua mãe),
Bilbau (85/86), San Sebastián (88/89) e Nápoles (89/90), enquanto a Torcida se estreou numa a
Bilbau (85/86), seguindo-se Barcelona (86/87), Innsbruck (87/88) e Bergamo (87/88). Nessa ida à
casa da Atalanta, os sportinguistas conheceram o verdadeiro estilo ultra que impulsionou 30 000
adeptos a criarem uma atmosfera inesquecível para os presentes. Os portugueses tiveram acesso
a cachecóis com o lema “Vivere Ultra Per Vivere”, correspondente ao modo de estar na vida que
muitos adoptaram por lá e que por cá se estava a começar a desenvolver.
Na segunda metade da década de 80, surge na Juventude Leonina uma mentalidade
mais destemida ao confronto com rivais, muito por culpa de Fernando Mendes, ele que viria
a liderar por muitos anos a Juve Leo e que nestas palavras passa a explicar um pouco do que
se passou: “(...) como entrei nos paraquedistas e estive lá dois anos, vinha com a mentalidade
de organização, de combater, de disciplina e isto era tudo “um Deus dará”. Disse: “Não. Temos
medo de ir à Luz, temos medo de ir às Antas, temos medo de ir ao Bessa, de ir a Guimarães. Não,
nunca, jamais em tempo algum”. (...) Eu fiz, por exemplo, quando saí dos paraquedistas, irmos
ao Estádio da Luz, onde é hoje em dia o Parque dos Príncipes, aquilo era tipo canaviais, zona de
terra batida, (que é agora Telheiras) - fiz três pontos, que eram o ponto A, ponto B e ponto C. Fui
ao mercado de Arroios comprar 20 quilos de batatas grandes para fritar e comprar dois quilos
de cavilhas para fazer uma coisa que tinha aprendido que é a “guerrilha urbana”. Era enfiar três
ou quatro cavilhas em cada batata, escavar, tudo isto de madrugada no dia anterior. Escavar lá
um buraco na terra e eu dizia: “se tiver de ser, recuamos, não fugimos deles. Está aqui isto”, isto
no ponto A. No Ponto B, fiz uns caibros de 1,5 metros numa serração. No ponto C, eram uns
cocktails Molotov, os chamados explosivos incendiários. Fui comprar limalha de ferro que era
para os explosivos incendiarem. Ou seja, proteger-nos. Não havia a Brigada Anti-Crime, nem os
spotters nem nada. Éramos por nós, sozinhos, e íamos por ali. Fiz isto antes do derby, dois ou
três dias antes. Os cocktails eram na madrugada para a gasolina não evaporar e deixávamos lá.
Protegíamo-nos assim.”
“Camisola Verde Branca” foi a primeira colectânea musical da Juventude Leonina,
lançada em vinil, no mesmo ano (1986) em que o carismático presidente João Rocha se demite
do cargo devido a problemas de saúde, numa altura em que estavam registados no clube 100
000 associados e em que teve lugar a brilhante goleada de 7-1 ao arquirrival. No Sporting vs
Barcelona, a Ponta Sul, como era habitual naquele tempo, encontrava-se cheia cerca de quatro
horas antes da partida, na qual se fez a maior bandeirada verde e branca de sempre.
Corria a temporada 1989/1990 quando a Juventude Leonina se transfere para a
Superior Sul. Seria o seu sector até à demolição do velho José Alvalade, à excepção de dois jogos
na Ponta Sul em 1991/1992. Na segunda partida, porrada velha com os demais sócios, que já não
estavam habituados à presença dos ultras naquele sector, em que nem o golo da vitória acalmou
os ânimos entre leões.
A Torcida estreia-se a coreografar numa noite europeia contra o Malines, distribuindo
19
20
cartolinas presas a uma luz. Durante essa campanha, na recepção ao Politehnica Timisoara, em
1990/1991, a inspiração veio dos espectáculos pirotécnicos da Curva B napolitana e, para esta
ocasião, a Tor Ver organizou a distribuição de 10 000 “estrelinhas”, uma combinação de cartolina,
arame e pirotecnia, produzidas artesanalmente e que cobriram a ocupação de metade da curva
sul. Na mesma temporada, para a meia-final da UEFA contra o Inter de Milão, o objectivo era de
cobrirem toda a curva norte com um lençol. Uma centena de membros trabalhou na preparação
da megabandeira de 150 metros por 45, que foi levada para o estádio às 7:00 da manhã para se
terminar a preparação, e na Superior Sul foi aberto outro lençol de 30x40 metros. A militância da
Torcida Verde foi também demonstrada através da pintura das bancadas do estádio, em 1991,
uma obra dura e duradoura, desde a raspagem elimpeza à pintura de 15 000 metros de betão.
Nos finais de 1992, os No Name Boys incendeiam a casinha da JL, destruindo todo o
material de bancada do grupo, bem como a infraestrutura. Foram tempos que exigiram resiliência
e dedicação à Juve, que teve um grupo de jovens irredutíveis que restituiu a dignidade à sede
do grupo e confeccionou todo o material para voltarem a embelezar a Superior Sul. Contam
que, quando faltavam as forças, paravam o trabalho, iam até ao interior do velhinho estádio
repor os níveis de motivação e aí sentiam que mais do que pela JL estariam sempre dispostos a
sacrificarem-se pelo Sporting, sentimento representado na faixa “Sporting Sempre”. Esta frase
inscrita viria a tornar-se num lema de todo o universo sportinguista, tendo sido estreada em
Fevereiro de 1993, num Sporting vs Braga com pouca assistência, no qual a Juve Leo aparece com
outra roupagem, fazendo uma tochada acompanhada do novo material. Não quer dizer que seja
coincidente, mas nos 90’s a Juventude Leonina torna-se cada vez mais ultra e o estilo folclórico
colorido e tradicional, com os mais variados e aleatórios elementos inseridos nas imensas
bandeiras, passa a ver-se misturado com elementos nacionalistas, hardcore e alguns de extrema-
-direita. A confecção era muito evoluída, resultando em material simples e lindíssimo, bem como
numa curva sul visualmente impactante. Nesses anos, fruto da onda skinhead de direita estar em
voga, começa a proliferar esse movimento no seio da Juve, que seria a base para o aparecimento
do Grupo 1143 anos mais tarde. Apesar da claque ser homogénea e multicultural, este grupo
vincou a sua posição, fazendo-se valer dos confrontos físicos.
Um marco importante a nível de mobilização ocorreu em 1994/1995, na deslocação de
mais de 10 000 sportinguistas ao Santiago Bernabéu, com uma enorme mobilização das claques
acompanhada pela SIC nos autocarros da Juve Leo. Nesse jogo foi realizada uma coreografia em
cartolinas, que preencheu todo o sector visitante. Nessa mesma época, a 7 de Maio, jogou-se um
Sporting vs Porto e, como era hábito nas partidas contra rivais, houve uma calorosa recepção à
equipa forasteira na zona da Porta 10-A. Quem já se encontrava no interior do estádio correu para
os varandins e, infelizmente, um deles cedeu à pressão, vitimizando mortalmente dois jovens e
ferindo muitos mais. Os médicos portistas socorreram logo as vítimas feridas, tendo esta tragédia
chocado toda a gente, mas mesmo assim não se teve o devido respeito para se adiar o jogo. Em
2011, o Sporting instituiu o dia 7 de Maio como o “Dia do Leão” e descerrando um memorial na
Praça Centenário do Estádio José Alvalade em homenagem aos leões que faleceram nos estádios,
como o caso de Rui Mendes, infelizmente assassinado num episódio negro, protagonizado por um
elemento dos NN, que atingiu o sportinguista com um very-light. Joaquim Pedro e José Freitas,
que faleceram durante um jogo com o Marítimo em 2009, também mereceram ser relembrados.
Os 90’s são berço da nova agremição, os Ultras Sporting, e de Pedro Santana Lopes,
que sucedeu a Sousa Cintra, dando início ao Projecto Roquette, num período de crise em que
acabou por ser criada a SAD. Uma das primeiras medidas de Santana Lopes é reduzir o número
de modalidades activas, tendo realizado um referendo no qual os sócios tiveram de fazer opções
21
22
que não abonavam a favor do tradicional ecletismo sportinguista. Algumas modalidades foram
extintas e algumas delas somente voltaram ao activo durante a presidência de Bruno de Carvalho.
José Roquette, neto de um dos fundadores do Sporting, e Luís Duque estiveram associados à
quebra do maior jejum de conquistas de campeonatos de Futebol, correspondente a 18 anos.
Apesar disso, meses depois, ambos acabaram por se demitir dos seus cargos.
Na época 2001/2002, Jardel, João Pinto e companhia formam uma equipa fantástica
que volta a vencer o campeonato, com os ultras leoninos a darem festival. No dérbi caseiro com
o Benfica, a Torcida Verde preparou uma coreografia composta por 12 megabandeiras abertas
entre a curva sul e a bancada central. Por sua vez, a Juve Leo gravou nessa época o primeiro CD
de uma claque nacional: “Só Eu Sei”. O áudio de estádio deste álbum foi gravado no jogo SCP - AC
Milan da Taça UEFA e lançado ainda antes do término do campeonato que viria a ser vencido
pelos leões, tendo estado no primeiro lugar no top português e chegando a disco de platina, fruto
da venda de mais de 40 000 exemplares. Neste trabalho, para o qual os cânticos dos ultras de, por
exemplo, Fiorentina e Cosenza inspiraram os leoninos, destacam-se os cânticos como “Só Eu Sei”,
“Curva Belíssima” e “O Mundo Sabe Que...”.
Por não se reverem no rumo da Juventude Leonina, alegando “total desorganização e
situacionismo de alguns elementos da Curva Sul”, pessoal muito activo e que conhecia in loco
o movimento italiano decide sair e formar o Directivo Ultras XXI. Este grupo, fundado a 17 de
Maio de 2002, aproveitou a nomenclatura do novo estádio para o seu nome, sendo alternativa
para renovarem a mentalidade nas bancadas de Alvalade. O Directivo apresentou-se desde
logo na pré-época presente em Portugal e Espanha, sempre com muito material levantado,
novas músicas e elaborando muitas coreografias nos primeiros jogos, coreografias essas bem
concebidas, chegando a lançar logo nessa temporada um CD. Nesta altura despoletaram-se
muitos confrontos entre JL e DUXXI, chegando ao ponto de, em diversos jogos fora, a polícia
estar na bancada a separar os grupos. Aí, Tor Ver e Directivo mostravam-se bem de saúde,
apresentando-se com centenas de membros nas deslocações, ao passo que a Juventude Leonina
tinha poucas dezenas de presentes. A direcção do grupo é reformulada e o Grupo 1143, bem
como o núcleo do Algarve, foram fundamentais para o grupo se segurar.
Em 2002, o clube inaugura a academia de Alcochete, uma da infraestrutura de classe
mundial projectada por Roquette, seguindo-se a inauguração do Alvalade XXI em 2003. Neste
recinto aconteceram dois jogos históricos na época 2004/2005, ambos da Taça UEFA. Falamos
do Sporting – Newcastle, um dos melhores ambientes de sempre, e da final contra o CSKA de
Moscovo, um momento marcante por bons e maus motivos. Para esse jogo, todas as claques
se reuniram na curva sul e importa referir que, nesta altura, a Brigada Ultras Sporting era o
mais recente grupo de apoio, uma vez que foi fundado a 12 de Setembro de 2004, por antigos
membros da Torcida Verde.
A cena sportinguista também desempenhou papel importante na aproximação à
subcultura Casual/Hooligan inglesa a partir dos inícios do novo milénio, fazendo-se notar mais
desde que a malta do Grupo 1143 adoptou uma postura low-profile, em que membros velha
guarda da Juventude Leonina se distanciaram do grupo por não se reverem e se foram juntando,
tendo à posteriori sido adicionados os Bambinos do Directivo à equação. Noutro âmbito, mas
também por essa altura, outros velha guarda da Juve, principalmente a malta que tinha feito
a recuperação da casinha e material do grupo em 1992/1993, forma a Ofensiva 1906, grupo
de reflexão e de intervenção na vida activa do clube fora da bancada, tentando consciencializar
adeptos e lutar contra a SAD. A Ofensiva foi a semente que levou à constituição da Associação de
Adeptos Sportinguistas anos mais tarde, agremiação que viu três membros seus serem nomeados
23
24
em assembleia eleitoral do clube para o Conselho Leonino.
Um jogo que quem viu nunca mais esquecerá é a meia-final da Taça de 2007/08, SCP 5
- SLB 3, pelo espectáculo proporcionado dentro e fora das quatro linhas. No topo norte estiveram
11 000 visitantes, num dérbi de emoções fortes no qual os ultras da casa, todos juntos na curva
sul, antecederam os 120 minutos de apoio com a apresentação de um lençol (listado com o
símbolo do clube ao centro) que cobriu todo o piso inferior.
Com o regresso de Musta, a Juve Leo começou a aplicar a intenção de acabar com a
conotação à extrema-direita, tal como com os cânticos racistas, ideia que viria a ser reforçada
mais tarde, numa altura em que também já havia espaço para a propagação de elementos ligados
à esquerda. Numa altura de diferendo entre ultras e direcção do clube, surgem os Independentes
Curva Sul. Composto por malta experiente no meio radicada na bancada norte, reaproximam
antigos integrantes à Juventude Leonina, reforçando assim o sentido crítico na defesa dos valores
do SCP.
O dérbi caseiro de 2009/2010 fica marcado pela coreografia da Juve, feita em plástico
a toda a largura do topo sul e erguida com recurso a uma estrutura metálica alavancada por um
motor, algo nunca antes visto no burgo. A recepção aos encarnados em 10/11 ficou marcada
pelo uso desproporcional de força policial à qual os elementos da JL responderam, ocorrendo
confrontos pesados durante largos minutos. Infelizmente, este tipo de acção da autoridade
aconteceu mais vezes em Alvalade, uma delas recentemente.
A temporada 2013/2014 marca a reunião dos quatro grupos de apoio na curva sul, o
que trouxe uma nova dinâmica que se repercutiu em todo o estádio, que se viu envolvido em
grandiosos ambientes, e que foi também uma época marcante pelas deslocações aos terrenos
de Benfica e Porto. Cerca de 6500/7000 sportinguistas foram à Luz para protagonizarem uma
das melhores noites de apoio naquele estádio, num jogo da prova rainha que terminou 4-3. Por
sua vez, o jogo no Dragão fica marcado por uma incursão leonina, em que a grande maioria dos
intervenientes eram dos Sporting Casuals, pela alameda que acabou mal para os mesmos. Houve
ainda o surgimento da banda Supporting, conjunto composto por malta intimamente ligada ao
movimento ultra, que refrescou o movimento associativo sportinguista com belíssimos trabalhos
musicais dedicados ao Sporting e ao amor ao Futebol do povo, realizando concertos memoráveis
no Jamor e em convívios de norte a sul de Portugal. Nestes dez anos de actividade lançaram já
dois álbuns e um EP, pondo os grupos e consequentemente todo o estádio a cantarem originais
seus como “Força Brutal, “Rapazes de Verde e Branco”, “A Turma de Alvalade”, “Braços no Ar”,
“Voto Solene”, “Vais Ganhar”, “Dia de Jogo” e “Campeões”. A partir da referida reunião de grupos
no topo sul, Juventude Leonina e o Directivo vão melhorando as suas performances coreográficas
e começam a apresentar com regularidade tifos usando roldanas para trabalhos apresentados
em “suspensão”, algo que até aqui não era habitual.
Em 2017 dá-se um novo momento muito negativo para todos aqueles que gostam do
movimento de apoio. Numa das habituais incursões pré-dérbi ao estádio rival, os ultras Sporting
estavam acompanhados por amigos de Florença e, após levarem a sua avante, a entrada nos
carros para retornarem a Alvalade não se dá da melhor maneira, ficando o italiano Marco Ficini
para trás, sendo, infelizmente, atropelado por um No Name. Até ao dia de hoje, Ficini tem
merecido homenagens da parte dos sportinguistas.
Após o Marítimo -Sporting de 2017/2018, os adeptos fazem ouvir o seu desagrado por
verem a equipa hipotecar as hipóteses de serem campeões, tendo alguns jogadores ripostado
e retorquido as palavras dos adeptos. No Aeroporto do Funchal dá-se o primeiro momento de
tensão entre ultras e jogadores e, dias depois, um grupo invade a academia por altura do treino e
25
ataca a equipa. Isto levou à detenção e prisão de membros dos grupos por mais de um ano, num
processo que abriu uma grande crise no clube, levando à demissão de Bruno de Carvalho.
Deu-se o Covid e, com jogos à porta fechada, o Sporting volta ser campeão. Depois
do regresso, continuam a aglomerar-se dissidentes dos grupos na curva norte, animando bem
aquele sector que se encontrava “morto”, para onde regressaria o DUXXI em 2022. A situação
entre Juve Leo e Directivo nunca ficou bem resolvida, ocorrendo vários confrontos ao longo dos
anos, tendo isso contribuído para o regresso à norte, tal como o facto de não terem aceite o
protocolo proposto pela SAD para colocação das claques dentro de uma ZCEAP.
À data, os grupos leoninos vivem um bom momento, numa era de repressão em que
continuam a destacar-se sobretudo pelo apoio vocal, aspecto em que sempre foram muito fortes,
bem como no uso de pirotecnia. Esta época, 2023/2024, em deslocações a Bergamo e Berna, os
grupos uniram-se e levaram a cabo duas coreografias em jogos da Liga Europa, contribuindo assim
para mais uma página de história de um movimento conceituado e com enorme responsabilidade
no meio em que se encontra inserido.
Por L. Cruz
26
27
28
O Cosmos Criou o Parisiense Para Que os
Forasteiros Nada Pudessem Entender Dos
Franceses: divagações em torno do futebol
na cidade do amor
Para boa parte dos amantes da
cultura de bancada, pensar sobre o mundo
do futebol em Paris é pensar no Paris Saint-
Germain (PSG) e nos seus icónicos grupos de
apoio, tanto inseridos na Kop de Boulogne
como na Virage Auteuil, que tanta vida deram
ao ambiente do Parc des Princes. Para outros
portugueses, que se dedicam a observar
mais aquilo que se passa dentro do relvado,
talvez lhes venha à memória a figura de Pedro
Pauleta, um dos jogadores mais acarinhados
pelos adeptos na capital francesa, ou mesmo
do treinador Artur Jorge.
O PSG é hoje um dos clubes
mais conhecidos a nível mundial, fruto
do investimento subsidiado pela empresa
Qatar Sports Investments (QSI), ligada ao
governo qatari, desde 2011. Pela mão de
Nasser Al-Khelaifi, CEO da QSI, vários foram
os nomes sonantes que assinaram pelo
clube parisiense (de Ibrahimovich, Cavani e
Beckham a Messi, Neymar e Mbappé, entre
muitos outros), ainda que os resultados
mais proveitosos desta estratégia desportiva
(e de marketing) se tenham fixado mais
no proveito da componente comercial do
que na demonstração de um total poderio
competitivo ao grande nível europeu. No
entanto, a história do PSG, criado apenas em
1970 a partir da fusão entre dois pequenos
clubes locais (o Paris Football Club e o State
Saint-Germain) nem sempre foi de intenso
glamour. A primeira década da sua existência
ficou marcada por uma série de altos e
baixos (passariam pela 3ª e 2ª divisões) que,
nos anos 80, acabaria por compensar: a sua
perseverança trouxe ao clube a primeira
Taça de França, em 1982, e o tão desejado
principal campeonato francês, na temporada
de 1985/1986. A década de 90 apenas viria
confirmar o estatuto de clube respeitável,
sobretudo no seu contexto nacional, mas
também fora de portas. Em 1996, os
parisienses ganhariam, por fim, a Taça dos
Clubes Vencedores das Taças, frente aos
austríacos do Rapid de Viena.
Une aventure avec un prince
Ainda que várias figuras bem
conhecidas da cidade se tivessem tornado
parte da comunidade adepta do PSG desde
cedo, ajudando parcialmente o clube
a sedimentar as suas raízes na cidade -
pensamos em pessoas como Daniel Hechter,
conhecido designer, ligado a filmes como Une
Parisienne (1957), no qual pôde vestir com as
suas criações a icónica atriz Brigitte Bardot,
e que imaginou o clássico equipamento
do clube, ou como Jean-Paul Belmondo,
ator-estrela do mundo pop francês e um
dos fundadores do clube, tendo-lhe sido
mesmo feita referência no tifo planeado
pelos membros do Collectif Ultras Paris
(CUP) e exibido frente ao AC Milan, no final
de outubro do ano passado - a popularização
do PSG teve um desenrolar progressivo. Esta
popularização tanto acompanha a própria
história de paulatino sucesso do clube, como
se deve a múltiplas campanhas que, durante
os anos 70 e 80, procuraram oferecer bilhetes
monetariamente acessíveis aos mais jovens
da região.
Assim, não é de estranhar que
seja precisamente nos finais de 70 a que
assistimos ao despontar, no topo sul do
estádio, da cenografia corporal que crescia
e acalentava a equipa. Conhecido como
Kop of Boulogne (KoB), o topo, ativado pela
performance dos que o compunham, virado
para a localidade parisiense de Boulogne,
tornou-se bastante famoso, nomeadamente
a partir da década de 80, por uma postura
irreverente que, não raras vezes, perpassava
o simples apoio vocal. Influenciados, em
parte, pela cultura hooliganística inglesa,
vários grupos foram ganhando notoriedade
no topo. Entre os mais conhecidos tínhamos
os Boulogne Boys, fundados em 1985, tido
como o primeiro grupo de apoio, por estas
bandas, a incorporar o estilo italiano da
subcultura ultra e aqueles que, mais tarde,
comandariam o destino da bancada. Ainda
assim, tantos outros grupos surgiram por
esta mesma época - entre vários, podemos
apontar, a título de exemplo, os Gavroches,
os Rangers, os Firebirds, os Commando Pirate
ou a Casual Firm Paris.
Culminando com a entrada do
investimento dos donos do Canal+ (grupo
de comunicação francês), já na década de
90, o clube encetou uma promoção ao apoio
organizado, agora na bancada oposta, a
norte, também atrás da baliza, que passaria a
ser conhecida como Virage Auteuil. Em 1991,
dois dos grupos que marcariam o apoio no
Parc des Princes eram fundados - os Supras
Auteuil e os Lutèce Falco. Dois anos depois,
nasciam os Tigris Mystic.
Ainda assim, devemos avisar
que não nos pretendemos alongar
pormenorizadamente sobre as disputas
bem conhecidas entre os diferentes grupos
de ambas as curvas parisienses. Se os
elementos da KoB foram sendo conotados
com a extrema-direita, tendo nas suas fileiras
vários jovens associados à cultura bonehead,
os membros da Virage Auteuil estariam
mais politicamente inclinados à esquerda,
sendo certo o cultivo de uma postura mais
aberta à inclusão da juventude não-branca e
imigrante. O choque foi inevitável, porém não
é somente isto que aqui nos traz até vós.
Talvez pela sua história, mas
sobretudo pelo desejo de melhor
compreender a história e a realidade do
panorama das bancadas de Paris aos dias que
correm e de entender como essa se conjuga
com as notas milionárias do futebol do século
XXI, fomos tomar o pulso à cidade e aos
adeptos do PSG, junto do CUP, em setembro
do ano passado, a partir daquele que é um
dos grandes clássicos europeus – o jogo
entre o Paris Saint-Germain e o Olympique
de Marseille (sim, sabemos que os visitantes
estão impedidos de frequentar o estádio rival
desde 2018 e que, por isso, não poderemos
oferecer o ponto de vista do outro lado, mas
29
culpem as autoridades, não o autor!).
Não desejando desviar-nos do
tópico, julgamos importante ir fazendo nota
de alguns dos momentos que fomos vivendo,
pelas ruas da cidade, nos dias prévios ao jogo
e, mais tarde, durante este último. Chegados
a Paris, aproveitando um setembro ainda
soalheiro, somos amigavelmente recebidos
por Levon e Tim, junto à Praça da Bastilha,
lugar simbólico da Revolução Francesa do
século XVIII. Após desfrutarmos do lifestyle
parisiense por algumas horas, com os
seus típicos cafés virados para a rua que
convidam à troca de olhares e ao diálogo
com o próximo, o plano da tarde altera-se
bruscamente. Afinal, era imperativo tomar
parte de uma festa de música eletrónica a
acontecer na street e, claro, fazer-nos notar
num dos vários protestos a acontecer por
toda a França contra a violência policial (no
rescaldo do assassinato do jovem Nahel,
por parte de um polícia, que originou uma
onda de indignação e de revolta pelo país).
Ah, a vida parisiense! Nada melhor do que,
no decurso de um par de horas, passarmos
de um passeio relaxante junto ao rio Sena
para depois irmos casualmente libertar ao
mundo a nossa raiva (in)justificada, enquanto
escutamos um minimal techno como som
de fundo. Horas depois, ao final do dia, já
em modo de preparação para o clássico,
percebemos que a manifestação da qual
fizemos parte se tornara alvo de discussão
nacional. Ao que tudo indica, durante os
protestos na cidade, um polícia teria sacado
e apontado a sua arma de serviço aos
protestantes, o que levou a um escalar da
violência. As conversas de sofá prolongaram-
-se noite dentro, entre a partilha de opiniões
sobre a brutalidade policial e o que se haveria
de esperar do grande jogo do dia seguinte.
Devaneios à parte, o legado da
participação fervorosa naquilo que poderemos
denominar enquanto ação política, por parte
dos jovens e menos jovens que por aqui
habitam, obviamente que terá a sua influência
na hora de acalentar as diferentes disputas
de poder, simbólicas ou não, que nos saltam
à vista quando nos inteiramos das diferentes
histórias de bancada em Paris. Disto mesmo
nos damos conta quando aprofundamos
a nossa conversa com Tim. Membro de um
antigo grupo de apoio ao PSG, que há alguns
meses cessou a sua atividade, Tim contanos
que, pessoalmente, dividiria a história
das bancadas parisienses em três diferentes
períodos. Se de um ponto de vista global,
para si, “o movimento ultra desenvolveuse
bastante nos últimos 20 anos”, tendo em
conta que a assistência foi aumentando e
que os grupos estão “mais estruturados”, por
outro lado esse processo foi acompanhado
por um “aumento da repressão”. Certo é
que, para Tim, entre 2000 e 2010, ainda que
o seu estádio não estivesse sempre cheio,
devido às fracas performances da equipa, a
liberdade nas bancadas era “real”, havendo a
possibilidade de “a partir de um ponto de vista
ultra, conseguirmos fazer o que quiséssemos,
desde o uso de pirotecnia até à exibição de
frases contra a própria direção do clube”. O
segundo período poderia ser dividido entre
2010 e 2016, já após a aplicação do plano
Robin Leproux (presidente do clube a partir
30
de 2009), no qual foram banidos do estádio
centenas de adeptos e obrigados a cessar
atividade, por intervenção estatal, os grupos
de apoio da KoB e da Virage Auteuil (anos
antes, os Tigris já teriam cessado atividade,
após uma série de confrontos violentos). O
plano Leproux foi em parte sustentado pelo
mediatismo que a morte de Yann, membro da
Casual Firm, causou, em março de 2010, após
uma rixa que opôs os ultras da Virage e da
KoB, alegadamente por diversas divergências
(incluindo políticas). Tim afirma-nos que, aos
seus olhos, este período pode ser designado
enquanto um “período de protesto”.
Desde cedo, foram vários os adeptos que
se opuseram à forma desenquadrada que
levou ao afastamento de vários adeptos do
estádio, assim como se mostraram contra as
medidas arbitrárias do
novo plano securitário
(somadas às diferentes
regulamentações,
introduzidas em 2006,
sobre o controlo de
comportamentos
“desviantes” no mundo
do desporto francês,
inspiradas nas práticas
legais e administrativas
aplicadas ao meio
urbano, já depois das célebres “desordens”
urbanas/suburbanas de novembro de 2005),
entre as quais a obrigação de aceitar um
qualquer lugar aleatório decidido pelo clube
na compra do bilhete de época anual ou de
um ingresso de associado em dia de jogo
(membros da Virage poderiam agora ir parar
à KoB e vice-versa, por exemplo). O tio de
Tim, segundo nos diz, deixou justamente
de frequentar o estádio porque, apesar de
ocupar o mesmo lugar desde a década de 90,
lhe foi atribuído um outro sítio que o afastou
da sua visão de sempre e, mais importante,
dos seus companheiros de bancada. Para
Tim, o desejo do clube era mesmo “matar
qualquer movimento organizado”, uma vez
que “se trouxesses, por exemplo, um simples
cachecol afeto a um dos grupos de apoio
a tua entrada seria barrada”. A atmosfera
desmereceu por estes anos: não houve tifos
realizados e não se vislumbrava qualquer
espetáculo pirotécnico. O mesmo seria dizer
que “o estádio morreu”. Fora do recinto, no
entanto, refere que o caso foi ligeiramente
diferente. Apesar de alguma descrença e da
perseguição altamente repressora por parte
do clube e do Estado, vários adeptos mais
fanáticos lutaram pela sua liberdade em
apoiar. Exemplo disto foi a criação de alguns
“sindicatos” enquanto via de protesto (Le Parc
C’était Mieux Avant, Les Brothers, Paname
United Colors), do surgimento de novos
grupos de apoio entre 2010 e 2013 (Liberté
Pour les Abonnés, Nautecia, Le Combat
Continue, Parias Cohortis, Catégorie D) e até
mesmo a continuação
da atividade por alguns
outros (Lista Nera
Paris e K-Soce Team).
Depois disto, chegaria
a terceira e atual fase,
de 2016 até hoje.
Tim lembra-nos que
“após vários anos de
protesto, conseguimos
formar o Collectif Ultra
Paris (CUP), depois de
difíceis negociações com o clube”. Ainda que
com várias restrições impostas pela polícia e
pelo clube (supostamente temporárias, mas
que se foram perpetuando no tempo), entre
elas a total liberdade de deslocação, o nosso
companheiro refere que este foi, sem dúvida,
“um renascimento para todos os envolvidos”.
Jusqu’ici tout va bien
Era certo que tínhamos de ver toda
esta mixórdia flamejante com os nossos olhos
e, no dia seguinte, lá nos fazemos ao caminho
para nos encontrarmos com outro amigo,
Pierre, que nos garantiria entrada na Virage
Auteuil para este jogo de loucos - afinal,
estava em causa não apenas a honra do clube
e da cidade, mas a própria luta pelo topo da
31
tabela classificativa.
Após uma paragem numa pequena
mercearia, com a sua entrada forrada a
stickers afetos aos grupos parisienses, perto
do estádio, com o intuito de nos abastecermos
de alguns refrescos, seguimos para o primeiro
checkpoint. Sim, há vários checkpoints, com
imensas grades e agentes de segurança à
mistura, antes de conseguirmos demorar-
-nos nos cafés colados ao Parc des Princes. A
cerveja estava mais cara e cá fora já se ouvia
barulho vindo da Virage; assim, decidimos
enfrentar os checkpoints seguintes e, após
uma revista exaustiva, lá nos conseguimos
esgueirar para o nosso setor. Antes, Pierre
faz questão de me fazer uma pequena
visita guiada pelos túneis e corredores que
dariam acesso às bancadas, pois, ao que
parece, também por aqui podemos sentir a
dedicação e a criatividade dos adeptos. Entre
vários dos tags e graffitis que dão cor aos
acessos, e onde logramos encontrar distintas
referências a vários pontos históricos da
cidade, a figuras carismáticas do clube,
aos diferentes grupos de apoio do CUP e
à imagética pop, dois conjuntos saltam-
-me à vista. A primeira intervenção visual
mostra três jovens, vestidos a rigor com as
cores do clube da capital, a interpelarem-
-nos com um olhar desafiante (dois deles
seguram uma tocha nas suas mãos), sob a
imponência de uma Torre Eiffel reimaginada.
Todo este conjunto remete-nos para os
três jovens protagonistas do filme La Haine
(1995), película francesa que nos oferece
uma visão crítica sobre a violência policial, a
desigualdade social e a discriminação racial,
mormente sentida nos subúrbios da cidade
de Paris. Lembra-vos de algo? O segundo
conjunto presta homenagem a James,
antigo membro do grupo Liberté Pour les
Abonnés (LPA Paris) e respeitado porta-voz da
Association Nationale des Supporters (ANS),
que faleceu, infelizmente, durante 2020. A
sua boa-disposição que trespassa na imagem
desenhada é acompanhada por uma das suas
causas de sempre: “nunca conseguirão banir
um adepto”! Horas antes, Tim já me tinha
confidenciado que um dos momentos mais
marcantes que viveu nesta bancada teria sido
precisamente quando o clube permitiu que
prestassem homenagem a James, reservando
o estádio apenas para alguns adeptos e,
especialmente, para a sua família, que pôde
então assistir à exposição de um tifo em sua
32
memória.
Devemos mencionar que, semanas
depois de termos visitado estes acessos
na bancada Auteuil, a organização do CUP
decidiu apagar todas as referências aos
grupos dissidentes do seu coletivo. Sorte
a nossa. Segundo consta, depois da autodissolução
dos LPA Paris no final da época
passada, após uma série de confrontos entre
estes e os grupos que comandam a curva
(nomeadamente os K-Soce Team), há uns
tempos foram os Nautecia também a anunciar
o fim da sua atividade no coletivo, alegando
divergências irremediáveis com a cúpula
do CUP. Alguns ex-membros destes grupos
revelaram-nos, por estes dias que por lá
estivemos, que a razão para a sua debandada
se deve, em parte, ao espírito de protesto
que nunca saiu da alma dos seus grupos
(criados durante a altura de maior repressão
sobre as bancadas parisienses). Como tal,
nunca deixariam de criticar a direção do seu
clube, sobretudo quando a promiscuidade
desta com o mundo do negócio puro e duro
prejudica, segundo os mesmos, a essência
do próprio PSG. É inevitável vir-nos à cabeça
alguns paralelismos com outros contextos,
uma vez que os grupos com maior poder
(físico e simbólico), apesar de cultivarem
um renovado sentido de apoio à equipa,
servem intermitentemente de braço armado
daqueles que comandam os destinos do clube,
restringindo a livre expressão dos que diferem
na sua visão sobre o futuro desse mesmo
clube. Com isto, sobram no coletivo, ao dia
de hoje, os seguintes grupos: K-Soce Team,
Le Combat Continue, Parias Cohortis, Urban
Paris e Beriz Crew. O nosso companheiro Tim,
no entanto, deixa escapar que os membros
dos grupos dissolvidos não estão paralisados,
bem pelo contrário. Segundo me conta, vários
grupos de dissidentes têm marcado a sua
presença nos jogos das equipas de formação
(nas recentes deslocações a Le Havre e a
Lens, por exemplo), sendo estes “adeptos
que, no fundo, foram banidos do seu próprio
estádio por se oporem à gestão atual do
seu clube, tendo assim o direito de lutar
pelos seus direitos e pela sua liberdade; não
nos podemos esquecer que os parisienses
são conhecidos pela sua faceta rebelde e
insubmissa”. Alguns banners exibidos numa
destas deslocações parecem mesmo ter
servido para responder à letra às acusações
que os líderes do CUP fizeram aos membros
dissidentes – acusando-os, em comunicado,
de desejarem reavivar nas suas bancadas
uma “gangrena hooliganística”. Numa dessas
frases poderíamos ler: “Nous n’accepterons
jamais le retour d’une grangrene liberticide
a Paris”, ou por outras palavras, não se
esqueçam que há sempre aqueles que, por
toda a sociedade, lutam contra qualquer
tipo de gangrena liberticida. Como nos é
33
34
relembrado pelo nosso amigo, “Paris é uma
cidade com mais de dois mil anos de idade,
e a era qatari não representa nada na nossa
história”.
Já depois de termos pagado 10
euros por um simples hambúrguer, subimos
finalmente ao topo da Virage para aí nos
instalarmos para a partida. O ambiente é
arrepiante. Os atletas marselheses, durante
o seu aquecimento, são uma e outra vez
insultados; os que defendem as cores do
PSG recebem amor como nunca. Vemos um
tifo a ser preparado e sentimos que vai ser
especial. Pierre avisara-nos anteriormente
sobre a coreografia a ser realizada: esta
seria exposta não apenas na curva, mas
também na parte central das bancadas. A
expectativa era muita e o líder da curva pede
para que todos colaborem. Quem não ouviu
isso parece ter sido o promotor do jogo:
acabamos a assistir a um exemplo vivo sobre
como estragar meses de muito trabalho a pro
bono ao se desligar os holofotes do estádio
para, em seguida, apresentar um jogo de
luzes que mais nos remete para um qualquer
pré-evento norte-americano da NBA ou da
NFL do que outra coisa. Cereja no topo do
bolo: uma canção qualquer da moda que não
conseguimos apanhar (estávamos demasiado
ocupados a olhar cada falha de tinta do tecido
sobre as nossas cabeças que nos fazia refletir
sobre as muitas horas de camaradagem que
permitiram a construção deste imponente
cenário visual) abafa, através do speaker
do estádio, aquele que era o apoio vocal
ensurdecedor até então dado ao plantel
recheado de estrelas. Felizmente, com a
ajuda da exibição da equipa, os adeptos
espalhados pelas bancadas lá se fizeram
sentir ferozmente durante todo o encontro.
Um casal à minha frente, caucasiano, na
casa dos seus 60 anos de idade, muito
provavelmente de uma classe média alta (o
racial profiling não pode servir só para uns,
lamenta ironicamente este vosso autor),
abraçava companheiros (des)conhecidos,
não-brancos, que, possivelmente partindo
de outras trajetórias de vida, filhos de uma
2ª, 3ª ou 4ª geração imigrante, deliravam
a cada golo marcado em prol do clube da
cidade que os viu nascer e por cada tocha
acesa. Todo o estádio acompanhava a Virage,
quer nos cânticos que visavam levar a equipa
para a frente, quer nos insultos (alguns
homofóbicos, que levou mesmo à interdição
da bancada, algumas semanas depois, pela
Liga Francesa) à equipa adversária. Demos
várias vezes por nós também a acompanhar
o ritmo que fazia literalmente a estrutura do
estádio estremecer.
Final do jogo e vitória da equipa da
casa. Demoramos mais de meia hora para
conseguir sair do setor, uma vez que a festa
irrompia por cada acesso, túnel e escadaria
do estádio. Todo este sentimento acabaria
por transbordar para as zonas envolventes
do recinto: vemos várias tochas acesas em
aglomerados que tomavam conta de postes
elétricos e estruturas que, de alguma forma,
ofereciam um género de palco improvisado
a esta disrupção efusiva no espaço urbano,
ainda que controlada pelo olhar atento da
polícia de choque. Despedimo-nos do Pierre,
apanhamos o metro e perdemo-nos a falar
com Tim. Comentamos o facto de vermos
imensos “adeptos-turistas”, o que serviu
de mote para o nosso companheiro nos
esclarecer que, para muitos dos ultras, esses
são conhecidos como os “neo-adeptos” ou,
melhor, os “lynx”, numa referência à mascote
do clube que surgiu depois do plano Leproux.
Questionado sobre o que pensa da voz crítica
que pode florescer ou não das bancadas
parisienses, Tim afirma que “aqueles que
estão aqui apenas para ver e tirar fotos com
as estrelas, hoje a maioria do Parc des Princes,
não querem saber do rumo do clube”. Mais
à frente, de forma categórica, conclui que
“os lynx se estão a borrifar para os restantes
adeptos do PSG colocados em listas-negras
pelo próprio clube, desde que consigam ver
o seu Mbappé; eles não se interessam, por
exemplo, pelo estilo e pelas cores históricas
da nossa camisola ou pelas mudanças no
emblema histórico do nosso clube (que com
os qatari perdeu os elementos visuais que
o ligavam à localidade de Saint-Germain),
desde que atrás esteja escrito Neymar ou
Messi”. O desabafo não parou por aqui e
Tim menciona que “a intoxicação pelos bons
resultados e por todo o consumismo está
a chegar a vários adeptos do PSG, quando
dispomos de tantos temas para resolver ou
por defender, tais como o naming do estádio,
a nossa camisola histórica e o nosso emblema
de sempre, os preços exorbitantes dos
bilhetes, o abandono da língua francesa nos
comunicados do clube e, sobretudo, todos
os direitos e liberdades dos adeptos”. O que
é irónico, mas irritante, é que “o clube está
extremamente atento quando um qualquer
turista faz um comentário negativo, nas redes
sociais, sobre a sua experiência no estádio,
quando as exigências dos verdadeiros
adeptos do PSG continuam a ser ignoradas”.
Talvez como sinal de esperança, todavia, Tim
faz questão de mencionar, mais uma vez,
que outros adeptos continuam a exercitar
a sua lucidez crítica: “alguns têm boicotado
o seu apoio desde o plano Leproux, o que
coincidiu com a chegada dos qataris”. É
graças à resiliência deste conjunto de vozes
que, aliás, a “camisola hechter” (assim é
conhecida a histórica jersey desenhada por
Daniel Hechter, já apontada neste texto) teve
o seu efémero ressurgimento na temporada
de 2020/2021.
Tout appartient à l’avenir
Em bom rigor, podemos resumir
aquilo a que pudemos assistir nas bancadas
e, durante estes dias, discutir com os nossos
amigos parisienses como a pura tensão e
demais contradições inerentes ao processo
de mercantilização do futebol – apenas mais
um campo tomado pela engrenagem da
bem oleada máquina do modelo capitalista
obsessivamente virado para o lucro – que, a
reboque, afeta as próprias culturas adeptas
de um qualquer clube. Em conversa com
Levon, deixei no ar se existiria algum tipo
de inevitabilidade neste processo que,
necessariamente, deixa marcas profundas na
forma como as comunidades tendem a viver o
mundo do futebol. Não chegámos a nenhuma
conclusão definitiva, mas entretanto, por sua
sugestão, encontrámos um novo destino na
cidade que deveríamos obrigatoriamente
explorar: o Ménilmontant Football Club 1871.
Em poucos minutos damos por
nós em viagem, juntamente com um grupo
misto, entre rapazes e raparigas, alguns deles
frequentadores ou ex-frequentadores do
Parc des Princes, rumo a um pequeníssimo
estádio (Centre Sportif Louis Lumière),
fora do centro da cidade, na zona de
Montreuil. Ao chegarmos, o primeiro grande
contraste, quando comparando com o que
presenciámos no Parc des Princes, reportase,
desde logo, à casualidade e liberdade que
35
pudemos aproveitar para entrar, circular e,
claro, permanecer no estádio. Várias foram as
pessoas com quem nos cruzámos que, ora se
apressavam para estacionar as suas bicicletas
junto aos portões da entrada para irem
ver a bola, ora faziam o caminho inverso e
abandonavam o local, talvez porque o treino
da modalidade que praticam no recinto
terminara e era hora de dar espaço ao jogo do
acarinhado Ménil FC. De admissão gratuita, e
tão natural quanto o término de um passeio
citadino que agora se estendia e terminava
nas bancadas de betão, somos positivamente
surpreendidos pela quantidade de pessoas
que ali estavam em comunhão, sem
necessidade da vigilância policial sentida
no Parc des Princes, num final de tarde frio,
para ver um clube amador jogar. Agarramos
a nossa lata de cerveja (aqui vendida por
alguns adeptos da equipa, a pouco mais
de 50 cêntimos, como forma de angariar
dinheiro para a sua causa) e instalamo-nos
como se esta fosse a nossa casa de infância.
Salta-nos à vista, num primeiro momento, um
pequeno estandarte no qual poderíamos ler
“still not loving police”; copy that, as próximas
horas vão ser radicalmente diferentes do que
experienciámos até aqui.
Pouco ligando ao que se passava
dentro das quatro linhas, mas sempre
apoiando incessantemente com a sua voz e
através de pequenas bandeiras, chama-nos à
atenção do nosso olhar o grupo que puxava
pela equipa da casa, cujas cores – o vermelho
e o preto – nos remetem igualmente para uma
atitude de desafio da ordem e de inquietude
face a uma série de injustiças sociais. Disto
logo temos evidência quando se canta a alto
e bom som “SIAMO TUTTI ANTIFASCISTI!”,
desmontando a fábula neutralizante de que
o desporto não é política. Não resistimos e
juntamo-nos aos elementos do grupo.
Antes de conseguirmos aprofundar
qualquer tipo de conversa, notamos que o
movimento ao intervalo é muito e bastante
organizado. Minutos depois, as dúvidas
eram desfeitas: vamos poder assistir a um
pequeno tifo – no qual conseguimos ler o
mote “Football Populaire” – juntamente com
a ignição de vários dispositivos pirotécnicos,
que serão usados como um apoio extra
à equipa. Após um dos poucos registos
fotográficos que conseguimos fazer para a
posterioridade, somos interpelados por um
membro do grupo de apoio que, temendo a
exposição da sua cara, nos questiona sobre o
nosso propósito. Ainda bem que o fez. Com a
ajuda do nosso amigo Levon no desbloqueio
da tertúlia, esta era a deixa para nos
inteirarmos sobre a realidade deste curioso
clube plantado nos arrabaldes de Paris.
Segundo conseguimos apurar, o
Ménil FC foi criado em 2014 e reivindica-se
de uma identidade popular, anticapitalista e
antifascista, seguindo os desígnios de uma
autogestão horizontal e participada, onde
cada membro tem sempre uma palavra
a dizer e é dono do destino do seu clube a
100%. O seu nome, Ménilmontant 1871, faz
referência a um histórico bairro anarquista
de Paris e à célebre Comuna de Paris,
despontada na segunda metade do século
XIX; já no seu emblema, podemos denotar
36
não só uma alusão à capital de França, mas
também à própria história insurrecional da
mencionada Comuna.
A conversa torna-se ainda mais
interessante quando conseguimos obter a
perspetiva de um membro destacado do
clube. A sua visão sobre as outras agremiações
desportivas da cidade é, por si, facilmente
resumível: “o PSG dá corpo àquilo contra o
qual lutamos aqui, apesar de ser o clube que
muitos de nós apoiava (e alguns ainda apoiam)
antes da criação do Ménil FC; já o Red Star
FC, apesar de dimensão menor, é um clube
profissional que encaixa perfeitamente no
modelo do futebol-negócio (o seu presidente
tentou por diversas vezes deslocar o clube
do seu histórico estádio, antes de fomentar
a ideia de que o melhor para o destino da
coletividade seria a sua venda a um fundo de
investimento norte-americano)”. Mais tarde,
aprofunda: “os adeptos do Red Star estão a
lutar contra tudo isto e estão politicamente
comprometidos, mas o seu clube não é um
modelo alternativo, pelo contrário; outros,
tais como o Paris FC ou o Créteil, são clubes
que também cumprem todos os habituais
requisitos do futebol moderno”. Visto de
fora, o Ménil FC pode parecer-nos apenas
mais um clube de nicho, mas a verdade é
que os seus intuitos estão bem traçados e
apontam para um caminho ligeiramente
diferente do comum. E não somos nós que o
dizemos: “o projeto cresceu com o objetivo
de oferecer uma diferente forma de ação
política, afastando-se das formas clássicas de
ativismo (sindicatos, greves, demonstrações),
e de brindar a todos com um clube acessível
e ético; no geral, quisemos deixar espaço
para que os adeptos de futebol se pudessem
envolver mais na política e, inversamente,
que os ativistas descobrissem um modelo
alternativo de desporto”.
Saídos de um universo dominado
pela subcultura ultra (neste caso, a Virage
Auteuil), tivemos de perguntar sobre a
influência dessa mesma subcultura aqui no
Ménil. A resposta foi, no mínimo, estimulante:
“mesmo que sejamos inspirados pela cultura
ultra, não nos consideramos ultras; não
pretendemos sê-lo pela simples razão de que
o clube a nós nos pertence, pois não somos
um corpo independente do clube, como
a maioria dos grupos organizados o são”.
Contudo, não desdenham o movimento:
“apesar de tudo, identificamo-nos com
muitos dos valores do mundo ultra: o futebol
enquanto desporto popular, os adeptos como
agentes relevantes no meio e não como
consumidores, o apoio às nossas equipas
através de diferentes atividades visuais e
vocais (tifos, bandeiras, cânticos, etc)”.
A nossa mente pode facilmente
levar-nos a antever uma miríade de problemas
junto das instituições centrais. Para desvendar
esta dúvida que nos assolava, quisemos saber
quais os principais problemas, a esse nível,
que tiveram desde a criação do clube. A
resposta não demorou: “temos tido diversos
problemas com a Federação Francesa de
Futebol, uma vez que o nosso modelo entra
em direto conflito com algumas das suas
regras federativas, nomeadamente o nosso
envolvimento político e o facto de não termos
37
38
identificado claramente líderes e de todas
as decisões serem tomadas coletivamente
(fomos obrigados a declarar um presidente,
um tesoureiro e um secretário, mas para
nós são apenas nomes num pedaço de
papel)”. Já junto do Estado, os problemas
são de diferente natureza, dizendo respeito,
na sua maioria, a multas referentes ao uso
de pirotecnia nas bancadas e à exibição de
uma coreografia que, em 2019, gerou uma
controvérsia generalizada. Neste último
episódio, os nossos interlocutores referem-
-se a um tifo onde ostentaram um carro da
polícia em chamas, acompanhado por uma
frase do rapper parisiense Hugo TSR: “Ici
on rêve que les poulets rôtissent”, ou, em
português, “aqui sonhamos que as galinhas
assem”. Contam-nos, assim, que um site
conotado com a extrema-direita “escreveu
um artigo sobre o tifo e, a partir deste, um
dos sindicatos da polícia congeminou uma
queixa formal contra o clube”. Felizmente,
apesar de “convocados pela polícia”, nada
de mais aconteceu, ainda que a “federação
nos tenha multado em 800 euros (metade do
nosso orçamento à época) e, depois, banido
o clube do nosso estádio em Bobigny”, com a
justificação que se fez apologia ao ódio.
Antes do término da partida,
que teria como resultado uma derrota
para a equipa rubro-negra, damos por nós
a observar uma cena, contrariamente ao
que vamos assistindo em recintos hiper-
-controlados de determinados clubes,
praticamente impossível de testemunhar
num qualquer estádio perto de nós: um
pequeno rebento com os seus 9/10 anos de
idade, virado para nós, pulava em cima do
banco de suplentes, vociferando os cânticos
que vinham da bancada, enquanto fazia
questão de acompanhar o ritmo com palmas;
perto de si, na pista de atletismo que hoje
raramente encontramos nos estádios de
futebol modernos e estandardizados, corria
uma outra criança, esta talvez na casa dos
4/5 anos de idade, atrás de uma bola que
lhe teimava em escapar, fruto dos toques
habilidosos que um adulto dava na mesma.
Se este poderá ter sido um dos momentos
mais belos desta nossa viagem, qual seria
o melhor episódio já vivido pelos membros
do Menil FC junto da sua equipa? Antes da
despedida final, tivemos a oportunidade de
nos contemplarem com uma possível resposta
a essa questão: “há muitos momentos, mas
julgo que o jogo de homenagem ao nosso
camarada Clément Méric (assassinado por
elementos da extrema-direita em 2013), nos
dez anos da sua morte, é um dos grandiosos
momentos da nossa história”. Isto porque,
acrescentam, essa homenagem, depois de
meses de preparação, culminou com a vitória
das duas equipas femininas do clube (de sub-
15 e séniores), numa bancada a abarrotar:
“foi o melhor tributo que poderíamos dar
ao Clément, uma pessoa que vários daqui
conheciam bem, e cujo sonho antifascista
tentamos manter vivo através do nosso
clube”. Em jeito de adeus, matutamos
sobre os objetivos a curto e a longo prazo
para o Ménil. As respostas são diretas:
em primeiro lugar, “garantir que o nosso
projeto se sustente, sobretudo continuando
a conseguir jogar aqui na cidade”; depois,
em segundo lugar, apesar de o futuro ser
incerto, “continuarmos a luta à nossa escala,
sem fazer concessões ou desvios dos nossos
ideais antifascistas e anticapitalistas”. De
facto, quanto a nós, não nos restam dúvidas
que este caloroso projeto associativo parece
encarnar o espírito subversivo, transgressivo
e reflexivo da histórica Comuna. Afinal de
contas, ainda há dois lados da barricada.
Quando demos por nós era hora
de pegar na trouxa e voltar para terras lusas.
Não o fizemos, porém, sem antes trocarmos
umas pequenas palavras finais com Tim. O
fim-de-semana tinha sido longo, as analogias
elaboradas na nossa cabeça com o que
vivemos nas bancadas portuguesas tinham
sido muitas e só me restava apreender aquilo
que ele achava da realidade desportiva e
associativa deste nosso jardim à beira-mar
plantado. Tim foi perentório: “admito que
da última vez que viajei para Portugal (em
outubro de 2022, para o jogo frente ao SL
Benfica) não fiquei com boa memória da vossa
polícia”. Entre risos, talvez por sabermos o que
a casa gasta, preferimos desviar a conversa
para os grupos de apoio. A resposta poderá
dar-nos algum alento, caso precisemos:
“Confesso que conheço mais a realidade
dos grupos dos ‘três grandes’, ainda que
reconheça o trabalho interessante que vários
grupos, mesmo de divisões secundárias, por
aí fazem. Mas, do que consigo compreender,
parece existir uma enorme repressão sobre
os adeptos portugueses (sobretudo ao nível
do uso da pirotecnia), ainda que a mesma
ainda não tenha chegado, ao contrário
daqui, às restrições sobre as deslocações
a terrenos adversários; mais do que isto,
parece-me que a vossa associação nacional
de adeptos (APDA) tem demonstrado imensa
maturidade, conseguindo que os diferentes
grupos de apoio se unam para defender os
seus direitos, pelo que espero que a ‘cena
portuguesa’ continue o seu desenvolvimento”.
Pessoalmente, também esperamos que sim –
que algum do afeto aqui transposto para este
texto-devaneio nos dê a pólvora necessária
para fazer cumprir, por estes lados, essa ideia
tão radical quanto humana de desejarmos
uma maior liberdade, justiça e alento criativo
nas ruas e nas bancadas.
Tínhamos ainda algumas horas de
sobra antes de nos dirigirmos para o aeroporto
e resolvemos deambular pela cidade, junto
ao Sena, da mesma forma como iniciámos
esta nossa viagem. Foi perto de uma Notre
Dame em obras, devido ao incêndio de 2019,
que acabámos por entrar numa pequena
livraria. Neste acolhedor espaço, repleto de
livros e de ilustrações vintage, encontrámos
uma versão francesa do livro-ensaio “Murar o
Medo” do escritor moçambicano Mia Couto.
Lá oferecemos este souvenir a nós mesmos e
devoramo-lo logo junto à ponte Saint-Michel,
local onde pudemos descobrir uma placa
que evoca a sangrenta repressão policial, de
17 de outubro de 1961, sobre uma pacífica
manifestação em prol da causa argelina. Como
não temos grande jeito para conclusões,
partilhamos algumas das palavras de Couto
que marcaram a nossa despedida da cidade
do amor revolucionário: “No horizonte havia
mais muros do que estradas. Nessa altura,
eu já desconfiava de uma outra verdade: há
neste mundo mais medo de coisas más do
que coisas más propriamente ditas.”
Nota 1: o autor deste ensaio narrativo deseja
dedicar o mesmo a Levon, adepto do PSG
cobardemente esfaqueado, nas ruas de
Milão, no início de novembro de 2023. Sem
ele este texto não seria possível. Courage!
Nota 2: foram ocultados ou utilizados
pseudónimos quando nos referirmos aos
companheiros e intervenientes nesta viagem,
uma vez que desejamos respeitar e proteger
as suas identidades.
Por Daniel Freire Santos
39
Cidade do Vaticano: 0,44 Km de
extensão, pouco menos de mil habitantes,
uma das mais pequenas nações do
mundo. Rico em espiritualidade, história e
monumentos é enclave “enfiado” na Cidade
Eterna, Roma. Em tão pouca superfície, haverá
espaço para o nosso desporto preferido?
“Milagrosamente”... sim! Campeonato, Taça
e Supertaça realizados todos os anos, uma
seleção masculina e feminina… mas como?
Voltamos atrás no tempo e vamos
descobrir como o futebol chegou ao país
do Papa (lembramos que o papa argentino
Francisco é um fanático de bola, adepto e
sócio com quotas em dia do CA San Lorenzo).
O primeiro jogo oficial de que
temos notícia disputou-se no dia 13 de abril
de 1946, realizado entre as equipas dos
administrativos e outros funcionários do
Governo Civil. Não se conhece o resultado
e do primeiro torneio oficial temos poucas
informações. A única notícia que temos é que
a final entre as Vilas pontifícias e a Fábrica de
S. Pedro foi interrompida e não concluída por
tumultos nas bancadas!
Depois de quase 20 anos de
interregno, começaram a surgir novas
equipas. O SS Hermes, que tem o nome da
estátua presente no Museu Pio Clementino,
a equipa da Gendarmaria, os Galletti
(trabalhadores da fábrica de S. Pedro), Aríete
APSA (funcionários do Património Cultural),
SS Hércules (funcionários da Biblioteca), Astor
(funcionários do diário Observador Romano)
e Teleposte (a equipa dos correios), a equipa
dos funcionários da Rádio Vaticano, o Santos
FC (funcionários dos Supermercados), do
IOR (o polémico banco do Vaticano) e até
uma dos funcionários do Arquivo Secreto
Vaticano! Entre muitas outras… Incrível!
Todos os serviços administrativos tinham uma
equipa. Ah, e estávamos a esquecer a equipa
da Guarda Suíça!
O campeonato era só reservado
aos dependentes e funcionários leigos que
vivessem no Vaticano. Podem imaginar que
40
nem sempre foi fácil arranjar jogadores
para todas as equipas, dada a escassez
populacional do país. Houve anos em que não
se conseguiu arranjar jogadores e equipas
suficientes e foi decidido que, a partir de
2024, o campeonato será de Futsal.
O primeiro campeonato realizou-
-se em 1972, la Coppa dell’ Amicizia (Taça da
Amizade). Vamos ver as “grandes” equipas
do Campeonato Vaticano: a primeira a ser
citada é a Dirseco, a equipa dos funcionários
dos serviços económicos-administrativos que
tem no seu palmarés 8 campeonatos, 5 taças
e foi a primeira equipa a ganhar o “triplete“
(campeonato, taça e Supertaça). Só o S. Paolo
Team e a OPBG (funcionários do Ospedale del
Bambin Gesú) conseguiram tal proeza.
E a seleção? É a Representativa
Calcistica Dipendenti Vaticano, que existe
desde 1994, com cerca de 20 jogos realizados.
Não tendo espaço no Vaticano, todos os jogos
são disputados em território italiano, em
campos ligados a igrejas e paróquias, como
o Campo Pio XI (Igreja di Santa Mediatrice) e
mais alguns.
Por incrível que possa parecer,
existe um outro campeonato no Vaticano
ainda mais conhecido. Também o clero
reclamou um torneio e desde 2007 realizase
a Clericus CUP, só com jogadores padres,
sacerdotes e clérigos...
E o futebol feminino? Não falta
nada no Vaticano! Em 2019 estreou-se a
seleção das funcionárias da Santa Sé. As cores
oficiais são o branco e amarelo, obviamente!
Fontes: FB e https://www.radici-press.net/ilcalcio-anche-vaticano/
Por Eupremio Scarpa
41
O LADO OCULTO DO FUTEBOL
DISCRIMINAÇÃO E SEGURANÇA EXCESSIVA
42
Um pequeno lote de cromos e uma grande
injustiça
Há momentos na vida em que a
realidade nos parece mais absurda do que
a ficção. Conseguem imaginar um estádio
de futebol, onde multidões apaixonadas se
reúnem para celebrar o amor pelo seu clube
e pelo futebol? Agora, tentem imaginar um
agente da polícia impedindo a entrada de uma
criança de 12 anos nesse estádio. O motivo
não dá para imaginar, mais vale eu dizer logo:
Ele simplesmente levava um pequeno lote de
cromos de futebol da Panini.
Só que não ficou por aqui. O agente, com a sua
farda imponente, que lhe permite ter superpoderes
para fazer o possível e o impossível,
disse à criança que ela poderia arremessar os
cromos. Mas o que o polícia não percebeu é
que esse menino, que ainda argumentou que
os cromos eram importantes para ele, nunca
faria algo assim. Ele não era um hooligan, mas
sim um pequeno adepto apaixonado pelo
seu clube que queria tentar trocar cromos
com outras crianças como é absolutamente
normal na sua idade.
O vídeo cortado e a história completa
Lembram-se daqueles vídeos que
abundam na Internet e causam polémica
porque, às vezes, só vemos partes do que
aconteceu? Naturalmente as críticas surgem,
exigindo ver o vídeo completo para se
conseguir construir uma opinião. O mesmo
acontece com a proibição ao meu filho - ela
é apenas um fragmento de uma narrativa
maior. Precisamos ver o vídeo completo.
A proibição ao meu filho não é um caso
isolado. É um sintoma de um problema
sistémico que assola Portugal. Precisamos
de questionar o porquê da segurança se ter
tornado numa barreira para a paixão pelo
futebol. Devemos lembrar que, por trás dos
números e das estatísticas, estão pessoas
reais com histórias reais. Pessoas que sentem
cada vez mais hostilidade e veem censurada
a sua liberdade de expressão. Com o que
tem acontecido nos estádios portugueses,
qualquer dia não se pode entrar com as
chaves de casa ou do carro, as carteiras, os
telemóveis ou até os sapatos.
A Cultura Securitária Extrema e os seus
efeitos colaterais
Esta história não é apenas sobre
um menino e os seus cromos. Ela abre-nos
a porta a um cenário mais amplo: a cultura
securitária extrema que envolve o futebol.
Os nossos estádios tornaram-se uma espécie
de fortaleza, onde os adeptos são tratados
como suspeitos. A hostilidade em relação
aos adeptos de futebol é visível e sente-se.
Hoje em dia somos revistados de formas
pouco dignas, altamente vigiados e muitas
vezes tratados como inimigos. A cultura
securitária fortaleceu-se e obscureceu uma
parte da nossa sociedade e, talvez por isso,
se normalize as bastonadas na cabeça ou
os tiros na face dos adeptos. Alguns só
conseguem ver o fantasma da violência dos
adeptos e esqueceram-se que a violência não
é uma constante - há também festa, alegria,
valores e comunhão. Da mesma forma,
esqueceram-se que, no meio de tanta gente,
há crianças que sonham em ser como os seus
ídolos, jogando futebol, colecionando cromos
e vibrando com cada golo.
Conclusão: Até onde nos querem levar
A começar pela Liga Portugal e
pela Federação Portuguesa de Futebol,
passando para aqueles que têm algum tipo
de responsabilidade no futebol e no que
o rodeia, muito poucos entendem o que
é o futebol. O futebol é mais do que golos,
regras e leis. É também sobre a comunidade,
a emoção e a identidade. Não devemos
permitir que a cultura securitária continue
a cegar as instituições e autoridades, para
o que realmente é aquilo que move todo o
futebol – os adeptos.
Quando aludi aos vídeos que por
vezes não mostram a verdade toda, quis
mostrar que a proibição injusta imposta ao
meu filho, por portar cromos de futebol, não
é apenas um incidente isolado. Ela reflete
uma dinâmica mais ampla entre os adeptos e
as forças de segurança, à qual não se presta a
devida atenção.
O meu filho, hoje barrado com os
cromos e noutra altura com uma bandeira,
representa esses adeptos que, por todo
o lado, sofrem abusos de autoridade. Ele
merece mais do que ser impedido de entrar
num estádio porque foi construído um clima
hostil em torno de uma das suas paixões.
Quem diria que hoje todos são
adeptos potencialmente perigosos...
Por J. Lobo
43
MEMÓRIAS Da BANCADA
GRUPOS REFERÊNCIA (PARTE DOIS)
FOTOS CEDIDAS POR J.CAMPOS (@PHOTOTIFO)
Settembre Bianconero
Ascoli x Ancona
1990/1991
Ultras Ghetto
Ascoli x Reggiana
1992/1993
44
New Bush/Cruels/Green Stars
Foggia x Avellino
1994/1995
New Bush/Cruels/Green Stars
Foggia x Avellino
1994/1995
45
Brigate Neroazzurre
Atalanta x Napoli
1991/1992
Wild Kaos
Vicenza x Atalanta
1994/1995
46
WKA e BNA
Cesena x Atalanta
1999/2000
Blood & Honour
Varese x Como
1999/2000
47
Mods/F.U./F.B.
Bologna x Torino
1988/1989
Freak Boys e Forever Ultras
Verona x Bologna
1996/1997
48
Sconvolts
Cagliari x Roma
1993/1994
Furiosi e Sconvolts
Juventus x Cagliari
1998/1999
49
Nuclei Sconvolti
Cosenza x Messina
1988/1989
Ultra’ Cosenza
Bari x Cosenza
1992/1993
50
Ultra’ Cosenza
Pisa x Cosenza
1992/1993
Freak Brothers
Ternana x Arezzo
1996/1997
51
Rangers e Desperados
Empoli x Brescia
Rangers e Desperados
Empoli x Brescia
52
CAV
Fiorentina x Cremonese
1991/1992
CAV
Fiorentina x Barcelona
1996/1997
53
Ultras e Boys SAN
Inter x Milan
1985/1986
54
Curva Nord Milano
Inter x Roma
1996/1997
Fossa dei Leoni
Milan x Ancona
1992/1993
Curva Sud Milano
Milan x Inter
1998/1999
55
Fighters
Inter x Juventus
1986/1987
Fighters e Drughi
Juventus x Torino
1993/1994
56
Ultras Granata
Milan x Torino
1993/1994
Ultras Granata
Torino x Triestina
1989/1990
57
22º número da fanzine e, por conseguinte, também o mesmo de edições deste Resumo da
Bancada. Num ápice, estamos a aproximar-nos de outro final de temporada desportiva, o que é
sinal de emoções a aumentarem com as decisões a ficarem cada vez mais próximas. Aqui está
mais um pouco do que se passou nestes últimos dois meses!
UD Leiria x Sporting CP | 07-02-2024
Mais de 20 mil espectadores estiveram
presentes neste encontro a meio da semana,
a contar para os quartos-de-final da Taça
de Portugal. Um apoio muito bom dos
sportinguistas, que, para além de estarem
em maioria, empolgaram-se pela vitória
confortável, de 0-3, conseguida. Do lado da
casa, destaque para o espectáculo pirotécnico
e coreográfico da Armata, a claque leirirense,
na entrada das equipas em campo, ao mesmo
tempo que expunham a mensagem: “Apoia o
clube da tua cidade”.
Lusitânia de Lourosa FC x Varzim SC | 11-02-
2024
Primeira jornada da fase de apuramento
de subida ao segundo escalão nacional e
destaque imediato para este embate em
Lourosa. Uma boa assistência num Domingo
de manhã, com nota mais nas bancadas para
a excelente deslocação dos simpatizantes
varzinistas, que ocuparam a grande maioria
do sector visitante e criaram um bom
ambiente durante a partida, pese embora a
derrota pela margem mínima.
Sporting CP x SC Braga | 11-02-2024
Aproximadamente 40 mil pessoas estiveram
em Alvalade para mais um desafio entre duas
das melhores equipas e falanges de apoio
58
do futebol nacional nos tempos que correm.
Em campo, os verde e brancos conseguiram
uma impressionante vitória por 5-0, que
naturalmente animou bastante o público da
casa. Houve muitos cânticos e pirotecnia nas
duas bancadas em que se situam os principais
grupos - Juventude Leonina e Directivo Ultras
XXI.
Do lado forasteiro, nota para uma
boa deslocação de várias centenas de
simpatizantes arsenalistas, que, apesar
da lógica insatisfação pelo resultado, não
deixaram de incentivar a sua formação ao
longo do encontro.
Vitória SC x SL Benfica | 11-02-2024
Melhor casa da época, até ao momento,
no recinto vimaranense, com cerca de 25
mil presentes. Para além do registo de
espectadores, há obviamente que destacar o
ambiente vivido nas bancadas. Houve muita
pirotecnia entre os apoiantes de ambos os
lados, com destaque para a tochada inaugural
dos White Angels, que fica certamente
como um dos melhores espectáculos da
temporada. No lado benfiquista, como já vem
sendo natural, também houve ‘pyro’.
De salientar ainda uma coreografia conjunta
na nascente, mais concretamente nos
sectores onde ficam os Insane e o Gruppo
1922, com balões pretos, brancos e amarelos,
seguido do lançamento de papel cortado,
dando ainda mais cor na entrada das equipas
em campo.
Relativamente ao que se passou dentro de
campo, pode-se dizer que houve emoção
a condizer com o cenário fora das quatro
linhas, pois a partida terminou empatada a
duas bolas, com indecisão até ao fim.
Sporting CP x CS Dinamo București | 13-02-
2024
Excelente ambiente nesta partida da Liga
Europeia de Andebol, que se realizou no
Pavilhão João Rocha, numa terça-feira
nocturna. Como é habitual neste tipo de jogos,
todas as claques sportinguistas estiveram
59
presentes, sendo que o espectáculo fora
das quatro linhas contou com várias dezenas
de elementos afectos à formação da capital
romena.
Foi o primeiro encontro da fase de grupos
dos leões e conseguiram uma importante e
impressionante vitória, num resultado que
esteve em aberto praticamente até ao fim,
levando a uma enorme festa no recinto, com
uma boa sintonia entre o público e a equipa.
BSC Young Boys x Sporting CP | 15-02-2024
Deslocações à Suíça são sinónimo de invasões,
quando lá vão os maiores clubes portugueses,
o que não foi excepção, pois os cerca de dois
milhares de ingressos disponíveis para o
sector visitante esgotaram. Este embate era a
contar para o play-off de acesso aos oitavosde-final
da Liga Europa, sendo que, à imagem
do que aconteceu num encontro passado em
Bérgamo, os ultras sportinguistas voltaram a
realizar um comunicado conjunto tendo em
vista o que pretendiam encenar durante a
entrada das equipas em campo.
Pois bem, antes do início, viveu-se um dos
melhores ambientes da semana europeia,
convertendo-se em registos brutais que se
tornaram virais internacionalmente, com os
grupos de ambos os conjuntos a contribuírem
para tal. Do lado da casa, a Ostkurve Bern
exibiu uma coreografia a ocupar toda toda
a sua bancada, à boa moda do que por lá
se consegue fazer. Relativamente aos leões,
um incrível espectáculo pirotécnico, com
muitos cachecóis levantados - como tinha
sido pedido no tal anúncio antes da partida - e
ainda a mensagem “Rumo a Dublin”.
A formação verde e branca venceu por
1-3, nesta primeira mão, fazendo com que
naturalmente houvesse muita festa entre
os seus apoiantes, que se ouviram de forma
ruidosa.
60
SL Benfica x Toulouse FC | 15-02-2024
Bom espectáculo na Luz, com um número
oficial de 56.553 espectadores, entre eles
mais de três milhares de simpatizantes
do Toulouse. Destaque para (mais uma)
excelente tochada dos No Name Boys e um
ruidoso e regular apoio por parte da falange
francesa presente.
Nesta primeira mão do play-off da Liga Europa,
os encarnados venceram por 2-1, com o golo
decisivo a ser feito de grande penalidade já
nos instantes finais, provocando, acima de
tudo, uma sensação de alívio entre o público
da casa.
Sporting CP x SL Benfica | 17-02-2024
Sábado à noite com direito a jogo grande no
Pavilhão João Rocha, em mais um dérbi de
futsal, neste caso a contar para o campeonato
nacional. Recinto muito bem composto, um
ambiente excelente - com destaque para os
sectores dos grupos organizados -, picardias,
alguma confusão no exterior e, no final,
muita festa por parte do público da casa após
vencerem por 7-3.
UD Lamas x AD Ovarense | 18-02-2024
Jogo repleto de rivalidade e que se tem
tornado num dos dérbis mais interessantes
de acompanhar nas distritais portuguesas.
Mais uma vez, um Estádio Comendador
Henrique Amorim bem composto e, acima
de tudo, com um bom ambiente de parte
a parte, destacando-se os Papa Tintos no
lado da formação caseira e os Fans 1921 no
conjunto forasteiro. Também aqui houve
relatos de alguns incidentes, seja entre
adeptos ou com a polícia, principalmente no
exterior do recinto.
O Lamas venceu por 4-2, estando bem
encaminhando para a subida directa ao
Campeonato de Portugal e atrasando a
Ovarense nas suas aspirações aos lugares
cimeiros da classificação deste campeonato
da AF Aveiro.
61
SC Braga x SC Farense | 18-02-2024
Registo que ficou marcado por uma acção
conjunta dos ultras do emblema bracarense.
A Bracara Legion, ainda na primeira parte,
expôs uma mensagem com a seguinte
inscrição: “Não apertem com as revistas,
apertem com os artistas!”. Ao intervalo,
um dos seus elementos foi expulso do
recinto, o que fez com que os dois grupos
abandonassem o estádio, em solidariedade e
protesto por isso, não existindo qualquer tipo
de apoio organizado ao Braga na segunda
parte.
De salientar, ainda, a presença de cerca de
meia centena de simpatizantes farenses
no sector visitante, entre eles quase 20
elementos dos South Side Boys que foram
incentivando o seu conjunto ao longo da
partida, que terminou com os arsenalistas a
conseguirem um sofrido triunfo pela margem
mínima.
Moreirense FC x Sporting CP | 19-02-2024
Numa 2.ª-feira à noite, milhares de
sportinguistas invadiram Moreira de Cónegos.
Como já começa a ser regra esta época, os
índices motivacionais dos seus simpatizantes
estão altos, sendo que, para além do bom
número de presentes nas bancadas do
recinto, ainda incentivaram a equipa do
início ao fim para uma nova boa exibição e
consequente vitória.
Depois da partida, quando o autocarro da
equipa leonina seguia na auto-estrada,
alguns adeptos abriram strobs e fogo de
artifício, numa viaduto, de maneira a felicitar
os jogadores.
FC Porto x Arsenal FC | 21-02-2024
Cerca de 49 mil presentes no Dragão, o que
é sinónimo de enchente, com mais de 2.500
britânicos a comporem o sector visitante. Um
pouco ao estilo do que tem sido feito neste
estádio, durante esta época, em jogos da
Champions, as equipas entraram em campo
ao mesmo tempo que na bancada se fazia um
mosaico, através de pequenos panos com o
62
símbolo do clube.
Entre um ambiente a misturar expectativa,
nervosismo e animação, viveu-se mais uma
noite europeia de emoções no Porto, com
o ponto alto a surgir nos instantes finais da
partida, através de um golaço de Galeno, que
deixou os azuis e brancos em vantagem nesta
eliminatória dos oitavos-de-final da prova,
fazendo com que o estádio entrasse em
ebulição no momento dos festejos.
Toulouse FC x SL Benfica | 22-02-2024
Nova partida de uma equipa portuguesa no
estrangeiro e, mais uma vez, um dos maiores
destaques quanto à semana europeia fora das
quatro linhas. Ainda a faltarem algumas horas
para o início, um grupo de benfiquistas atacou
um bar dos ultras locais. Depois, já dentro
do recinto, um ambiente de excelência. Da
parte da casa, os Indians Tolosa realizaram
uma coreografia a abrir, acompanhada de
pirotecnia que abrilhantava a mesma. Nesse
momento, em pleno sector visitante, via-se
um excelente tochada encarnada.
Durante o jogo, muito apoio de parte a parte.
Houve sinal mais em termos exibicionais
para o Toulouse, que empolgava bastante o
seu público, mas que não foi suficiente para
garantir um golo que conseguisse empatar
a eliminatória. Ainda assim, a claque do
emblema francês teve várias boas sessões de
pirotecnia ao longo do encontro.
Nota para o facto dos muitos simpatizantes
benfiquistas presentes, tanto no seu sector
como também junto dos sócios gauleses.
Qarabağ FK x SC Braga | 22-02-2024
Cerca de seis milhares de quilómetros
separam as cidades de Braga e Baku, o que
fez com que esta fosse a deslocação mais
distante de sempre feita pelos adeptos do
Braga, mais concretamente pelos seus ultras
- Red Boys e Bracara Legion. A presença de
ambos, por si só, é um destaque pela positiva.
Perante mais de 31 mil espectadores, os
forasteiros fizeram-se notar tanto através da
faixa da Bracara e das iniciais dos Red Boys,
63
que coloriam o sector a si destinado, como
na festa dos golos, pois a equipa minhota
conseguiu empatar uma eliminatória em que
levava uma desvantagem de dois golos depois
da primeira mão.
Ainda assim, não resistiu a um prolongamento
emocionante, que teve direito a vários golos,
e foi eliminado da Liga Europa por causa de
um tento sofrido no tempo de compensação
da segunda parte desse tempo extra.
Sporting CP x BSC Young Boys | 22-02-2024
Quase 30 mil espectadores em Alvalade,
entre eles cerca de 1.800 do Young Boys.
Depois de trazer uma vitória por dois golos
de diferença da Suíça, um empate a uma bola
num jogo sem grande história bastou para os
sportinguistas confirmarem a passagem aos
oitavos-de-final da Liga Europa. Ainda assim,
nota para um bom equilíbrio no apoio fora
das quatro linhas a animarem o ambiente
e registos de pirotecnia, como vem sendo
habitual nestas partidas em Alvalade.
Rio Ave FC x Sporting CP | 25-02-2024
Mais uma deslocação leonina até ao Norte do
país e novo sector visitante a abarrotar. Num
Domingo à noite chuvoso, houve o habitual
bom apoio dos simpatizantes sportinguistas,
numa zona da bancada sem qualquer tipo de
coberto.
Desta vez, a sua equipa não correspondeu às
expectativas, acabando por ceder um empate
a três golos, num jogo bastante emotivo
dentro das quatro linhas.
64
120.º aniversário do Benfica | 28-02-2024
O Benfica cumpriu mais um ano de vida,
sendo que os seus adeptos, neste número
especial, quiseram naturalmente festejar.
Durante a madrugada, houve o registo de um
magnífico espectáculo pirotécnico junto do
seu estádio.
Houve comemorações noutros pontos do
país, como por exemplo junto à Casa do
Benfica de Paredes, também com uma
tochada de relevo.
Sporting CP x SL Benfica | 29-02-2024
Dérbi a contar para a primeira mão das
meias-finais da Taça de Portugal, culminando
numa das partidas com melhores registos
da época. Mais de 45 mil pessoas presentes
em Alvalade, havendo acção ainda antes do
encontro. Um grupo de benfiquistas que
não se deslocou no tradicional cortejo com
escolta, apareceu nas imediações do recinto
e existiram breves incidentes.
No interior do estádio, um ambiente digno
de um jogo com esta dimensão, com
muita pirotecnia, picardias, mensagens
provocatórias das duas principais claques da
casa e apoio de parte a parte. De salientar
uma excelente tochada encarnada, ao minuto
30, a dar cor à quase totalidade do sector
visitante, como forma de comemoração ao
120.º aniversário do clube.
Dentro de campo, o Sporting conseguiu uma
vitória por 2-1, metendo-se em vantagem na
eliminatória.
UD Leiria x CD Mafra | 02-03-2024
Partida realizada num Sábado matinal,
contando oficialmente com 4.177
espectadores. Um registo que não é de
surpreender, antes pelo contrário, pois os
leirirenses até têm apresentado números
superiores na maioria das vezes que jogam
em casa. O destaque vai para os momentos de
tensão que se viveram no interior e exterior do
estádio, com a claque da casa, Armata Ultra,
a tentar ir de encontro aos forasteiros, Unit
65, mas sempre com os seguranças presentes
a separarem os possíveis confrontos entre
ambos.
As picardias entre os dois conjuntos de
apoiantes e o facto dos ultras de Leiria terem
uma relação de amizade com o Topo SCUT
- grupo torreense e principais rivais dos de
Mafra - podem explicar o que ocorreu. De
qualquer maneira, o jogo inaugural desta
ronda 24 do segundo escalão nacional foi
muito emotiva, com a formação amarela e
verde a conseguir uma bela reviravolta de 2-0
para 2-3.
65
GD Estoril Praia x Vitória SC | 02-03-2024
A assistência contou com cerca de dois
milhares de pessoas, sendo que o destaque
foi para a boa falange de apoio vitoriana,
que ocupou quase todo o canto da
bancada disponibilizado para si, cantando
e empurrando a sua equipa para uma bela
vitória, por 1-3, fora de casa.
Académica de Coimbra x SC Braga “B” | 03-
03-2024
Jogo da Briosa precisamente no dia em
que a Mancha Negra cumpriu o seu 39.º
aniversário. Arrancou logo as festividades
na noite anterior, com muita animação e
pirotecnia junto da sua sede. Estendeu-se
obviamente com uma boa presença para o
encontro, já no final de tarde de Domingo.
Pelo facto de em Portugal os adeptos estarem
impossibilitados de apresentarem tarjas
superiores a 1x1m fora das ZCEAP, a claque
academista exibiu uma mensagem, através
de t-shirts vestidas por elementos seus, com
a seguinte inscrição: “Apesar da repressão, 39
anos de dedicação”.
Nota para o facto de ter havido uma bela
moldura humana para assistir a esta partida,
a contar para 4.ª jornada da fase de subida da
Liga 3, como já vem sendo hábito em Coimbra,
com a presença do costume também do
grupo XXIV, dissidente da Mancha Negra.
Ainda assim, o fim-de-semana terminou
em desilusão, uma vez que a formação
secundária dos minhotos venceu por 0-3.
Sporting CP x SC Farense | 03-03-2024
Cerca de 39 mil espectadores em Alvalade,
num encontro com um ambiente com nota
positiva, como já seria de esperar. As duas
principais claques leoninas criaram um bom
ruído, como vem a ser hábito, agora com a
particularidade de os South Side Boys terem
também dado um bom espectáculo vocal no
sector visitante.
O 3-2 favorável ao Sporting no resultado, com
o Farense a ter recuperado uma desvantagem
de dois golos e ainda ter assustado Alvalade,
66
serviu para criar uma maior emotividade,
tanto dentro como fora das quatro linhas.
FC Porto x SL Benfica | 03-03-2024
Mais um clássico do futebol nacional,
com direito a casa cheia no Dragão. Uma
coreografia dos adeptos portistas, nas várias
bancadas do recinto, a abrir, com um mosaico
- como já vem sendo habitual nos grandes
jogos por lá - em que se viam representados
corações com as cores azuis e brancas. Houve
pirotecnia e fumarada nos vários sectores de
apoio de ambos os rivais, uma mensagem
dirigida ao rival por parte do Colectivo 95 e,
claro, bastante incentivo dos dois lados.
O Porto venceu por uns expressivos 5-0,
levando naturalmente a uma enorme festa
no estádio, numa altura em que uma vitória
era obrigatória para os dragões não deixarem
escapar ainda mais o Benfica. Ainda assim,
destaque para uma enorme tochada dos No
Name Boys, já numa altura em que o encontro
se encaminhava para os instantes finais - os
encarnados perdiam por 4-0 -, de maneira a
assinalarem o 32.º aniversário do grupo, sem
deixarem de se fazer notar também de forma
vocal, pese embora a fraca actuação da sua
equipa em campo.
FC Famalicão x Boavista FC | 04-03-2024
O fecho de mais uma jornada do
campeonato, com duas equipas que lutam
pela manutenção. Mais de três milhares
de espectadores presentes, entre eles uma
boa presença de apoiantes axadrezados que
lotaram o pequeno sector destinado aos
mesmos, no canto da bancada em questão.
Falando nestes últimos, destacaram-se pela
deslocação de uma turma composta por
elementos seus acompanhados de vários
escoceses, mais concretamente adeptos do
Aberdeen, cuja amizade com os boavisteiros
é conhecida. A policia evitou quaisquer
incidentes que pudessem surgir na sua
chegada, pois importa lembrar que houve
distúrbios entre simpatizantes destes dois
conjuntos, na época passada, em Famalicão.
67
No que toca à partida, teve um ambiente acima
da média, com Fama Boys a incentivarem a
formação da casa e os ultras boavisteiros,
que viram a sua equipa a empatar a uma bola
depois de estar em desvantagem, a acabarem
com sinal mais e num belo momento final
com os jogadores.
Sporting CP x Atalanta BC | 06-03-2024
Ditou o sorteio que Sporting e Atalanta se
voltassem a defrontar na Liga Europa. Uma
vez que os encarnados também jogavam para
a mesma competição em casa nesta primeira
mão, as autoridades anteciparam o encontro
de Alvalade para 4.ª-feira à tarde. Em relação à
partida da fase de grupos, que aconteceu em
igual horário (às 17h45) mas no feriado de 5
de Outubro, passou-se de uma assistência de
mais de 42 mil espectadores para os 28.528
oficiais de agora, sendo que os ‘bergamaschi’
trouxeram cerca de 600 simpatizantes,
quando cinco meses antes tinham trazido
mais de mil.
De qualquer maneira, nota para mais uma
vez um ambiente digno de registo, tanto
das diferentes claques leoninas como dos
ultras presentes no sector visitante. Houve,
novamente, pirotecnia, um apoio equilibrado
de parte a parte e picardias, muito por causa
da amizade dos sportinguistas com os ‘tifosi’
da Fiorentina. O embate terminou empatado
a uma bola, levando todas as decisões para
Itália.
À noite, uma turma numerosa da Atalanta
atacou vários adeptos do Rangers,
precisamente o adversário do Benfica no dia
seguinte, que se encontravam num hotel no
centro de Lisboa.
68
SL Benfica x Rangers FC | 07-03-2024
Por falar em Rangers, fizeram uma deslocação
em massa, ao bom estilo britânico, com
mais de três milhares a invadirem Lisboa e
a comporem praticamente a totalidade do
sector visitante do estádio. Estavam incluídos
nos quase 49 mil espectadores presentes
para assistir a esta primeira mão dos oitavos-
de-final.
Serviu para serem exibidas várias mensagens
de descontentamento pela prestação da
equipa no jogo anterior, que aconteceu no
Dragão. “Pedir desculpa é humildade, arranjar
desculpas é fraqueza. Respeitem o Benfica!”
e “O Benfica não é isto, honrem os 120 anos”
foram as mensagens de Diabos Vermelhos e
Velhas Maneiras, respectivamente.
Como era previsível, o ambiente estava algo
tenso entre o público da casa, apesar do
habitual apoio das suas claques, enquanto os
escoceses estavam com um bom poder vocal
no sector visitante. Um dos momentos altos
foi uma excelente tochada dos No Name Boys
durante o encontro.
A partida terminou empatada a dois, deixando
tudo em aberto para Glasgow.
De lamentar uma morte de um adepto
do Rangers, de 25 anos, horas depois,
alegadamente por um “trágico acidente”.
USD Paredes x SC Salgueiros | 09-03-2024
Encontro entre duas das equipas com
melhores apoiantes do quarto escalão
nacional, numa altura em que estamos na
recta final do Campeonato de Portugal. Serviu
para a White Legion apresentar uma série de
mensagens em forma de contestação à sua
equipa, por uma temporada muito abaixo das
expectativas iniciais: “Com esta atitude, nem
com o Guardiola. Estão cá pelo dinheiro ou
sabem jogar à bola?”, “Salários profissionais,
futebol de distritais” e “O clube e a direcção
merecem outra divisão. Joguem com o
coração pelo nosso União”.
Foi uma partida animada, com uma vitória
forasteira por 2-3, permitindo que os
salgueiristas ganhem outro fôlego na luta
pela manutenção, o que no fina valeu um
bom momento de sintonia entre a equipa e
a Alma.
69
FC Felgueiras 1932 x Varzim SC | 09-03-2024
Bom jogo, a contar para a fase de subida da
Liga 3, no que ao ambiente fora das quatro
linhas diz respeito. Como seria de esperar,
uma deslocação digna de registo por parte
dos varzinistas, neste Sábado à noite. Dentro
de campo, o Felgueiras somou (mais) uma
vitória, seguindo num momento bastante
positivo, ao invés do emblema poveiro.
Ainda assim, o público forasteiro incentivou
durante praticamente todo o encontro, mais
concretamente com os cânticos do grupo
Os De 1915, não deixando de ter uma boa
comunhão com a sua equipa no final.
SL Benfica x GD Estoril Praia | 10-03-2024
Registo de mais contestação encarnada ao seu
treinador, desta vez por parte dos No Name
Boys. Decorria o minuto 36 da partida e várias
tochas atiradas para o relvado obrigaram
a mesma a ficar momentaneamente
interrompida, enquanto se lia a seguinte
mensagem por parte da claque encarnada:
“Ninguém está acima do Benfica! Roger S,
obrigado e adeus”.
Arsenal FC x FC Porto | 12-03-2024
Invasão azul e branca a Londres, com cerca
de 3.500 portistas a comporem o sector
visitante do Emirates. Antes do jogo, um
longo cortejo seguiu nas ruas até ao estádio,
fazendo com que a sua presença fosse
sentida desde cedo. No interior, nota para
uma boa tochada na entrada das equipas
em campo e, acima de tudo, de um apoio
audível durante praticamente todo o tempo,
seja nos primeiros 90 minutos ou durante o
prolongamento.
A noite não acabou em festa entre os que
se deslocaram até Inglaterra, uma vez que o
Arsenal recuperou da desvantagem levada do
Dragão e venceu no desempate por grandes
penalidades. Ainda assim, os simpatizantes
azuis e brancos aplaudiram o esforço do seu
conjunto.
70
Rangers FC x SL Benfica | 14-03-2024
Perto de dois milhares de benfiquistas
estiveram presentes no Estádio Ibrox,
que contou com casa cheia, ou seja,
50 mil espectadores, num ambiente
verdadeiramente vibrante, num dia de muita
chuva na cidade escocesa.
De destacar uma excelente coreografia
realizada pelos Union Bears, que, entre
muitos detalhes bonitos, apresentava
um autocarro em direcção a Dublin, local
da final da Liga Europa. Esse tifo ocupou
praticamente toda a parte atrás da baliza,
mesmo ao lado do sector visitante, onde se
encontravam os simpatizantes encarnados,
que também se fizeram notar pelo apoio
dado ao seu conjunto, que conseguiu uma
sofrida vitória pela margem mínima, gelando
completamente o público da casa.
Atalanta BC x Sporting CP | 14-03-2024
Uma partida que fora das quatro linhas
teve um ambiente que se pode caracterizar
como um verdadeiro hino a quem gosta de
excelentes prestações vocais. Curva Nord
de um lado e ultras sportinguistas do outro,
enchendo os seus respectivos sectores,
deram autênticos recitais, com mais pendor
para um ou outro lado conforme era o
desenrolar do jogo dentro de campo. Para
além dos cânticos, nota ainda para uma boa
tochada entre os da casa.
Quanto à parte desportiva, a Atalanta venceu
por 2-1, garantindo a passagem aos quartosde-final
e a eliminação da formação verde
e branca no que às competições europeias
diz respeito, o que não impediu um aplauso,
depois do jogo terminar, entre adeptos e
jogadores visitantes.
CS Marítimo x UD Leiria | 16-03-2024
Mais de 200 adeptos do Leiria viajaram
até território insular, num registo que
naturalmente fica como entre as melhores
viagens da época desportiva em Portugal.
Num Sábado à tarde, quase sete milhares
de espectadores assistiram à vitória do
71
Marítimo, por 2-0, ficando marcado por um
belo ambiente entre os vários grupos de
apoio diferentes.
FC Porto x Vizela FC | 16-03-2024
Um jogo que fica marcado por um
acontecimento que marcou a actualidade
internacional do mundo das bancadas.
Jogava-se o Hajduk Split contra o Lokomotiva,
um pouco antes desta partida no Dragão, e
no sector da Torcida Split eram apresentadas
e queimadas uma faixa dos Super Dragões, a
faixa da fundação do Colectivo 95 e um pano
de adeptos dragões da Trofa. As duas faixas
em questão estavam no museu do FC Porto,
tendo sido roubadas supostamente quase
duas semanas antes da tal exibição, mais
concretamente no dia 4 de Março.
Tal facto gerou revolta entre os ultras
portistas, que protestaram. Estiveram em
silêncio na primeira parte, tendo o Colectivo
abandonado mesmo o recinto durante o
intervalo. A indignação incidia sobretudo
contra a actuação do clube, especialmente da
Directora do Museu e da própria segurança do
FC Porto, conforme indicado posteriormente
num comunicado conjunto das duas claques.
Houve um ambiente estranho e tenso entre
os cerca de 30 mil espectadores presentes,
atenuada pela vitória conseguida pelos da
casa, por 4-1, que até chegaram ao intervalo
a perder.
No meio disto e polémicas à parte, a Força
Azul aproveitou para se fazer ouvir inúmeras
vezes, dando um bom apoio, pese embora
a má época que a sua equipa vai fazendo.
Aproveitaram, ainda, para homenagear uma
amiga do grupo que faleceu recentemente.
72
GD Chaves x Vitória SC | 17-03-2024
Cerca de quatro milhares de espectadores
num Domingo à tarde, com uma boa parte
deste número a pertencer a simpatizantes
do Vitória, uma vez que, a quatro dias da
partida, o clube vimaranense anunciava
que os seus ingressos disponíveis já se
encontravam esgotados. Previsivelmente, a
falange que abarrotou o sector visitante deu
um excelente recital de apoio, empurrando
a sua equipa para mais um embate ganho, o
terceiro consecutivo, consolidando a quinta
posição na tabela.
FC Porto x SL Benfica | 17-03-2024
Final da Taça de Portugal de Basquetebol,
jogada em Viana do Castelo. Sendo um
dia depois do acontecimento das faixas
portistas, poderia ser expectável alguma
tensão, o que acabou por não acontecer,
uma vez que não houve presença de grupos
organizados benfiquistas (a sua equipa jogava
em futebol no mesmo dia). Com um pavilhão
praticamente cheio, o destaque vai para o
apoio dado pelos Super Dragões.
Foi uma partida muito emotiva, disputada
até final, com os azuis e brancos a vencerem
por três pontos e a conquistarem o troféu,
valendo uma enorme festa entre jogadores,
treinador e a claque azul e branca.
‘Final Four’ de Voleibol
O Centro Cultural de Viana do Castelo
acolheu também a final 4 da Taça de Portugal
de Voleibol, estando em competição as
vertentes masculina e feminina. Registouse
boa afluência de adeptos dos seis clubes
envolvidos. Há a destacar as presenças
benfiquistas e leixonenses, que apresentaram
grupos de cerca de 20 elementos no Sábado.
Para a final de Domingo, deslocaram-se
alguns ultras sportinguistas a partir de
Lisboa. Por mais ridículo que pareça, os ultras
leixonenses (crentes que iriam disputar a
final) tentaram organizar uma cascata de
papel, impedida pela polícia sob o argumento
de falta de logística para limpeza.
CF Estrela da Amadora x Sporting CP | 29-03-
2024
Numa 6.ª-feira à noite, mais concretamente
no feriado da Sexta-feira Santa, o Estádio
José Gomes registou a melhor casa da
época, com 6.764 espectadores presentes
oficialmente, com a multidão sportinguista
73
que se deslocou em massa até à Reboleira,
lembrando até tempos nostálgicos do
futebol nacional, a muito contribuir para esse
número. Diga-se que o apoio dos adeptos
leoninos foi fortíssimo, empolgados pelo
momento da equipa e por uma reviravolta
favorável por 1-2 (com todos os golos do
encontro a serem feitos na primeira parte).
Houve, ainda, um momento de pirotecnia
dos ultras sportinguistas, entre a muita que
abriram ao longo da partida, que levou a uma
interrupção momentânea.
Varzim SC x Académica de Coimbra | 30-03-
2024
Um dos jogos grandes do fim-de-semana,
tanto a nível de história dos emblemas como
do ambiente protagonizado pelos adeptos,
realizou-se na Liga 3, mais concretamente
na fase de subida. O Estádio do Varzim
contou naturalmente com muita gente. A
deslocação dos mais de 200 academistas,
que compuseram grande parte do sector
visitante, foram motivo de destaque.
Houve muito apoio de parte a parte, com os
forasteiros a saírem a sorrir, depois de uma
vitória por 0-2, levando a uma grande festa
no final, pois a Académica mantém boas
hipóteses de conseguir a subida ao segundo
escalão, ao contrário do emblema poveiro,
que somou nova derrota nesta fase.
Sporting CP x SC Braga | 30-03-2024
Sines recebeu a ‘final eight’ da Taça de
Portugal de Futsal, desde 4.ª-feira até Sábado.
O destaque vai para a final entre leões e
arsenalistas, que contou, sem surpresa, com
o melhor ambiente no pavilhão. Os ultras do
emblema bracarense viajaram em grande
número, dando um enorme recital de apoio,
bastante audível na transmissão televisiva. Da
parte do Sporting, há a assinalar as presenças
de Juventude Leonina e Brigada Ultras, entre
o público presente.
Os minhotos conseguiram o tão aguardado
primeiro troféu na modalidade, depois de
uma vitória por 5-3 (após prolongamento),
74
numa partida bastante emocionante, levando
a uma enorme festa entre jogadores e
simpatizantes braguistas.
De salientar que a Bracara Legion, no dia
anterior, no encontro frente ao Caxinas
(a contar para as meias-finais), já se tinha
deslocado com 18 elementos.
GD Estoril Praia x FC Porto | 30-03-2024
Na Amoreira, estiveram presentes
oficialmente 4.578 espectadores, que
assistiram a uma nova vitória dos estorilistas
sobre o Porto (a terceira nesta época!).
Ainda assim, os muitos portistas presentes,
mais concretamente as suas claques,
tomaram conta do apoio durante grande
parte da partida, que ficou marcada por
uma provocação do Directivo Ultras XXI. No
exterior do estádio, o grupo sportinguista
acendeu umas tochas e exibiu uma mensagem
a questionar se Super Dragões e Colectivo
95 já acabaram, numa referência ao recente
episódio das faixas roubadas. Elementos do
Colectivo saíram mesmo do recinto a tentar ir
ao seu encontro, mas acabaram identificados
pela polícia.
Portimonense SC x SC Braga | 01-04-2024
Numa 2.ª-feira à noite, os ultras do Braga
viajaram até Portimão e comandaram
os cânticos de uma partida que foi bem
interessante, com uma vitória dos arsenalistas
por 3-5. Mais do que o número, interessa
salientar que grande parte dos apoiantes
presentes se deslocaram até Sines dois dias
antes (alguns também três dias antes!),
tiveram o Domingo de Páscoa pelo meio e no
dia seguinte estiveram novamente em rota
para incentivar uma das suas equipas, neste
caso de futebol. O verdadeiro significado de
viver a vida ultra!
75
SL Benfica x Sporting CP | 02-04-2024
Mais de 59 mil espectadores estiveram
presentes para este encontro a contar para
segunda mão das meias-finais da Taça de
Portugal. Os destaques vão claramente
para o espectáculo pirotécnico e visual dos
Diabos Vermelhos na entrada das equipas,
que deram um belo efeito, a tochada dos No
Name Boys e o apoio dos adeptos leoninos
no sector visitante, para além do sempre
impactante cortejo destes últimos até à Luz.
O público da casa tentou empurrar a sua
equipa a uma recuperação da desvantagem
trazida da primeira mão. A partida até
teve muita dose de emoção, terminou
empatada a duas bolas, com os encarnados
a nunca conseguirem estar na frente do
marcador. Houve, portanto, grande festa dos
sportinguistas, que voltam a ir a uma final do
Jamor, cinco anos depois da última.
Vitória SC x FC Porto | 03-04-2024
Um dia depois do dérbi lisboeta, que definiu o
primeiro finalista da Taça de Portugal, jogavase
a outra meia-final mas, neste caso, ainda
a primeira mão. Mais uma boa casa num
jogo grande em Guimarães. Um ambiente
digno de nota, uma (nova) tochada dos White
Angels, também muita pirotecnia entre os
adeptos visitantes, com destaque para os que
estavam no sector superior, ou seja, fora da
ZCEAP (Colectivo 95, Gate 10 e Casuals) e mais
uma coreografia, simultaneamente simples
e interessante, dos grupos da nascente
vitoriana, pois Insane Guys e Gruppo 1922
recriaram, através de vários panos, a evolução
do símbolo do Vitória, ao mesmo tempo que
exibiam várias camisolas do clube.
No final, a vitória sorriu aos azuis e brancos,
levando uma vantagem de um golo para o
embate no Dragão.
76
77
QARABAQ X SC BRAGA
78
Passaram cinco anos desde o
meu último jogo do Braga. Inicialmente, a
epidemia fechou o mundo e depois o mundo
fechou-se à Rússia. Desde então, não tive
oportunidade de ver um jogo do Braga.
Aguardava ansiosamente cada sorteio da Liga
Europa e da Liga dos Campeões, na esperança
de ver sair um clube do Cazaquistão ou de um
país vizinho. Durante anos, essas esperanças
foram em vão, mas em dezembro de 2023,
finalmente aconteceu - o Azerbaijão. Vamos
lá!
Em janeiro, entrei em contacto com
os meus amigos de Braga. Lembrei-lhes de
mim e verifiquei se havia problema com a
minha companhia. Disseram-me para parar de
fazer perguntas parvas e comprar os bilhetes.
A minha viagem para Baku demorou apenas
3 horas, enquanto os portugueses gastaram
cerca de 10 horas. Uma vantagem inesperada
de viver na Rússia! No aeroporto, decidi ver o
alojamento que tínhamos escolhido para os
três dias seguintes. Apartamentos luxuosos
do tamanho de um campo de futebol no
centro da cidade, e baratos. O que é que podia
correr mal? Antes de partir, disse ao D. que
provavelmente se tratava de um esquema ou,
por outras palavras, de uma tradição local -
receber os hóspedes e dizer-lhes que o nosso
apartamento ardeu, mas que estão com
sorte, pois há exatamente outro, mas mais
pequeno, pior, mais longe e mais caro. Depois
de partilhar as minhas preocupações com a
malta, segui para a descolagem.
Cheguei a Baku durante o dia.
Contactei o proprietário do apartamento e fui
ter com ele. Sem nenhum plano de reserva,
tive de confiar em dois habitantes locais que
se encontraram comigo no centro da cidade
e me levaram à casa certa. A única coisa que
não desiludiu foi a localização - mesmo no
centro de Baku e perto da rua Lev Tolstoy,
uma pequena homenagem da cidade a um
russo.
O apartamento podia albergar toda
a delegação do Braga, mas tinha apenas três
camas e um sofá. Perfeito para o ambiente de
jogo fora de casa! De Moscovo, trouxe uma
pequena lembrança para os portugueses:
caviar vermelho, chocolate e rebuçados.
Não consegui fazer uma matryoshka com as
cores de Braga, mas guardei a ideia para uma
próxima vez. À noite, fui a uma loja perto
de casa e comprei cerveja e conhaque. Dei
uma volta pelo bairro, visitei alguns locais de
cerveja e regressei ao apartamento perto da
meia-noite.
Cumprimentei os rapazes e as
raparigas com pão e sal sob a forma de álcool.
Há muito tempo que não nos víamos!
Apreciámos o luxo, admirámos a
vista de Baku à noite a partir da varanda e
saímos para comer e encontrar alguns bares
abertos. Quando demos por nós, já eram 6
da manhã. Onde dormir? Peguei num tapete
do corredor e dirigi-me para a cozinha. Uma
velha tradição dos dias de férias na Rússia
- dormir no chão. Os portugueses ficaram
espantados com o facto de isso ser possível.
Perfeito para uma viagem! De qualquer
modo, tenho uma cama em casa.
Depois de algumas horas de sono
de manhã cedo, fui à loja comprar pão e
manteiga e fiz o mais venerado pequenoalmoço
russo para 10 pessoas. Depois da
comida nobre e de dormir no chão, decidi
ficar em casa e ocupei o lugar livre no sofá -
uma mudança agradável e algumas horas de
sono repousante. Os rapazes e as raparigas
saíram para explorar a cidade, enquanto eu
tinha feito isso no dia anterior e tirei algum
tempo para recuperar.
Encontrámo-nos à noite. Os
portugueses escolheram o bar mais escuro,
mais antigo e com mais fumo de Baku. Mas
a cerveja era boa e estavam lá cerca de 20
pessoas de Braga. Que mais é preciso? Já
tinha visto alguns em Bratislava, outros em
Portugal e Marselha, e alguns só conheci em
Baku. Depois do pub, deambulámos pelo
centro e fomos jantar a uma taberna nova.
Fui eu que escolhi o sítio, por isso
tive de falar com o dono, o qual me disse:
“Eles são portugueses? Então, estão cá por
causa do futebol. Isso é ótimo!” - Fomos
recebidos calorosamente, sem qualquer
problema, e até sabiam do jogo do dia
seguinte.
Ocupámos o segundo andar. De
alguma forma, explicámos que precisávamos
de muita comida. Um dos funcionários
aproximou-se de mim: “És russo?! Excelente.
Mano, ajuda-me a fazer o pedido, não os
consigo entender”.
Juntos, fizemos um pedido para
20 pessoas, encontrámos vinho e cerveja e
fomos autorizados a trazer o nosso próprio
conhaque. Um sítio esplêndido! Entretanto,
falámos de futebol com o proprietário - é
exatamente nestes momentos que reside
a alma das viagens. Depois do jantar, os
rapazes arranjaram uma guitarra e cantaram
sobre Braga, a cidade e a equipa. Eu não falo
português, mas naquele momento percebi
tudo perfeitamente e apoiei-os totalmente.
O serão transformou-se em noite
e depois em manhã cedo. No caminho para
casa, alguém teve um problema com a
polícia, mas nunca percebi porquê. Disseram
que não se devia gritar alto a esta hora. Talvez
a minha sugestão seja, não perturbar os
gatos adormecidos que têm de trabalhar de
manhã cedo - tornar o centro de Baku o mais
agradável possível, mais parecido com uma
das cidades europeias. À noite, instalei-me
novamente no chão - acrescentei um cobertor
79
e mais almofadas. Senti-me mais confortável!
Dia do jogo. A manhã passou com
ressacas e chuva miudinha, mas quando não
se está sozinho com o problema não é assim
tão mau. Voltámos ao mesmo bar onde nos
esperavam caras conhecidas e novas.
Os adeptos locais, ultras ou hooligans (sic!)
tinham feito uma faixa com os dizeres “Não
tenham piedade do Braga”, mas não se sabia
se era dirigida à equipa ou aos adeptos.
Perguntaram-me se poderia haver problemas
no jogo de futebol. Só o saberemos perto do
estádio!
O jogo estava esgotado. Entramos
no sector visitante com os simpatizantes
locais, mas ninguém mostra o mínimo
interesse por nós. A polícia demorou a
entrar, mas falar russo ajudou: eu e todos os
portugueses conseguimos entrar no sector.
Não havia lugar para pendurar faixas, por isso
segurámos duas nas mãos.
O estádio estava cheio, o jogo foi
emocionante, houve prolongamento e as
emoções mais puras e genuínas do futebol
no sector dos visitantes. Nunca parámos de
cantar, nem por um segundo! Duas horas
passaram num instante. Após o apito final, os
portugueses choravam pela sua equipa, e eu
lamentava pela equipa e pelo fim da viagem.
Depois do jogo, todo o sector de
visitantes saiu junto, mas na estrada perto
do estádio, alguns de nós separaram-se. Um
grande erro numa viagem ao estrangeiro,
difícil de imaginar na Rússia durante jogos
tensos. Ficámos cerca de 20 pessoas.
Parámos no meio de uma estrada fechada,
contornada pelos adeptos do “Qarabag”, mas
sem qualquer incidente. O ambiente acalmou
num segundo.
Uma pequena multidão sai de um
beco e grita “puta Braga!”. Aproximaram-se
de nós. Muito engraçado! Mas a cinco metros
de nós, cerca de quinze pessoas pararam e
começaram a apontar o dedo, a insinuar um
confronto e a dizer outra coisa qualquer na
língua deles. Como macacos, mas não como
adeptos, ultras ou hooligans. Ao estar mais
perto destes habitantes afectuosos, não
encontrei nada melhor do que dizer em voz
alta: “Estão loucos? Vão-se lixar!” Os que me
ouviram viram tanto a compreensão da frase
como a confusão da situação em geral. Um
80
português a falar russo?! É tudo complicado!
Uma dissonância cognitiva significativa para o
colega azerbeijanês.
Depois houve outro incidente
semelhante, mas desta vez com um grupo
de adolescentes a apontar-nos o dedo e os
punhos. Também lhes dei algumas lições de
vida em russo poderoso. Os rapazes pediramme
para não reagir a isto e para me acalmar.
Esqueci-me de mim próprio.
Meia hora depois, todos se
dispersam em direção a casa. Fomos os
últimos e dirigimo-nos para o táxi, quando,
por detrás, nos gritam “puta Braga!”. Se
calhar agora?! Mas não. Estiveram sempre
atrás de nós e podiam ter-nos atacado várias
vezes para nos darem um bom abanão, mas
decidiram apenas gritar nas nossas costas. E,
no entanto, uma faixa onde se lia “Qarabag
Hooligans” estava pendurada nas bancadas.
Regressámos a casa quase sem
forças e sem emoções. Todas ficaram no
sector. Como eu invejava o facto de eles
partirem em breve para outra viagem
pelo continente, esperando de novo taças
europeias, novas cidades e as mais diversas
aventuras fora de casa. Mas isso é uma
história para outra altura. Agora, era altura de
dizer adeus a todos os que partiam à noite,
passar o chocolate para Braga e passar o resto
da noite com os novos amigos que partiam
amanhã.
O meu voo era também no dia
seguinte e, pela primeira vez em Baku, não
dormi no chão! Mas agora era apenas rotina
e não tão emocional e enérgica como nos
últimos três dias.
Baku 2024. Qarabag -Braga.
Por Stephan Romanov
81
FC KOLN X EINTRACHT FRANKFURT
82
Com viagem turística marcada
para a zona alemã da Renânia do Norte
e Vestefália, a mesma não poderia ficar
completa sem experienciar o jogo de uma das
muitas equipas que a área tem para oferecer:
B. Dortmund, Schalke, B. Mönchengladbach,
1. FC Köln, F. Düsseldorf, B. Leverkusen, entre
outras. Sendo que apenas o Schalke e o
Köln jogariam em casa, e que Gelsenkirchen
é uma cidade pouco atractiva (além de
ficar mais isolada), o objetivo seria rumar
ao RheinEnergieSTADION, para assistir
ao encontro contra o E. Frankfurt. Ambas
as equipas apresentam grupos ultras
de renome, o que fazia prever um bom
ambiente fora do campo. O próximo passo
seria conseguir um bilhete, uma tarefa não
muito fácil para um jogo da Bundesliga.
Nos jogos em casa do 1. FC Köln, é costume
estes esgotarem muito antes de abrirem
para venda ao público. Posto isto, a primeira
tentativa foi contactar um colega do Eintracht
Frankfurt, que fez os possíveis para conseguir
uma entrada para o sector visitante, não
tendo, infelizmente, sucesso (teria sido uma
bela experiência). Posteriormente, consegui
entrar em contacto com um sócio da equipa
da casa, que me conseguiu então comprar
um bilhete, sendo o meu único requisito
que este fosse para um lugar com boa visão
para ambos os ultras. Passando para o dia
de jogo, a ideia seria chegar ao recinto com
antecedência, de maneira a explorar a zona
com calma. No entanto, os atrasos dos
comboios da Deutsche Bahn não quiseram
contribuir, chegando à cidade de Colónia já
no limite das horas. Valeu a ajuda do recém-
-conhecido colega do 1. FC Köln, que me
auxiliou a encontrar comboios alternativos,
ficando ainda à minha espera na estação
principal para me guiar até ao estádio. Já com
ele, apanhamos o metro até uma praça ao ar
livre, onde trocaríamos de transporte para
um tram. Na praça encontravam-se vários
adeptos da casa, todos à espera que o mesmo
chegasse. Entretanto, após vários barulhos
de sirenes, surgiram umas 15/20 carrinhas da
polícia de modo apressado, que circundaram
a praça e estacionaram no centro da mesma.
Sabíamos que os grupos ultras do Eintracht
se deslocariam de comboio, e esta paragem
poderia ser uma hipótese. No entanto, após
alguns minutos, chegou o nosso transporte
e, até aí, pouco aconteceu, sendo que a
polícia mal saiu das carrinhas e a maioria
dos adeptos no local não parecia muito
preocupado. Já a caminho do estádio, e com
o tram a abarrotar, fui conversando com o
meu colega. Este explicou-me que, apesar
de as duas equipas não terem uma rivalidade
histórica dentro de campo, os ânimos entre
os ultras eram quentes, dado que ambos
apresentam grupos fortes e gostavam de
se “picar”. A aproximação do Euro 2024
trazia também uma presença mais forte da
polícia, bem como o simples facto de ser um
jogo onde os adeptos de Frankfurt estariam
presentes, reforçando o estereótipo de que
estes têm fama de causar problemas.
Assim, chegamos ao recinto de
jogo. Como é costume na Alemanha, o estádio
situa-se isolado da cidade, praticamente no
meio da “floresta”. Quem chega ao mesmo,
assumindo que não vem por caminhos
alternativos, depara-se com uma ampla área
de relva que tem de atravessar, antes de
chegar ao estádio em si, sendo esta a entrada
principal. Curiosamente, a entrada visitante
situa-se deste lado, por onde a maioria das
pessoas circula, e a entrada dos ultras da
casa fica do lado oposto. Saídos do tram,
atravessámos esta tal área a passo acelerado,
em direção à zona “oposta” referida, onde
estaria a nossa porta. A iluminação do estádio
chamava bastante a atenção ao longe, com
os quatro pilares em cada canto do estádio a
refletir as cores do clube. A meio do caminho,
um senhor tocava piano, o que deu um ar
bastante agradável combinado com o cair
da noite. Quanto à entrada visitante, apenas
se encontrava delimitada por uma linha
de grades baixas e praticamente sem fila.
Espalhados pelo espaço de relva estavam
alguns grupos de 10/15 polícias, alguns
montados a cavalo, contando ainda com um
imenso número de carrinhas, estacionadas
já junto ao edifício do estádio. Ao contrário
do que já tinha encontrado noutros estádios
alemães, a entrada é feita diretamente para
a bancada e não para uma zona envolvente
ao estádio. Assim, após algum tempo na
fila, consegui entrar mesmo a tempo do
83
apito inicial. O meu bilhete era para uma
das laterais e o estádio já se encontrava
praticamente cheio por esta altura (a lotação
foi confirmada como esgotada, estando
presentes cerca de 50.000 adeptos), pelo que
me apressei a sentar num qualquer lugar de
vago. O primeiro impacto foi logo o barulho
causado pelos adeptos, sendo algo que eu
não consigo mesmo descrever. O segundo
foi o aspeto visual de um estádio daquela
envergadura completamente cheio. E o
terceiro foi ver uma curva repleta de material
e bandeiras, de todos os tamanhos, que iam
fazendo efeito no ar, quase que hipnotizando
quem está habituado a ser proibido de algo
tão simples como isto. Enquanto me perdia
nestas observações, reparo que os ultras
da casa paravam de cantar, e começavam
a contar, em uníssono, de 10 até 1, em
alemão. Mal terminaram, foram lançados
vários confettis e deu-se o início de uma
bela tochada, uniformemente distribuída
pela bancada e com bastantes participantes.
Algo de que não estava à espera, pois o 1. FC
Köln tinha recentemente sido multado em
500.000€ (!) pelo uso de pirotecnia. Porém,
algo bastante incrível de se ver, fazendo valer
a pena toda a dor de cabeça com os comboios.
Do lado do Eintracht Frankfurt, apesar dos
3 sectores completamente cheios, não foi
preparado nada para o início do jogo. Ainda
assim, é sempre uma boa experiência ver o
material dos grupos de Frankfurt ao vivo,
como a já desgastada faixa com a inscrição
“ULTRAS” ou o pano “EINTRACHT FRANKFURT
HOOLIGANS”.
Com isto, deu-se o início do jogo,
ao qual eu não prestei, honestamente, muita
atenção. Nas bancadas, não me lembro de
ver um único elemento da polícia, algo que
me deixou perplexo. Quanto à “Südkurve 1.
FC Köln”, apesar de a bancada estar cheia,
o apoio concentrava-se nos 2 sectores
centrais da mesma, estando estes, inclusive,
delimitados por grades. Os ultras eram
comandados por vários capos, cerca de
sete. Como é o esperado numa curva alemã,
todos (e repito, todos) batiam palmas e
saltavam quando tinham que o fazer, o que
resultava num efeito espetacular. Quando
o Frankfurt ganhava um canto do lado dos
adeptos da casa, o cântico que entoavam
era imediatamente parado e todos faziam
barulho. As restantes bancadas, no entanto,
apenas muito escassamente acompanhavam
os cânticos. Da outra ponta do estádio,
apesar da inferioridade numérica, os adeptos
do Eintracht conseguiram-se fazer ouvir por
várias vezes. Embora eu não estivesse perto
o suficiente para conseguir analisar detalhes,
era notório o bloco de homens de preto
que compunham a linha (ou linhas, melhor
dizendo) da frente do sector visitante. Era
possível identificar alguns adeptos forasteiros
nas bancadas do Colónia, que inclusive
festejaram um golo posteriormente anulado
do Eintracht. Ainda assim, as reações dos
locais não passaram de uns olhares de canto,
ou um ou outro copo de plástico arremessado.
Com isto deu-se o intervalo, altura em que
aproveitei para me alimentar um pouco,
deixando a oportunidade de provar uma
Kölsch típica de Colónia para outra altura.
Quando regressei ao meu lugar, já em cima do
início da segunda parte, estava-se a dar um
dos imensos protestos contra a entrada de
um investidor na DFL, tema quente no futebol
alemão de momento. Não vou entrar em
detalhes sobre o mesmo, pois é um tema que
vai muito além deste artigo, mas foi possível
ver os ultras da casa a desenrolar uma tarja,
na qual anunciavam (sendo que não era
novidade para ninguém) explicitamente a
sua posição contra o tema, ao mesmo tempo
84
que iam atirando moedas de chocolate para
o relvado, de modo a forçar o atraso do
jogo. Vários seguranças iam apanhando as
mesmas, mas assim que terminavam, novas
moedas voltavam a ser atiradas. Isto repetiu-
-se durante alguns minutos, para gargalhadas
da maioria dos adeptos. Dentro das 4 linhas,
o 1. FC Köln conseguiu chegar ao golo por
duas vezes, situações que despoletaram a
euforia no estádio, lançamento de cervejas
ao ar e a utilização de mais pirotecnia no topo
sul. Golos estes importantes, que garantiram
a vitória e ajudaram o clube a manter viva a
luta pela permanência na Bundesliga. No final
do jogo, os jogadores da casa juntaram-se
e foram agradecer à “Südkurve 1. FC Köln”,
entoando cânticos em conjunto com os
adeptos. Isto enquanto o sector visitante se
ia despindo rapidamente, mais uma situação
estranhíssima para quem vem de Portugal,
ficando os ultras para último enquanto
guardavam o material.
Por esta altura, o meu colega
de Frankfurt convida-me para beber uma
cerveja no seu autocarro. Enquanto eu
ainda pensava nas complicações que isto
envolveria, graças à realidade portuguesa,
este diz-me que já se encontrava à minha
espera, no lado dos adeptos da casa. Dito e
feito, fui ter com ele e atravessamos o campo
de relva que referi inicialmente, até chegar à
estrada principal onde se situa a estação de
tram. Os autocarros estavam estacionados
numa estrada secundária perpendicular a
esta, apenas guardada por uns três polícias,
que nem sequer nos prestaram atenção.
Como disse anteriormente, os ultras tinham-
-se deslocado de comboio, mas o ambiente
nesta zona não deixava de ser intenso, para
um forasteiro como eu. Chegado ao autocarro
do meu colega, um dos últimos, deparei-me,
novamente, com surpresas. O seu grupo tinha
montado um churrasco na berma da estrada,
onde a maioria convivia e a pressa para ir
embora parecia nula. Os autocarros iam
saindo independentemente e sem qualquer
controlo (pelo menos que eu conseguisse
ver), e não via presença de polícia. Com
cervejas trocadas, e sem deixar de beber um
vinho quente típico de Frankfurt, era altura
de me despedir e ir embora. Mais tarde, foi
espalhado pela internet a ocorrência de um
confronto relativamente grande (50 vs 50)
entre adeptos dos dois clubes. No entanto,
segundo me foi contado, terá sido entre
adeptos interditos de estádios, dado que o
mesmo ocorreu à hora do jogo a uma distância
ainda longe do estádio. Por causa disto, no
final da partida, cerca de 400 ultras do 1. FC
Köln terão sido interceptados pela polícia
durante 3 horas, de maneira a evitar novos
conflitos. Já o local onde isto aconteceu foi
precisamente junto a sítios pelos quais passei
ao deslocar-me para ir embora, infelizmente
não prestando atenção, pois não sabia dos
acontecimentos no momento. No geral, uma
experiência bastante enriquecedora, que me
deixa com vontade de voltar e com muita
tristeza por sentir que coisas tão básicas
como as que vi são (e vão continuar a ser
durante muito tempo) utópicas em Portugal.
Por M. Ribeiro
85
86
Em Portugal, infelizmente,
temos vindo a assistir a uma longa fase de
aumento de repressão no seio dos adeptos,
com medidas segregadoras, injustas,
discriminatórias e desproporcionais, que
acabam por ter sido bastante bem abordadas
na grande maioria dos números desta fanzine,
que conta já com mais de três anos e meio.
Mesmo que estejamos a ser uns dos mais
afectados, tanto na duração temporal como
no plano da própria dureza delas, é algo que
também se estende ao estrangeiro e incide,
de diferentes maneiras, nos apaixonados do
mundo da bola. É o caso do público belga,
que está a viver, nos tempos recentes, um
período complicado nas bancadas, com um
endurecimento de medidas.
O tema dos problemas envolvendo
os ultras tornou-se muito mediático na
Bélgica. Se aqui em Portugal se fez (e se
continua a fazer) uma “tempestade num copo
de água” por qualquer acção fora do que é
visto como socialmente correcto, a verdade é
que, por lá - tal como noutros países vizinhos
daquela região europeia - houve um aumento
de casos de incidentes, invasões de campo
e de sectores, além de interrupções de
partidas (por conta de protestos envolvendo
pirotecnia, por exemplo). Desde os encontros
mais importantes do país até às divisões
inferiores, houve um crescimento exponencial
de violência, a fazer lembrar aquilo que se
registava na década de 90. Porém, vivemos
numa era em que os avanços policiais até
deveriam, supostamente, contrariar tal. Há
exemplos de casos mais mediáticos, como
a invasão de campo num Standard de Liège
contra o Charleroi (em Dezembro de 2021),
que levou à sua suspensão, ou daquele que
para muitos é o maior clássico do país, entre
o Anderlecht e o Standard de Liège, em que,
nos últimos seis anos, foi interrompido por
quatro vezes e por duas vezes não chegou a
ser reiniciado.
As tradicionais medidas punitivas e
de controlo têm sido aplicadas ao longo dos
últimos anos, como interdições, multas cada
vez mais elevadas, obrigações de respeitar
determinados perímetros, etc. Voltando a
exemplificar acerca do mítico clássico entre
Anderlecht e Standard, convém referir
que se decidiu, em Dezembro passado,
depois de mais episódios de violência numa
partida entre ambos, a proibição de adeptos
visitantes nesse clássico até ao final da época
2024/25. Ainda assim, o recente foco das
entidades que regem o futebol belga tornou-
-se no combate às interrupções dos desafios.
Não é difícil perceber que, para quem quer
vender o seu futebol, essa acaba por ser a
“maior pedra no sapato”. Por esse motivo,
no dia 21 de Junho de 2023, ou seja, antes
do início desta época 2023/24, a Pro League
- desígnio oficial da Liga Belga de Futebol -
anunciou a paralisação de qualquer partida
que tivesse interrompida, com a mesma a
ser retomada no início da semana seguinte,
à porta fechada. Uma medida radical, que
não teve as soluções pretendidas, pois os
efeitos foram perversos. Naturalmente,
não houve controlo da revolta que surgiu
perante inúmeros protestos dos ultras belgas,
uma vez que, como esperado, os incidentes
que levaram às interrupções dos encontros
aumentaram.
Previsivelmente, as regras tendiam
a endurecer. Por isso, no passado dia 8 de
Fevereiro, a Pro League emitiu um comunicado
no seu site em que anunciava medidas para
alegadamente combater as interrupções
dos jogos. A base incidia na deslocação de
adeptos a embates fora, uma punição severa
e, infelizmente, cada vez mais comum pelo
mundo (embora não propriamente por se
interromper uma partida também em casa).
Segundo a entidade em questão, “os clubes
cujos simpatizantes interrompessem de forma
temporária ou permanente um encontro têm
de jogar os três jogos seguintes fora de casa
sem adeptos” e, caso haja reincidência nos 12
meses seguintes, “cinco partidas adicionais
são aplicadas a essa sanção”.
A primeira vítima foi logo o Seraing,
clube que milita no segundo escalão belga
que, no dia 17 de Fevereiro, viu os seus
apoiantes a lançarem pirotecnia, em forma
de descontentamento perante a derrota
num dérbi de Liège (contra o RFC Liège),
e foi automaticamente punido com as tais
três partidas consecutivas de proibição de
deslocação.
Cerca de duas semanas depois
do anúncio da Pro League, o Collectif Ultras
Belgium, que acaba por ser um conjunto
organizado de vários grupos ultras do país,
respondeu através de um comunicado em
que expôs as incongruências e a hipocrisia
dos possíveis castigos. Começaram a criticar
a falta de diálogo da liga, salientando que não
se dignaram sequer a consultar os próprios
clubes. Seguiu-se a exposição do problema
gerado pelas tais imposições, por intermédio
da simulação de um diálogo com a entidade
do futebol belga, que vale a pena ficar aqui
transcrito.
“Solução idiota versão 1 decidida
pela Pro League: partida interrompida
permanentemente -> aplicar castigos de
portas fechadas.
Reacção dos adeptos: «Vocês dão o poder aos
adeptos para interromperem uma partida.
Mudem esta regra estúpida»
Reacção da Pro League: «Não».
Efeitos observados: grande aumento de
incidentes e paralisações de jogos. Então...
novo problema.
Solução idiota versão 2 da Pro League: Proibir
todos os adeptos de um clube cujo encontro
esteja interrompido de viajar, primeiro por
três jogos, depois por cinco jogos em caso de
reincidência.
87
Reacção dos adeptos: “Essas sanções
colectivas não vão ajudar em nada. Isso
abre portas para a anarquia e para decisões
desproporcionais em termos da necessária
separação entre comportamentos individuais
e responsabilidade colectiva. Tem um impacto
sobre adeptos que não pediram nada, bem
como de clubes (visitados) que não pediram
nada. Pior: estas medidas são abusivas e a
sua ilegalidade seria facilmente demonstrada
num tribunal. Mais grave: o risco de aumento
de incidentes é real a longo prazo (a prova
disso já está demonstrada no jogo Seraing - FC
Liège do fim de semana passado).
Resposta da Pro League: nenhuma resposta.”
Resumiu perfeitamente tudo aquilo
que aconteceu no passado e os problemas
que podem suscitar no presente e futuro. Ao
ler, parece que estamos a ter um “déjà-vu”,
pois já estamos familiarizados com muitos
destes argumentos e contra-argumentos
que se passam no nosso país, desde o (não)
88
efeito pretendido por quem pune, haver
potenciais consequências contraproducentes
e até à falta de rigor se aprofundarmos nos
planos legais. Seguiu-se, no comunicado,
um conjunto de pretensões feitas pela tal
colectividade belga:
“1. Pedimos à Pro League, num
momento em que todos os adeptos do
Seraing acabam de ser as primeiras vítimas
de tal medida (=> façam um apelo sumário
para derrubar esta decisão idiota), que retire
esta medida populista e perigosa de causar
potenciais incidentes num curto prazo,
bem como ilegal em termos de direitos e
liberdades individuais.
2. Pedimos a todos os clubes membros da Pro
League que se levantem contra estas medidas
o mais brevemente possível através de uma
reunião extraordinária de emergência, se
necessário.
3. Pedimos a todos os grupos de apoio que
primeiro se manifestem de forma simbólica
e pacífica contra esta medida, exibindo a
seguinte mensagem:
«Pro League: Ditadura, inconsciência,
estupidez. As vossas sanções são irracionais!»
E não cair na provocação de interromper
os jogos, o que soaria como uma armadilha
muito fácil na qual cairíamos em nosso
prejuízo.
4. Estamos à disposição da Pro League para um
diálogo e soluções sobre esta problemática
que nos parecem mais ponderadas do que o
que está em vigor há duas semanas.
Caso contrário, reservaremos o direito
de tomar outras acções mais firmes até
resolvermos esta questão.”
Ainda assim, houve outros
casos de clubes castigados em virtude do
comportamento dos seus adeptos. O RFC
Liège, curiosamente adversário do Seraing,
acabou castigado da mesma maneira por
causa de um encontro, no dia 24 de Fevereiro,
contra a equipa secundária do Standard de
Liège. Recentemente, o mesmo aconteceu
com o Molenbeek, devido a uma partida
realizada em Janeiro (ou seja, bem antes do
anúncio legal) frente ao Eupen, em casa.
Pode-se dizer, portanto, que os
grupos ultras não cederam e o pedido feito
pelo Collectif Ultras Belgium acabou por ser
respeitado. Resta verificar o que surgirá após
tudo isto. Não parece que seja algo resolúvel
a curto prazo, uma vez que a comunicação
entre entidades reguladores e adeptos, ou
quem os representa, é praticamente nula,
apesar do esforço entre as direcções dos
clubes e os respectivos grupos ultras.
Na Bélgica, tal como noutros sítios
(como aqui), verificamos uma imposição de
sanções mais com um teor propagandista
do que propriamente de justiça, ou seja, a
intenção não parece ser a redução de danos
daquilo que consideram errado, mas sim
de atirarem umas medidas para o ar para
fingirem que mostram trabalho e serem
aplaudidos pela opinião pública.
Por G. Mata
89
90
Depois de termos viajado pela
Escócia e Itália, neste número da rúbrica
Dérbis com História vamos voar até ao
Sudeste Europeu, mais concretamente até à
Grécia, para nos envolvermos na “mitológica”
história daquele que é conhecido como o
Dérbi dos Eternos Inimigos e que coloca em
lados diferentes da barricada Panathinaikos
e Olympiacos, os dois maiores emblemas do
país helénico. Para compreender melhor o
contexto em que se desenvolveu esta disputa
vamos, como já é hábito nesta rúbrica,
fazer uma breve síntese sobre a história da
região que alberga tamanha rivalidade, e
convenhamos que não existirão no mundo
muitas cidades mais interessantes do que
Atenas, no que à questão histórica diz
respeito.
Para compreender, com alguma
exatidão, a origem da cultura grega, temos
de recuar mais de três mil anos, até 1100 a.C.
quando se formou a Civilização minoica, que
se desenvolveu na Ilha de Creta, banhada
pelo Mar Egeu. Os minóicos, seguidos dos
micénicos, são os precursores de uma longa
“linhagem” de povos que formaram a cultura
grega, que se desenvolveu ao longo dos
milénios. É num contexto de um país dividido
entre uma grande multiplicidade de Cidades-
-Estado, que Atenas se afirma como grande
potência, numa época que ficaria conhecida
como Período Clássico, entre o século V e
IV a.C., momento também designado como
“Idade de Ouro de Atenas”, depois dos
exércitos da cidade derrotarem os Persas
do Império Aqueménida. Atenas afirmou-se
não só como potência militar, mas acima de
tudo como referência no desenvolvimento
das ciências e artes, deixando um legado
extraordinário, particularmente na filosofia,
em que se revelaram nomes como os de
Sócrates ou Platão. Atenas é, para além de
tudo o que foi anteriormente mencionado,
conhecida por ser o berço da civilização
ocidental e a “mãe” do modelo de governação
democrática, embora naqueles tempos a
participação cívica fosse restrita aos cidadãos,
condição que estava limitada a homens de
uma certa condição social e económica.
O território grego veio mais
tarde a ser controlado por um conjunto de
impérios poderosos em diferentes épocas,
nomeadamente o romano, bizantino e
otomano. Avançamos no tempo, até aos
finais do século XIX, mais propriamente 1896,
ano em que se realizaram os primeiros Jogos
Olímpicos da Era Moderna, precisamente em
Atenas, reforçando assim a ligação entre o
país helénico e o desporto, uma vez que os
Jogos Olímpicos da Antiguidade se realizaram
exclusivamente na Grécia, com a primeira
edição a ter lugar no ano de 776 a.C., na
cidade de Olímpia.
Apenas doze anos após a realização
das primeiras Olimpíadas da Era Moderna
nasce, em 1908, o Panathinaikos, no seio
da burguesia e alta sociedade ateniense. O
rival Olympiacos surgiria apenas em 1925,
na localidade vizinha de Pireu, zona costeira,
famosa pelo seu porto e largamente populada
por operários fabris e estivadores que viriam
a constituir nos primórdios do clube a sua
base social. Nesta aurora do século XX, Pireu
era ainda uma localidade separada da capital,
situação que se viria a transformar fruto do
crescimento da urbe ateniense, que viria a
“engolir” Pireu na sua área metropolitana.
91
92
O primeiro confronto entre os
dois clubes aconteceu a 1 de junho de
1930 e o clube do trevo bateria os rivais do
Olympiacos por 8-2, resultado que constitui
até à data a maior goleada da história da
rivalidade. A resposta seria pronta e, ainda
no decorrer da década de 30, o Olympiacos
viria a vencer em duas ocasiões o rival por
1-6, em 1932, e 6-1, em 1936. Em termos
futebolísticos, o Olympiacos tornou-se
claramente dominante, conquistando 47
títulos de Campeão Nacional, contra 20 do
Panathinaikos e, no século XXI, o domínio
tem sido verdadeiramente hegemónico com
19 títulos conquistados contra apenas 2 do
rival. No que à disputa de dérbis diz respeito,
a equipa de Pireu leva também vantagem
com 87 vitórias, contra 56 do Panathinaikos,
para além de 76 empates a registar. Se
internamente o Olympiacos é superior, a
verdade é que esse domínio não se confirma
nas prestações europeias, porque aí brilha
o Panathinaikos, que já alcançou por duas
vezes as meias-finais da maior prova de
clubes da UEFA e, em 1971, chegou mesmo
à desejada final da Taça dos Campeões
Europeus contra o poderoso Ajax. Para além
do futebol, a rivalidade é muito disputada e
bastante mediática noutros desportos como
o Vólei, o Polo Aquático e, evidentemente,
o Basket, onde os dois clubes são dois dos
mais poderosos da Euroliga, que em conjunto
já a conquistaram 9 vezes (6 do Pana e 3 do
Olympiacos).
Os números são naturalmente
importantes para termos a noção da
dimensão desta rivalidade, que é também
conhecida como “A mãe de todas as
batalhas”, mas aos aficionados das bancadas
interessam mais os jogos que se disputam do
lado de fora das quatro linhas, e aí também
não falta que contar. Os dois clubes têm como
casa estádios que carregam o legado das
respectivas colectividades e que têm muitos
e muitos anos de episódios épicos registados
nas suas “entranhas”. O Estádio Leoporos
Alexandras é a casa do Panathinaikos, que
tem capacidade para 16 mil espectadores
e foi inaugurado em 1922. Apesar de a
infraestrutura não albergar os confortos
próprios do futebol moderno e de acomodar
poucos espectadores face à dimensão do
clube do trevo, toda a envolvência carrega
uma mística que é demonstrativa da paixão
dos seus adeptos. Foi lá que surgiu o primeiro
grupo organizado de adeptos em toda a
Grécia, que tinha o nome de Sfopsilogos
Filathon Opadon Panathinaikov, fundado em
1952. Na década seguinte, mais exactamente
em 1966, nasceu o Gate 13, que ainda hoje
está no activo e que é um dos mais fortes
colectivos ultras de toda a Europa. O poder
vocal, os espetáculos pirotécnicos e o famoso
Horto Magiko são as suas imagens de marca.
Já o rival disputa as partidas na
condição de anfitrião no Estádio Karaiskakis,
inaugurado em 1895 mas que foi alvo de
duas grandes remodelações, a primeira em
1964 e depois em 2004, sendo um recinto
com outras condições e com capacidade para
33 mil adeptos. O grande grupo de apoio
ao Olympiacos é o Gate 7, criado em 1981,
que é um colectivo de respeito, sobejamente
conhecido por ser parte daquela que é
possivelmente a mais famosa “irmandade”
ultra do mundo e que reúne, para além do
Gate 7, os Delije do Estrela Vermelha e a
Fratria do Spartak de Moscovo, trio conhecido
como “The Orthodox Brothers”, nome que é
explícito da unidade religiosa ortodoxa que é
partilhada por todas as três massas adeptas.
Para além do poder vocal de ambos
os grupos e dos espetáculos pirotécnicos
existe, como é natural em rivalidades desta
natureza, um grande historial de violência,
que se regista nas mais diversas modalidades.
Apesar do historial de confrontos ser quase
tão antigo como o dérbi, o mais negro dos
episódios aconteceu em 2007, quando
um jovem adepto de 22 anos afecto ao
Panathinaikos acabou por morrer na
sequência de um ataque lançado por adeptos
rivais, à margem de um jogo de vólei entre
as duas equipas. Este fatídico episódio
deu o pretexto para que o governo grego
proibisse a presença de adeptos visitantes em
espetáculos desportivos.
Os gregos são sobejamente
conhecidos pela sua veia tenaz e guerrilheira,
bem vincada na resistência à ocupação
nazi durante a II Grande Guerra e, mais
recentemente, nas manifestações contra as
políticas de austeridade implementadas pela
Troika no início da segunda década deste
século. Estes comportamentos que fazem
parte do “ADN” deste povo naturalmente
reflectem-se no comportamento dos adeptos
de futebol. Apesar de todas as medidas
repressivas aplicadas para domesticar os
grupos organizados, a verdade é que, em
ambos os clubes (e não só), eles continuam
bem activos nas bancadas e na rua, continuado
assim a apimentar este extraordinário dérbi e
todo o futebol helénico, que tão má memória
provoca aos portugueses, fruto da traumática
derrota imposta pela selecção grega aos
portugueses na final do Euro 2004!
Por J. Sousa
93
A distância que separa Guimarães
de Madrid são exatamente 554 quilómetros.
Foi esse o caminho que percorremos até à
capital espanhola, para ver o encontro que
opôs o Rayo Vallecano ao Real Madrid, em
jogo a contar para a 25ª jornada da La Liga.
As 48 horas que tínhamos disponíveis em
solo espanhol não davam para muito, por
isso centramos as nossas atenções no mítico
Bairro de Vallecas.
A Avenida de la Albufera é a espinha
dorsal de Vallecas. Uma rua de prédios baixos
da cor do tijolo, de comércio local e de velhos
sentados nos bancos à espera que as horas
passem. É a periferia da capital. As ruas
contíguas, com mais história do que portas
abertas, são silenciosas e só a roupa lavada
estendida nas varandas é que denuncia que
ali mora gente e que é um bairro de operários
e de trabalhadores.
Os prédios escondem o Campo de
Fútbol de Vallecas. É discreto e é mais baixo
do que alguns dos edifícios que o circundam.
Na intersecção da Avenida de la Albufera com
a Calle del Payaso Fofó, o retrato de um pai
que leva a filha pela primeira vez a um jogo
de futebol é mais impressionante do que o
próprio estádio. Aquele mural gigante, que
se consegue ver desde o Fondo Norte, foi
pintado pelas mãos de quem pintou o bairro
com as cores do Rayo, da contracultura e do
antifascismo.
A fachada principal do estádio é
virada para os prédios da Calle del Payaso
Fofó. As janelas abertas denunciam que é
dia de jogo e que já não falta muito tempo
para a bola começar a rolar. Não há camisolas
do Rayo a secar nas varandas porque estão
a ser usadas por quem se assoma às janelas
antes de descer à rua. A vista privilegiada
faz com que sejam os primeiros a encorajar
os jogadores, que chegam a pé e andam
pela rua, no meio dos adeptos, enquanto
caminham para os balneários.
94
Vallekas não se parece com nenhum
sítio do mundo. Para alguns será um lugar feio
e até aborrecido, mas é indiscutivelmente
distinto. E essa parece ser a maior virtude
de Vallekas, bairro rebelde, obreiro e
contracultural, com um clube - e sobretudo
uma massa adepta - antifascista, antirracista
e barrionalista que mantém o clube vivo e
que sabe que a glória não está no triunfo, mas
na perseverança e na defesa e construção de
uma identidade comum.
Da mesma forma que, para Vallekas,
a virtude não parece estar na beleza, mas na
forma única de ser e de estar, para o Rayo a
virtude não está em ganhar, mas em defender
os valores da solidariedade e da honestidade
e em viver a vida em comunidade e não
sozinhos. Como é que o Rayo pode sair de
Vallecas se o Rayo é Vallekas?
A realidade de Vallekas
O frenesim do dia de jogo
contrastava com a calma do dia anterior.
O perímetro de segurança alargado, as
ruas fechadas, as câmaras de televisão e as
medidas para descartar ameaças de bomba
eram indícios de jogo grande. Naquele dia, o
Campo de Fútbol de Vallecas ia receber um
dos dérbis de Madrid. O menos mediático
dos dérbis da cidade. Não terá, para muitos,
a grandiosidade de um jogo entre o Real
e o Atleti. No entanto, em Vallecas não há
interesse no adversário. Nem quando o
adversário é o Real Madrid. Naquele bairro de
Madrid, uma das capitais do mundo, o foco é
sempre o mesmo: o Rayo. Em Vallecas, não
se vai ao estádio para ver o Rayo ganhar, mas
para o apoiar.
A poucas horas do início do jogo, os
Bukaneros, grupo ultra que ocupa o Fondo
Norte de Vallecas, fez um pequeno cortejo
no caminho para o estádio em protesto
contra a eventual demolição do atual estádio
e a construção de outro fora de Vallecas. Já
dentro do recinto, estava preparada uma
coreografia que era o espelho do vínculo
existente entre os adeptos e a sua equipa.
Com o escudo de Vallecas a preencher a
bancada, levantava-se uma mensagem no
topo da bancada: “Orgullo de Barrio”. Era
este o pano de fundo para o encontro contra
os ‘merengues’. Pouco tempo depois do apito
inicial, o protesto espalhou-se pelo estádio
e centenas de cartazes escritos à mão, que
tinham sido previamente distribuídos pelos
adeptos, preencheram o Campo de Fútbol de
Vallecas. “Este es nuestro estadio” e “No nos
moverán” eram os motes da iniciativa.
Não se vive de ilusões num bairro
da classe trabalhadora. Nem nas bancadas.
Os adeptos do Rayo Vallecano não alimentam
fantasias. Sabem que as probabilidades de
ganhar a um clube como o Real Madrid são,
em princípio, reduzidas. Sabem que poucas
95
vezes aconteceu. E um empate, como o do
último encontro em Vallecas, é um resultado
positivo. No entanto, nada os demove de
ir para a bancada. Nada os demove de
apoiar incessantemente o clube e de apelar
aos adeptos para comparecerem no jogo
seguinte. Nada os demove de cantar de
forma incansável durante 90 minutos sob
um sol abrasador. E não é a ilusão do triunfo
ou de uma façanha desportiva que alimenta
a paixão. É a realidade: enquanto aquela
bancada estiver cheia, com mais de 100 faixas
diferentes pintadas à mão e que vão trocando
de lugar até que os braços comecem a doer
– para depois, nesse momento, passar essa
faixa a quem estiver mais perto – ninguém
pode mudar o Rayo Vallecano de sítio.
Por Hugo Marcelo e Raquel Veiga
Fotos de Hugo Marcelo e Raquel Veiga
96
97
Esta jornada começou na terçafeira,
em Milão, com o Inter vs Atlético de
Madrid. Antes do jogo, nas imediações do
estádio, foi logo notório o ambiente, a festa
e o convívio que se cria antes dos jogos, com
imensas roulotes, tendas com DJ, etc, etc
(não há espaços comerciais junto ao estádio,
daí as imensas roulotes e street food móvel).
Estavam presentes as condições ideais para
ir para o estádio de forma antecipada, pois a
festa é garantida (eu pessoalmente sinto falta
disto por cá). Dando uma volta antes do jogo
presenciei o respeito, apesar do ódio notório,
entre os grupos rivais que partilham o mesmo
estádio: pinturas, desenhos, grafittis da
Curva Sud intactos, onde havia milhares de
interistas a passar. Do outro lado pinturas da
Curva Nord, Boys San, etc, completamente
intactas.
Para este encontro eu não tinha
bilhete. Foi então que, em cima da hora de
jogo, abordei um “candongueiro” que vendia
bilhetes e contava dinheiro à descarada,
sem disfarçar perante a presença da polícia.
Quando lhe digo que sou de Portugal e de
seguida “Guimarães” ele disse logo: “Euro
2004, eu estive lá”! Espanto maior foi quando
lhe disse que eu tinha uma loja, a Portugal
Ultra, e que passaram lá muitos italianos - ele
foi um dos que esteve na minha loja. Brutal!
Resultado de tudo isto: consegui bilhete para
ver o jogo e lá fui eu para dentro do estádio.
Cheguei e fui ao bar comprar uma cerveja
(com álcool, claro), que até tinha uma tampa
no copo para não virar.
Fiquei num sector onde tinha a
Curva Nord à minha direita, mas estava mais
perto da bancada sul, onde se encontrava a
Frente Atlético, que fez uma boa tochada.
Em termos de apoios dos da casa, apenas a
Nord cantava e não tinha ajuda das outras
bancadas (salvo raras exceções). Visto que vi o
jogo longe de onde gostamos de estar, talvez
não tenha sentido aquela emoção, aquela
vibração que estaria à espera de vivenciar.
No dia seguinte, pelas 9:30, já estava
em Nápoles. Durante a manhã e princípio
de tarde foi para conhecer um pouco da
zona velha da cidade, onde volta e meia era
abordado a perguntar o que andava ali a fazer
98
(nada a ver com bola, como imaginam) mas,
apesar de tudo, fui percebendo as dinâmicas
e não me senti minimamente inseguro,
andando à vontade em todo lado. Estava
longe do estádio, mas ali respira-se futebol
por todo o lado, impressionante. Scooters
com 4 pessoas, não há capacetes, não há
passadeiras, não respeitam sinais, nada...
Havia espaço em todo o lado, mas
em todo o lado mesmo, para alguma coisa
alusiva ao clube e, claro, ao Deus Maradona.
Impressionante a devoção e a paixão que têm
por ele, não só visível no famoso memorial no
Bairro Espanhol que visitei, mas em todas as
ruas, portas, janelas, lojas, etc ...
Houve uns grupos de adeptos
do Barcelona que passearam livremente
durante a manhã e início da tarde, mas de
repente a partir de determinada hora (hora
que consideram já de futebol), já não havia
lugar para os espanhóis. A partir dali eram
“convidados” a retirar os adereços e saírem
dali. Ou seja, permitiam que fizessem algumas
horas de turismo, gastassem algum dinheiro,
mas depois já não davam essa liberdade.
Fiz questão de ir a pé para o estádio.
A meio do caminho começo a ver os graffitis
e pinturas de vários grupos históricos, onde
se nota perfeitamente que há zonas de cada
grupo e onde se percebe as fronteiras de
território de cada um.
Chegando à zona do estádio, ao
contrário de Milão, havia muitos bares, cafés,
lojas street food, etc... foi onde mais uma
vez invejei o espírito e festa do futebol vivida
antes dos jogos. Tudo cheio, tudo a beber, a
curtir, cantar, ambiente brutal.
Fui apalpando terreno e falando
com alguns napolitanos. Houve zonas
onde estavam determinados grupos em
que percebi logo que não era bem-vindo,
principalmente na zona da malta da Curva A,
e fui andando para outra zona de bares que
era frequentada por malta da Curva B. Apesar
de estar constantemente a ser observado
(e até tinha um cachecol do Nápoles), fui
percebendo que poderia estar ali por perto.
Muitos cânticos, e era normal juntarem-se
para treinar, ensaiar novos cânticos, etc...
Nota-se o respeito enorme pela malta dos
Fedayn.
Eu tinha bilhete para a Curva B
inferior. Lá me fui metendo e fiquei junto a
um grupo (Sud 1996), que tinham o seu capo
que esperava pelas “ordens” vindas de cima
da Curva B, onde curti e vivenciei o ambiente
mais de perto. Senti, sem ter certeza, que este
grupo está em baixo a tentar ganhar estatuto
para ir para cima (apenas uma suposição).
Grupo ativo, com diversas bandeiras e
cânticos. Eram uns 40/50 elementos.
Passados uns minutos fui ao bar e mais uma
surpresa: peço cerveja e dão-me uma lata
por abrir. Lá fui eu para a bancada, com uma
lata de cerveja com álcool e fechada. Nós em
Portugal devemos ser mesmo perigosos...
Comentei o facto de em Portugal não se
poder beber álcool nos estádios, e ficavam
completamente incrédulos, tipo: “o que é
Portugal a nível de violência?”
Foi um bom apoio a nível geral,
e aqui também pesa o facto das outras
bancadas ajudarem as curvas. Torna
obviamente o ambiente melhor, coisa que
faltou no dia anterior. Por curiosidade, foi
muito raro a Curva B cantar em uníssono com
a Curva A.
No final do jogo o convívio
continuou cá fora, bares cheios, tendas com
som cheias... uma verdadeira festa.
Por Filipe Sur
99
Este derby de Praga não me
despertava grande expectativa, uma vez que
não sou grande conhecedor do movimento
checo e pouco conheço da história dos seus
grupos e clubes. No entanto, desde que se
mudou para o seu novo estádio, em 2008, a
Tribuna Sever do Slavia Praha tem crescido
bastante, e nos últimos 2/3 anos havia-
-me despertado alguma curiosidade pela
sua evolução no espetáculo de bancada,
particularmente pelos tifos e pelas grandes
sessões de pirotecnia.
Desloquei-me para o estádio com
quase 2h de antecedência, porque tinha
interesse em vivenciar todo o ambiente do
derby. Após sair na estação do Eden, fui logo
à loja do Slavia e à sede da Tribuna Sever,
que também fica no estádio. Aqui comecei
logo por ter uma noção da organização da
TS, que tinha um espaço bem desenhado e
com grande material a nível estético. Depois
de sair deparei-me com o cortejo do Sparta a
chegar, mas o ambiente era bastante diferente
do que é habitual cá em Portugal. Tal como
assisti no derby de Belgrado, também aqui foi
possível assistir a um silêncio quase total por
parte dos adeptos da casa ao ver os visitantes
no seu cortejo, sem nenhum arremesso de
objectos, apenas esperando que os mesmos
passassem. Acho curiosa esta diferença de
postura à medida que vamos para leste,
contrastando com a postura barulhenta e
com mais animosidade a que é costume
assistir por cá, que por vezes mais parece um
circo.
Chegado ao estádio com quase
1h de antecedência, a bancada dos ultras
da casa já estava praticamente cheia,
começando um grande apoio vocal logo no
aquecimento, o que é normal por lá. Ao ver
os plásticos na parte inferior das bancadas
já dava para perceber que ia haver um tifo
em duas bancadas, que seriam dois plásticos
a cobrir toda a sua largura com os dizeres
“Vitejte v pekle”, em português “bem-vindos
ao inferno”, com uma imagem de um diabo a
acompanhar. O apoio vocal na primeira parte
foi muito bom, com momentos em que todo
o estádio acompanhava, o que foi ajudado
pela acústica do estádio, que é talvez a
100
melhor de todos aqueles em que já estive. No
final da primeira parte, após o golo marcado
aos 39 minutos, houve lugar para o primeiro
espetáculo pirotécnico dos ultras da casa,
que começaram por acender vários potes de
fumo pretos por toda a bancada, seguidos de
dezenas de tochas.
No intervalo, destaque para um
derby de miúdos, que ocuparam o relvado
para um jogo entre os dois rivais, fomentando
desde cedo a rivalidade entre os dois clubes.
Aos 2 minutos da segunda parte o Slavia
marcava o 2-0 e, pouco tempo depois, a
Tribuna Sever preparava o seu segundo tifo
(desta vez com cartolinas), um diabo com os
olhos a arder acompanhados da frase “Naše
oči planou pro Slavia” (os nossos olhos ardem
pelo Slavia), mas penso que a frase também
poderá dar para fazer um trocadilho com
“os nossos olhos ardem pela glória”, uma
vez que as palavras são similares. Como não
sou especialista em checo, não posso afirmar
qual o verdadeiro sentido da frase. Por volta
da mesma altura os ultras visitantes também
se fizeram notar com o seu espectáculo
pirotécnico, com uma fila de tochas na parte
inferior do seu sector.
Foi depois de tudo isto que a
história do jogo começou a mudar. Aos 55
minutos o Sparta faz o 2-1, renascendo para o
jogo, e aos 70 minutos faz o 2-2, empatando a
eliminatória. Tínhamos derby! Se os adeptos
visitantes não tinham desmoronado quando
estavam a perder por 2-0, os da casa também
não o fizeram após o empate, tendo-se
assistido a grandes momentos de apoio,
de parte a parte, durante os 90 minutos. O
prolongamento teve momentos fortes mas
mais espaçados, uma vez que a ansiedade
relativamente ao resultado começava a
aumentar, num jogo que era a eliminar. O
Sparta marca o golo da vitória a 5 minutos
da final, fazendo a reviravolta para delírio dos
visitantes, que viram a sua equipa recuperar
de uma desvantagem de 2 golos e carimbar
a passagem para a eliminatória seguinte.
No final deu para assistir a uma tradição do
Slavia, em que a equipa se desloca ao sector
dos seus ultras para agradecer o apoio,
independentemente do resultado, o que
normalmente é retribuído.
Terminava assim mais um derby e
mais uma experiência, em que pela negativa
destaco apenas a falta de cor nas bancadas a
nível de bandeiras/estandartes, tendo tudo o
resto surpreendido pela positiva.
Por J. Rocha
101
BENFICA X TOULOUSE
Com o sorteio dos 16 avos de final
a ditar uma visita dos ‘Viola’ de Toulouse
à capital de Portugal, foi a oportunidade
perfeita para reforçar uma amizade que
cada vez mais cresce com cada interação
possível. A ideia original tinha como base ir
assistir ao jogo da segunda mão em território
francês, mas os preços de avião para essa
viagem tornaram-se rapidamente proibitivos.
Portanto, tomou-se a decisão de que iríamos
antes ao jogo da primeira mão, no Estádio
da Luz. O dia começou então bastante cedo,
por volta das quatro da manhã, de modo
a podermos apanhar o primeiro comboio
com destino ao Porto, e de lá apanhar um
autocarro que nos levaria diretamente a
Lisboa, apenas com uma pequena paragem
em Fátima. E assim foi, uma viagem de certa
forma longa, mas não tão longa como a dos
nossos amigos de Toulouse, que fizeram a
escolha de vir de França de camioneta em vez
de avião. Um total de cerca de 18 horas de
viagem, só de ida!
Após a chegada ao terminal do
Oriente, o primeiro passo a realizar, depois da
óbvia ida à casa de banho, foi tentar perceber
qual seria a opção financeira mais vantajosa
em termos de metro. Ou escolhíamos pagar
individualmente cada viagem que fizéssemos,
ou comprar um passe geral por um dia.
Optámos pela primeira opção, visto que nos
ficava economicamente mais vantajosa, tendo
em conta as viagens que tínhamos planeadas.
Após uma curta viagem até ao Rossio, onde
o nosso Hostel se situava, fizemos o check-
-in e recarregamos um pouco as energias,
tanto as nossas como as dos telemóveis, e
decidimos encontrar um lugar para podermos
almoçar. Queríamos encontrar algo perto,
pois o tempo era escasso, e de preferência
que não fosse “junk food”, mas tal seria
impossível, num mar de cadeias de fast food,
ou “restaurantes” de comidas tradicionais
do Nepal, Índia, entre outros, foi impossível
encontrar algo tipicamente Português. Num
pequeno aparte, chega a ser assustador no
que certas partes da capital portuguesa se
estão a tornar, ou neste caso já se tornaram.
Decidimos optar por uma cadeia de fast food.
Com esta etapa concluída, chegava a altura
de encontrar os nossos companheiros
franceses. Com o ponto de encontro para
todos os adeptos a ser no Terreiro do Paço
às 15h, fomos ter com os nossos amigos
umas horas antes, num pub irlandês, perto
do Terreiro do Paço. Seguiu-se um convívio
à moda antiga, recheado de cerveja, troca
de stickers, e constante partilha de histórias
e ideias, sobretudo sobre o atual estado do
movimento ultra Português, que continua
estagnado ou até mesmo em “coma”, muito
por culpa das leis impostas aos adeptos
102
Portugueses. Também foi possível retirar mais
e melhores impressões sobre o atual protesto
que decorre nas bancadas francesas, contra
a comissão de disciplina da Liga francesa,
uma espécie de APCVD Francófona, que
também passa interdições a torto e a direito
- a diferença é que estas interdições, em
vez de serem individuais, são direcionadas a
bancadas inteiras! Simplesmente surreal.
Perto das 15 horas, começou um pequeno
cortejo até ao Terreiro do Paço, onde iria ser
o ponto de encontro para todos os adeptos
do Toulouse. Seguiu-se uma foto de praxe
com todos os adeptos no centro do Terreiro,
muitos cânticos, e mais cerveja. Foi possível
também notar a presença de spotters
presentes no local, como é recorrente em
deslocações de equipas estrangeiras até
Portugal. Este ambiente de festa prosseguiu
tarde fora sem parar, nem mesmo com uma
breve (mas forte) descarga de chuva, que
apanhou alguns dos presentes desprevenidos.
Por volta das 18 horas iniciou-se
o processo de deslocação até ao Estádio da
Luz, e aí começou o circo que é a organização
portuguesa. Para começar, arrogância total
das autoridades de segurança presentes,
com constantes empurrões desnecessários
a adeptos que nada tinham feito, e a tentar
dividi-los em secções sem motivo aparente.
Mesmo assim o ponto de maior estupidez,
ou talvez ganância, viria a seguir. Estavam
naquele momento presentes cerca de 3500
adeptos. Apesar das tentativas da direção
do Toulouse em conseguir um metro
especial sem preço para assim ser mais fácil
e organizado o transporte dos adeptos para
o estádio, não houve margem de manobra,
e todos os adeptos teriam de pagar bilhete.
Quando já estávamos prontos para pagar,
em vez das habituais máquinas para comprar
bilhete, verificamos que se tinha feito um
cordão policial à frente das mesmas, e
perto delas numa mesa de piquenique, dois
solitários funcionários do Metropolitano de
Lisboa é que iam vender. Ora, é previsível
adivinhar o que ocorreu a seguir: um
enorme amontoado de multidão à volta
dessa mesinha, que se ia tornando cada vez
mais apertado. Com as primeiras vendas de
bilhetes, tornou-se então notória a razão
deste modo de venda improvisado e o cordão
policial às máquinas de venda. Em vez do
habitual preço de 1,80 € por viagem, estava
a ser cobrado um preço de 4 euros! Ganância
pura. A venda dos bilhetes prosseguiu até
que, de repente, o preço passou de 4 euros
para 4,20 sem explicação alguma, e aí sim a
indignação começou a crescer para uma certa
tensão, pois do nada o preço aumentava
por uns míseros 20 cêntimos. Só que a
história não acaba por aqui. Estava quase a
chegar a nossa vez quando um superior do
Metropolitano chega à mesa com a seguinte
mensagem para os funcionários, e passo a
transcrever: ‘Olhem, eu não sei o que é que
vocês estão a fazer a cobrar 4,20 pela viagem,
porque o preço é 3 euros.’ Simplesmente
surreal. Ora, sendo naquele momento o único
presente a falar português, não pude deixar
de expressar a minha mais honesta reação
a esta notícia: ‘Mas que merda de roubo é
este? Isto é uma vergonha!’ Estupefactos em
ouvir a língua de Camões naquele mar de
103
francês, os funcionários, meio atrapalhados,
simplesmente conseguiram exibir um vazio
sorriso e continuar com a venda, agora a 3
euros. Em suma, Portugal no seu melhor.
Soubesse eu o que viria a acontecer e teria
pago pelo passe diário...
Seguiu-se uma viagem de metro
bastante apertada e um pequeno cortejo
até ao estádio da Luz, desde a saída do
Metro, onde um enorme cordão policial ia
separando os adeptos forasteiros dos da
casa, num ambiente totalmente pacífico,
mas onde apesar disso a polícia se sentia
na obrigação de continuar com os seus
empurrões desnecessários, e ainda por cima
numa demonstração de total ignorância ou
simplesmente de total desinteresse pelo
momento, a dar ordens em Português para
os adeptos franceses que, estupefactos, não
percebiam nada das mesmas. Mais uma vez,
as divisões em secções dos presentes adeptos
sem explicação continuaram e de seguida
deu-se lugar à já habitual revista grosseira
sem respeito pelo adepto que é sempre
verificado no setor visitante do estádio da
Luz. Desde mãos nos genitais, a apertos de
seios, ninguém escapou a esta revista, que
mais se assemelhou a assédio sexual, de tal
forma que o clube francês apresentou queixa
na UEFA. Desta forma, prosseguiu a entrada
dos ‘Viola’ no estádio, que infelizmente não
puderam contar com o bombo ou megafone,
visto que foram barrados na entrada. Já
dentro do estádio foi possível verificar a
organização dos franceses em espalhar a ‘ala
dura’ do grupo pela frente do setor, para assim
poderem de uma melhor forma conseguir
puxar pelo resto dos adeptos franceses. Os
mesmos não deixaram de notar a estranheza
de o estádio estar tão vazio até tão perto do
apito inicial, algo que tentei explicar, por ser
uma mistura da mentalidade portuguesa de
entrar no recinto mesmo à última hora, e pelo
facto de não haver bebidas alcoólicas dentro
dos recintos portugueses. E como previsto,
perto do início do jogo, a Luz encontrava-se
praticamente lotada e pronta para a partida.
Com o jogo iniciado, foi possível notar a
superioridade vocal das hostes francesas,
a dominar por completo o áudio e visual
da partida. Uma excelente coordenação
pelos capos presentes, de certa forma até
bastante relaxados quando comparados
com o que habitualmente presenciamos nas
nossas bancadas, iam puxando pelo resto da
bancada, sem nunca terem de elevar muito
a voz, visto que ao usarem alguns gestos de
mãos conseguiam transmitir qual a música
desejada para o momento. Também pude
notar que não existe o estigma ou “medo”
de repetir uma canção já usada nessa mesma
partida, ou seja, se os capos notassem que, no
atual momento da partida, uma determinada
canção era a melhor para o momento da
equipa, ela era utilizada no imediato, mesmo
que já tivesse sido cantada anteriormente,
algo que aqui em Portugal não se faz. O uso
das bandeiras foi constante, assim como o
dos estandartes, algo que para nós foi quase
uma visão estranha, visto que já não estamos
habituados ao uso desse tipo de material
nas nossas bancadas. De salientar que todo
o material que estava presente tinha a
peculiaridade de ser pintado à mão, desde
104
a maior das bandeiras até ao mais pequeno
dos estandartes. As velhas maneiras ainda
permanecem pelos lados de Toulouse! Muita
coordenação, muita variação no tipo de apoio
que era prestado, simplesmente uma curva,
ou neste caso Virage, em alto nível.
Do lado Benfiquista, para quem
conhece o atual momento do panorama
encarnado, o apoio foi o possível. Houve
momentos em que tiveram alguma
notoriedade, especialmente numa tochada
protagonizada pelos No Name Boys situados
no anel inferior do estádio da Luz mas, no
geral da partida, foram muito pouco ruidosos
para se notarem. Dos Diabos Vermelhos, a sua
presença apenas foi possível ser notada após
o uso de um pote de fumo vermelho e alguns
petardos. Em geral, um ambiente um pouco
morto, do qual alguns Benfiquistas já se vêm
a queixar há algum tempo mas, infelizmente
no nosso panorama e com as leis impostas,
não dá para mais. Quanto ao jogo jogado,
vitória por 2-1 do Benfica com dois penáltis
que, apesar de ingratos, são justos, visto que
em ambos existiram infrações. Do lado do
Toulouse, uma boa partida para uma equipa
que se encontra de momento numa situação
complicada no campeonato interno, mas que
ainda fez gelar a Luz com um golo que chegou
a dar o empate na partida e que levou a Virage
Brice em transferta ao delírio. Com o final da
partida, tempo de arrumar todo o material,
sempre em alta coordenação, esperar uma
eternidade para sair do estádio (algo que os
franceses não entenderam o porquê), dar as
últimas despedidas aos nossos companheiros,
pois eles iriam seguir diretamente para
Toulouse de camioneta, e dirigir-nos de volta
para o hostel, porque para nós, acordados
desde as 4:30 da manhã e com mais de 28 mil
passos dados, simplesmente já não dava para
mais. Fica para a memória mais um convívio
fantástico com uma malta espectacular, com
uma grande mentalidade Ultra.
Por H. Oliveira
105
CULTURA
DE ADEPTO
Por P. Alves
106
Derby Days
Internacional
Derby Days
Autor: Jilke Hellinga
Equipa: N/A
Ano: 2019
Páginas: 250
Preço: N/A
Da Holanda chega-nos um livro
sobre os principais dérbis do continente
Europeu. Ao longo de mais de 250 páginas
o autor descreve um pouco da história e
rivalidade entre os clubes.
Apesar de escrito em Holandês e
editado em 2019, o livro apresenta ilustrações
coloridas sobre a atuação dos grupos nas
bancadas.
Destaque ainda para inclusão de
Portugal, nomeadamente o dérbi de Lisboa,
com algumas imagens das claques do
Sporting e do Benfica
107
10 Jaar VAK410
Internacional
Autor: N/A
Equipa: AJAX
Ano: 2012
Páginas: 150
Preço: N/A
Igualmente dos
países baixos temos o
livro que celebra os 10 do
VAK410, um dos muitos
grupos que apoia o Ajax
de Amesterdão.
Ao longo de
mais de uma centena de
páginas, somos brincados com várias fotos a cores, desde a fundação do grupo em 2001 até
2011.
Podemos ver as deslocações, preparações de coreografias, performance nas
bancadas, tanto nos jogos em casa como nas deslocações dentro e fora da Holanda.
108
109
Trieste, 8 de Fevereiro de 1984. Uma
quarta-feira de inverno e um derby de Coppa
Italia como é apanágio durante a semana.
Contudo, o Grezar encontra-se lotado
com 20 mil pessoas com um clima tenso
provocado pela policia e a imprensa local.
De Udine chegam pouco mais de 100 ultras,
complementados com mais simpatizantes
do clube friulano. Estes são interceptados
na estação de comboios e escoltados de
volta imediatamente após o fim do jogo, não
havendo lugar a nenhum confronto entre os
grupos, afirmado e confirmado por ambas as
partes.
Stefano tem 20 anos, é apaixonado
pela Triestina e frequentador da curva,
contudo não faz parte dos Ultras Trieste
embora seja conhecido dos mesmos, por
já ter feito várias deslocações num passado
recente.
No final desse jogo, ao contrário do
que costumava ser habitual, Stefano e o seu
melhor amigo Fabio não vão embora juntos.
Stefano ruma em direcção ao carro para ir
buscar a sua namorada, com intenções de
estarem um pouco juntos antes do fim do
dia. Ao chegar próximo do seu carro, Stefano
é pontapeado e golpeado por três policias
finalistas da escola de policia. É aqui que
reside uma das maiores batalhas dos ultras
Trieste nos anos seguintes: como foi possível
colocar policias inexperientes sozinhos numa
carga?
Não bastasse este facto, Stefano
foi detido pelos mesmos e só é solto horas
depois, tendo quase por milagre conseguido
chegar a casa onde a sua mãe ficou horas sem
saber dele.
Durante o dia seguinte Stefano
consegue ainda contar a sua versão dos
factos à sua mãe. As suas dores de cabeça
continuavam a piorar até que, por fim, é
levado para o hospital ao final da noite.
Stefano é colocado em estado de coma, do
qual nunca mais acordou. 20 dias depois, a 1
de março às 22h30 Stefano morre.
Muito foi dito e escrito, mas
cingimo-nos à versão da sua mãe Renata, para
os factos mais importantes após a sua morte.
Foi perseguida e assediada telefonicamente
110
para retirar a queixa contra a policia, foram
lhe oferecidos 80 milhões de liras italianas
(cerca 40.000euros) por parte do prefeito
da policia de Trieste de novo para retirar a
queixa, mas Renata manteve-se indefectível
até ao fim, procurando sempre justiça para o
seu filho.
O desfecho deste processo
é revoltante e inglório. O único policia
identificado é condenado a um ano de
reclusão e formação, tendo de novo
ingressado na força policial ao final do tempo.
Renata, desiludida com a justiça
decide não prosseguir com o recurso e
receberá apenas anos mais tarde a sua
indemnização monetária, algo que nunca
desejou e que nunca iria repor a vida do seu
filho.
Os Ultras Trieste assumem de
imediato a cabeça da luta contra esta injustiça
e nunca pararam de o fazer. Faixas, iniciativas
no estádio, iniciativas de beneficência em
prol de unidades hospitalares locais foram
sempre de sucesso e ligaram a cidade como
nunca.
Em homenagem, atribuíram-lhe o
nome da curva e hoje também dá nome ao
grupo ultra principal.
A Curva Furlan por ocasião dos 40
anos, organizou uma mostra de material sobre
o dia 8 de fevereiro de 1984, acompanhado
de conferencias várias com protagonistas
da época, representações de vários grupos
ultra, amigos e inimigos num sinal claro da
solidariedade que se deve manter neste tipo
de situações, pondo de parte a rivalidade
para um bem comum e maior: a luta contra a
repressão.
Foi também editado um livro
dedicado apenas a este episódio bem como
a reprodução do cachecol que Stefano usava,
feito à mão pela sua mãe Renata.
40 anos depois, Trieste e o mundo ultra não
esqueceram.
STEFANO PRESENTE!
Por M. Bondoso
111
112