Cultura de Bancada, 22º Número

Cultura de Bancada, 22º número, lançado a 12 de abril de 2024 Cultura de Bancada, 22º número, lançado a 12 de abril de 2024

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editorial

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Multi-Club Ownership

Estruturas Multi-Clubes

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HISTÓRIA DO MOVIMENTO

ORGANIZADO DE ADEPTOS

no Sporting cp

o cosmos criou

o parisiense

mission from goal

o futebol no vaticano

o lado oculto do futebol

discriminação e segurança excessiva

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memórias da bancada

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resumo da bancada

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qarabaq x sc braga


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FC Koln x Eintracht Frankfurt

protestos na bélgica

dérbi dos eternos inimigos

Rayo Vallecano: Orgullo de la Clase Obrera

Uma experiência italiana

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dérbi de praga

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um olhar diferente no benfica x toulouse

cultura de adepto

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uma noite longa... de 40 anos

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Edito

Aqui está o 22º número da Cultura

de Bancada!

Este é mais um número que

acompanha o desenrolar do quotidiano das

bancadas, independentemente de onde elas

pertencem. Os braços da Cultura de Bancada

têm viajado um pouco por toda a parte e,

quando regressam, vêm acompanhados

de notícias, histórias e experiências que

valorizam a visão do que é “ser adepto”. Em

todo o caso, temos de nos agarrar às coisas

positivas para contrariar o atrito gerado pelas

forças opostas ao nosso movimento popular.

Parecia que estávamos a falar de Física e,

como tal, para não fugir à narrativa, convém

não esquecer o enorme peso que todos os

adeptos sentem em cada medida tomada

pela Liga ou pelo Governo.

Vamos por partes, que tipo de

movimento quer a Liga criar com a recém-

-criada plataforma de denúncia que tem

como objectivo fazer dos adeptos os “bufos”

que descrevem, fotografam ou filmam

comportamentos de outros adeptos?

Temos polícia própria para adeptos,

avançados sistemas de videovigilância nos

estádios, bases de dados com a identificação

dos membros dos grupos (o famoso registo

da “legalização”), sistema penal para adeptos

completamente desproporcional, criação

de zonas isoladas e altamente vigiadas, para

entrar nesses “guetos” criaram o famoso

cartão do adepto que entretanto caiu, mas

continua a necessidade da identificação

para aceder a ZCEAP. Sem esquecer que

eliminaram a liberdade de expressão dos

estádios! Como se não bastasse, agora

querem “chibos” ao estilo dos que eram

promovidos pela PIDE? Não precisamos de

palavras para definir aquilo no que se tornou

ir ao futebol em Portugal.

De volta à Física, embora a Liga

Portugal desconheça por completo, estas

são algumas das constantes que compõem

a equação que define a aceleração do

afastamento dos adeptos em Portugal.

Passando agora a bola para a História, os

sinais são evidentes, estão a transformar as

nossas bancadas num “Estádio Novo”. Uma

constatação que não deixa de ser engraçada

pela proximidade das comemorações dos 50

anos do 25 de abril.

Director

J. Lobo

Redacção

L. Cruz

G. Mata

J. Sousa

Design

S. Frias

M. Bondoso

Revisão

J. Rocha

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rial2

Ainda no capítulo da História,

estamos perante um novo ciclo governativo

sobre o qual ainda não podemos falar.

Contudo, fazemos votos que a mentalidade

ultrapassada que orientava o Governo

Socialista, nestes assuntos, seja trocada. É

preciso ouvir verdadeiramente os adeptos

para conhecer o assunto para além do

sensacionalismo que é transmitido pelos

órgãos de comunicação.

Mais notícias nos chegaram do

bunker onde se esconde Pedro Proença e os

seus generais. Nada de espantar, deram o

dito pelo não dito e, vamos ter de levar mais

um ano com a desprezada Taça da Carica. Tal

como nas questões dos adeptos, esta Liga

está a deriva e sem ideias. Vão gerindo em

cima do joelho, fazem umas operações de

charme e chamam uns nomes “catedráticos”

para iludir os presidentes dos clubes.

Continuam a nivelar o futebol português pela

mediocridade, mas os clubes parecem felizes

e querem uma recandidatura do Proença.

Queremos acreditar que há luz

ao fundo do túnel, de outra forma o que

estaríamos aqui a fazer? Essa luz somos nós,

com quem mais podemos contar? Porém,

não há luzes eternas, tudo tem o seu tempo.

Companheiros de luta, vocês que ainda

sonham a bancada são a luz que precisamos

para agarrar as rédeas do nosso destino –

este é o nosso tempo! Amanhã, a maioria

seguirá outro caminho e não irá deixar um

testemunho do seu legado. Não vivam para

ocupar espaço. O universo das bancadas

precisa de mais intervenção de cada um

de nós, só assim poderemos esperar um

amanhã melhor.

Boas leituras e até daqui a dois meses.

Convidados

Martha Gens

Daniel Freire Santos

Eupremio Scarpa

Stephan Romanov

M. Ribeiro

Hugo Marcelo

Raquel Veiga

Filipe Sur

H. Oliveira

P. Alves

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MULTI-CLUB OWNERSHIP

ESTRUTURAS MULTI-CLUBES

Os “Donos disto tudo”

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Em Portugal, ainda se fala pouco

deste tema. A pergunta que devemos fazer

é: até quando? Mostra-nos a experiência

europeia que, provavelmente, não

aguentaremos muito mais tempo, até porque

esta realidade já entrou nas nossas fronteiras.

Contudo, ao olhar para a nossa Liga, às

ambições mercantilistas nos nossos institutos

e a forma como teimam em olhar para o

futebol, diremos ainda que todas elas devem

apoiar este tipo de iniciativas. Por isso, não

contemos com o seu apoio – porque para as

nossas estruturas governativas, o que é bom

é ter um adepto sentadinho a comer pastéis

de Tentúgal. Com toda a propriedade, diria

que as nossas estruturas estão alheadas do

que falamos quando falamos em herança,

tradição e protecção do património dos

nossos clubes. E, por muito que lhes doa,

quando executam iniciativas que não nos

interessam minimamente, estão a anosluz

de perceber que os adeptos são um dos

maiores activos patrimoniais dos clubes.

Por isso vos trago este tema – mais

uma vez, teremos o prazer de demonstrar que

estamos bem informados sobre os temas e,

novamente, somos dos poucos intervenientes

que se preocupam com o que estão a fazer

ao futebol, sem obedecer a cartilhas. Temos

e teremos sempre a liberdade de poder

dizer alto e em bom som o que queremos e,

sobretudo, o que não queremos.

E queremos ou concordamos com

esta tendência de estruturas multi-clubes, tal

como está? Não.

Factos - O Manchester City lidera

um grupo mundial de treze clubes “parceiros”,

enquanto a Red Bull possui cinco equipas de

futebol na Europa e nas Américas. O Chelsea

adquiriu uma participação maioritária no

Estrasburgo, tornando-se a última grande

equipa a entrar no negócio da detenção

de vários clubes. Pacific Media Group, King

Power International, INEOS ou Eagle Football

Holdings são exemplos de gigantes empresas

proprietárias de vários clubes, com equipas

em todos os cantos do mundo.

Um dos slogans da Eagle Football

Holdings é... “We are lovers of Football...

and we are committed to the Communities

that we serve.” Esta empresa é a principal

accionista do Olympique Lyonnais (Lyon,

França), do Botafogo Futebol (Rio de Janeiro,

Brasil), do Racing White Daring Molenbeek

FC (Bruxelas, Bélgica) e do Crystal Palace

Football Club (Londres, Reino Unido). Estão

ainda envolvidos em academias de futebol

para jovens, como fundadores da FC Florida

Preparatory Academy, em Hobe Sound,

Flórida.

E se, por um acaso (uma mera

hipótese académica!) numa qualquer

competição, o Olympique Lyonnais defrontar

o Racing White Daring Molenbeek FC? De

que lado fica o compromisso do serviço à

comunidade? Metade/metade?

James Arthur Ratcliffe é um

engenheiro químico inglês, bilionário,

e é o CEO da INEOS. Em 2020, a Forbes

considerou-o a 74ª pessoa mais rica do

mundo e a 5ª no Reino Unido. Nada contra


até aí, mas Jim Ratcliffe é coproprietário do

Manchester United, com um investimento

minoritário no clube, e detém o seu controlo

desportivo. A INEOS, de Jim Ratcliffe, é

proprietária a 100% do Nice, na Liga Francesa,

e do FC Lausanne-Sport, na Liga Suíça.

Diz-se nos corredores que existe a

possibilidade de Jim Ractcliffe querer adquirir

a totalidade da detenção do Manchester

United aos Glazer e, caso algum dia se

concretize, a hipótese que colocámos em

cima deixa de ser académica e longínqua.

A UEFA terá de analisar e decidir se United

pode competir nas competições europeias

juntamente com o Nice e o Lausanne, ambos

detidos pela INEOS.

Adicionalmente, a INEOS produz

alguns produtos químicos e compostos que

são fundamentais para o futebol, como por

exemplo: polietileno para relva artificial,

PVC utilizado em bolas de futebol, plásticos

para chuteiras, produtos químicos utilizados

no fabrico de poliéster para vestuário,

polipropileno para assentos de estádio e

redes de baliza, borracha e compósitos para

a construção de estádios.

Os próprios regulamentos das

competições UEFA não são suficientemente

claros. Afinal de contas, o RB Leipzig e o

FC Salzburg foram autorizados pela UEFA

a disputar a Liga dos Campeões apesar

de pertencerem ao mesmo grupo de

investidores. Terá este caso aberto um

precedente?

Não vamos mais longe - Tony

Bloom, proprietário do Brighton, detém uma

participação significativa do Union Saint-

Gilloise, enquanto a V Sports (Aston Villa) tem

uma participação minoritária no Vitória Sport

Clube.

Esta é só a ponta do iceberg.

Este é um perigo à nossa espreita.

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A Football Supporters Europe, já apelou aos

organismos de futebol para que “adoptem

regulamentos bem restritos antes que

todo o jogo fique (irremediavelmente)

comprometido”.

Quais são os efeitos colaterais que

conseguimos desde logo observar para os

adeptos?

É inevitável – é óbvia a crescente

perda de identidade. O poder, centrado

no mesmo sítio e cada vez maior, traz

capacidade de tudo poder mudar. O nome

do clube (Red Bull – a sério?), o símbolo, as

cores. Estes são elementos inequívocos de

identidade, património e herança cultural dos

clubes. Foi também por algum destes motivos

que nos somos algo – somos verdes, somos

dos amarelos, somos dos pretos. Dizemos

que somos do azul e branco. E quando

dizemos que “somos daquele”, é porque é

ali que pertencemos. E não, não é a mesma

coisa se passar só a ser branco. Por outro

lado, com que autoridade e legitimidade o

fazem? Mudam a rota de anos de história, de

pertença e identidade cultural de centenas ou

milhares de pessoas. É crucial que haja noção

do valor não patrimonial da herança cultural

dos clubes e, se não houver noção (algo a que

já estamos habituados), que haja regulação.

Ninguém tatua o símbolo da Red

Bull, muito menos da INEOS! E isto tem de

fazer sentido nas cabeças das tutelas do

futebol.

Por outro lado, o investimento

nestes clubes é tendencialmente maior, o

que leva à existência de cada vez maiores

assimetrias financeiras dentro das ligas,

e entre as próprias ligas europeias. E isso

nota-se de forma muito óbvia, em Ligas

Profissionais de menor dimensão – vejase

que o RB Salzburg há anos que tem uma

larga distância na tabela classificativa da Liga

Austríaca relativamente ao Sturm Graz, ao

LASK, aos emblemas de Viena, entre outros.

E isto, naturalmente, traduz-se na perda

da competitividade entre equipas e numa

mensagem totalmente errada do que deve ser

o desporto (no geral). E qual é a mensagem

que os nossos filhos aqui leem? Que ganha

quem tem mais dinheiro. Tanta preocupação

com tantas falsas questões, e são estas as

mensagens que as nossas gerações acabam

por ler. Devia, pelo menos, dar que pensar.

Por fim, abordar uma última

questão. Aos olhos de um investidor que

detém participações sociais e controlo

efectivo em vários clubes, ele acautela

sempre o risco financeiro. Se um perde,

ou outro ganha… o investidor, esse, ganha

sempre.

E a última pergunta é esta... são

estas as pessoas que queremos nas nossas

estruturas? Sem absoluta dedicação, a não

ser às notas e aos cifrões?

De que forma querem fomentar

ambientes nas bancadas quando são

estes os nossos exemplos? Como querem

fomentar responsabilidade e sentimentos de

pertença quando é este o cenário que vemos

perigosamente a chegar?

Adeptos, herança e património em

primeiro. Investidores depois. É esta a ordem.

Por Martha Gens, Presidente da Associação

Portuguesa de Defesa do Adepto


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Corriam os últimos anos do século XIX quando aristocratas e estrangeiros da nossa

sociedade introduziram o Futebol em Portugal. O jogo ia-se disputando por Lisboa, Cascais,

Belas e Sintra, existindo algumas equipas no início do século seguinte. Uma dessas equipas, o

Sport Clube de Belas, surgiu em 1902 pela mão dos irmãos Gavazzo, equipa essa que realizou

somente dois jogos. Dois anos mais tarde os Gavazzo, em consonância com os irmãos Stromp e

José Alvalade, fundaram o Campo Grande Football Club.

O CGFC teve nos terrenos dos aristocratas a sua primeira sede e campo de jogos, mas

o projecto virou-se mais para bailes, para desagrado de uma boa parte dos componentes que

pretendiam, sobretudo, desenvolver actividades desportiva. Há então uma cisão e aqueles que

ficaram conhecidos como “os dissidentes” fundaram um novo clube, acto para o qual contribuiu

activamente a família de José Alvalade, uma vez que cederam espaços para construírem sede

e parque de jogos, composto por um campo de Futebol e dois courts de Ténis. O avô de José

Alvalade viria mesmo a tornar-se o primeiro presidente do novo clube, numa assembleia em

que os dez fundadores, entre outras coisas, expressaram: “Queremos um Clube tão grande

como os maiores da Europa”. Pouco mais de um mês depois, ficou decidido o nome do “recémnascido”:

Sporting Clube de Portugal. Desde logo mostrou-se um clube eclético, não só virado

para a população masculina, servindo também o desenvolvimento das mulheres, implementando

Corridas e Saltos, Luta de Tração à Corda e Ginástica, além do Futebol e do Ténis, sendo esta

última a modalidade de eleição do projecto.

O equipamento todo branco do Campo Grande FC foi adaptado pelo SCP, que em 1907

viria a criar o seu primeiro emblema, no qual o leão rampante começou a acompanhar a sigla do

clube. No ano seguinte introduziu-se a camisola bipartida verde e branca e já em 1915 adoptaram

os calções pretos.

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O ano 1907 foi marcante. Em Fevereiro o SCP estreou-se no Futebol, frente ao Cruz

Negra, tendo em Julho inaugurado o seu parque de jogos, no qual estavam incorporados pavilhão,

vestiários, chuveiros e banhos de imersão, salão de jogos e estar, cozinha, duas quadras de Ténis,

campo de Futebol e pista de Atletismo, algo muito à frente para o âmbito desportivo nacional.

Posteriormente, no primeiro dia de Dezembro, dá-se o primeiro desafio entre Sporting Clube de

Portugal e o Sport Lisboa, clube que está na origem do Sport Lisboa e Benfica. Seria o primeiro de

321 dérbis, até à data da publicação deste artigo, o qual teria resultado final de 2-1 favorável ao

Sporting.

Os primeiros atletas a conquistarem títulos nacionais foram António Stromp (o primeiro

de imensos atletas olímpicos), Gabriel Ribeiro e Alfredo Camecelha, todos eles em variantes de

Atletismo, modalidade que mais contribuiu para o palmarés dos leões.

José Alvalade deixou a sua marca como fundador, director, vice-presidente e Presidente,

mas “curiosamente” acabou afastado do SCP. Isto resultou de ter mandado demolir a tribuna

do Campo do Sítio das Mouras para aplicar materiais na construção do Stadium de Lisboa,

um projecto pessoal. Contudo, isto não viria a travar o progresso e, em 1914/1915, o Sporting

contrata Artur José Pereira, garantindo uma compensação financeira pelos préstimos àquele que

era considerado um dos melhores jogadores da altura (se não o melhor), algo sem precedentes

no Futebol português. Coincidentemente ou não, nessa temporada conquistaram a primeira

competição sénior, o Campeonato de Lisboa, tal como a Taça de Honra.

Em 1920 é alterada a data de fundação do clube para o dia 1 de Julho de 1906, uma vez

que foi nesse dia que se escolheu o nome Sporting Clube de Portugal, e é autorizada a constituição

de filiais e delegações por todo o país, sendo assim formado o Agrupamento Leonino. Assim, o


clube começou a ganhar dimensão nacional, surgindo em 1922 acordos com o SC Tomar, o SC

Farense e o SC Luanda.

Pouco depois de o clube atingir a marca dos 3 000 associados é conquistado o primeiro

Campeonato de Portugal em Futebol, em 1923. Quatro anos depois, com a conquista de um

título do Campeonato de Lisboa pelo meio, é num amigável que se estreiam as camisolas listadas

na horizontal. Essas camisolas eram habitualmente usadas pela equipa de Râguebi, mas os

imprevistos fizeram com que a de Futebol necessitasse de as usar e, após uma vitória no grande

dérbi, passaram a fazer parte do equipamento principal. No ano seguinte (1929), tal alteração

passa a vigorar nos estatutos do clube e todas as modalidades passam a usar a camisola listada

na horizontal.

A década de 30 foi de afirmação do clube como a mais bem sucedida força desportiva

do país, uma vez que fazia do ecletismo o seu principal argumento. O Sporting já contabilizava

mais de 1 000 títulos, entre nacionais e regionais, dando-se por esta altura o início da época

dourada do Futebol sportinguista, para a qual muito contribuiu Peyroteo, o maior goleador

português de todos os tempos. O clube continuou a evoluir nesta fase e, no início da década

seguinte, inaugura a “Vila de Estágio”, o que possibilitou às diversas modalidades usufruírem de

boas condições para se prepararem para a competição. O Estádio do Lumiar foi também alvo de

melhorias que permitiram melhores condições aos atletas e aos adeptos, com o aumento do

número de lugares sentados para 15 000 e um melhoramento do peão que tinha capacidade para

albergar 20 000 pessoas, isto numa altura em que o clube tinha cerca de 9 000 associados. Já

em 1949, numa altura em que se fechava o histórico ciclo dos Cinco Violinos, foi criado o Grupo

Turístico Os Leões, colectivo que promovia o apoio a equipas verdes e brancas fora de Lisboa,

sendo este o primeiro registo de um grupo organizado de apoio ao SCP.

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Entre 1950/1951 e 1953/1954, altura em que a profissionalização do jogador de

futebol está em debate, o Sporting sagra-se tetracampeão português e mantém-se na senda

da evolução, focando-se mais na formação, para a qual implementou o Centro de Preparação

Infantil e o Centro de Iniciação Desportiva. O mítico Estádio José Alvalade viria a ser inaugurado

em 1956, dispondo de 50 000 lugares para adeptos e de iluminação artificial, sendo o primeiro a

ter este apetrecho em solo nacional. O clube também fica na história por, num amigável contra o

FK Austria, realizar a primeira transmissão televisiva em directo de uma partida, numa época em

que já se contabilizam 22 000 associados leoninos.

1964 fica marcado pela glória europeia, através da conquista da Taça das Taças frente

ao MTK Budapest em Antuérpia (1-0), após um primeiro jogo em Bruxelas (3-3). Em 66 o registo

de associados contabilizava 38 000 activos, antecedendo o ingresso de Joaquim Agostinho no

Ciclismo leonino, ele que é o maior ícone nacional de todos os tempos daquela modalidade. O

Atletismo dos leões, no qual o professor Moniz Pereira (o Senhor Atletismo) construiu um imenso

legado, continuava na senda de vitórias e de serviço às selecções olímpicas, passando a contar

com Carlos Lopes, que durante o mandato de João Rocha atinge o estatuto de lenda mundial do

Atletismo de longa distância.

Dá-se o 25 de Abril e, pouco depois, o SCP sagra-se campeão nacional, numa época em

que celebrou a quarta dobradinha, com Yazalde em grande destaque. Até ao final dessa época,

Lisboa dominava o Futebol nacional, sendo que o Benfica tinha sido campeão nacional por 20

ocasiões, o Sporting por 14, o Porto por cinco e o Belenenses por uma, mas a revolução também

afectou esta realidade, tendo o Sporting perdido fulgor nesta modalidade e “somente” vencido

mais cinco campeonatos até à época 2023/2024. Quem também contribuiu para esta dobradinha

foram os Vapores do Rego, que surgiram na bancada superior sul do José de Alvalade. Este era


um grupo de apoio composto por estudantes brasileiros que, através de batuques e tambores,

alegravam o ambiente de jogo e seguiam a equipa em Portugal e no estrangeiro, viajando

preferencialmente em comboios, autocarros e aviões. Em 1975, é alcançada a marca dos 40 000

sócios do SCP.

Reza a lenda que, após assistir a vários jogos no estrangeiro e perceber a importância

que o apoio organizado pode ter num jogo, Margarida, uma dos três filhos do histórico presidente

João Rocha, semeia a ideia entre os irmãos. Então, os três Rochas, em consonância com amigos

do Colégio São João de Brito, fundam a Juventude Leonina, a 19 de Março de 1976. A escolha

do nome do grupo foi influenciada pelas juventudes partidárias, uma vez que nessa época as

mesmas constituíam um movimento em crescendo. Inspirados também pelos Vapores do Rego

e pelo que se fazia nas arquibancadas brasileiras, inicialmente tiveram o condão de introduzir o

primeiro panal gigante num estádio português e de organizar deslocações.

O ano 1976 fica ainda marcado pela contratação de António Livramento, o melhor

hoquista do mundo, que completou o Cinco Maravilha, a fantástica equipa sportinguista que

venceu as competições nacionais e a Taça dos Campeões Europeus (a primeira de uma equipa

portuguesa), sendo considerada por alguns a melhor equipa de sempre de todo Hóquei em

Patins. Obviamente que o Futebol sempre mexeu com mais adeptos, mas sem dúvida que, numa

era em que o ecletismo leonino foi impulsionado, as modalidades amadoras ultrapassavam em

larga medida a dimensão do Futebol em número de atletas e em número e importância dos

títulos alcançados. Para termos uma ideia, a secção de Ginástica era composta por mais de 3

500 atletas e no Atletismo começa a destacar-se Fernando Mamede, mais um atleta de classe

mundial.

A fechar a década de 70, aparece um novo grupo, a Força Verde, por elementos da

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Juventude Leonina que acompanhavam algumas modalidades do clube e, numa ocasião em

que saem durante um jogo no José Alvalade para irem a Queluz apoiar o Basquetebol, resolvem

fazer nascer este colectivo. Um dos fundadores tinha regressado há pouco tempo do Brasil e

implementa cá novidades como as bandeiras grandes hasteadas em canas da Índia, efeitos de

fumo feitos com farinha e pó-de-talco, o registo de associados, associando o uso de tambores na

bancada. Em 1982, numa recepção ao CSKA Sofia, fizeram possivelmente a primeira coreografia

em Portugal com o aparecimento de uma faixa com o seu nome inscrito (algo nunca antes visto

por cá), acompanhada de bandeiras e um estandarte enorme. Conhecemos ainda a versão de

que a Força Verde introduziu a primeira faixa principal de uma claque portuguesa, em jogo contra

a Real Sociedad, em março de 1983, possivelmente na rede.

Acontece que este desempenho da Força Verde traz à Juventude Leonina uma maior

vontade de melhorar as suas perfomances, fazendo por isso com a sua capacidade de criatividade

e apoios directos da direcção sportinguista. A JL e a FV acabariam por ver elementos trocarem

de grupo, inclusive fundadores, num caminho que se fez nos dois sentidos. A Força Verde

continuou a animar Alvalade com coreografias à base de lençóis gigantes, fumos e balões, por

exemplo, enquanto que a Juventude Leonina começou deixar a sua belíssima marca através de

monumentais fumaradas com centenas de bandeiras e até um “robot” pelo meio, quando já

tinham faixa principal. Tudo isto, aliado ao campeonato vencido em 81/82, apaixonou milhares

de jovens portugueses, impulsionando muitos deles a quererem fazer parte da festa, surgindo

muitos grupos de apoio ao Sporting nessa década, como o Império Verde, Vampiros Verdes,

Leões de Alvalade, Forza Leonina, Leões do Bairro Alto, Norte Leonino e a Onda Verde, que surge

da divisão que o processo eleitoral do clube em 1983 criou no seio da Força Verde, fazendo a

claque dividir-se em três “facções”, e que teria o seu fim na primeira metade dos anos 90. Devido


a isto, os rapazes que viriam a fundar a Torcida Verde decidem formar, em 1983, um subgrupo

da Juve Leo, experimentando à posteriori um encaixe na Força Verde. Em Novembro de 1984, a

Torcida Verde transforma-se em realidade. Surgiram com uma mentalidade de apoio que valoriza

o ecletismo, fazendo da criatividade e do improviso argumentos para fazerem face aos parcos

recursos para criarem ou obterem material de bancada. Os seus “tambores” eram uns caixotes

de cartão prensado que eram produzidos numa fábrica onde trabalhava um dos fundadores e

a primeira faixa foi pintada numa lona das eleições presidenciais. Para os primeiros jogos fora a

Tor Ver viajava nas excursões organizadas pelo clube, pagando integralmente, uma vez que não

tinham apoio da direcção do clube.

O ano de 1983 fica marcado pela inauguração da nova bancada central do José de

Alvalade, que veio substituir o velho peão, e pelo lançamento do álbum War dos U2. Neste

trabalho a banda irlandesa mostrou-se mais interventiva no conflito entre Irlanda do Norte e

Reino Unido, catapultando a mesma para a ribalta. Em Alvalade vai-se difundindo o som dos U2

e não só. Se olharmos para a capa europeia do single “Sunday Bloody Sunday” vemos o miúdo

que foi adoptado como símbolo da Juventude Leonina, e sabe-se ainda que o termo “Boys” foi

adoptado pela JL também por influência dos irlandeses, que denominaram o primeiro álbum

de “Boy”. No mesmo ano há ainda o comunicado da Força Verde, lançado antes da recepção ao

Celtic, em que convocam a malta a concentrar-se no Cinema de Roma, de onde iriam a desfilar

até ao estádio. Acreditamos que seja uma das, se não a primeira, das míticas e numerosas

concentrações dos ultras Sporting, fossem elas no Marquês, Saldanha, Cacilhas ou Terreiro do

Paço, que antecediam cortejos até aos estádios.

Os grupos sportinguistas estavam na vanguarda, tornando-se referências que inspiraram

o aparecimento de muitos grupos deste género noutros emblemas, sendo em muitos casos

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adotados os nomes “Juventude” e “Força”, marca visível da influência que a cena de Alvalade

exerceu. A Juve Leo organizou o I Congresso Nacional de Claques, que decorreu em 1984 na

Nave de Alvalade, e orientava aos demais, possivelmente entre outras coisas, a aquisição de

pirotecnia. Ainda em 84, realizou-se a primeira “trasferta” feita de “bus” organizada por uma

claque, originada por uma pareceria entre Força Verde e Juve Leo, que mobilizou 100 elementos

ao Bessa em dois autocarros, isto em Fevereiro desse ano. Nessa ocasião, munidos de capacetes

verdes de construção civil, brindaram a equipa com uma bela tochada. É por volta deste ano que

a Juve organiza as primeiras deslocações pela Europa, como a Sevilha (83/84), Auxerre (84/85),

Roterdão (85/86, na qual Fernando Mendes, ainda menor, participou à revelia da sua mãe),

Bilbau (85/86), San Sebastián (88/89) e Nápoles (89/90), enquanto a Torcida se estreou numa a

Bilbau (85/86), seguindo-se Barcelona (86/87), Innsbruck (87/88) e Bergamo (87/88). Nessa ida à

casa da Atalanta, os sportinguistas conheceram o verdadeiro estilo ultra que impulsionou 30 000

adeptos a criarem uma atmosfera inesquecível para os presentes. Os portugueses tiveram acesso

a cachecóis com o lema “Vivere Ultra Per Vivere”, correspondente ao modo de estar na vida que

muitos adoptaram por lá e que por cá se estava a começar a desenvolver.

Na segunda metade da década de 80, surge na Juventude Leonina uma mentalidade

mais destemida ao confronto com rivais, muito por culpa de Fernando Mendes, ele que viria

a liderar por muitos anos a Juve Leo e que nestas palavras passa a explicar um pouco do que

se passou: “(...) como entrei nos paraquedistas e estive lá dois anos, vinha com a mentalidade

de organização, de combater, de disciplina e isto era tudo “um Deus dará”. Disse: “Não. Temos

medo de ir à Luz, temos medo de ir às Antas, temos medo de ir ao Bessa, de ir a Guimarães. Não,

nunca, jamais em tempo algum”. (...) Eu fiz, por exemplo, quando saí dos paraquedistas, irmos

ao Estádio da Luz, onde é hoje em dia o Parque dos Príncipes, aquilo era tipo canaviais, zona de


terra batida, (que é agora Telheiras) - fiz três pontos, que eram o ponto A, ponto B e ponto C. Fui

ao mercado de Arroios comprar 20 quilos de batatas grandes para fritar e comprar dois quilos

de cavilhas para fazer uma coisa que tinha aprendido que é a “guerrilha urbana”. Era enfiar três

ou quatro cavilhas em cada batata, escavar, tudo isto de madrugada no dia anterior. Escavar lá

um buraco na terra e eu dizia: “se tiver de ser, recuamos, não fugimos deles. Está aqui isto”, isto

no ponto A. No Ponto B, fiz uns caibros de 1,5 metros numa serração. No ponto C, eram uns

cocktails Molotov, os chamados explosivos incendiários. Fui comprar limalha de ferro que era

para os explosivos incendiarem. Ou seja, proteger-nos. Não havia a Brigada Anti-Crime, nem os

spotters nem nada. Éramos por nós, sozinhos, e íamos por ali. Fiz isto antes do derby, dois ou

três dias antes. Os cocktails eram na madrugada para a gasolina não evaporar e deixávamos lá.

Protegíamo-nos assim.”

“Camisola Verde Branca” foi a primeira colectânea musical da Juventude Leonina,

lançada em vinil, no mesmo ano (1986) em que o carismático presidente João Rocha se demite

do cargo devido a problemas de saúde, numa altura em que estavam registados no clube 100

000 associados e em que teve lugar a brilhante goleada de 7-1 ao arquirrival. No Sporting vs

Barcelona, a Ponta Sul, como era habitual naquele tempo, encontrava-se cheia cerca de quatro

horas antes da partida, na qual se fez a maior bandeirada verde e branca de sempre.

Corria a temporada 1989/1990 quando a Juventude Leonina se transfere para a

Superior Sul. Seria o seu sector até à demolição do velho José Alvalade, à excepção de dois jogos

na Ponta Sul em 1991/1992. Na segunda partida, porrada velha com os demais sócios, que já não

estavam habituados à presença dos ultras naquele sector, em que nem o golo da vitória acalmou

os ânimos entre leões.

A Torcida estreia-se a coreografar numa noite europeia contra o Malines, distribuindo

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cartolinas presas a uma luz. Durante essa campanha, na recepção ao Politehnica Timisoara, em

1990/1991, a inspiração veio dos espectáculos pirotécnicos da Curva B napolitana e, para esta

ocasião, a Tor Ver organizou a distribuição de 10 000 “estrelinhas”, uma combinação de cartolina,

arame e pirotecnia, produzidas artesanalmente e que cobriram a ocupação de metade da curva

sul. Na mesma temporada, para a meia-final da UEFA contra o Inter de Milão, o objectivo era de

cobrirem toda a curva norte com um lençol. Uma centena de membros trabalhou na preparação

da megabandeira de 150 metros por 45, que foi levada para o estádio às 7:00 da manhã para se

terminar a preparação, e na Superior Sul foi aberto outro lençol de 30x40 metros. A militância da

Torcida Verde foi também demonstrada através da pintura das bancadas do estádio, em 1991,

uma obra dura e duradoura, desde a raspagem elimpeza à pintura de 15 000 metros de betão.

Nos finais de 1992, os No Name Boys incendeiam a casinha da JL, destruindo todo o

material de bancada do grupo, bem como a infraestrutura. Foram tempos que exigiram resiliência

e dedicação à Juve, que teve um grupo de jovens irredutíveis que restituiu a dignidade à sede

do grupo e confeccionou todo o material para voltarem a embelezar a Superior Sul. Contam

que, quando faltavam as forças, paravam o trabalho, iam até ao interior do velhinho estádio

repor os níveis de motivação e aí sentiam que mais do que pela JL estariam sempre dispostos a

sacrificarem-se pelo Sporting, sentimento representado na faixa “Sporting Sempre”. Esta frase

inscrita viria a tornar-se num lema de todo o universo sportinguista, tendo sido estreada em

Fevereiro de 1993, num Sporting vs Braga com pouca assistência, no qual a Juve Leo aparece com

outra roupagem, fazendo uma tochada acompanhada do novo material. Não quer dizer que seja

coincidente, mas nos 90’s a Juventude Leonina torna-se cada vez mais ultra e o estilo folclórico

colorido e tradicional, com os mais variados e aleatórios elementos inseridos nas imensas

bandeiras, passa a ver-se misturado com elementos nacionalistas, hardcore e alguns de extrema-


-direita. A confecção era muito evoluída, resultando em material simples e lindíssimo, bem como

numa curva sul visualmente impactante. Nesses anos, fruto da onda skinhead de direita estar em

voga, começa a proliferar esse movimento no seio da Juve, que seria a base para o aparecimento

do Grupo 1143 anos mais tarde. Apesar da claque ser homogénea e multicultural, este grupo

vincou a sua posição, fazendo-se valer dos confrontos físicos.

Um marco importante a nível de mobilização ocorreu em 1994/1995, na deslocação de

mais de 10 000 sportinguistas ao Santiago Bernabéu, com uma enorme mobilização das claques

acompanhada pela SIC nos autocarros da Juve Leo. Nesse jogo foi realizada uma coreografia em

cartolinas, que preencheu todo o sector visitante. Nessa mesma época, a 7 de Maio, jogou-se um

Sporting vs Porto e, como era hábito nas partidas contra rivais, houve uma calorosa recepção à

equipa forasteira na zona da Porta 10-A. Quem já se encontrava no interior do estádio correu para

os varandins e, infelizmente, um deles cedeu à pressão, vitimizando mortalmente dois jovens e

ferindo muitos mais. Os médicos portistas socorreram logo as vítimas feridas, tendo esta tragédia

chocado toda a gente, mas mesmo assim não se teve o devido respeito para se adiar o jogo. Em

2011, o Sporting instituiu o dia 7 de Maio como o “Dia do Leão” e descerrando um memorial na

Praça Centenário do Estádio José Alvalade em homenagem aos leões que faleceram nos estádios,

como o caso de Rui Mendes, infelizmente assassinado num episódio negro, protagonizado por um

elemento dos NN, que atingiu o sportinguista com um very-light. Joaquim Pedro e José Freitas,

que faleceram durante um jogo com o Marítimo em 2009, também mereceram ser relembrados.

Os 90’s são berço da nova agremição, os Ultras Sporting, e de Pedro Santana Lopes,

que sucedeu a Sousa Cintra, dando início ao Projecto Roquette, num período de crise em que

acabou por ser criada a SAD. Uma das primeiras medidas de Santana Lopes é reduzir o número

de modalidades activas, tendo realizado um referendo no qual os sócios tiveram de fazer opções

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que não abonavam a favor do tradicional ecletismo sportinguista. Algumas modalidades foram

extintas e algumas delas somente voltaram ao activo durante a presidência de Bruno de Carvalho.

José Roquette, neto de um dos fundadores do Sporting, e Luís Duque estiveram associados à

quebra do maior jejum de conquistas de campeonatos de Futebol, correspondente a 18 anos.

Apesar disso, meses depois, ambos acabaram por se demitir dos seus cargos.

Na época 2001/2002, Jardel, João Pinto e companhia formam uma equipa fantástica

que volta a vencer o campeonato, com os ultras leoninos a darem festival. No dérbi caseiro com

o Benfica, a Torcida Verde preparou uma coreografia composta por 12 megabandeiras abertas

entre a curva sul e a bancada central. Por sua vez, a Juve Leo gravou nessa época o primeiro CD

de uma claque nacional: “Só Eu Sei”. O áudio de estádio deste álbum foi gravado no jogo SCP - AC

Milan da Taça UEFA e lançado ainda antes do término do campeonato que viria a ser vencido

pelos leões, tendo estado no primeiro lugar no top português e chegando a disco de platina, fruto

da venda de mais de 40 000 exemplares. Neste trabalho, para o qual os cânticos dos ultras de, por

exemplo, Fiorentina e Cosenza inspiraram os leoninos, destacam-se os cânticos como “Só Eu Sei”,

“Curva Belíssima” e “O Mundo Sabe Que...”.

Por não se reverem no rumo da Juventude Leonina, alegando “total desorganização e

situacionismo de alguns elementos da Curva Sul”, pessoal muito activo e que conhecia in loco

o movimento italiano decide sair e formar o Directivo Ultras XXI. Este grupo, fundado a 17 de

Maio de 2002, aproveitou a nomenclatura do novo estádio para o seu nome, sendo alternativa

para renovarem a mentalidade nas bancadas de Alvalade. O Directivo apresentou-se desde

logo na pré-época presente em Portugal e Espanha, sempre com muito material levantado,

novas músicas e elaborando muitas coreografias nos primeiros jogos, coreografias essas bem

concebidas, chegando a lançar logo nessa temporada um CD. Nesta altura despoletaram-se


muitos confrontos entre JL e DUXXI, chegando ao ponto de, em diversos jogos fora, a polícia

estar na bancada a separar os grupos. Aí, Tor Ver e Directivo mostravam-se bem de saúde,

apresentando-se com centenas de membros nas deslocações, ao passo que a Juventude Leonina

tinha poucas dezenas de presentes. A direcção do grupo é reformulada e o Grupo 1143, bem

como o núcleo do Algarve, foram fundamentais para o grupo se segurar.

Em 2002, o clube inaugura a academia de Alcochete, uma da infraestrutura de classe

mundial projectada por Roquette, seguindo-se a inauguração do Alvalade XXI em 2003. Neste

recinto aconteceram dois jogos históricos na época 2004/2005, ambos da Taça UEFA. Falamos

do Sporting – Newcastle, um dos melhores ambientes de sempre, e da final contra o CSKA de

Moscovo, um momento marcante por bons e maus motivos. Para esse jogo, todas as claques

se reuniram na curva sul e importa referir que, nesta altura, a Brigada Ultras Sporting era o

mais recente grupo de apoio, uma vez que foi fundado a 12 de Setembro de 2004, por antigos

membros da Torcida Verde.

A cena sportinguista também desempenhou papel importante na aproximação à

subcultura Casual/Hooligan inglesa a partir dos inícios do novo milénio, fazendo-se notar mais

desde que a malta do Grupo 1143 adoptou uma postura low-profile, em que membros velha

guarda da Juventude Leonina se distanciaram do grupo por não se reverem e se foram juntando,

tendo à posteriori sido adicionados os Bambinos do Directivo à equação. Noutro âmbito, mas

também por essa altura, outros velha guarda da Juve, principalmente a malta que tinha feito

a recuperação da casinha e material do grupo em 1992/1993, forma a Ofensiva 1906, grupo

de reflexão e de intervenção na vida activa do clube fora da bancada, tentando consciencializar

adeptos e lutar contra a SAD. A Ofensiva foi a semente que levou à constituição da Associação de

Adeptos Sportinguistas anos mais tarde, agremiação que viu três membros seus serem nomeados

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em assembleia eleitoral do clube para o Conselho Leonino.

Um jogo que quem viu nunca mais esquecerá é a meia-final da Taça de 2007/08, SCP 5

- SLB 3, pelo espectáculo proporcionado dentro e fora das quatro linhas. No topo norte estiveram

11 000 visitantes, num dérbi de emoções fortes no qual os ultras da casa, todos juntos na curva

sul, antecederam os 120 minutos de apoio com a apresentação de um lençol (listado com o

símbolo do clube ao centro) que cobriu todo o piso inferior.

Com o regresso de Musta, a Juve Leo começou a aplicar a intenção de acabar com a

conotação à extrema-direita, tal como com os cânticos racistas, ideia que viria a ser reforçada

mais tarde, numa altura em que também já havia espaço para a propagação de elementos ligados

à esquerda. Numa altura de diferendo entre ultras e direcção do clube, surgem os Independentes

Curva Sul. Composto por malta experiente no meio radicada na bancada norte, reaproximam

antigos integrantes à Juventude Leonina, reforçando assim o sentido crítico na defesa dos valores

do SCP.

O dérbi caseiro de 2009/2010 fica marcado pela coreografia da Juve, feita em plástico

a toda a largura do topo sul e erguida com recurso a uma estrutura metálica alavancada por um

motor, algo nunca antes visto no burgo. A recepção aos encarnados em 10/11 ficou marcada

pelo uso desproporcional de força policial à qual os elementos da JL responderam, ocorrendo

confrontos pesados durante largos minutos. Infelizmente, este tipo de acção da autoridade

aconteceu mais vezes em Alvalade, uma delas recentemente.

A temporada 2013/2014 marca a reunião dos quatro grupos de apoio na curva sul, o

que trouxe uma nova dinâmica que se repercutiu em todo o estádio, que se viu envolvido em

grandiosos ambientes, e que foi também uma época marcante pelas deslocações aos terrenos

de Benfica e Porto. Cerca de 6500/7000 sportinguistas foram à Luz para protagonizarem uma


das melhores noites de apoio naquele estádio, num jogo da prova rainha que terminou 4-3. Por

sua vez, o jogo no Dragão fica marcado por uma incursão leonina, em que a grande maioria dos

intervenientes eram dos Sporting Casuals, pela alameda que acabou mal para os mesmos. Houve

ainda o surgimento da banda Supporting, conjunto composto por malta intimamente ligada ao

movimento ultra, que refrescou o movimento associativo sportinguista com belíssimos trabalhos

musicais dedicados ao Sporting e ao amor ao Futebol do povo, realizando concertos memoráveis

no Jamor e em convívios de norte a sul de Portugal. Nestes dez anos de actividade lançaram já

dois álbuns e um EP, pondo os grupos e consequentemente todo o estádio a cantarem originais

seus como “Força Brutal, “Rapazes de Verde e Branco”, “A Turma de Alvalade”, “Braços no Ar”,

“Voto Solene”, “Vais Ganhar”, “Dia de Jogo” e “Campeões”. A partir da referida reunião de grupos

no topo sul, Juventude Leonina e o Directivo vão melhorando as suas performances coreográficas

e começam a apresentar com regularidade tifos usando roldanas para trabalhos apresentados

em “suspensão”, algo que até aqui não era habitual.

Em 2017 dá-se um novo momento muito negativo para todos aqueles que gostam do

movimento de apoio. Numa das habituais incursões pré-dérbi ao estádio rival, os ultras Sporting

estavam acompanhados por amigos de Florença e, após levarem a sua avante, a entrada nos

carros para retornarem a Alvalade não se dá da melhor maneira, ficando o italiano Marco Ficini

para trás, sendo, infelizmente, atropelado por um No Name. Até ao dia de hoje, Ficini tem

merecido homenagens da parte dos sportinguistas.

Após o Marítimo -Sporting de 2017/2018, os adeptos fazem ouvir o seu desagrado por

verem a equipa hipotecar as hipóteses de serem campeões, tendo alguns jogadores ripostado

e retorquido as palavras dos adeptos. No Aeroporto do Funchal dá-se o primeiro momento de

tensão entre ultras e jogadores e, dias depois, um grupo invade a academia por altura do treino e

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ataca a equipa. Isto levou à detenção e prisão de membros dos grupos por mais de um ano, num

processo que abriu uma grande crise no clube, levando à demissão de Bruno de Carvalho.

Deu-se o Covid e, com jogos à porta fechada, o Sporting volta ser campeão. Depois

do regresso, continuam a aglomerar-se dissidentes dos grupos na curva norte, animando bem

aquele sector que se encontrava “morto”, para onde regressaria o DUXXI em 2022. A situação

entre Juve Leo e Directivo nunca ficou bem resolvida, ocorrendo vários confrontos ao longo dos

anos, tendo isso contribuído para o regresso à norte, tal como o facto de não terem aceite o

protocolo proposto pela SAD para colocação das claques dentro de uma ZCEAP.

À data, os grupos leoninos vivem um bom momento, numa era de repressão em que

continuam a destacar-se sobretudo pelo apoio vocal, aspecto em que sempre foram muito fortes,

bem como no uso de pirotecnia. Esta época, 2023/2024, em deslocações a Bergamo e Berna, os

grupos uniram-se e levaram a cabo duas coreografias em jogos da Liga Europa, contribuindo assim

para mais uma página de história de um movimento conceituado e com enorme responsabilidade

no meio em que se encontra inserido.

Por L. Cruz

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O Cosmos Criou o Parisiense Para Que os

Forasteiros Nada Pudessem Entender Dos

Franceses: divagações em torno do futebol

na cidade do amor

Para boa parte dos amantes da

cultura de bancada, pensar sobre o mundo

do futebol em Paris é pensar no Paris Saint-

Germain (PSG) e nos seus icónicos grupos de

apoio, tanto inseridos na Kop de Boulogne

como na Virage Auteuil, que tanta vida deram

ao ambiente do Parc des Princes. Para outros

portugueses, que se dedicam a observar

mais aquilo que se passa dentro do relvado,

talvez lhes venha à memória a figura de Pedro

Pauleta, um dos jogadores mais acarinhados

pelos adeptos na capital francesa, ou mesmo

do treinador Artur Jorge.

O PSG é hoje um dos clubes

mais conhecidos a nível mundial, fruto

do investimento subsidiado pela empresa

Qatar Sports Investments (QSI), ligada ao

governo qatari, desde 2011. Pela mão de

Nasser Al-Khelaifi, CEO da QSI, vários foram

os nomes sonantes que assinaram pelo

clube parisiense (de Ibrahimovich, Cavani e

Beckham a Messi, Neymar e Mbappé, entre

muitos outros), ainda que os resultados

mais proveitosos desta estratégia desportiva

(e de marketing) se tenham fixado mais

no proveito da componente comercial do

que na demonstração de um total poderio

competitivo ao grande nível europeu. No

entanto, a história do PSG, criado apenas em

1970 a partir da fusão entre dois pequenos

clubes locais (o Paris Football Club e o State

Saint-Germain) nem sempre foi de intenso

glamour. A primeira década da sua existência

ficou marcada por uma série de altos e

baixos (passariam pela 3ª e 2ª divisões) que,

nos anos 80, acabaria por compensar: a sua

perseverança trouxe ao clube a primeira

Taça de França, em 1982, e o tão desejado

principal campeonato francês, na temporada

de 1985/1986. A década de 90 apenas viria

confirmar o estatuto de clube respeitável,

sobretudo no seu contexto nacional, mas

também fora de portas. Em 1996, os

parisienses ganhariam, por fim, a Taça dos

Clubes Vencedores das Taças, frente aos

austríacos do Rapid de Viena.

Une aventure avec un prince

Ainda que várias figuras bem

conhecidas da cidade se tivessem tornado

parte da comunidade adepta do PSG desde

cedo, ajudando parcialmente o clube

a sedimentar as suas raízes na cidade -

pensamos em pessoas como Daniel Hechter,

conhecido designer, ligado a filmes como Une

Parisienne (1957), no qual pôde vestir com as

suas criações a icónica atriz Brigitte Bardot,

e que imaginou o clássico equipamento

do clube, ou como Jean-Paul Belmondo,

ator-estrela do mundo pop francês e um

dos fundadores do clube, tendo-lhe sido

mesmo feita referência no tifo planeado

pelos membros do Collectif Ultras Paris


(CUP) e exibido frente ao AC Milan, no final

de outubro do ano passado - a popularização

do PSG teve um desenrolar progressivo. Esta

popularização tanto acompanha a própria

história de paulatino sucesso do clube, como

se deve a múltiplas campanhas que, durante

os anos 70 e 80, procuraram oferecer bilhetes

monetariamente acessíveis aos mais jovens

da região.

Assim, não é de estranhar que

seja precisamente nos finais de 70 a que

assistimos ao despontar, no topo sul do

estádio, da cenografia corporal que crescia

e acalentava a equipa. Conhecido como

Kop of Boulogne (KoB), o topo, ativado pela

performance dos que o compunham, virado

para a localidade parisiense de Boulogne,

tornou-se bastante famoso, nomeadamente

a partir da década de 80, por uma postura

irreverente que, não raras vezes, perpassava

o simples apoio vocal. Influenciados, em

parte, pela cultura hooliganística inglesa,

vários grupos foram ganhando notoriedade

no topo. Entre os mais conhecidos tínhamos

os Boulogne Boys, fundados em 1985, tido

como o primeiro grupo de apoio, por estas

bandas, a incorporar o estilo italiano da

subcultura ultra e aqueles que, mais tarde,

comandariam o destino da bancada. Ainda

assim, tantos outros grupos surgiram por

esta mesma época - entre vários, podemos

apontar, a título de exemplo, os Gavroches,

os Rangers, os Firebirds, os Commando Pirate

ou a Casual Firm Paris.

Culminando com a entrada do

investimento dos donos do Canal+ (grupo

de comunicação francês), já na década de

90, o clube encetou uma promoção ao apoio

organizado, agora na bancada oposta, a

norte, também atrás da baliza, que passaria a

ser conhecida como Virage Auteuil. Em 1991,

dois dos grupos que marcariam o apoio no

Parc des Princes eram fundados - os Supras

Auteuil e os Lutèce Falco. Dois anos depois,

nasciam os Tigris Mystic.

Ainda assim, devemos avisar

que não nos pretendemos alongar

pormenorizadamente sobre as disputas

bem conhecidas entre os diferentes grupos

de ambas as curvas parisienses. Se os

elementos da KoB foram sendo conotados

com a extrema-direita, tendo nas suas fileiras

vários jovens associados à cultura bonehead,

os membros da Virage Auteuil estariam

mais politicamente inclinados à esquerda,

sendo certo o cultivo de uma postura mais

aberta à inclusão da juventude não-branca e

imigrante. O choque foi inevitável, porém não

é somente isto que aqui nos traz até vós.

Talvez pela sua história, mas

sobretudo pelo desejo de melhor

compreender a história e a realidade do

panorama das bancadas de Paris aos dias que

correm e de entender como essa se conjuga

com as notas milionárias do futebol do século

XXI, fomos tomar o pulso à cidade e aos

adeptos do PSG, junto do CUP, em setembro

do ano passado, a partir daquele que é um

dos grandes clássicos europeus – o jogo

entre o Paris Saint-Germain e o Olympique

de Marseille (sim, sabemos que os visitantes

estão impedidos de frequentar o estádio rival

desde 2018 e que, por isso, não poderemos

oferecer o ponto de vista do outro lado, mas

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culpem as autoridades, não o autor!).

Não desejando desviar-nos do

tópico, julgamos importante ir fazendo nota

de alguns dos momentos que fomos vivendo,

pelas ruas da cidade, nos dias prévios ao jogo

e, mais tarde, durante este último. Chegados

a Paris, aproveitando um setembro ainda

soalheiro, somos amigavelmente recebidos

por Levon e Tim, junto à Praça da Bastilha,

lugar simbólico da Revolução Francesa do

século XVIII. Após desfrutarmos do lifestyle

parisiense por algumas horas, com os

seus típicos cafés virados para a rua que

convidam à troca de olhares e ao diálogo

com o próximo, o plano da tarde altera-se

bruscamente. Afinal, era imperativo tomar

parte de uma festa de música eletrónica a

acontecer na street e, claro, fazer-nos notar

num dos vários protestos a acontecer por

toda a França contra a violência policial (no

rescaldo do assassinato do jovem Nahel,

por parte de um polícia, que originou uma

onda de indignação e de revolta pelo país).

Ah, a vida parisiense! Nada melhor do que,

no decurso de um par de horas, passarmos

de um passeio relaxante junto ao rio Sena

para depois irmos casualmente libertar ao

mundo a nossa raiva (in)justificada, enquanto

escutamos um minimal techno como som

de fundo. Horas depois, ao final do dia, já

em modo de preparação para o clássico,

percebemos que a manifestação da qual

fizemos parte se tornara alvo de discussão

nacional. Ao que tudo indica, durante os

protestos na cidade, um polícia teria sacado

e apontado a sua arma de serviço aos

protestantes, o que levou a um escalar da

violência. As conversas de sofá prolongaram-

-se noite dentro, entre a partilha de opiniões

sobre a brutalidade policial e o que se haveria

de esperar do grande jogo do dia seguinte.

Devaneios à parte, o legado da

participação fervorosa naquilo que poderemos

denominar enquanto ação política, por parte

dos jovens e menos jovens que por aqui

habitam, obviamente que terá a sua influência

na hora de acalentar as diferentes disputas

de poder, simbólicas ou não, que nos saltam

à vista quando nos inteiramos das diferentes

histórias de bancada em Paris. Disto mesmo

nos damos conta quando aprofundamos

a nossa conversa com Tim. Membro de um

antigo grupo de apoio ao PSG, que há alguns

meses cessou a sua atividade, Tim contanos

que, pessoalmente, dividiria a história

das bancadas parisienses em três diferentes

períodos. Se de um ponto de vista global,

para si, “o movimento ultra desenvolveuse

bastante nos últimos 20 anos”, tendo em

conta que a assistência foi aumentando e

que os grupos estão “mais estruturados”, por

outro lado esse processo foi acompanhado

por um “aumento da repressão”. Certo é

que, para Tim, entre 2000 e 2010, ainda que

o seu estádio não estivesse sempre cheio,

devido às fracas performances da equipa, a

liberdade nas bancadas era “real”, havendo a

possibilidade de “a partir de um ponto de vista

ultra, conseguirmos fazer o que quiséssemos,

desde o uso de pirotecnia até à exibição de

frases contra a própria direção do clube”. O

segundo período poderia ser dividido entre

2010 e 2016, já após a aplicação do plano

Robin Leproux (presidente do clube a partir

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de 2009), no qual foram banidos do estádio

centenas de adeptos e obrigados a cessar

atividade, por intervenção estatal, os grupos

de apoio da KoB e da Virage Auteuil (anos

antes, os Tigris já teriam cessado atividade,

após uma série de confrontos violentos). O

plano Leproux foi em parte sustentado pelo

mediatismo que a morte de Yann, membro da

Casual Firm, causou, em março de 2010, após

uma rixa que opôs os ultras da Virage e da

KoB, alegadamente por diversas divergências

(incluindo políticas). Tim afirma-nos que, aos

seus olhos, este período pode ser designado

enquanto um “período de protesto”.

Desde cedo, foram vários os adeptos que

se opuseram à forma desenquadrada que

levou ao afastamento de vários adeptos do

estádio, assim como se mostraram contra as

medidas arbitrárias do

novo plano securitário

(somadas às diferentes

regulamentações,

introduzidas em 2006,

sobre o controlo de

comportamentos

“desviantes” no mundo

do desporto francês,

inspiradas nas práticas

legais e administrativas

aplicadas ao meio

urbano, já depois das célebres “desordens”

urbanas/suburbanas de novembro de 2005),

entre as quais a obrigação de aceitar um

qualquer lugar aleatório decidido pelo clube

na compra do bilhete de época anual ou de

um ingresso de associado em dia de jogo

(membros da Virage poderiam agora ir parar

à KoB e vice-versa, por exemplo). O tio de

Tim, segundo nos diz, deixou justamente

de frequentar o estádio porque, apesar de

ocupar o mesmo lugar desde a década de 90,

lhe foi atribuído um outro sítio que o afastou

da sua visão de sempre e, mais importante,

dos seus companheiros de bancada. Para

Tim, o desejo do clube era mesmo “matar

qualquer movimento organizado”, uma vez

que “se trouxesses, por exemplo, um simples

cachecol afeto a um dos grupos de apoio

a tua entrada seria barrada”. A atmosfera

desmereceu por estes anos: não houve tifos

realizados e não se vislumbrava qualquer

espetáculo pirotécnico. O mesmo seria dizer

que “o estádio morreu”. Fora do recinto, no

entanto, refere que o caso foi ligeiramente

diferente. Apesar de alguma descrença e da

perseguição altamente repressora por parte

do clube e do Estado, vários adeptos mais

fanáticos lutaram pela sua liberdade em

apoiar. Exemplo disto foi a criação de alguns

“sindicatos” enquanto via de protesto (Le Parc

C’était Mieux Avant, Les Brothers, Paname

United Colors), do surgimento de novos

grupos de apoio entre 2010 e 2013 (Liberté

Pour les Abonnés, Nautecia, Le Combat

Continue, Parias Cohortis, Catégorie D) e até

mesmo a continuação

da atividade por alguns

outros (Lista Nera

Paris e K-Soce Team).

Depois disto, chegaria

a terceira e atual fase,

de 2016 até hoje.

Tim lembra-nos que

“após vários anos de

protesto, conseguimos

formar o Collectif Ultra

Paris (CUP), depois de

difíceis negociações com o clube”. Ainda que

com várias restrições impostas pela polícia e

pelo clube (supostamente temporárias, mas

que se foram perpetuando no tempo), entre

elas a total liberdade de deslocação, o nosso

companheiro refere que este foi, sem dúvida,

“um renascimento para todos os envolvidos”.

Jusqu’ici tout va bien

Era certo que tínhamos de ver toda

esta mixórdia flamejante com os nossos olhos

e, no dia seguinte, lá nos fazemos ao caminho

para nos encontrarmos com outro amigo,

Pierre, que nos garantiria entrada na Virage

Auteuil para este jogo de loucos - afinal,

estava em causa não apenas a honra do clube

e da cidade, mas a própria luta pelo topo da

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tabela classificativa.

Após uma paragem numa pequena

mercearia, com a sua entrada forrada a

stickers afetos aos grupos parisienses, perto

do estádio, com o intuito de nos abastecermos

de alguns refrescos, seguimos para o primeiro

checkpoint. Sim, há vários checkpoints, com

imensas grades e agentes de segurança à

mistura, antes de conseguirmos demorar-

-nos nos cafés colados ao Parc des Princes. A

cerveja estava mais cara e cá fora já se ouvia

barulho vindo da Virage; assim, decidimos

enfrentar os checkpoints seguintes e, após

uma revista exaustiva, lá nos conseguimos

esgueirar para o nosso setor. Antes, Pierre

faz questão de me fazer uma pequena

visita guiada pelos túneis e corredores que

dariam acesso às bancadas, pois, ao que

parece, também por aqui podemos sentir a

dedicação e a criatividade dos adeptos. Entre

vários dos tags e graffitis que dão cor aos

acessos, e onde logramos encontrar distintas

referências a vários pontos históricos da

cidade, a figuras carismáticas do clube,

aos diferentes grupos de apoio do CUP e

à imagética pop, dois conjuntos saltam-

-me à vista. A primeira intervenção visual

mostra três jovens, vestidos a rigor com as

cores do clube da capital, a interpelarem-

-nos com um olhar desafiante (dois deles

seguram uma tocha nas suas mãos), sob a

imponência de uma Torre Eiffel reimaginada.

Todo este conjunto remete-nos para os

três jovens protagonistas do filme La Haine

(1995), película francesa que nos oferece

uma visão crítica sobre a violência policial, a

desigualdade social e a discriminação racial,

mormente sentida nos subúrbios da cidade

de Paris. Lembra-vos de algo? O segundo

conjunto presta homenagem a James,

antigo membro do grupo Liberté Pour les

Abonnés (LPA Paris) e respeitado porta-voz da

Association Nationale des Supporters (ANS),

que faleceu, infelizmente, durante 2020. A

sua boa-disposição que trespassa na imagem

desenhada é acompanhada por uma das suas

causas de sempre: “nunca conseguirão banir

um adepto”! Horas antes, Tim já me tinha

confidenciado que um dos momentos mais

marcantes que viveu nesta bancada teria sido

precisamente quando o clube permitiu que

prestassem homenagem a James, reservando

o estádio apenas para alguns adeptos e,

especialmente, para a sua família, que pôde

então assistir à exposição de um tifo em sua

32


memória.

Devemos mencionar que, semanas

depois de termos visitado estes acessos

na bancada Auteuil, a organização do CUP

decidiu apagar todas as referências aos

grupos dissidentes do seu coletivo. Sorte

a nossa. Segundo consta, depois da autodissolução

dos LPA Paris no final da época

passada, após uma série de confrontos entre

estes e os grupos que comandam a curva

(nomeadamente os K-Soce Team), há uns

tempos foram os Nautecia também a anunciar

o fim da sua atividade no coletivo, alegando

divergências irremediáveis com a cúpula

do CUP. Alguns ex-membros destes grupos

revelaram-nos, por estes dias que por lá

estivemos, que a razão para a sua debandada

se deve, em parte, ao espírito de protesto

que nunca saiu da alma dos seus grupos

(criados durante a altura de maior repressão

sobre as bancadas parisienses). Como tal,

nunca deixariam de criticar a direção do seu

clube, sobretudo quando a promiscuidade

desta com o mundo do negócio puro e duro

prejudica, segundo os mesmos, a essência

do próprio PSG. É inevitável vir-nos à cabeça

alguns paralelismos com outros contextos,

uma vez que os grupos com maior poder

(físico e simbólico), apesar de cultivarem

um renovado sentido de apoio à equipa,

servem intermitentemente de braço armado

daqueles que comandam os destinos do clube,

restringindo a livre expressão dos que diferem

na sua visão sobre o futuro desse mesmo

clube. Com isto, sobram no coletivo, ao dia

de hoje, os seguintes grupos: K-Soce Team,

Le Combat Continue, Parias Cohortis, Urban

Paris e Beriz Crew. O nosso companheiro Tim,

no entanto, deixa escapar que os membros

dos grupos dissolvidos não estão paralisados,

bem pelo contrário. Segundo me conta, vários

grupos de dissidentes têm marcado a sua

presença nos jogos das equipas de formação

(nas recentes deslocações a Le Havre e a

Lens, por exemplo), sendo estes “adeptos

que, no fundo, foram banidos do seu próprio

estádio por se oporem à gestão atual do

seu clube, tendo assim o direito de lutar

pelos seus direitos e pela sua liberdade; não

nos podemos esquecer que os parisienses

são conhecidos pela sua faceta rebelde e

insubmissa”. Alguns banners exibidos numa

destas deslocações parecem mesmo ter

servido para responder à letra às acusações

que os líderes do CUP fizeram aos membros

dissidentes – acusando-os, em comunicado,

de desejarem reavivar nas suas bancadas

uma “gangrena hooliganística”. Numa dessas

frases poderíamos ler: “Nous n’accepterons

jamais le retour d’une grangrene liberticide

a Paris”, ou por outras palavras, não se

esqueçam que há sempre aqueles que, por

toda a sociedade, lutam contra qualquer

tipo de gangrena liberticida. Como nos é

33


34

relembrado pelo nosso amigo, “Paris é uma

cidade com mais de dois mil anos de idade,

e a era qatari não representa nada na nossa

história”.

Já depois de termos pagado 10

euros por um simples hambúrguer, subimos

finalmente ao topo da Virage para aí nos

instalarmos para a partida. O ambiente é

arrepiante. Os atletas marselheses, durante

o seu aquecimento, são uma e outra vez

insultados; os que defendem as cores do

PSG recebem amor como nunca. Vemos um

tifo a ser preparado e sentimos que vai ser

especial. Pierre avisara-nos anteriormente

sobre a coreografia a ser realizada: esta

seria exposta não apenas na curva, mas

também na parte central das bancadas. A

expectativa era muita e o líder da curva pede

para que todos colaborem. Quem não ouviu

isso parece ter sido o promotor do jogo:

acabamos a assistir a um exemplo vivo sobre

como estragar meses de muito trabalho a pro

bono ao se desligar os holofotes do estádio

para, em seguida, apresentar um jogo de

luzes que mais nos remete para um qualquer

pré-evento norte-americano da NBA ou da

NFL do que outra coisa. Cereja no topo do

bolo: uma canção qualquer da moda que não

conseguimos apanhar (estávamos demasiado

ocupados a olhar cada falha de tinta do tecido

sobre as nossas cabeças que nos fazia refletir

sobre as muitas horas de camaradagem que

permitiram a construção deste imponente

cenário visual) abafa, através do speaker

do estádio, aquele que era o apoio vocal

ensurdecedor até então dado ao plantel

recheado de estrelas. Felizmente, com a

ajuda da exibição da equipa, os adeptos

espalhados pelas bancadas lá se fizeram

sentir ferozmente durante todo o encontro.

Um casal à minha frente, caucasiano, na

casa dos seus 60 anos de idade, muito

provavelmente de uma classe média alta (o

racial profiling não pode servir só para uns,

lamenta ironicamente este vosso autor),

abraçava companheiros (des)conhecidos,

não-brancos, que, possivelmente partindo

de outras trajetórias de vida, filhos de uma

2ª, 3ª ou 4ª geração imigrante, deliravam

a cada golo marcado em prol do clube da

cidade que os viu nascer e por cada tocha

acesa. Todo o estádio acompanhava a Virage,

quer nos cânticos que visavam levar a equipa

para a frente, quer nos insultos (alguns

homofóbicos, que levou mesmo à interdição

da bancada, algumas semanas depois, pela

Liga Francesa) à equipa adversária. Demos

várias vezes por nós também a acompanhar

o ritmo que fazia literalmente a estrutura do

estádio estremecer.

Final do jogo e vitória da equipa da

casa. Demoramos mais de meia hora para

conseguir sair do setor, uma vez que a festa

irrompia por cada acesso, túnel e escadaria

do estádio. Todo este sentimento acabaria

por transbordar para as zonas envolventes

do recinto: vemos várias tochas acesas em

aglomerados que tomavam conta de postes

elétricos e estruturas que, de alguma forma,

ofereciam um género de palco improvisado

a esta disrupção efusiva no espaço urbano,

ainda que controlada pelo olhar atento da

polícia de choque. Despedimo-nos do Pierre,

apanhamos o metro e perdemo-nos a falar

com Tim. Comentamos o facto de vermos

imensos “adeptos-turistas”, o que serviu

de mote para o nosso companheiro nos

esclarecer que, para muitos dos ultras, esses

são conhecidos como os “neo-adeptos” ou,

melhor, os “lynx”, numa referência à mascote


do clube que surgiu depois do plano Leproux.

Questionado sobre o que pensa da voz crítica

que pode florescer ou não das bancadas

parisienses, Tim afirma que “aqueles que

estão aqui apenas para ver e tirar fotos com

as estrelas, hoje a maioria do Parc des Princes,

não querem saber do rumo do clube”. Mais

à frente, de forma categórica, conclui que

“os lynx se estão a borrifar para os restantes

adeptos do PSG colocados em listas-negras

pelo próprio clube, desde que consigam ver

o seu Mbappé; eles não se interessam, por

exemplo, pelo estilo e pelas cores históricas

da nossa camisola ou pelas mudanças no

emblema histórico do nosso clube (que com

os qatari perdeu os elementos visuais que

o ligavam à localidade de Saint-Germain),

desde que atrás esteja escrito Neymar ou

Messi”. O desabafo não parou por aqui e

Tim menciona que “a intoxicação pelos bons

resultados e por todo o consumismo está

a chegar a vários adeptos do PSG, quando

dispomos de tantos temas para resolver ou

por defender, tais como o naming do estádio,

a nossa camisola histórica e o nosso emblema

de sempre, os preços exorbitantes dos

bilhetes, o abandono da língua francesa nos

comunicados do clube e, sobretudo, todos

os direitos e liberdades dos adeptos”. O que

é irónico, mas irritante, é que “o clube está

extremamente atento quando um qualquer

turista faz um comentário negativo, nas redes

sociais, sobre a sua experiência no estádio,

quando as exigências dos verdadeiros

adeptos do PSG continuam a ser ignoradas”.

Talvez como sinal de esperança, todavia, Tim

faz questão de mencionar, mais uma vez,

que outros adeptos continuam a exercitar

a sua lucidez crítica: “alguns têm boicotado

o seu apoio desde o plano Leproux, o que

coincidiu com a chegada dos qataris”. É

graças à resiliência deste conjunto de vozes

que, aliás, a “camisola hechter” (assim é

conhecida a histórica jersey desenhada por

Daniel Hechter, já apontada neste texto) teve

o seu efémero ressurgimento na temporada

de 2020/2021.

Tout appartient à l’avenir

Em bom rigor, podemos resumir

aquilo a que pudemos assistir nas bancadas

e, durante estes dias, discutir com os nossos

amigos parisienses como a pura tensão e

demais contradições inerentes ao processo

de mercantilização do futebol – apenas mais

um campo tomado pela engrenagem da

bem oleada máquina do modelo capitalista

obsessivamente virado para o lucro – que, a

reboque, afeta as próprias culturas adeptas

de um qualquer clube. Em conversa com

Levon, deixei no ar se existiria algum tipo

de inevitabilidade neste processo que,

necessariamente, deixa marcas profundas na

forma como as comunidades tendem a viver o

mundo do futebol. Não chegámos a nenhuma

conclusão definitiva, mas entretanto, por sua

sugestão, encontrámos um novo destino na

cidade que deveríamos obrigatoriamente

explorar: o Ménilmontant Football Club 1871.

Em poucos minutos damos por

nós em viagem, juntamente com um grupo

misto, entre rapazes e raparigas, alguns deles

frequentadores ou ex-frequentadores do

Parc des Princes, rumo a um pequeníssimo

estádio (Centre Sportif Louis Lumière),

fora do centro da cidade, na zona de

Montreuil. Ao chegarmos, o primeiro grande

contraste, quando comparando com o que

presenciámos no Parc des Princes, reportase,

desde logo, à casualidade e liberdade que

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pudemos aproveitar para entrar, circular e,

claro, permanecer no estádio. Várias foram as

pessoas com quem nos cruzámos que, ora se

apressavam para estacionar as suas bicicletas

junto aos portões da entrada para irem

ver a bola, ora faziam o caminho inverso e

abandonavam o local, talvez porque o treino

da modalidade que praticam no recinto

terminara e era hora de dar espaço ao jogo do

acarinhado Ménil FC. De admissão gratuita, e

tão natural quanto o término de um passeio

citadino que agora se estendia e terminava

nas bancadas de betão, somos positivamente

surpreendidos pela quantidade de pessoas

que ali estavam em comunhão, sem

necessidade da vigilância policial sentida

no Parc des Princes, num final de tarde frio,

para ver um clube amador jogar. Agarramos

a nossa lata de cerveja (aqui vendida por

alguns adeptos da equipa, a pouco mais

de 50 cêntimos, como forma de angariar

dinheiro para a sua causa) e instalamo-nos

como se esta fosse a nossa casa de infância.

Salta-nos à vista, num primeiro momento, um

pequeno estandarte no qual poderíamos ler

“still not loving police”; copy that, as próximas

horas vão ser radicalmente diferentes do que

experienciámos até aqui.

Pouco ligando ao que se passava

dentro das quatro linhas, mas sempre

apoiando incessantemente com a sua voz e

através de pequenas bandeiras, chama-nos à

atenção do nosso olhar o grupo que puxava

pela equipa da casa, cujas cores – o vermelho

e o preto – nos remetem igualmente para uma

atitude de desafio da ordem e de inquietude

face a uma série de injustiças sociais. Disto

logo temos evidência quando se canta a alto

e bom som “SIAMO TUTTI ANTIFASCISTI!”,

desmontando a fábula neutralizante de que

o desporto não é política. Não resistimos e

juntamo-nos aos elementos do grupo.

Antes de conseguirmos aprofundar

qualquer tipo de conversa, notamos que o

movimento ao intervalo é muito e bastante

organizado. Minutos depois, as dúvidas

eram desfeitas: vamos poder assistir a um

pequeno tifo – no qual conseguimos ler o

mote “Football Populaire” – juntamente com

a ignição de vários dispositivos pirotécnicos,

que serão usados como um apoio extra

à equipa. Após um dos poucos registos

fotográficos que conseguimos fazer para a

posterioridade, somos interpelados por um

membro do grupo de apoio que, temendo a

exposição da sua cara, nos questiona sobre o

nosso propósito. Ainda bem que o fez. Com a

ajuda do nosso amigo Levon no desbloqueio

da tertúlia, esta era a deixa para nos

inteirarmos sobre a realidade deste curioso

clube plantado nos arrabaldes de Paris.

Segundo conseguimos apurar, o

Ménil FC foi criado em 2014 e reivindica-se

de uma identidade popular, anticapitalista e

antifascista, seguindo os desígnios de uma

autogestão horizontal e participada, onde

cada membro tem sempre uma palavra

a dizer e é dono do destino do seu clube a

100%. O seu nome, Ménilmontant 1871, faz

referência a um histórico bairro anarquista

de Paris e à célebre Comuna de Paris,

despontada na segunda metade do século

XIX; já no seu emblema, podemos denotar

36


não só uma alusão à capital de França, mas

também à própria história insurrecional da

mencionada Comuna.

A conversa torna-se ainda mais

interessante quando conseguimos obter a

perspetiva de um membro destacado do

clube. A sua visão sobre as outras agremiações

desportivas da cidade é, por si, facilmente

resumível: “o PSG dá corpo àquilo contra o

qual lutamos aqui, apesar de ser o clube que

muitos de nós apoiava (e alguns ainda apoiam)

antes da criação do Ménil FC; já o Red Star

FC, apesar de dimensão menor, é um clube

profissional que encaixa perfeitamente no

modelo do futebol-negócio (o seu presidente

tentou por diversas vezes deslocar o clube

do seu histórico estádio, antes de fomentar

a ideia de que o melhor para o destino da

coletividade seria a sua venda a um fundo de

investimento norte-americano)”. Mais tarde,

aprofunda: “os adeptos do Red Star estão a

lutar contra tudo isto e estão politicamente

comprometidos, mas o seu clube não é um

modelo alternativo, pelo contrário; outros,

tais como o Paris FC ou o Créteil, são clubes

que também cumprem todos os habituais

requisitos do futebol moderno”. Visto de

fora, o Ménil FC pode parecer-nos apenas

mais um clube de nicho, mas a verdade é

que os seus intuitos estão bem traçados e

apontam para um caminho ligeiramente

diferente do comum. E não somos nós que o

dizemos: “o projeto cresceu com o objetivo

de oferecer uma diferente forma de ação

política, afastando-se das formas clássicas de

ativismo (sindicatos, greves, demonstrações),

e de brindar a todos com um clube acessível

e ético; no geral, quisemos deixar espaço

para que os adeptos de futebol se pudessem

envolver mais na política e, inversamente,

que os ativistas descobrissem um modelo

alternativo de desporto”.

Saídos de um universo dominado

pela subcultura ultra (neste caso, a Virage

Auteuil), tivemos de perguntar sobre a

influência dessa mesma subcultura aqui no

Ménil. A resposta foi, no mínimo, estimulante:

“mesmo que sejamos inspirados pela cultura

ultra, não nos consideramos ultras; não

pretendemos sê-lo pela simples razão de que

o clube a nós nos pertence, pois não somos

um corpo independente do clube, como

a maioria dos grupos organizados o são”.

Contudo, não desdenham o movimento:

“apesar de tudo, identificamo-nos com

muitos dos valores do mundo ultra: o futebol

enquanto desporto popular, os adeptos como

agentes relevantes no meio e não como

consumidores, o apoio às nossas equipas

através de diferentes atividades visuais e

vocais (tifos, bandeiras, cânticos, etc)”.

A nossa mente pode facilmente

levar-nos a antever uma miríade de problemas

junto das instituições centrais. Para desvendar

esta dúvida que nos assolava, quisemos saber

quais os principais problemas, a esse nível,

que tiveram desde a criação do clube. A

resposta não demorou: “temos tido diversos

problemas com a Federação Francesa de

Futebol, uma vez que o nosso modelo entra

em direto conflito com algumas das suas

regras federativas, nomeadamente o nosso

envolvimento político e o facto de não termos

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38

identificado claramente líderes e de todas

as decisões serem tomadas coletivamente

(fomos obrigados a declarar um presidente,

um tesoureiro e um secretário, mas para

nós são apenas nomes num pedaço de

papel)”. Já junto do Estado, os problemas

são de diferente natureza, dizendo respeito,

na sua maioria, a multas referentes ao uso

de pirotecnia nas bancadas e à exibição de

uma coreografia que, em 2019, gerou uma

controvérsia generalizada. Neste último

episódio, os nossos interlocutores referem-

-se a um tifo onde ostentaram um carro da

polícia em chamas, acompanhado por uma

frase do rapper parisiense Hugo TSR: “Ici

on rêve que les poulets rôtissent”, ou, em

português, “aqui sonhamos que as galinhas

assem”. Contam-nos, assim, que um site

conotado com a extrema-direita “escreveu

um artigo sobre o tifo e, a partir deste, um

dos sindicatos da polícia congeminou uma

queixa formal contra o clube”. Felizmente,

apesar de “convocados pela polícia”, nada

de mais aconteceu, ainda que a “federação

nos tenha multado em 800 euros (metade do

nosso orçamento à época) e, depois, banido

o clube do nosso estádio em Bobigny”, com a

justificação que se fez apologia ao ódio.

Antes do término da partida,

que teria como resultado uma derrota

para a equipa rubro-negra, damos por nós

a observar uma cena, contrariamente ao

que vamos assistindo em recintos hiper-

-controlados de determinados clubes,

praticamente impossível de testemunhar

num qualquer estádio perto de nós: um

pequeno rebento com os seus 9/10 anos de

idade, virado para nós, pulava em cima do

banco de suplentes, vociferando os cânticos

que vinham da bancada, enquanto fazia

questão de acompanhar o ritmo com palmas;

perto de si, na pista de atletismo que hoje

raramente encontramos nos estádios de

futebol modernos e estandardizados, corria

uma outra criança, esta talvez na casa dos

4/5 anos de idade, atrás de uma bola que

lhe teimava em escapar, fruto dos toques

habilidosos que um adulto dava na mesma.

Se este poderá ter sido um dos momentos

mais belos desta nossa viagem, qual seria

o melhor episódio já vivido pelos membros

do Menil FC junto da sua equipa? Antes da

despedida final, tivemos a oportunidade de

nos contemplarem com uma possível resposta

a essa questão: “há muitos momentos, mas

julgo que o jogo de homenagem ao nosso

camarada Clément Méric (assassinado por

elementos da extrema-direita em 2013), nos

dez anos da sua morte, é um dos grandiosos

momentos da nossa história”. Isto porque,

acrescentam, essa homenagem, depois de

meses de preparação, culminou com a vitória

das duas equipas femininas do clube (de sub-

15 e séniores), numa bancada a abarrotar:

“foi o melhor tributo que poderíamos dar

ao Clément, uma pessoa que vários daqui

conheciam bem, e cujo sonho antifascista

tentamos manter vivo através do nosso

clube”. Em jeito de adeus, matutamos

sobre os objetivos a curto e a longo prazo

para o Ménil. As respostas são diretas:

em primeiro lugar, “garantir que o nosso

projeto se sustente, sobretudo continuando

a conseguir jogar aqui na cidade”; depois,

em segundo lugar, apesar de o futuro ser

incerto, “continuarmos a luta à nossa escala,


sem fazer concessões ou desvios dos nossos

ideais antifascistas e anticapitalistas”. De

facto, quanto a nós, não nos restam dúvidas

que este caloroso projeto associativo parece

encarnar o espírito subversivo, transgressivo

e reflexivo da histórica Comuna. Afinal de

contas, ainda há dois lados da barricada.

Quando demos por nós era hora

de pegar na trouxa e voltar para terras lusas.

Não o fizemos, porém, sem antes trocarmos

umas pequenas palavras finais com Tim. O

fim-de-semana tinha sido longo, as analogias

elaboradas na nossa cabeça com o que

vivemos nas bancadas portuguesas tinham

sido muitas e só me restava apreender aquilo

que ele achava da realidade desportiva e

associativa deste nosso jardim à beira-mar

plantado. Tim foi perentório: “admito que

da última vez que viajei para Portugal (em

outubro de 2022, para o jogo frente ao SL

Benfica) não fiquei com boa memória da vossa

polícia”. Entre risos, talvez por sabermos o que

a casa gasta, preferimos desviar a conversa

para os grupos de apoio. A resposta poderá

dar-nos algum alento, caso precisemos:

“Confesso que conheço mais a realidade

dos grupos dos ‘três grandes’, ainda que

reconheça o trabalho interessante que vários

grupos, mesmo de divisões secundárias, por

aí fazem. Mas, do que consigo compreender,

parece existir uma enorme repressão sobre

os adeptos portugueses (sobretudo ao nível

do uso da pirotecnia), ainda que a mesma

ainda não tenha chegado, ao contrário

daqui, às restrições sobre as deslocações

a terrenos adversários; mais do que isto,

parece-me que a vossa associação nacional

de adeptos (APDA) tem demonstrado imensa

maturidade, conseguindo que os diferentes

grupos de apoio se unam para defender os

seus direitos, pelo que espero que a ‘cena

portuguesa’ continue o seu desenvolvimento”.

Pessoalmente, também esperamos que sim –

que algum do afeto aqui transposto para este

texto-devaneio nos dê a pólvora necessária

para fazer cumprir, por estes lados, essa ideia

tão radical quanto humana de desejarmos

uma maior liberdade, justiça e alento criativo

nas ruas e nas bancadas.

Tínhamos ainda algumas horas de

sobra antes de nos dirigirmos para o aeroporto

e resolvemos deambular pela cidade, junto

ao Sena, da mesma forma como iniciámos

esta nossa viagem. Foi perto de uma Notre

Dame em obras, devido ao incêndio de 2019,

que acabámos por entrar numa pequena

livraria. Neste acolhedor espaço, repleto de

livros e de ilustrações vintage, encontrámos

uma versão francesa do livro-ensaio “Murar o

Medo” do escritor moçambicano Mia Couto.

Lá oferecemos este souvenir a nós mesmos e

devoramo-lo logo junto à ponte Saint-Michel,

local onde pudemos descobrir uma placa

que evoca a sangrenta repressão policial, de

17 de outubro de 1961, sobre uma pacífica

manifestação em prol da causa argelina. Como

não temos grande jeito para conclusões,

partilhamos algumas das palavras de Couto

que marcaram a nossa despedida da cidade

do amor revolucionário: “No horizonte havia

mais muros do que estradas. Nessa altura,

eu já desconfiava de uma outra verdade: há

neste mundo mais medo de coisas más do

que coisas más propriamente ditas.”

Nota 1: o autor deste ensaio narrativo deseja

dedicar o mesmo a Levon, adepto do PSG

cobardemente esfaqueado, nas ruas de

Milão, no início de novembro de 2023. Sem

ele este texto não seria possível. Courage!

Nota 2: foram ocultados ou utilizados

pseudónimos quando nos referirmos aos

companheiros e intervenientes nesta viagem,

uma vez que desejamos respeitar e proteger

as suas identidades.

Por Daniel Freire Santos

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Cidade do Vaticano: 0,44 Km de

extensão, pouco menos de mil habitantes,

uma das mais pequenas nações do

mundo. Rico em espiritualidade, história e

monumentos é enclave “enfiado” na Cidade

Eterna, Roma. Em tão pouca superfície, haverá

espaço para o nosso desporto preferido?

“Milagrosamente”... sim! Campeonato, Taça

e Supertaça realizados todos os anos, uma

seleção masculina e feminina… mas como?

Voltamos atrás no tempo e vamos

descobrir como o futebol chegou ao país

do Papa (lembramos que o papa argentino

Francisco é um fanático de bola, adepto e

sócio com quotas em dia do CA San Lorenzo).

O primeiro jogo oficial de que

temos notícia disputou-se no dia 13 de abril

de 1946, realizado entre as equipas dos

administrativos e outros funcionários do

Governo Civil. Não se conhece o resultado

e do primeiro torneio oficial temos poucas

informações. A única notícia que temos é que

a final entre as Vilas pontifícias e a Fábrica de

S. Pedro foi interrompida e não concluída por

tumultos nas bancadas!

Depois de quase 20 anos de

interregno, começaram a surgir novas

equipas. O SS Hermes, que tem o nome da

estátua presente no Museu Pio Clementino,

a equipa da Gendarmaria, os Galletti

(trabalhadores da fábrica de S. Pedro), Aríete

APSA (funcionários do Património Cultural),

SS Hércules (funcionários da Biblioteca), Astor

(funcionários do diário Observador Romano)

e Teleposte (a equipa dos correios), a equipa

dos funcionários da Rádio Vaticano, o Santos

FC (funcionários dos Supermercados), do

IOR (o polémico banco do Vaticano) e até

uma dos funcionários do Arquivo Secreto

Vaticano! Entre muitas outras… Incrível!

Todos os serviços administrativos tinham uma

equipa. Ah, e estávamos a esquecer a equipa

da Guarda Suíça!

O campeonato era só reservado

aos dependentes e funcionários leigos que

vivessem no Vaticano. Podem imaginar que

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nem sempre foi fácil arranjar jogadores

para todas as equipas, dada a escassez

populacional do país. Houve anos em que não

se conseguiu arranjar jogadores e equipas

suficientes e foi decidido que, a partir de

2024, o campeonato será de Futsal.

O primeiro campeonato realizou-

-se em 1972, la Coppa dell’ Amicizia (Taça da

Amizade). Vamos ver as “grandes” equipas

do Campeonato Vaticano: a primeira a ser

citada é a Dirseco, a equipa dos funcionários

dos serviços económicos-administrativos que

tem no seu palmarés 8 campeonatos, 5 taças

e foi a primeira equipa a ganhar o “triplete“

(campeonato, taça e Supertaça). Só o S. Paolo

Team e a OPBG (funcionários do Ospedale del

Bambin Gesú) conseguiram tal proeza.

E a seleção? É a Representativa

Calcistica Dipendenti Vaticano, que existe

desde 1994, com cerca de 20 jogos realizados.

Não tendo espaço no Vaticano, todos os jogos

são disputados em território italiano, em

campos ligados a igrejas e paróquias, como

o Campo Pio XI (Igreja di Santa Mediatrice) e

mais alguns.

Por incrível que possa parecer,

existe um outro campeonato no Vaticano

ainda mais conhecido. Também o clero

reclamou um torneio e desde 2007 realizase

a Clericus CUP, só com jogadores padres,

sacerdotes e clérigos...

E o futebol feminino? Não falta

nada no Vaticano! Em 2019 estreou-se a

seleção das funcionárias da Santa Sé. As cores

oficiais são o branco e amarelo, obviamente!

Fontes: FB e https://www.radici-press.net/ilcalcio-anche-vaticano/

Por Eupremio Scarpa

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O LADO OCULTO DO FUTEBOL

DISCRIMINAÇÃO E SEGURANÇA EXCESSIVA

42

Um pequeno lote de cromos e uma grande

injustiça

Há momentos na vida em que a

realidade nos parece mais absurda do que

a ficção. Conseguem imaginar um estádio

de futebol, onde multidões apaixonadas se

reúnem para celebrar o amor pelo seu clube

e pelo futebol? Agora, tentem imaginar um

agente da polícia impedindo a entrada de uma

criança de 12 anos nesse estádio. O motivo

não dá para imaginar, mais vale eu dizer logo:

Ele simplesmente levava um pequeno lote de

cromos de futebol da Panini.

Só que não ficou por aqui. O agente, com a sua

farda imponente, que lhe permite ter superpoderes

para fazer o possível e o impossível,

disse à criança que ela poderia arremessar os

cromos. Mas o que o polícia não percebeu é

que esse menino, que ainda argumentou que

os cromos eram importantes para ele, nunca

faria algo assim. Ele não era um hooligan, mas

sim um pequeno adepto apaixonado pelo

seu clube que queria tentar trocar cromos

com outras crianças como é absolutamente

normal na sua idade.

O vídeo cortado e a história completa

Lembram-se daqueles vídeos que

abundam na Internet e causam polémica

porque, às vezes, só vemos partes do que

aconteceu? Naturalmente as críticas surgem,

exigindo ver o vídeo completo para se

conseguir construir uma opinião. O mesmo

acontece com a proibição ao meu filho - ela

é apenas um fragmento de uma narrativa

maior. Precisamos ver o vídeo completo.

A proibição ao meu filho não é um caso

isolado. É um sintoma de um problema

sistémico que assola Portugal. Precisamos

de questionar o porquê da segurança se ter

tornado numa barreira para a paixão pelo

futebol. Devemos lembrar que, por trás dos

números e das estatísticas, estão pessoas

reais com histórias reais. Pessoas que sentem

cada vez mais hostilidade e veem censurada

a sua liberdade de expressão. Com o que

tem acontecido nos estádios portugueses,

qualquer dia não se pode entrar com as

chaves de casa ou do carro, as carteiras, os

telemóveis ou até os sapatos.

A Cultura Securitária Extrema e os seus

efeitos colaterais

Esta história não é apenas sobre

um menino e os seus cromos. Ela abre-nos

a porta a um cenário mais amplo: a cultura

securitária extrema que envolve o futebol.

Os nossos estádios tornaram-se uma espécie


de fortaleza, onde os adeptos são tratados

como suspeitos. A hostilidade em relação

aos adeptos de futebol é visível e sente-se.

Hoje em dia somos revistados de formas

pouco dignas, altamente vigiados e muitas

vezes tratados como inimigos. A cultura

securitária fortaleceu-se e obscureceu uma

parte da nossa sociedade e, talvez por isso,

se normalize as bastonadas na cabeça ou

os tiros na face dos adeptos. Alguns só

conseguem ver o fantasma da violência dos

adeptos e esqueceram-se que a violência não

é uma constante - há também festa, alegria,

valores e comunhão. Da mesma forma,

esqueceram-se que, no meio de tanta gente,

há crianças que sonham em ser como os seus

ídolos, jogando futebol, colecionando cromos

e vibrando com cada golo.

Conclusão: Até onde nos querem levar

A começar pela Liga Portugal e

pela Federação Portuguesa de Futebol,

passando para aqueles que têm algum tipo

de responsabilidade no futebol e no que

o rodeia, muito poucos entendem o que

é o futebol. O futebol é mais do que golos,

regras e leis. É também sobre a comunidade,

a emoção e a identidade. Não devemos

permitir que a cultura securitária continue

a cegar as instituições e autoridades, para

o que realmente é aquilo que move todo o

futebol – os adeptos.

Quando aludi aos vídeos que por

vezes não mostram a verdade toda, quis

mostrar que a proibição injusta imposta ao

meu filho, por portar cromos de futebol, não

é apenas um incidente isolado. Ela reflete

uma dinâmica mais ampla entre os adeptos e

as forças de segurança, à qual não se presta a

devida atenção.

O meu filho, hoje barrado com os

cromos e noutra altura com uma bandeira,

representa esses adeptos que, por todo

o lado, sofrem abusos de autoridade. Ele

merece mais do que ser impedido de entrar

num estádio porque foi construído um clima

hostil em torno de uma das suas paixões.

Quem diria que hoje todos são

adeptos potencialmente perigosos...

Por J. Lobo

43


MEMÓRIAS Da BANCADA

GRUPOS REFERÊNCIA (PARTE DOIS)

FOTOS CEDIDAS POR J.CAMPOS (@PHOTOTIFO)

Settembre Bianconero

Ascoli x Ancona

1990/1991

Ultras Ghetto

Ascoli x Reggiana

1992/1993

44


New Bush/Cruels/Green Stars

Foggia x Avellino

1994/1995

New Bush/Cruels/Green Stars

Foggia x Avellino

1994/1995

45


Brigate Neroazzurre

Atalanta x Napoli

1991/1992

Wild Kaos

Vicenza x Atalanta

1994/1995

46


WKA e BNA

Cesena x Atalanta

1999/2000

Blood & Honour

Varese x Como

1999/2000

47


Mods/F.U./F.B.

Bologna x Torino

1988/1989

Freak Boys e Forever Ultras

Verona x Bologna

1996/1997

48


Sconvolts

Cagliari x Roma

1993/1994

Furiosi e Sconvolts

Juventus x Cagliari

1998/1999

49


Nuclei Sconvolti

Cosenza x Messina

1988/1989

Ultra’ Cosenza

Bari x Cosenza

1992/1993

50


Ultra’ Cosenza

Pisa x Cosenza

1992/1993

Freak Brothers

Ternana x Arezzo

1996/1997

51


Rangers e Desperados

Empoli x Brescia

Rangers e Desperados

Empoli x Brescia

52


CAV

Fiorentina x Cremonese

1991/1992

CAV

Fiorentina x Barcelona

1996/1997

53


Ultras e Boys SAN

Inter x Milan

1985/1986

54

Curva Nord Milano

Inter x Roma

1996/1997


Fossa dei Leoni

Milan x Ancona

1992/1993

Curva Sud Milano

Milan x Inter

1998/1999

55


Fighters

Inter x Juventus

1986/1987

Fighters e Drughi

Juventus x Torino

1993/1994

56


Ultras Granata

Milan x Torino

1993/1994

Ultras Granata

Torino x Triestina

1989/1990

57


22º número da fanzine e, por conseguinte, também o mesmo de edições deste Resumo da

Bancada. Num ápice, estamos a aproximar-nos de outro final de temporada desportiva, o que é

sinal de emoções a aumentarem com as decisões a ficarem cada vez mais próximas. Aqui está

mais um pouco do que se passou nestes últimos dois meses!

UD Leiria x Sporting CP | 07-02-2024

Mais de 20 mil espectadores estiveram

presentes neste encontro a meio da semana,

a contar para os quartos-de-final da Taça

de Portugal. Um apoio muito bom dos

sportinguistas, que, para além de estarem

em maioria, empolgaram-se pela vitória

confortável, de 0-3, conseguida. Do lado da

casa, destaque para o espectáculo pirotécnico

e coreográfico da Armata, a claque leirirense,

na entrada das equipas em campo, ao mesmo

tempo que expunham a mensagem: “Apoia o

clube da tua cidade”.

Lusitânia de Lourosa FC x Varzim SC | 11-02-

2024

Primeira jornada da fase de apuramento

de subida ao segundo escalão nacional e

destaque imediato para este embate em

Lourosa. Uma boa assistência num Domingo

de manhã, com nota mais nas bancadas para

a excelente deslocação dos simpatizantes

varzinistas, que ocuparam a grande maioria

do sector visitante e criaram um bom

ambiente durante a partida, pese embora a

derrota pela margem mínima.

Sporting CP x SC Braga | 11-02-2024

Aproximadamente 40 mil pessoas estiveram

em Alvalade para mais um desafio entre duas

das melhores equipas e falanges de apoio

58


do futebol nacional nos tempos que correm.

Em campo, os verde e brancos conseguiram

uma impressionante vitória por 5-0, que

naturalmente animou bastante o público da

casa. Houve muitos cânticos e pirotecnia nas

duas bancadas em que se situam os principais

grupos - Juventude Leonina e Directivo Ultras

XXI.

Do lado forasteiro, nota para uma

boa deslocação de várias centenas de

simpatizantes arsenalistas, que, apesar

da lógica insatisfação pelo resultado, não

deixaram de incentivar a sua formação ao

longo do encontro.

Vitória SC x SL Benfica | 11-02-2024

Melhor casa da época, até ao momento,

no recinto vimaranense, com cerca de 25

mil presentes. Para além do registo de

espectadores, há obviamente que destacar o

ambiente vivido nas bancadas. Houve muita

pirotecnia entre os apoiantes de ambos os

lados, com destaque para a tochada inaugural

dos White Angels, que fica certamente

como um dos melhores espectáculos da

temporada. No lado benfiquista, como já vem

sendo natural, também houve ‘pyro’.

De salientar ainda uma coreografia conjunta

na nascente, mais concretamente nos

sectores onde ficam os Insane e o Gruppo

1922, com balões pretos, brancos e amarelos,

seguido do lançamento de papel cortado,

dando ainda mais cor na entrada das equipas

em campo.

Relativamente ao que se passou dentro de

campo, pode-se dizer que houve emoção

a condizer com o cenário fora das quatro

linhas, pois a partida terminou empatada a

duas bolas, com indecisão até ao fim.

Sporting CP x CS Dinamo București | 13-02-

2024

Excelente ambiente nesta partida da Liga

Europeia de Andebol, que se realizou no

Pavilhão João Rocha, numa terça-feira

nocturna. Como é habitual neste tipo de jogos,

todas as claques sportinguistas estiveram

59


presentes, sendo que o espectáculo fora

das quatro linhas contou com várias dezenas

de elementos afectos à formação da capital

romena.

Foi o primeiro encontro da fase de grupos

dos leões e conseguiram uma importante e

impressionante vitória, num resultado que

esteve em aberto praticamente até ao fim,

levando a uma enorme festa no recinto, com

uma boa sintonia entre o público e a equipa.

BSC Young Boys x Sporting CP | 15-02-2024

Deslocações à Suíça são sinónimo de invasões,

quando lá vão os maiores clubes portugueses,

o que não foi excepção, pois os cerca de dois

milhares de ingressos disponíveis para o

sector visitante esgotaram. Este embate era a

contar para o play-off de acesso aos oitavosde-final

da Liga Europa, sendo que, à imagem

do que aconteceu num encontro passado em

Bérgamo, os ultras sportinguistas voltaram a

realizar um comunicado conjunto tendo em

vista o que pretendiam encenar durante a

entrada das equipas em campo.

Pois bem, antes do início, viveu-se um dos

melhores ambientes da semana europeia,

convertendo-se em registos brutais que se

tornaram virais internacionalmente, com os

grupos de ambos os conjuntos a contribuírem

para tal. Do lado da casa, a Ostkurve Bern

exibiu uma coreografia a ocupar toda toda

a sua bancada, à boa moda do que por lá

se consegue fazer. Relativamente aos leões,

um incrível espectáculo pirotécnico, com

muitos cachecóis levantados - como tinha

sido pedido no tal anúncio antes da partida - e

ainda a mensagem “Rumo a Dublin”.

A formação verde e branca venceu por

1-3, nesta primeira mão, fazendo com que

naturalmente houvesse muita festa entre

os seus apoiantes, que se ouviram de forma

ruidosa.

60


SL Benfica x Toulouse FC | 15-02-2024

Bom espectáculo na Luz, com um número

oficial de 56.553 espectadores, entre eles

mais de três milhares de simpatizantes

do Toulouse. Destaque para (mais uma)

excelente tochada dos No Name Boys e um

ruidoso e regular apoio por parte da falange

francesa presente.

Nesta primeira mão do play-off da Liga Europa,

os encarnados venceram por 2-1, com o golo

decisivo a ser feito de grande penalidade já

nos instantes finais, provocando, acima de

tudo, uma sensação de alívio entre o público

da casa.

Sporting CP x SL Benfica | 17-02-2024

Sábado à noite com direito a jogo grande no

Pavilhão João Rocha, em mais um dérbi de

futsal, neste caso a contar para o campeonato

nacional. Recinto muito bem composto, um

ambiente excelente - com destaque para os

sectores dos grupos organizados -, picardias,

alguma confusão no exterior e, no final,

muita festa por parte do público da casa após

vencerem por 7-3.

UD Lamas x AD Ovarense | 18-02-2024

Jogo repleto de rivalidade e que se tem

tornado num dos dérbis mais interessantes

de acompanhar nas distritais portuguesas.

Mais uma vez, um Estádio Comendador

Henrique Amorim bem composto e, acima

de tudo, com um bom ambiente de parte

a parte, destacando-se os Papa Tintos no

lado da formação caseira e os Fans 1921 no

conjunto forasteiro. Também aqui houve

relatos de alguns incidentes, seja entre

adeptos ou com a polícia, principalmente no

exterior do recinto.

O Lamas venceu por 4-2, estando bem

encaminhando para a subida directa ao

Campeonato de Portugal e atrasando a

Ovarense nas suas aspirações aos lugares

cimeiros da classificação deste campeonato

da AF Aveiro.

61


SC Braga x SC Farense | 18-02-2024

Registo que ficou marcado por uma acção

conjunta dos ultras do emblema bracarense.

A Bracara Legion, ainda na primeira parte,

expôs uma mensagem com a seguinte

inscrição: “Não apertem com as revistas,

apertem com os artistas!”. Ao intervalo,

um dos seus elementos foi expulso do

recinto, o que fez com que os dois grupos

abandonassem o estádio, em solidariedade e

protesto por isso, não existindo qualquer tipo

de apoio organizado ao Braga na segunda

parte.

De salientar, ainda, a presença de cerca de

meia centena de simpatizantes farenses

no sector visitante, entre eles quase 20

elementos dos South Side Boys que foram

incentivando o seu conjunto ao longo da

partida, que terminou com os arsenalistas a

conseguirem um sofrido triunfo pela margem

mínima.

Moreirense FC x Sporting CP | 19-02-2024

Numa 2.ª-feira à noite, milhares de

sportinguistas invadiram Moreira de Cónegos.

Como já começa a ser regra esta época, os

índices motivacionais dos seus simpatizantes

estão altos, sendo que, para além do bom

número de presentes nas bancadas do

recinto, ainda incentivaram a equipa do

início ao fim para uma nova boa exibição e

consequente vitória.

Depois da partida, quando o autocarro da

equipa leonina seguia na auto-estrada,

alguns adeptos abriram strobs e fogo de

artifício, numa viaduto, de maneira a felicitar

os jogadores.

FC Porto x Arsenal FC | 21-02-2024

Cerca de 49 mil presentes no Dragão, o que

é sinónimo de enchente, com mais de 2.500

britânicos a comporem o sector visitante. Um

pouco ao estilo do que tem sido feito neste

estádio, durante esta época, em jogos da

Champions, as equipas entraram em campo

ao mesmo tempo que na bancada se fazia um

mosaico, através de pequenos panos com o

62


símbolo do clube.

Entre um ambiente a misturar expectativa,

nervosismo e animação, viveu-se mais uma

noite europeia de emoções no Porto, com

o ponto alto a surgir nos instantes finais da

partida, através de um golaço de Galeno, que

deixou os azuis e brancos em vantagem nesta

eliminatória dos oitavos-de-final da prova,

fazendo com que o estádio entrasse em

ebulição no momento dos festejos.

Toulouse FC x SL Benfica | 22-02-2024

Nova partida de uma equipa portuguesa no

estrangeiro e, mais uma vez, um dos maiores

destaques quanto à semana europeia fora das

quatro linhas. Ainda a faltarem algumas horas

para o início, um grupo de benfiquistas atacou

um bar dos ultras locais. Depois, já dentro

do recinto, um ambiente de excelência. Da

parte da casa, os Indians Tolosa realizaram

uma coreografia a abrir, acompanhada de

pirotecnia que abrilhantava a mesma. Nesse

momento, em pleno sector visitante, via-se

um excelente tochada encarnada.

Durante o jogo, muito apoio de parte a parte.

Houve sinal mais em termos exibicionais

para o Toulouse, que empolgava bastante o

seu público, mas que não foi suficiente para

garantir um golo que conseguisse empatar

a eliminatória. Ainda assim, a claque do

emblema francês teve várias boas sessões de

pirotecnia ao longo do encontro.

Nota para o facto dos muitos simpatizantes

benfiquistas presentes, tanto no seu sector

como também junto dos sócios gauleses.

Qarabağ FK x SC Braga | 22-02-2024

Cerca de seis milhares de quilómetros

separam as cidades de Braga e Baku, o que

fez com que esta fosse a deslocação mais

distante de sempre feita pelos adeptos do

Braga, mais concretamente pelos seus ultras

- Red Boys e Bracara Legion. A presença de

ambos, por si só, é um destaque pela positiva.

Perante mais de 31 mil espectadores, os

forasteiros fizeram-se notar tanto através da

faixa da Bracara e das iniciais dos Red Boys,

63


que coloriam o sector a si destinado, como

na festa dos golos, pois a equipa minhota

conseguiu empatar uma eliminatória em que

levava uma desvantagem de dois golos depois

da primeira mão.

Ainda assim, não resistiu a um prolongamento

emocionante, que teve direito a vários golos,

e foi eliminado da Liga Europa por causa de

um tento sofrido no tempo de compensação

da segunda parte desse tempo extra.

Sporting CP x BSC Young Boys | 22-02-2024

Quase 30 mil espectadores em Alvalade,

entre eles cerca de 1.800 do Young Boys.

Depois de trazer uma vitória por dois golos

de diferença da Suíça, um empate a uma bola

num jogo sem grande história bastou para os

sportinguistas confirmarem a passagem aos

oitavos-de-final da Liga Europa. Ainda assim,

nota para um bom equilíbrio no apoio fora

das quatro linhas a animarem o ambiente

e registos de pirotecnia, como vem sendo

habitual nestas partidas em Alvalade.

Rio Ave FC x Sporting CP | 25-02-2024

Mais uma deslocação leonina até ao Norte do

país e novo sector visitante a abarrotar. Num

Domingo à noite chuvoso, houve o habitual

bom apoio dos simpatizantes sportinguistas,

numa zona da bancada sem qualquer tipo de

coberto.

Desta vez, a sua equipa não correspondeu às

expectativas, acabando por ceder um empate

a três golos, num jogo bastante emotivo

dentro das quatro linhas.

64

120.º aniversário do Benfica | 28-02-2024

O Benfica cumpriu mais um ano de vida,

sendo que os seus adeptos, neste número

especial, quiseram naturalmente festejar.

Durante a madrugada, houve o registo de um

magnífico espectáculo pirotécnico junto do

seu estádio.

Houve comemorações noutros pontos do

país, como por exemplo junto à Casa do

Benfica de Paredes, também com uma

tochada de relevo.


Sporting CP x SL Benfica | 29-02-2024

Dérbi a contar para a primeira mão das

meias-finais da Taça de Portugal, culminando

numa das partidas com melhores registos

da época. Mais de 45 mil pessoas presentes

em Alvalade, havendo acção ainda antes do

encontro. Um grupo de benfiquistas que

não se deslocou no tradicional cortejo com

escolta, apareceu nas imediações do recinto

e existiram breves incidentes.

No interior do estádio, um ambiente digno

de um jogo com esta dimensão, com

muita pirotecnia, picardias, mensagens

provocatórias das duas principais claques da

casa e apoio de parte a parte. De salientar

uma excelente tochada encarnada, ao minuto

30, a dar cor à quase totalidade do sector

visitante, como forma de comemoração ao

120.º aniversário do clube.

Dentro de campo, o Sporting conseguiu uma

vitória por 2-1, metendo-se em vantagem na

eliminatória.

UD Leiria x CD Mafra | 02-03-2024

Partida realizada num Sábado matinal,

contando oficialmente com 4.177

espectadores. Um registo que não é de

surpreender, antes pelo contrário, pois os

leirirenses até têm apresentado números

superiores na maioria das vezes que jogam

em casa. O destaque vai para os momentos de

tensão que se viveram no interior e exterior do

estádio, com a claque da casa, Armata Ultra,

a tentar ir de encontro aos forasteiros, Unit

65, mas sempre com os seguranças presentes

a separarem os possíveis confrontos entre

ambos.

As picardias entre os dois conjuntos de

apoiantes e o facto dos ultras de Leiria terem

uma relação de amizade com o Topo SCUT

- grupo torreense e principais rivais dos de

Mafra - podem explicar o que ocorreu. De

qualquer maneira, o jogo inaugural desta

ronda 24 do segundo escalão nacional foi

muito emotiva, com a formação amarela e

verde a conseguir uma bela reviravolta de 2-0

para 2-3.

65


GD Estoril Praia x Vitória SC | 02-03-2024

A assistência contou com cerca de dois

milhares de pessoas, sendo que o destaque

foi para a boa falange de apoio vitoriana,

que ocupou quase todo o canto da

bancada disponibilizado para si, cantando

e empurrando a sua equipa para uma bela

vitória, por 1-3, fora de casa.

Académica de Coimbra x SC Braga “B” | 03-

03-2024

Jogo da Briosa precisamente no dia em

que a Mancha Negra cumpriu o seu 39.º

aniversário. Arrancou logo as festividades

na noite anterior, com muita animação e

pirotecnia junto da sua sede. Estendeu-se

obviamente com uma boa presença para o

encontro, já no final de tarde de Domingo.

Pelo facto de em Portugal os adeptos estarem

impossibilitados de apresentarem tarjas

superiores a 1x1m fora das ZCEAP, a claque

academista exibiu uma mensagem, através

de t-shirts vestidas por elementos seus, com

a seguinte inscrição: “Apesar da repressão, 39

anos de dedicação”.

Nota para o facto de ter havido uma bela

moldura humana para assistir a esta partida,

a contar para 4.ª jornada da fase de subida da

Liga 3, como já vem sendo hábito em Coimbra,

com a presença do costume também do

grupo XXIV, dissidente da Mancha Negra.

Ainda assim, o fim-de-semana terminou

em desilusão, uma vez que a formação

secundária dos minhotos venceu por 0-3.

Sporting CP x SC Farense | 03-03-2024

Cerca de 39 mil espectadores em Alvalade,

num encontro com um ambiente com nota

positiva, como já seria de esperar. As duas

principais claques leoninas criaram um bom

ruído, como vem a ser hábito, agora com a

particularidade de os South Side Boys terem

também dado um bom espectáculo vocal no

sector visitante.

O 3-2 favorável ao Sporting no resultado, com

o Farense a ter recuperado uma desvantagem

de dois golos e ainda ter assustado Alvalade,

66


serviu para criar uma maior emotividade,

tanto dentro como fora das quatro linhas.

FC Porto x SL Benfica | 03-03-2024

Mais um clássico do futebol nacional,

com direito a casa cheia no Dragão. Uma

coreografia dos adeptos portistas, nas várias

bancadas do recinto, a abrir, com um mosaico

- como já vem sendo habitual nos grandes

jogos por lá - em que se viam representados

corações com as cores azuis e brancas. Houve

pirotecnia e fumarada nos vários sectores de

apoio de ambos os rivais, uma mensagem

dirigida ao rival por parte do Colectivo 95 e,

claro, bastante incentivo dos dois lados.

O Porto venceu por uns expressivos 5-0,

levando naturalmente a uma enorme festa

no estádio, numa altura em que uma vitória

era obrigatória para os dragões não deixarem

escapar ainda mais o Benfica. Ainda assim,

destaque para uma enorme tochada dos No

Name Boys, já numa altura em que o encontro

se encaminhava para os instantes finais - os

encarnados perdiam por 4-0 -, de maneira a

assinalarem o 32.º aniversário do grupo, sem

deixarem de se fazer notar também de forma

vocal, pese embora a fraca actuação da sua

equipa em campo.

FC Famalicão x Boavista FC | 04-03-2024

O fecho de mais uma jornada do

campeonato, com duas equipas que lutam

pela manutenção. Mais de três milhares

de espectadores presentes, entre eles uma

boa presença de apoiantes axadrezados que

lotaram o pequeno sector destinado aos

mesmos, no canto da bancada em questão.

Falando nestes últimos, destacaram-se pela

deslocação de uma turma composta por

elementos seus acompanhados de vários

escoceses, mais concretamente adeptos do

Aberdeen, cuja amizade com os boavisteiros

é conhecida. A policia evitou quaisquer

incidentes que pudessem surgir na sua

chegada, pois importa lembrar que houve

distúrbios entre simpatizantes destes dois

conjuntos, na época passada, em Famalicão.

67


No que toca à partida, teve um ambiente acima

da média, com Fama Boys a incentivarem a

formação da casa e os ultras boavisteiros,

que viram a sua equipa a empatar a uma bola

depois de estar em desvantagem, a acabarem

com sinal mais e num belo momento final

com os jogadores.

Sporting CP x Atalanta BC | 06-03-2024

Ditou o sorteio que Sporting e Atalanta se

voltassem a defrontar na Liga Europa. Uma

vez que os encarnados também jogavam para

a mesma competição em casa nesta primeira

mão, as autoridades anteciparam o encontro

de Alvalade para 4.ª-feira à tarde. Em relação à

partida da fase de grupos, que aconteceu em

igual horário (às 17h45) mas no feriado de 5

de Outubro, passou-se de uma assistência de

mais de 42 mil espectadores para os 28.528

oficiais de agora, sendo que os ‘bergamaschi’

trouxeram cerca de 600 simpatizantes,

quando cinco meses antes tinham trazido

mais de mil.

De qualquer maneira, nota para mais uma

vez um ambiente digno de registo, tanto

das diferentes claques leoninas como dos

ultras presentes no sector visitante. Houve,

novamente, pirotecnia, um apoio equilibrado

de parte a parte e picardias, muito por causa

da amizade dos sportinguistas com os ‘tifosi’

da Fiorentina. O embate terminou empatado

a uma bola, levando todas as decisões para

Itália.

À noite, uma turma numerosa da Atalanta

atacou vários adeptos do Rangers,

precisamente o adversário do Benfica no dia

seguinte, que se encontravam num hotel no

centro de Lisboa.

68

SL Benfica x Rangers FC | 07-03-2024

Por falar em Rangers, fizeram uma deslocação

em massa, ao bom estilo britânico, com

mais de três milhares a invadirem Lisboa e

a comporem praticamente a totalidade do

sector visitante do estádio. Estavam incluídos

nos quase 49 mil espectadores presentes

para assistir a esta primeira mão dos oitavos-


de-final.

Serviu para serem exibidas várias mensagens

de descontentamento pela prestação da

equipa no jogo anterior, que aconteceu no

Dragão. “Pedir desculpa é humildade, arranjar

desculpas é fraqueza. Respeitem o Benfica!”

e “O Benfica não é isto, honrem os 120 anos”

foram as mensagens de Diabos Vermelhos e

Velhas Maneiras, respectivamente.

Como era previsível, o ambiente estava algo

tenso entre o público da casa, apesar do

habitual apoio das suas claques, enquanto os

escoceses estavam com um bom poder vocal

no sector visitante. Um dos momentos altos

foi uma excelente tochada dos No Name Boys

durante o encontro.

A partida terminou empatada a dois, deixando

tudo em aberto para Glasgow.

De lamentar uma morte de um adepto

do Rangers, de 25 anos, horas depois,

alegadamente por um “trágico acidente”.

USD Paredes x SC Salgueiros | 09-03-2024

Encontro entre duas das equipas com

melhores apoiantes do quarto escalão

nacional, numa altura em que estamos na

recta final do Campeonato de Portugal. Serviu

para a White Legion apresentar uma série de

mensagens em forma de contestação à sua

equipa, por uma temporada muito abaixo das

expectativas iniciais: “Com esta atitude, nem

com o Guardiola. Estão cá pelo dinheiro ou

sabem jogar à bola?”, “Salários profissionais,

futebol de distritais” e “O clube e a direcção

merecem outra divisão. Joguem com o

coração pelo nosso União”.

Foi uma partida animada, com uma vitória

forasteira por 2-3, permitindo que os

salgueiristas ganhem outro fôlego na luta

pela manutenção, o que no fina valeu um

bom momento de sintonia entre a equipa e

a Alma.

69


FC Felgueiras 1932 x Varzim SC | 09-03-2024

Bom jogo, a contar para a fase de subida da

Liga 3, no que ao ambiente fora das quatro

linhas diz respeito. Como seria de esperar,

uma deslocação digna de registo por parte

dos varzinistas, neste Sábado à noite. Dentro

de campo, o Felgueiras somou (mais) uma

vitória, seguindo num momento bastante

positivo, ao invés do emblema poveiro.

Ainda assim, o público forasteiro incentivou

durante praticamente todo o encontro, mais

concretamente com os cânticos do grupo

Os De 1915, não deixando de ter uma boa

comunhão com a sua equipa no final.

SL Benfica x GD Estoril Praia | 10-03-2024

Registo de mais contestação encarnada ao seu

treinador, desta vez por parte dos No Name

Boys. Decorria o minuto 36 da partida e várias

tochas atiradas para o relvado obrigaram

a mesma a ficar momentaneamente

interrompida, enquanto se lia a seguinte

mensagem por parte da claque encarnada:

“Ninguém está acima do Benfica! Roger S,

obrigado e adeus”.

Arsenal FC x FC Porto | 12-03-2024

Invasão azul e branca a Londres, com cerca

de 3.500 portistas a comporem o sector

visitante do Emirates. Antes do jogo, um

longo cortejo seguiu nas ruas até ao estádio,

fazendo com que a sua presença fosse

sentida desde cedo. No interior, nota para

uma boa tochada na entrada das equipas

em campo e, acima de tudo, de um apoio

audível durante praticamente todo o tempo,

seja nos primeiros 90 minutos ou durante o

prolongamento.

A noite não acabou em festa entre os que

se deslocaram até Inglaterra, uma vez que o

Arsenal recuperou da desvantagem levada do

Dragão e venceu no desempate por grandes

penalidades. Ainda assim, os simpatizantes

azuis e brancos aplaudiram o esforço do seu

conjunto.

70


Rangers FC x SL Benfica | 14-03-2024

Perto de dois milhares de benfiquistas

estiveram presentes no Estádio Ibrox,

que contou com casa cheia, ou seja,

50 mil espectadores, num ambiente

verdadeiramente vibrante, num dia de muita

chuva na cidade escocesa.

De destacar uma excelente coreografia

realizada pelos Union Bears, que, entre

muitos detalhes bonitos, apresentava

um autocarro em direcção a Dublin, local

da final da Liga Europa. Esse tifo ocupou

praticamente toda a parte atrás da baliza,

mesmo ao lado do sector visitante, onde se

encontravam os simpatizantes encarnados,

que também se fizeram notar pelo apoio

dado ao seu conjunto, que conseguiu uma

sofrida vitória pela margem mínima, gelando

completamente o público da casa.

Atalanta BC x Sporting CP | 14-03-2024

Uma partida que fora das quatro linhas

teve um ambiente que se pode caracterizar

como um verdadeiro hino a quem gosta de

excelentes prestações vocais. Curva Nord

de um lado e ultras sportinguistas do outro,

enchendo os seus respectivos sectores,

deram autênticos recitais, com mais pendor

para um ou outro lado conforme era o

desenrolar do jogo dentro de campo. Para

além dos cânticos, nota ainda para uma boa

tochada entre os da casa.

Quanto à parte desportiva, a Atalanta venceu

por 2-1, garantindo a passagem aos quartosde-final

e a eliminação da formação verde

e branca no que às competições europeias

diz respeito, o que não impediu um aplauso,

depois do jogo terminar, entre adeptos e

jogadores visitantes.

CS Marítimo x UD Leiria | 16-03-2024

Mais de 200 adeptos do Leiria viajaram

até território insular, num registo que

naturalmente fica como entre as melhores

viagens da época desportiva em Portugal.

Num Sábado à tarde, quase sete milhares

de espectadores assistiram à vitória do

71


Marítimo, por 2-0, ficando marcado por um

belo ambiente entre os vários grupos de

apoio diferentes.

FC Porto x Vizela FC | 16-03-2024

Um jogo que fica marcado por um

acontecimento que marcou a actualidade

internacional do mundo das bancadas.

Jogava-se o Hajduk Split contra o Lokomotiva,

um pouco antes desta partida no Dragão, e

no sector da Torcida Split eram apresentadas

e queimadas uma faixa dos Super Dragões, a

faixa da fundação do Colectivo 95 e um pano

de adeptos dragões da Trofa. As duas faixas

em questão estavam no museu do FC Porto,

tendo sido roubadas supostamente quase

duas semanas antes da tal exibição, mais

concretamente no dia 4 de Março.

Tal facto gerou revolta entre os ultras

portistas, que protestaram. Estiveram em

silêncio na primeira parte, tendo o Colectivo

abandonado mesmo o recinto durante o

intervalo. A indignação incidia sobretudo

contra a actuação do clube, especialmente da

Directora do Museu e da própria segurança do

FC Porto, conforme indicado posteriormente

num comunicado conjunto das duas claques.

Houve um ambiente estranho e tenso entre

os cerca de 30 mil espectadores presentes,

atenuada pela vitória conseguida pelos da

casa, por 4-1, que até chegaram ao intervalo

a perder.

No meio disto e polémicas à parte, a Força

Azul aproveitou para se fazer ouvir inúmeras

vezes, dando um bom apoio, pese embora

a má época que a sua equipa vai fazendo.

Aproveitaram, ainda, para homenagear uma

amiga do grupo que faleceu recentemente.

72

GD Chaves x Vitória SC | 17-03-2024

Cerca de quatro milhares de espectadores

num Domingo à tarde, com uma boa parte

deste número a pertencer a simpatizantes

do Vitória, uma vez que, a quatro dias da

partida, o clube vimaranense anunciava

que os seus ingressos disponíveis já se

encontravam esgotados. Previsivelmente, a


falange que abarrotou o sector visitante deu

um excelente recital de apoio, empurrando

a sua equipa para mais um embate ganho, o

terceiro consecutivo, consolidando a quinta

posição na tabela.

FC Porto x SL Benfica | 17-03-2024

Final da Taça de Portugal de Basquetebol,

jogada em Viana do Castelo. Sendo um

dia depois do acontecimento das faixas

portistas, poderia ser expectável alguma

tensão, o que acabou por não acontecer,

uma vez que não houve presença de grupos

organizados benfiquistas (a sua equipa jogava

em futebol no mesmo dia). Com um pavilhão

praticamente cheio, o destaque vai para o

apoio dado pelos Super Dragões.

Foi uma partida muito emotiva, disputada

até final, com os azuis e brancos a vencerem

por três pontos e a conquistarem o troféu,

valendo uma enorme festa entre jogadores,

treinador e a claque azul e branca.

‘Final Four’ de Voleibol

O Centro Cultural de Viana do Castelo

acolheu também a final 4 da Taça de Portugal

de Voleibol, estando em competição as

vertentes masculina e feminina. Registouse

boa afluência de adeptos dos seis clubes

envolvidos. Há a destacar as presenças

benfiquistas e leixonenses, que apresentaram

grupos de cerca de 20 elementos no Sábado.

Para a final de Domingo, deslocaram-se

alguns ultras sportinguistas a partir de

Lisboa. Por mais ridículo que pareça, os ultras

leixonenses (crentes que iriam disputar a

final) tentaram organizar uma cascata de

papel, impedida pela polícia sob o argumento

de falta de logística para limpeza.

CF Estrela da Amadora x Sporting CP | 29-03-

2024

Numa 6.ª-feira à noite, mais concretamente

no feriado da Sexta-feira Santa, o Estádio

José Gomes registou a melhor casa da

época, com 6.764 espectadores presentes

oficialmente, com a multidão sportinguista

73


que se deslocou em massa até à Reboleira,

lembrando até tempos nostálgicos do

futebol nacional, a muito contribuir para esse

número. Diga-se que o apoio dos adeptos

leoninos foi fortíssimo, empolgados pelo

momento da equipa e por uma reviravolta

favorável por 1-2 (com todos os golos do

encontro a serem feitos na primeira parte).

Houve, ainda, um momento de pirotecnia

dos ultras sportinguistas, entre a muita que

abriram ao longo da partida, que levou a uma

interrupção momentânea.

Varzim SC x Académica de Coimbra | 30-03-

2024

Um dos jogos grandes do fim-de-semana,

tanto a nível de história dos emblemas como

do ambiente protagonizado pelos adeptos,

realizou-se na Liga 3, mais concretamente

na fase de subida. O Estádio do Varzim

contou naturalmente com muita gente. A

deslocação dos mais de 200 academistas,

que compuseram grande parte do sector

visitante, foram motivo de destaque.

Houve muito apoio de parte a parte, com os

forasteiros a saírem a sorrir, depois de uma

vitória por 0-2, levando a uma grande festa

no final, pois a Académica mantém boas

hipóteses de conseguir a subida ao segundo

escalão, ao contrário do emblema poveiro,

que somou nova derrota nesta fase.

Sporting CP x SC Braga | 30-03-2024

Sines recebeu a ‘final eight’ da Taça de

Portugal de Futsal, desde 4.ª-feira até Sábado.

O destaque vai para a final entre leões e

arsenalistas, que contou, sem surpresa, com

o melhor ambiente no pavilhão. Os ultras do

emblema bracarense viajaram em grande

número, dando um enorme recital de apoio,

bastante audível na transmissão televisiva. Da

parte do Sporting, há a assinalar as presenças

de Juventude Leonina e Brigada Ultras, entre

o público presente.

Os minhotos conseguiram o tão aguardado

primeiro troféu na modalidade, depois de

uma vitória por 5-3 (após prolongamento),

74


numa partida bastante emocionante, levando

a uma enorme festa entre jogadores e

simpatizantes braguistas.

De salientar que a Bracara Legion, no dia

anterior, no encontro frente ao Caxinas

(a contar para as meias-finais), já se tinha

deslocado com 18 elementos.

GD Estoril Praia x FC Porto | 30-03-2024

Na Amoreira, estiveram presentes

oficialmente 4.578 espectadores, que

assistiram a uma nova vitória dos estorilistas

sobre o Porto (a terceira nesta época!).

Ainda assim, os muitos portistas presentes,

mais concretamente as suas claques,

tomaram conta do apoio durante grande

parte da partida, que ficou marcada por

uma provocação do Directivo Ultras XXI. No

exterior do estádio, o grupo sportinguista

acendeu umas tochas e exibiu uma mensagem

a questionar se Super Dragões e Colectivo

95 já acabaram, numa referência ao recente

episódio das faixas roubadas. Elementos do

Colectivo saíram mesmo do recinto a tentar ir

ao seu encontro, mas acabaram identificados

pela polícia.

Portimonense SC x SC Braga | 01-04-2024

Numa 2.ª-feira à noite, os ultras do Braga

viajaram até Portimão e comandaram

os cânticos de uma partida que foi bem

interessante, com uma vitória dos arsenalistas

por 3-5. Mais do que o número, interessa

salientar que grande parte dos apoiantes

presentes se deslocaram até Sines dois dias

antes (alguns também três dias antes!),

tiveram o Domingo de Páscoa pelo meio e no

dia seguinte estiveram novamente em rota

para incentivar uma das suas equipas, neste

caso de futebol. O verdadeiro significado de

viver a vida ultra!

75


SL Benfica x Sporting CP | 02-04-2024

Mais de 59 mil espectadores estiveram

presentes para este encontro a contar para

segunda mão das meias-finais da Taça de

Portugal. Os destaques vão claramente

para o espectáculo pirotécnico e visual dos

Diabos Vermelhos na entrada das equipas,

que deram um belo efeito, a tochada dos No

Name Boys e o apoio dos adeptos leoninos

no sector visitante, para além do sempre

impactante cortejo destes últimos até à Luz.

O público da casa tentou empurrar a sua

equipa a uma recuperação da desvantagem

trazida da primeira mão. A partida até

teve muita dose de emoção, terminou

empatada a duas bolas, com os encarnados

a nunca conseguirem estar na frente do

marcador. Houve, portanto, grande festa dos

sportinguistas, que voltam a ir a uma final do

Jamor, cinco anos depois da última.

Vitória SC x FC Porto | 03-04-2024

Um dia depois do dérbi lisboeta, que definiu o

primeiro finalista da Taça de Portugal, jogavase

a outra meia-final mas, neste caso, ainda

a primeira mão. Mais uma boa casa num

jogo grande em Guimarães. Um ambiente

digno de nota, uma (nova) tochada dos White

Angels, também muita pirotecnia entre os

adeptos visitantes, com destaque para os que

estavam no sector superior, ou seja, fora da

ZCEAP (Colectivo 95, Gate 10 e Casuals) e mais

uma coreografia, simultaneamente simples

e interessante, dos grupos da nascente

vitoriana, pois Insane Guys e Gruppo 1922

recriaram, através de vários panos, a evolução

do símbolo do Vitória, ao mesmo tempo que

exibiam várias camisolas do clube.

No final, a vitória sorriu aos azuis e brancos,

levando uma vantagem de um golo para o

embate no Dragão.

76


77


QARABAQ X SC BRAGA

78

Passaram cinco anos desde o

meu último jogo do Braga. Inicialmente, a

epidemia fechou o mundo e depois o mundo

fechou-se à Rússia. Desde então, não tive

oportunidade de ver um jogo do Braga.

Aguardava ansiosamente cada sorteio da Liga

Europa e da Liga dos Campeões, na esperança

de ver sair um clube do Cazaquistão ou de um

país vizinho. Durante anos, essas esperanças

foram em vão, mas em dezembro de 2023,

finalmente aconteceu - o Azerbaijão. Vamos

lá!

Em janeiro, entrei em contacto com

os meus amigos de Braga. Lembrei-lhes de

mim e verifiquei se havia problema com a

minha companhia. Disseram-me para parar de

fazer perguntas parvas e comprar os bilhetes.

A minha viagem para Baku demorou apenas

3 horas, enquanto os portugueses gastaram

cerca de 10 horas. Uma vantagem inesperada

de viver na Rússia! No aeroporto, decidi ver o

alojamento que tínhamos escolhido para os

três dias seguintes. Apartamentos luxuosos

do tamanho de um campo de futebol no

centro da cidade, e baratos. O que é que podia

correr mal? Antes de partir, disse ao D. que

provavelmente se tratava de um esquema ou,

por outras palavras, de uma tradição local -

receber os hóspedes e dizer-lhes que o nosso

apartamento ardeu, mas que estão com

sorte, pois há exatamente outro, mas mais

pequeno, pior, mais longe e mais caro. Depois

de partilhar as minhas preocupações com a

malta, segui para a descolagem.

Cheguei a Baku durante o dia.

Contactei o proprietário do apartamento e fui

ter com ele. Sem nenhum plano de reserva,

tive de confiar em dois habitantes locais que

se encontraram comigo no centro da cidade

e me levaram à casa certa. A única coisa que

não desiludiu foi a localização - mesmo no

centro de Baku e perto da rua Lev Tolstoy,

uma pequena homenagem da cidade a um

russo.

O apartamento podia albergar toda

a delegação do Braga, mas tinha apenas três

camas e um sofá. Perfeito para o ambiente de

jogo fora de casa! De Moscovo, trouxe uma

pequena lembrança para os portugueses:

caviar vermelho, chocolate e rebuçados.

Não consegui fazer uma matryoshka com as

cores de Braga, mas guardei a ideia para uma

próxima vez. À noite, fui a uma loja perto

de casa e comprei cerveja e conhaque. Dei

uma volta pelo bairro, visitei alguns locais de

cerveja e regressei ao apartamento perto da

meia-noite.

Cumprimentei os rapazes e as

raparigas com pão e sal sob a forma de álcool.

Há muito tempo que não nos víamos!

Apreciámos o luxo, admirámos a

vista de Baku à noite a partir da varanda e

saímos para comer e encontrar alguns bares


abertos. Quando demos por nós, já eram 6

da manhã. Onde dormir? Peguei num tapete

do corredor e dirigi-me para a cozinha. Uma

velha tradição dos dias de férias na Rússia

- dormir no chão. Os portugueses ficaram

espantados com o facto de isso ser possível.

Perfeito para uma viagem! De qualquer

modo, tenho uma cama em casa.

Depois de algumas horas de sono

de manhã cedo, fui à loja comprar pão e

manteiga e fiz o mais venerado pequenoalmoço

russo para 10 pessoas. Depois da

comida nobre e de dormir no chão, decidi

ficar em casa e ocupei o lugar livre no sofá -

uma mudança agradável e algumas horas de

sono repousante. Os rapazes e as raparigas

saíram para explorar a cidade, enquanto eu

tinha feito isso no dia anterior e tirei algum

tempo para recuperar.

Encontrámo-nos à noite. Os

portugueses escolheram o bar mais escuro,

mais antigo e com mais fumo de Baku. Mas

a cerveja era boa e estavam lá cerca de 20

pessoas de Braga. Que mais é preciso? Já

tinha visto alguns em Bratislava, outros em

Portugal e Marselha, e alguns só conheci em

Baku. Depois do pub, deambulámos pelo

centro e fomos jantar a uma taberna nova.

Fui eu que escolhi o sítio, por isso

tive de falar com o dono, o qual me disse:

“Eles são portugueses? Então, estão cá por

causa do futebol. Isso é ótimo!” - Fomos

recebidos calorosamente, sem qualquer

problema, e até sabiam do jogo do dia

seguinte.

Ocupámos o segundo andar. De

alguma forma, explicámos que precisávamos

de muita comida. Um dos funcionários

aproximou-se de mim: “És russo?! Excelente.

Mano, ajuda-me a fazer o pedido, não os

consigo entender”.

Juntos, fizemos um pedido para

20 pessoas, encontrámos vinho e cerveja e

fomos autorizados a trazer o nosso próprio

conhaque. Um sítio esplêndido! Entretanto,

falámos de futebol com o proprietário - é

exatamente nestes momentos que reside

a alma das viagens. Depois do jantar, os

rapazes arranjaram uma guitarra e cantaram

sobre Braga, a cidade e a equipa. Eu não falo

português, mas naquele momento percebi

tudo perfeitamente e apoiei-os totalmente.

O serão transformou-se em noite

e depois em manhã cedo. No caminho para

casa, alguém teve um problema com a

polícia, mas nunca percebi porquê. Disseram

que não se devia gritar alto a esta hora. Talvez

a minha sugestão seja, não perturbar os

gatos adormecidos que têm de trabalhar de

manhã cedo - tornar o centro de Baku o mais

agradável possível, mais parecido com uma

das cidades europeias. À noite, instalei-me

novamente no chão - acrescentei um cobertor

79


e mais almofadas. Senti-me mais confortável!

Dia do jogo. A manhã passou com

ressacas e chuva miudinha, mas quando não

se está sozinho com o problema não é assim

tão mau. Voltámos ao mesmo bar onde nos

esperavam caras conhecidas e novas.

Os adeptos locais, ultras ou hooligans (sic!)

tinham feito uma faixa com os dizeres “Não

tenham piedade do Braga”, mas não se sabia

se era dirigida à equipa ou aos adeptos.

Perguntaram-me se poderia haver problemas

no jogo de futebol. Só o saberemos perto do

estádio!

O jogo estava esgotado. Entramos

no sector visitante com os simpatizantes

locais, mas ninguém mostra o mínimo

interesse por nós. A polícia demorou a

entrar, mas falar russo ajudou: eu e todos os

portugueses conseguimos entrar no sector.

Não havia lugar para pendurar faixas, por isso

segurámos duas nas mãos.

O estádio estava cheio, o jogo foi

emocionante, houve prolongamento e as

emoções mais puras e genuínas do futebol

no sector dos visitantes. Nunca parámos de

cantar, nem por um segundo! Duas horas

passaram num instante. Após o apito final, os

portugueses choravam pela sua equipa, e eu

lamentava pela equipa e pelo fim da viagem.

Depois do jogo, todo o sector de

visitantes saiu junto, mas na estrada perto

do estádio, alguns de nós separaram-se. Um

grande erro numa viagem ao estrangeiro,

difícil de imaginar na Rússia durante jogos

tensos. Ficámos cerca de 20 pessoas.

Parámos no meio de uma estrada fechada,

contornada pelos adeptos do “Qarabag”, mas

sem qualquer incidente. O ambiente acalmou

num segundo.

Uma pequena multidão sai de um

beco e grita “puta Braga!”. Aproximaram-se

de nós. Muito engraçado! Mas a cinco metros

de nós, cerca de quinze pessoas pararam e

começaram a apontar o dedo, a insinuar um

confronto e a dizer outra coisa qualquer na

língua deles. Como macacos, mas não como

adeptos, ultras ou hooligans. Ao estar mais

perto destes habitantes afectuosos, não

encontrei nada melhor do que dizer em voz

alta: “Estão loucos? Vão-se lixar!” Os que me

ouviram viram tanto a compreensão da frase

como a confusão da situação em geral. Um

80


português a falar russo?! É tudo complicado!

Uma dissonância cognitiva significativa para o

colega azerbeijanês.

Depois houve outro incidente

semelhante, mas desta vez com um grupo

de adolescentes a apontar-nos o dedo e os

punhos. Também lhes dei algumas lições de

vida em russo poderoso. Os rapazes pediramme

para não reagir a isto e para me acalmar.

Esqueci-me de mim próprio.

Meia hora depois, todos se

dispersam em direção a casa. Fomos os

últimos e dirigimo-nos para o táxi, quando,

por detrás, nos gritam “puta Braga!”. Se

calhar agora?! Mas não. Estiveram sempre

atrás de nós e podiam ter-nos atacado várias

vezes para nos darem um bom abanão, mas

decidiram apenas gritar nas nossas costas. E,

no entanto, uma faixa onde se lia “Qarabag

Hooligans” estava pendurada nas bancadas.

Regressámos a casa quase sem

forças e sem emoções. Todas ficaram no

sector. Como eu invejava o facto de eles

partirem em breve para outra viagem

pelo continente, esperando de novo taças

europeias, novas cidades e as mais diversas

aventuras fora de casa. Mas isso é uma

história para outra altura. Agora, era altura de

dizer adeus a todos os que partiam à noite,

passar o chocolate para Braga e passar o resto

da noite com os novos amigos que partiam

amanhã.

O meu voo era também no dia

seguinte e, pela primeira vez em Baku, não

dormi no chão! Mas agora era apenas rotina

e não tão emocional e enérgica como nos

últimos três dias.

Baku 2024. Qarabag -Braga.

Por Stephan Romanov

81


FC KOLN X EINTRACHT FRANKFURT

82

Com viagem turística marcada

para a zona alemã da Renânia do Norte

e Vestefália, a mesma não poderia ficar

completa sem experienciar o jogo de uma das

muitas equipas que a área tem para oferecer:

B. Dortmund, Schalke, B. Mönchengladbach,

1. FC Köln, F. Düsseldorf, B. Leverkusen, entre

outras. Sendo que apenas o Schalke e o

Köln jogariam em casa, e que Gelsenkirchen

é uma cidade pouco atractiva (além de

ficar mais isolada), o objetivo seria rumar

ao RheinEnergieSTADION, para assistir

ao encontro contra o E. Frankfurt. Ambas

as equipas apresentam grupos ultras

de renome, o que fazia prever um bom

ambiente fora do campo. O próximo passo

seria conseguir um bilhete, uma tarefa não

muito fácil para um jogo da Bundesliga.

Nos jogos em casa do 1. FC Köln, é costume

estes esgotarem muito antes de abrirem

para venda ao público. Posto isto, a primeira

tentativa foi contactar um colega do Eintracht

Frankfurt, que fez os possíveis para conseguir

uma entrada para o sector visitante, não

tendo, infelizmente, sucesso (teria sido uma

bela experiência). Posteriormente, consegui

entrar em contacto com um sócio da equipa

da casa, que me conseguiu então comprar

um bilhete, sendo o meu único requisito

que este fosse para um lugar com boa visão

para ambos os ultras. Passando para o dia

de jogo, a ideia seria chegar ao recinto com

antecedência, de maneira a explorar a zona

com calma. No entanto, os atrasos dos

comboios da Deutsche Bahn não quiseram

contribuir, chegando à cidade de Colónia já

no limite das horas. Valeu a ajuda do recém-

-conhecido colega do 1. FC Köln, que me

auxiliou a encontrar comboios alternativos,

ficando ainda à minha espera na estação

principal para me guiar até ao estádio. Já com

ele, apanhamos o metro até uma praça ao ar

livre, onde trocaríamos de transporte para

um tram. Na praça encontravam-se vários

adeptos da casa, todos à espera que o mesmo

chegasse. Entretanto, após vários barulhos

de sirenes, surgiram umas 15/20 carrinhas da

polícia de modo apressado, que circundaram


a praça e estacionaram no centro da mesma.

Sabíamos que os grupos ultras do Eintracht

se deslocariam de comboio, e esta paragem

poderia ser uma hipótese. No entanto, após

alguns minutos, chegou o nosso transporte

e, até aí, pouco aconteceu, sendo que a

polícia mal saiu das carrinhas e a maioria

dos adeptos no local não parecia muito

preocupado. Já a caminho do estádio, e com

o tram a abarrotar, fui conversando com o

meu colega. Este explicou-me que, apesar

de as duas equipas não terem uma rivalidade

histórica dentro de campo, os ânimos entre

os ultras eram quentes, dado que ambos

apresentam grupos fortes e gostavam de

se “picar”. A aproximação do Euro 2024

trazia também uma presença mais forte da

polícia, bem como o simples facto de ser um

jogo onde os adeptos de Frankfurt estariam

presentes, reforçando o estereótipo de que

estes têm fama de causar problemas.

Assim, chegamos ao recinto de

jogo. Como é costume na Alemanha, o estádio

situa-se isolado da cidade, praticamente no

meio da “floresta”. Quem chega ao mesmo,

assumindo que não vem por caminhos

alternativos, depara-se com uma ampla área

de relva que tem de atravessar, antes de

chegar ao estádio em si, sendo esta a entrada

principal. Curiosamente, a entrada visitante

situa-se deste lado, por onde a maioria das

pessoas circula, e a entrada dos ultras da

casa fica do lado oposto. Saídos do tram,

atravessámos esta tal área a passo acelerado,

em direção à zona “oposta” referida, onde

estaria a nossa porta. A iluminação do estádio

chamava bastante a atenção ao longe, com

os quatro pilares em cada canto do estádio a

refletir as cores do clube. A meio do caminho,

um senhor tocava piano, o que deu um ar

bastante agradável combinado com o cair

da noite. Quanto à entrada visitante, apenas

se encontrava delimitada por uma linha

de grades baixas e praticamente sem fila.

Espalhados pelo espaço de relva estavam

alguns grupos de 10/15 polícias, alguns

montados a cavalo, contando ainda com um

imenso número de carrinhas, estacionadas

já junto ao edifício do estádio. Ao contrário

do que já tinha encontrado noutros estádios

alemães, a entrada é feita diretamente para

a bancada e não para uma zona envolvente

ao estádio. Assim, após algum tempo na

fila, consegui entrar mesmo a tempo do

83


apito inicial. O meu bilhete era para uma

das laterais e o estádio já se encontrava

praticamente cheio por esta altura (a lotação

foi confirmada como esgotada, estando

presentes cerca de 50.000 adeptos), pelo que

me apressei a sentar num qualquer lugar de

vago. O primeiro impacto foi logo o barulho

causado pelos adeptos, sendo algo que eu

não consigo mesmo descrever. O segundo

foi o aspeto visual de um estádio daquela

envergadura completamente cheio. E o

terceiro foi ver uma curva repleta de material

e bandeiras, de todos os tamanhos, que iam

fazendo efeito no ar, quase que hipnotizando

quem está habituado a ser proibido de algo

tão simples como isto. Enquanto me perdia

nestas observações, reparo que os ultras

da casa paravam de cantar, e começavam

a contar, em uníssono, de 10 até 1, em

alemão. Mal terminaram, foram lançados

vários confettis e deu-se o início de uma

bela tochada, uniformemente distribuída

pela bancada e com bastantes participantes.

Algo de que não estava à espera, pois o 1. FC

Köln tinha recentemente sido multado em

500.000€ (!) pelo uso de pirotecnia. Porém,

algo bastante incrível de se ver, fazendo valer

a pena toda a dor de cabeça com os comboios.

Do lado do Eintracht Frankfurt, apesar dos

3 sectores completamente cheios, não foi

preparado nada para o início do jogo. Ainda

assim, é sempre uma boa experiência ver o

material dos grupos de Frankfurt ao vivo,

como a já desgastada faixa com a inscrição

“ULTRAS” ou o pano “EINTRACHT FRANKFURT

HOOLIGANS”.

Com isto, deu-se o início do jogo,

ao qual eu não prestei, honestamente, muita

atenção. Nas bancadas, não me lembro de

ver um único elemento da polícia, algo que

me deixou perplexo. Quanto à “Südkurve 1.

FC Köln”, apesar de a bancada estar cheia,

o apoio concentrava-se nos 2 sectores

centrais da mesma, estando estes, inclusive,

delimitados por grades. Os ultras eram

comandados por vários capos, cerca de

sete. Como é o esperado numa curva alemã,

todos (e repito, todos) batiam palmas e

saltavam quando tinham que o fazer, o que

resultava num efeito espetacular. Quando

o Frankfurt ganhava um canto do lado dos

adeptos da casa, o cântico que entoavam

era imediatamente parado e todos faziam

barulho. As restantes bancadas, no entanto,

apenas muito escassamente acompanhavam

os cânticos. Da outra ponta do estádio,

apesar da inferioridade numérica, os adeptos

do Eintracht conseguiram-se fazer ouvir por

várias vezes. Embora eu não estivesse perto

o suficiente para conseguir analisar detalhes,

era notório o bloco de homens de preto

que compunham a linha (ou linhas, melhor

dizendo) da frente do sector visitante. Era

possível identificar alguns adeptos forasteiros

nas bancadas do Colónia, que inclusive

festejaram um golo posteriormente anulado

do Eintracht. Ainda assim, as reações dos

locais não passaram de uns olhares de canto,

ou um ou outro copo de plástico arremessado.

Com isto deu-se o intervalo, altura em que

aproveitei para me alimentar um pouco,

deixando a oportunidade de provar uma

Kölsch típica de Colónia para outra altura.

Quando regressei ao meu lugar, já em cima do

início da segunda parte, estava-se a dar um

dos imensos protestos contra a entrada de

um investidor na DFL, tema quente no futebol

alemão de momento. Não vou entrar em

detalhes sobre o mesmo, pois é um tema que

vai muito além deste artigo, mas foi possível

ver os ultras da casa a desenrolar uma tarja,

na qual anunciavam (sendo que não era

novidade para ninguém) explicitamente a

sua posição contra o tema, ao mesmo tempo

84


que iam atirando moedas de chocolate para

o relvado, de modo a forçar o atraso do

jogo. Vários seguranças iam apanhando as

mesmas, mas assim que terminavam, novas

moedas voltavam a ser atiradas. Isto repetiu-

-se durante alguns minutos, para gargalhadas

da maioria dos adeptos. Dentro das 4 linhas,

o 1. FC Köln conseguiu chegar ao golo por

duas vezes, situações que despoletaram a

euforia no estádio, lançamento de cervejas

ao ar e a utilização de mais pirotecnia no topo

sul. Golos estes importantes, que garantiram

a vitória e ajudaram o clube a manter viva a

luta pela permanência na Bundesliga. No final

do jogo, os jogadores da casa juntaram-se

e foram agradecer à “Südkurve 1. FC Köln”,

entoando cânticos em conjunto com os

adeptos. Isto enquanto o sector visitante se

ia despindo rapidamente, mais uma situação

estranhíssima para quem vem de Portugal,

ficando os ultras para último enquanto

guardavam o material.

Por esta altura, o meu colega

de Frankfurt convida-me para beber uma

cerveja no seu autocarro. Enquanto eu

ainda pensava nas complicações que isto

envolveria, graças à realidade portuguesa,

este diz-me que já se encontrava à minha

espera, no lado dos adeptos da casa. Dito e

feito, fui ter com ele e atravessamos o campo

de relva que referi inicialmente, até chegar à

estrada principal onde se situa a estação de

tram. Os autocarros estavam estacionados

numa estrada secundária perpendicular a

esta, apenas guardada por uns três polícias,

que nem sequer nos prestaram atenção.

Como disse anteriormente, os ultras tinham-

-se deslocado de comboio, mas o ambiente

nesta zona não deixava de ser intenso, para

um forasteiro como eu. Chegado ao autocarro

do meu colega, um dos últimos, deparei-me,

novamente, com surpresas. O seu grupo tinha

montado um churrasco na berma da estrada,

onde a maioria convivia e a pressa para ir

embora parecia nula. Os autocarros iam

saindo independentemente e sem qualquer

controlo (pelo menos que eu conseguisse

ver), e não via presença de polícia. Com

cervejas trocadas, e sem deixar de beber um

vinho quente típico de Frankfurt, era altura

de me despedir e ir embora. Mais tarde, foi

espalhado pela internet a ocorrência de um

confronto relativamente grande (50 vs 50)

entre adeptos dos dois clubes. No entanto,

segundo me foi contado, terá sido entre

adeptos interditos de estádios, dado que o

mesmo ocorreu à hora do jogo a uma distância

ainda longe do estádio. Por causa disto, no

final da partida, cerca de 400 ultras do 1. FC

Köln terão sido interceptados pela polícia

durante 3 horas, de maneira a evitar novos

conflitos. Já o local onde isto aconteceu foi

precisamente junto a sítios pelos quais passei

ao deslocar-me para ir embora, infelizmente

não prestando atenção, pois não sabia dos

acontecimentos no momento. No geral, uma

experiência bastante enriquecedora, que me

deixa com vontade de voltar e com muita

tristeza por sentir que coisas tão básicas

como as que vi são (e vão continuar a ser

durante muito tempo) utópicas em Portugal.

Por M. Ribeiro

85


86

Em Portugal, infelizmente,

temos vindo a assistir a uma longa fase de

aumento de repressão no seio dos adeptos,

com medidas segregadoras, injustas,

discriminatórias e desproporcionais, que

acabam por ter sido bastante bem abordadas

na grande maioria dos números desta fanzine,

que conta já com mais de três anos e meio.

Mesmo que estejamos a ser uns dos mais

afectados, tanto na duração temporal como

no plano da própria dureza delas, é algo que

também se estende ao estrangeiro e incide,

de diferentes maneiras, nos apaixonados do

mundo da bola. É o caso do público belga,

que está a viver, nos tempos recentes, um

período complicado nas bancadas, com um

endurecimento de medidas.

O tema dos problemas envolvendo

os ultras tornou-se muito mediático na

Bélgica. Se aqui em Portugal se fez (e se

continua a fazer) uma “tempestade num copo

de água” por qualquer acção fora do que é

visto como socialmente correcto, a verdade é

que, por lá - tal como noutros países vizinhos

daquela região europeia - houve um aumento

de casos de incidentes, invasões de campo

e de sectores, além de interrupções de

partidas (por conta de protestos envolvendo

pirotecnia, por exemplo). Desde os encontros

mais importantes do país até às divisões

inferiores, houve um crescimento exponencial

de violência, a fazer lembrar aquilo que se

registava na década de 90. Porém, vivemos

numa era em que os avanços policiais até

deveriam, supostamente, contrariar tal. Há

exemplos de casos mais mediáticos, como

a invasão de campo num Standard de Liège

contra o Charleroi (em Dezembro de 2021),

que levou à sua suspensão, ou daquele que

para muitos é o maior clássico do país, entre

o Anderlecht e o Standard de Liège, em que,

nos últimos seis anos, foi interrompido por

quatro vezes e por duas vezes não chegou a

ser reiniciado.

As tradicionais medidas punitivas e

de controlo têm sido aplicadas ao longo dos

últimos anos, como interdições, multas cada

vez mais elevadas, obrigações de respeitar

determinados perímetros, etc. Voltando a

exemplificar acerca do mítico clássico entre

Anderlecht e Standard, convém referir

que se decidiu, em Dezembro passado,

depois de mais episódios de violência numa

partida entre ambos, a proibição de adeptos

visitantes nesse clássico até ao final da época

2024/25. Ainda assim, o recente foco das

entidades que regem o futebol belga tornou-


-se no combate às interrupções dos desafios.

Não é difícil perceber que, para quem quer

vender o seu futebol, essa acaba por ser a

“maior pedra no sapato”. Por esse motivo,

no dia 21 de Junho de 2023, ou seja, antes

do início desta época 2023/24, a Pro League

- desígnio oficial da Liga Belga de Futebol -

anunciou a paralisação de qualquer partida

que tivesse interrompida, com a mesma a

ser retomada no início da semana seguinte,

à porta fechada. Uma medida radical, que

não teve as soluções pretendidas, pois os

efeitos foram perversos. Naturalmente,

não houve controlo da revolta que surgiu

perante inúmeros protestos dos ultras belgas,

uma vez que, como esperado, os incidentes

que levaram às interrupções dos encontros

aumentaram.

Previsivelmente, as regras tendiam

a endurecer. Por isso, no passado dia 8 de

Fevereiro, a Pro League emitiu um comunicado

no seu site em que anunciava medidas para

alegadamente combater as interrupções

dos jogos. A base incidia na deslocação de

adeptos a embates fora, uma punição severa

e, infelizmente, cada vez mais comum pelo

mundo (embora não propriamente por se

interromper uma partida também em casa).

Segundo a entidade em questão, “os clubes

cujos simpatizantes interrompessem de forma

temporária ou permanente um encontro têm

de jogar os três jogos seguintes fora de casa

sem adeptos” e, caso haja reincidência nos 12

meses seguintes, “cinco partidas adicionais

são aplicadas a essa sanção”.

A primeira vítima foi logo o Seraing,

clube que milita no segundo escalão belga

que, no dia 17 de Fevereiro, viu os seus

apoiantes a lançarem pirotecnia, em forma

de descontentamento perante a derrota

num dérbi de Liège (contra o RFC Liège),

e foi automaticamente punido com as tais

três partidas consecutivas de proibição de

deslocação.

Cerca de duas semanas depois

do anúncio da Pro League, o Collectif Ultras

Belgium, que acaba por ser um conjunto

organizado de vários grupos ultras do país,

respondeu através de um comunicado em

que expôs as incongruências e a hipocrisia

dos possíveis castigos. Começaram a criticar

a falta de diálogo da liga, salientando que não

se dignaram sequer a consultar os próprios

clubes. Seguiu-se a exposição do problema

gerado pelas tais imposições, por intermédio

da simulação de um diálogo com a entidade

do futebol belga, que vale a pena ficar aqui

transcrito.

“Solução idiota versão 1 decidida

pela Pro League: partida interrompida

permanentemente -> aplicar castigos de

portas fechadas.

Reacção dos adeptos: «Vocês dão o poder aos

adeptos para interromperem uma partida.

Mudem esta regra estúpida»

Reacção da Pro League: «Não».

Efeitos observados: grande aumento de

incidentes e paralisações de jogos. Então...

novo problema.

Solução idiota versão 2 da Pro League: Proibir

todos os adeptos de um clube cujo encontro

esteja interrompido de viajar, primeiro por

três jogos, depois por cinco jogos em caso de

reincidência.

87


Reacção dos adeptos: “Essas sanções

colectivas não vão ajudar em nada. Isso

abre portas para a anarquia e para decisões

desproporcionais em termos da necessária

separação entre comportamentos individuais

e responsabilidade colectiva. Tem um impacto

sobre adeptos que não pediram nada, bem

como de clubes (visitados) que não pediram

nada. Pior: estas medidas são abusivas e a

sua ilegalidade seria facilmente demonstrada

num tribunal. Mais grave: o risco de aumento

de incidentes é real a longo prazo (a prova

disso já está demonstrada no jogo Seraing - FC

Liège do fim de semana passado).

Resposta da Pro League: nenhuma resposta.”

Resumiu perfeitamente tudo aquilo

que aconteceu no passado e os problemas

que podem suscitar no presente e futuro. Ao

ler, parece que estamos a ter um “déjà-vu”,

pois já estamos familiarizados com muitos

destes argumentos e contra-argumentos

que se passam no nosso país, desde o (não)

88


efeito pretendido por quem pune, haver

potenciais consequências contraproducentes

e até à falta de rigor se aprofundarmos nos

planos legais. Seguiu-se, no comunicado,

um conjunto de pretensões feitas pela tal

colectividade belga:

“1. Pedimos à Pro League, num

momento em que todos os adeptos do

Seraing acabam de ser as primeiras vítimas

de tal medida (=> façam um apelo sumário

para derrubar esta decisão idiota), que retire

esta medida populista e perigosa de causar

potenciais incidentes num curto prazo,

bem como ilegal em termos de direitos e

liberdades individuais.

2. Pedimos a todos os clubes membros da Pro

League que se levantem contra estas medidas

o mais brevemente possível através de uma

reunião extraordinária de emergência, se

necessário.

3. Pedimos a todos os grupos de apoio que

primeiro se manifestem de forma simbólica

e pacífica contra esta medida, exibindo a

seguinte mensagem:

«Pro League: Ditadura, inconsciência,

estupidez. As vossas sanções são irracionais!»

E não cair na provocação de interromper

os jogos, o que soaria como uma armadilha

muito fácil na qual cairíamos em nosso

prejuízo.

4. Estamos à disposição da Pro League para um

diálogo e soluções sobre esta problemática

que nos parecem mais ponderadas do que o

que está em vigor há duas semanas.

Caso contrário, reservaremos o direito

de tomar outras acções mais firmes até

resolvermos esta questão.”

Ainda assim, houve outros

casos de clubes castigados em virtude do

comportamento dos seus adeptos. O RFC

Liège, curiosamente adversário do Seraing,

acabou castigado da mesma maneira por

causa de um encontro, no dia 24 de Fevereiro,

contra a equipa secundária do Standard de

Liège. Recentemente, o mesmo aconteceu

com o Molenbeek, devido a uma partida

realizada em Janeiro (ou seja, bem antes do

anúncio legal) frente ao Eupen, em casa.

Pode-se dizer, portanto, que os

grupos ultras não cederam e o pedido feito

pelo Collectif Ultras Belgium acabou por ser

respeitado. Resta verificar o que surgirá após

tudo isto. Não parece que seja algo resolúvel

a curto prazo, uma vez que a comunicação

entre entidades reguladores e adeptos, ou

quem os representa, é praticamente nula,

apesar do esforço entre as direcções dos

clubes e os respectivos grupos ultras.

Na Bélgica, tal como noutros sítios

(como aqui), verificamos uma imposição de

sanções mais com um teor propagandista

do que propriamente de justiça, ou seja, a

intenção não parece ser a redução de danos

daquilo que consideram errado, mas sim

de atirarem umas medidas para o ar para

fingirem que mostram trabalho e serem

aplaudidos pela opinião pública.

Por G. Mata

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90

Depois de termos viajado pela

Escócia e Itália, neste número da rúbrica

Dérbis com História vamos voar até ao

Sudeste Europeu, mais concretamente até à

Grécia, para nos envolvermos na “mitológica”

história daquele que é conhecido como o

Dérbi dos Eternos Inimigos e que coloca em

lados diferentes da barricada Panathinaikos

e Olympiacos, os dois maiores emblemas do

país helénico. Para compreender melhor o

contexto em que se desenvolveu esta disputa

vamos, como já é hábito nesta rúbrica,

fazer uma breve síntese sobre a história da

região que alberga tamanha rivalidade, e

convenhamos que não existirão no mundo

muitas cidades mais interessantes do que

Atenas, no que à questão histórica diz

respeito.

Para compreender, com alguma

exatidão, a origem da cultura grega, temos

de recuar mais de três mil anos, até 1100 a.C.

quando se formou a Civilização minoica, que

se desenvolveu na Ilha de Creta, banhada

pelo Mar Egeu. Os minóicos, seguidos dos

micénicos, são os precursores de uma longa

“linhagem” de povos que formaram a cultura

grega, que se desenvolveu ao longo dos

milénios. É num contexto de um país dividido

entre uma grande multiplicidade de Cidades-

-Estado, que Atenas se afirma como grande

potência, numa época que ficaria conhecida

como Período Clássico, entre o século V e

IV a.C., momento também designado como

“Idade de Ouro de Atenas”, depois dos

exércitos da cidade derrotarem os Persas

do Império Aqueménida. Atenas afirmou-se

não só como potência militar, mas acima de

tudo como referência no desenvolvimento

das ciências e artes, deixando um legado

extraordinário, particularmente na filosofia,

em que se revelaram nomes como os de

Sócrates ou Platão. Atenas é, para além de

tudo o que foi anteriormente mencionado,

conhecida por ser o berço da civilização

ocidental e a “mãe” do modelo de governação

democrática, embora naqueles tempos a

participação cívica fosse restrita aos cidadãos,

condição que estava limitada a homens de

uma certa condição social e económica.

O território grego veio mais

tarde a ser controlado por um conjunto de

impérios poderosos em diferentes épocas,

nomeadamente o romano, bizantino e

otomano. Avançamos no tempo, até aos

finais do século XIX, mais propriamente 1896,

ano em que se realizaram os primeiros Jogos

Olímpicos da Era Moderna, precisamente em

Atenas, reforçando assim a ligação entre o

país helénico e o desporto, uma vez que os


Jogos Olímpicos da Antiguidade se realizaram

exclusivamente na Grécia, com a primeira

edição a ter lugar no ano de 776 a.C., na

cidade de Olímpia.

Apenas doze anos após a realização

das primeiras Olimpíadas da Era Moderna

nasce, em 1908, o Panathinaikos, no seio

da burguesia e alta sociedade ateniense. O

rival Olympiacos surgiria apenas em 1925,

na localidade vizinha de Pireu, zona costeira,

famosa pelo seu porto e largamente populada

por operários fabris e estivadores que viriam

a constituir nos primórdios do clube a sua

base social. Nesta aurora do século XX, Pireu

era ainda uma localidade separada da capital,

situação que se viria a transformar fruto do

crescimento da urbe ateniense, que viria a

“engolir” Pireu na sua área metropolitana.

91


92

O primeiro confronto entre os

dois clubes aconteceu a 1 de junho de

1930 e o clube do trevo bateria os rivais do

Olympiacos por 8-2, resultado que constitui

até à data a maior goleada da história da

rivalidade. A resposta seria pronta e, ainda

no decorrer da década de 30, o Olympiacos

viria a vencer em duas ocasiões o rival por

1-6, em 1932, e 6-1, em 1936. Em termos

futebolísticos, o Olympiacos tornou-se

claramente dominante, conquistando 47

títulos de Campeão Nacional, contra 20 do

Panathinaikos e, no século XXI, o domínio

tem sido verdadeiramente hegemónico com

19 títulos conquistados contra apenas 2 do

rival. No que à disputa de dérbis diz respeito,

a equipa de Pireu leva também vantagem

com 87 vitórias, contra 56 do Panathinaikos,

para além de 76 empates a registar. Se

internamente o Olympiacos é superior, a

verdade é que esse domínio não se confirma

nas prestações europeias, porque aí brilha

o Panathinaikos, que já alcançou por duas

vezes as meias-finais da maior prova de

clubes da UEFA e, em 1971, chegou mesmo

à desejada final da Taça dos Campeões

Europeus contra o poderoso Ajax. Para além

do futebol, a rivalidade é muito disputada e

bastante mediática noutros desportos como

o Vólei, o Polo Aquático e, evidentemente,

o Basket, onde os dois clubes são dois dos

mais poderosos da Euroliga, que em conjunto

já a conquistaram 9 vezes (6 do Pana e 3 do

Olympiacos).

Os números são naturalmente

importantes para termos a noção da

dimensão desta rivalidade, que é também

conhecida como “A mãe de todas as

batalhas”, mas aos aficionados das bancadas

interessam mais os jogos que se disputam do

lado de fora das quatro linhas, e aí também

não falta que contar. Os dois clubes têm como

casa estádios que carregam o legado das

respectivas colectividades e que têm muitos

e muitos anos de episódios épicos registados

nas suas “entranhas”. O Estádio Leoporos

Alexandras é a casa do Panathinaikos, que

tem capacidade para 16 mil espectadores

e foi inaugurado em 1922. Apesar de a

infraestrutura não albergar os confortos

próprios do futebol moderno e de acomodar

poucos espectadores face à dimensão do

clube do trevo, toda a envolvência carrega

uma mística que é demonstrativa da paixão

dos seus adeptos. Foi lá que surgiu o primeiro

grupo organizado de adeptos em toda a

Grécia, que tinha o nome de Sfopsilogos

Filathon Opadon Panathinaikov, fundado em

1952. Na década seguinte, mais exactamente

em 1966, nasceu o Gate 13, que ainda hoje

está no activo e que é um dos mais fortes

colectivos ultras de toda a Europa. O poder

vocal, os espetáculos pirotécnicos e o famoso

Horto Magiko são as suas imagens de marca.

Já o rival disputa as partidas na

condição de anfitrião no Estádio Karaiskakis,

inaugurado em 1895 mas que foi alvo de

duas grandes remodelações, a primeira em

1964 e depois em 2004, sendo um recinto

com outras condições e com capacidade para

33 mil adeptos. O grande grupo de apoio

ao Olympiacos é o Gate 7, criado em 1981,

que é um colectivo de respeito, sobejamente

conhecido por ser parte daquela que é

possivelmente a mais famosa “irmandade”

ultra do mundo e que reúne, para além do

Gate 7, os Delije do Estrela Vermelha e a

Fratria do Spartak de Moscovo, trio conhecido

como “The Orthodox Brothers”, nome que é

explícito da unidade religiosa ortodoxa que é

partilhada por todas as três massas adeptas.

Para além do poder vocal de ambos

os grupos e dos espetáculos pirotécnicos

existe, como é natural em rivalidades desta

natureza, um grande historial de violência,

que se regista nas mais diversas modalidades.

Apesar do historial de confrontos ser quase

tão antigo como o dérbi, o mais negro dos

episódios aconteceu em 2007, quando

um jovem adepto de 22 anos afecto ao

Panathinaikos acabou por morrer na

sequência de um ataque lançado por adeptos

rivais, à margem de um jogo de vólei entre

as duas equipas. Este fatídico episódio


deu o pretexto para que o governo grego

proibisse a presença de adeptos visitantes em

espetáculos desportivos.

Os gregos são sobejamente

conhecidos pela sua veia tenaz e guerrilheira,

bem vincada na resistência à ocupação

nazi durante a II Grande Guerra e, mais

recentemente, nas manifestações contra as

políticas de austeridade implementadas pela

Troika no início da segunda década deste

século. Estes comportamentos que fazem

parte do “ADN” deste povo naturalmente

reflectem-se no comportamento dos adeptos

de futebol. Apesar de todas as medidas

repressivas aplicadas para domesticar os

grupos organizados, a verdade é que, em

ambos os clubes (e não só), eles continuam

bem activos nas bancadas e na rua, continuado

assim a apimentar este extraordinário dérbi e

todo o futebol helénico, que tão má memória

provoca aos portugueses, fruto da traumática

derrota imposta pela selecção grega aos

portugueses na final do Euro 2004!

Por J. Sousa

93


A distância que separa Guimarães

de Madrid são exatamente 554 quilómetros.

Foi esse o caminho que percorremos até à

capital espanhola, para ver o encontro que

opôs o Rayo Vallecano ao Real Madrid, em

jogo a contar para a 25ª jornada da La Liga.

As 48 horas que tínhamos disponíveis em

solo espanhol não davam para muito, por

isso centramos as nossas atenções no mítico

Bairro de Vallecas.

A Avenida de la Albufera é a espinha

dorsal de Vallecas. Uma rua de prédios baixos

da cor do tijolo, de comércio local e de velhos

sentados nos bancos à espera que as horas

passem. É a periferia da capital. As ruas

contíguas, com mais história do que portas

abertas, são silenciosas e só a roupa lavada

estendida nas varandas é que denuncia que

ali mora gente e que é um bairro de operários

e de trabalhadores.

Os prédios escondem o Campo de

Fútbol de Vallecas. É discreto e é mais baixo

do que alguns dos edifícios que o circundam.

Na intersecção da Avenida de la Albufera com

a Calle del Payaso Fofó, o retrato de um pai

que leva a filha pela primeira vez a um jogo

de futebol é mais impressionante do que o

próprio estádio. Aquele mural gigante, que

se consegue ver desde o Fondo Norte, foi

pintado pelas mãos de quem pintou o bairro

com as cores do Rayo, da contracultura e do

antifascismo.

A fachada principal do estádio é

virada para os prédios da Calle del Payaso

Fofó. As janelas abertas denunciam que é

dia de jogo e que já não falta muito tempo

para a bola começar a rolar. Não há camisolas

do Rayo a secar nas varandas porque estão

a ser usadas por quem se assoma às janelas

antes de descer à rua. A vista privilegiada

faz com que sejam os primeiros a encorajar

os jogadores, que chegam a pé e andam

pela rua, no meio dos adeptos, enquanto

caminham para os balneários.

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Vallekas não se parece com nenhum

sítio do mundo. Para alguns será um lugar feio

e até aborrecido, mas é indiscutivelmente

distinto. E essa parece ser a maior virtude

de Vallekas, bairro rebelde, obreiro e

contracultural, com um clube - e sobretudo

uma massa adepta - antifascista, antirracista

e barrionalista que mantém o clube vivo e

que sabe que a glória não está no triunfo, mas

na perseverança e na defesa e construção de

uma identidade comum.

Da mesma forma que, para Vallekas,

a virtude não parece estar na beleza, mas na

forma única de ser e de estar, para o Rayo a

virtude não está em ganhar, mas em defender

os valores da solidariedade e da honestidade

e em viver a vida em comunidade e não

sozinhos. Como é que o Rayo pode sair de

Vallecas se o Rayo é Vallekas?

A realidade de Vallekas

O frenesim do dia de jogo

contrastava com a calma do dia anterior.

O perímetro de segurança alargado, as

ruas fechadas, as câmaras de televisão e as

medidas para descartar ameaças de bomba

eram indícios de jogo grande. Naquele dia, o

Campo de Fútbol de Vallecas ia receber um

dos dérbis de Madrid. O menos mediático

dos dérbis da cidade. Não terá, para muitos,

a grandiosidade de um jogo entre o Real

e o Atleti. No entanto, em Vallecas não há

interesse no adversário. Nem quando o

adversário é o Real Madrid. Naquele bairro de

Madrid, uma das capitais do mundo, o foco é

sempre o mesmo: o Rayo. Em Vallecas, não

se vai ao estádio para ver o Rayo ganhar, mas

para o apoiar.

A poucas horas do início do jogo, os

Bukaneros, grupo ultra que ocupa o Fondo

Norte de Vallecas, fez um pequeno cortejo

no caminho para o estádio em protesto

contra a eventual demolição do atual estádio

e a construção de outro fora de Vallecas. Já

dentro do recinto, estava preparada uma

coreografia que era o espelho do vínculo

existente entre os adeptos e a sua equipa.

Com o escudo de Vallecas a preencher a

bancada, levantava-se uma mensagem no

topo da bancada: “Orgullo de Barrio”. Era

este o pano de fundo para o encontro contra

os ‘merengues’. Pouco tempo depois do apito

inicial, o protesto espalhou-se pelo estádio

e centenas de cartazes escritos à mão, que

tinham sido previamente distribuídos pelos

adeptos, preencheram o Campo de Fútbol de

Vallecas. “Este es nuestro estadio” e “No nos

moverán” eram os motes da iniciativa.

Não se vive de ilusões num bairro

da classe trabalhadora. Nem nas bancadas.

Os adeptos do Rayo Vallecano não alimentam

fantasias. Sabem que as probabilidades de

ganhar a um clube como o Real Madrid são,

em princípio, reduzidas. Sabem que poucas

95


vezes aconteceu. E um empate, como o do

último encontro em Vallecas, é um resultado

positivo. No entanto, nada os demove de

ir para a bancada. Nada os demove de

apoiar incessantemente o clube e de apelar

aos adeptos para comparecerem no jogo

seguinte. Nada os demove de cantar de

forma incansável durante 90 minutos sob

um sol abrasador. E não é a ilusão do triunfo

ou de uma façanha desportiva que alimenta

a paixão. É a realidade: enquanto aquela

bancada estiver cheia, com mais de 100 faixas

diferentes pintadas à mão e que vão trocando

de lugar até que os braços comecem a doer

– para depois, nesse momento, passar essa

faixa a quem estiver mais perto – ninguém

pode mudar o Rayo Vallecano de sítio.

Por Hugo Marcelo e Raquel Veiga

Fotos de Hugo Marcelo e Raquel Veiga

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97


Esta jornada começou na terçafeira,

em Milão, com o Inter vs Atlético de

Madrid. Antes do jogo, nas imediações do

estádio, foi logo notório o ambiente, a festa

e o convívio que se cria antes dos jogos, com

imensas roulotes, tendas com DJ, etc, etc

(não há espaços comerciais junto ao estádio,

daí as imensas roulotes e street food móvel).

Estavam presentes as condições ideais para

ir para o estádio de forma antecipada, pois a

festa é garantida (eu pessoalmente sinto falta

disto por cá). Dando uma volta antes do jogo

presenciei o respeito, apesar do ódio notório,

entre os grupos rivais que partilham o mesmo

estádio: pinturas, desenhos, grafittis da

Curva Sud intactos, onde havia milhares de

interistas a passar. Do outro lado pinturas da

Curva Nord, Boys San, etc, completamente

intactas.

Para este encontro eu não tinha

bilhete. Foi então que, em cima da hora de

jogo, abordei um “candongueiro” que vendia

bilhetes e contava dinheiro à descarada,

sem disfarçar perante a presença da polícia.

Quando lhe digo que sou de Portugal e de

seguida “Guimarães” ele disse logo: “Euro

2004, eu estive lá”! Espanto maior foi quando

lhe disse que eu tinha uma loja, a Portugal

Ultra, e que passaram lá muitos italianos - ele

foi um dos que esteve na minha loja. Brutal!

Resultado de tudo isto: consegui bilhete para

ver o jogo e lá fui eu para dentro do estádio.

Cheguei e fui ao bar comprar uma cerveja

(com álcool, claro), que até tinha uma tampa

no copo para não virar.

Fiquei num sector onde tinha a

Curva Nord à minha direita, mas estava mais

perto da bancada sul, onde se encontrava a

Frente Atlético, que fez uma boa tochada.

Em termos de apoios dos da casa, apenas a

Nord cantava e não tinha ajuda das outras

bancadas (salvo raras exceções). Visto que vi o

jogo longe de onde gostamos de estar, talvez

não tenha sentido aquela emoção, aquela

vibração que estaria à espera de vivenciar.

No dia seguinte, pelas 9:30, já estava

em Nápoles. Durante a manhã e princípio

de tarde foi para conhecer um pouco da

zona velha da cidade, onde volta e meia era

abordado a perguntar o que andava ali a fazer

98


(nada a ver com bola, como imaginam) mas,

apesar de tudo, fui percebendo as dinâmicas

e não me senti minimamente inseguro,

andando à vontade em todo lado. Estava

longe do estádio, mas ali respira-se futebol

por todo o lado, impressionante. Scooters

com 4 pessoas, não há capacetes, não há

passadeiras, não respeitam sinais, nada...

Havia espaço em todo o lado, mas

em todo o lado mesmo, para alguma coisa

alusiva ao clube e, claro, ao Deus Maradona.

Impressionante a devoção e a paixão que têm

por ele, não só visível no famoso memorial no

Bairro Espanhol que visitei, mas em todas as

ruas, portas, janelas, lojas, etc ...

Houve uns grupos de adeptos

do Barcelona que passearam livremente

durante a manhã e início da tarde, mas de

repente a partir de determinada hora (hora

que consideram já de futebol), já não havia

lugar para os espanhóis. A partir dali eram

“convidados” a retirar os adereços e saírem

dali. Ou seja, permitiam que fizessem algumas

horas de turismo, gastassem algum dinheiro,

mas depois já não davam essa liberdade.

Fiz questão de ir a pé para o estádio.

A meio do caminho começo a ver os graffitis

e pinturas de vários grupos históricos, onde

se nota perfeitamente que há zonas de cada

grupo e onde se percebe as fronteiras de

território de cada um.

Chegando à zona do estádio, ao

contrário de Milão, havia muitos bares, cafés,

lojas street food, etc... foi onde mais uma

vez invejei o espírito e festa do futebol vivida

antes dos jogos. Tudo cheio, tudo a beber, a

curtir, cantar, ambiente brutal.

Fui apalpando terreno e falando

com alguns napolitanos. Houve zonas

onde estavam determinados grupos em

que percebi logo que não era bem-vindo,

principalmente na zona da malta da Curva A,

e fui andando para outra zona de bares que

era frequentada por malta da Curva B. Apesar

de estar constantemente a ser observado

(e até tinha um cachecol do Nápoles), fui

percebendo que poderia estar ali por perto.

Muitos cânticos, e era normal juntarem-se

para treinar, ensaiar novos cânticos, etc...

Nota-se o respeito enorme pela malta dos

Fedayn.

Eu tinha bilhete para a Curva B

inferior. Lá me fui metendo e fiquei junto a

um grupo (Sud 1996), que tinham o seu capo

que esperava pelas “ordens” vindas de cima

da Curva B, onde curti e vivenciei o ambiente

mais de perto. Senti, sem ter certeza, que este

grupo está em baixo a tentar ganhar estatuto

para ir para cima (apenas uma suposição).

Grupo ativo, com diversas bandeiras e

cânticos. Eram uns 40/50 elementos.

Passados uns minutos fui ao bar e mais uma

surpresa: peço cerveja e dão-me uma lata

por abrir. Lá fui eu para a bancada, com uma

lata de cerveja com álcool e fechada. Nós em

Portugal devemos ser mesmo perigosos...

Comentei o facto de em Portugal não se

poder beber álcool nos estádios, e ficavam

completamente incrédulos, tipo: “o que é

Portugal a nível de violência?”

Foi um bom apoio a nível geral,

e aqui também pesa o facto das outras

bancadas ajudarem as curvas. Torna

obviamente o ambiente melhor, coisa que

faltou no dia anterior. Por curiosidade, foi

muito raro a Curva B cantar em uníssono com

a Curva A.

No final do jogo o convívio

continuou cá fora, bares cheios, tendas com

som cheias... uma verdadeira festa.

Por Filipe Sur

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Este derby de Praga não me

despertava grande expectativa, uma vez que

não sou grande conhecedor do movimento

checo e pouco conheço da história dos seus

grupos e clubes. No entanto, desde que se

mudou para o seu novo estádio, em 2008, a

Tribuna Sever do Slavia Praha tem crescido

bastante, e nos últimos 2/3 anos havia-

-me despertado alguma curiosidade pela

sua evolução no espetáculo de bancada,

particularmente pelos tifos e pelas grandes

sessões de pirotecnia.

Desloquei-me para o estádio com

quase 2h de antecedência, porque tinha

interesse em vivenciar todo o ambiente do

derby. Após sair na estação do Eden, fui logo

à loja do Slavia e à sede da Tribuna Sever,

que também fica no estádio. Aqui comecei

logo por ter uma noção da organização da

TS, que tinha um espaço bem desenhado e

com grande material a nível estético. Depois

de sair deparei-me com o cortejo do Sparta a

chegar, mas o ambiente era bastante diferente

do que é habitual cá em Portugal. Tal como

assisti no derby de Belgrado, também aqui foi

possível assistir a um silêncio quase total por

parte dos adeptos da casa ao ver os visitantes

no seu cortejo, sem nenhum arremesso de

objectos, apenas esperando que os mesmos

passassem. Acho curiosa esta diferença de

postura à medida que vamos para leste,

contrastando com a postura barulhenta e

com mais animosidade a que é costume

assistir por cá, que por vezes mais parece um

circo.

Chegado ao estádio com quase

1h de antecedência, a bancada dos ultras

da casa já estava praticamente cheia,

começando um grande apoio vocal logo no

aquecimento, o que é normal por lá. Ao ver

os plásticos na parte inferior das bancadas

já dava para perceber que ia haver um tifo

em duas bancadas, que seriam dois plásticos

a cobrir toda a sua largura com os dizeres

“Vitejte v pekle”, em português “bem-vindos

ao inferno”, com uma imagem de um diabo a

acompanhar. O apoio vocal na primeira parte

foi muito bom, com momentos em que todo

o estádio acompanhava, o que foi ajudado

pela acústica do estádio, que é talvez a

100


melhor de todos aqueles em que já estive. No

final da primeira parte, após o golo marcado

aos 39 minutos, houve lugar para o primeiro

espetáculo pirotécnico dos ultras da casa,

que começaram por acender vários potes de

fumo pretos por toda a bancada, seguidos de

dezenas de tochas.

No intervalo, destaque para um

derby de miúdos, que ocuparam o relvado

para um jogo entre os dois rivais, fomentando

desde cedo a rivalidade entre os dois clubes.

Aos 2 minutos da segunda parte o Slavia

marcava o 2-0 e, pouco tempo depois, a

Tribuna Sever preparava o seu segundo tifo

(desta vez com cartolinas), um diabo com os

olhos a arder acompanhados da frase “Naše

oči planou pro Slavia” (os nossos olhos ardem

pelo Slavia), mas penso que a frase também

poderá dar para fazer um trocadilho com

“os nossos olhos ardem pela glória”, uma

vez que as palavras são similares. Como não

sou especialista em checo, não posso afirmar

qual o verdadeiro sentido da frase. Por volta

da mesma altura os ultras visitantes também

se fizeram notar com o seu espectáculo

pirotécnico, com uma fila de tochas na parte

inferior do seu sector.

Foi depois de tudo isto que a

história do jogo começou a mudar. Aos 55

minutos o Sparta faz o 2-1, renascendo para o

jogo, e aos 70 minutos faz o 2-2, empatando a

eliminatória. Tínhamos derby! Se os adeptos

visitantes não tinham desmoronado quando

estavam a perder por 2-0, os da casa também

não o fizeram após o empate, tendo-se

assistido a grandes momentos de apoio,

de parte a parte, durante os 90 minutos. O

prolongamento teve momentos fortes mas

mais espaçados, uma vez que a ansiedade

relativamente ao resultado começava a

aumentar, num jogo que era a eliminar. O

Sparta marca o golo da vitória a 5 minutos

da final, fazendo a reviravolta para delírio dos

visitantes, que viram a sua equipa recuperar

de uma desvantagem de 2 golos e carimbar

a passagem para a eliminatória seguinte.

No final deu para assistir a uma tradição do

Slavia, em que a equipa se desloca ao sector

dos seus ultras para agradecer o apoio,

independentemente do resultado, o que

normalmente é retribuído.

Terminava assim mais um derby e

mais uma experiência, em que pela negativa

destaco apenas a falta de cor nas bancadas a

nível de bandeiras/estandartes, tendo tudo o

resto surpreendido pela positiva.

Por J. Rocha

101


BENFICA X TOULOUSE

Com o sorteio dos 16 avos de final

a ditar uma visita dos ‘Viola’ de Toulouse

à capital de Portugal, foi a oportunidade

perfeita para reforçar uma amizade que

cada vez mais cresce com cada interação

possível. A ideia original tinha como base ir

assistir ao jogo da segunda mão em território

francês, mas os preços de avião para essa

viagem tornaram-se rapidamente proibitivos.

Portanto, tomou-se a decisão de que iríamos

antes ao jogo da primeira mão, no Estádio

da Luz. O dia começou então bastante cedo,

por volta das quatro da manhã, de modo

a podermos apanhar o primeiro comboio

com destino ao Porto, e de lá apanhar um

autocarro que nos levaria diretamente a

Lisboa, apenas com uma pequena paragem

em Fátima. E assim foi, uma viagem de certa

forma longa, mas não tão longa como a dos

nossos amigos de Toulouse, que fizeram a

escolha de vir de França de camioneta em vez

de avião. Um total de cerca de 18 horas de

viagem, só de ida!

Após a chegada ao terminal do

Oriente, o primeiro passo a realizar, depois da

óbvia ida à casa de banho, foi tentar perceber

qual seria a opção financeira mais vantajosa

em termos de metro. Ou escolhíamos pagar

individualmente cada viagem que fizéssemos,

ou comprar um passe geral por um dia.

Optámos pela primeira opção, visto que nos

ficava economicamente mais vantajosa, tendo

em conta as viagens que tínhamos planeadas.

Após uma curta viagem até ao Rossio, onde

o nosso Hostel se situava, fizemos o check-

-in e recarregamos um pouco as energias,

tanto as nossas como as dos telemóveis, e

decidimos encontrar um lugar para podermos

almoçar. Queríamos encontrar algo perto,

pois o tempo era escasso, e de preferência

que não fosse “junk food”, mas tal seria

impossível, num mar de cadeias de fast food,

ou “restaurantes” de comidas tradicionais

do Nepal, Índia, entre outros, foi impossível

encontrar algo tipicamente Português. Num

pequeno aparte, chega a ser assustador no

que certas partes da capital portuguesa se

estão a tornar, ou neste caso já se tornaram.

Decidimos optar por uma cadeia de fast food.

Com esta etapa concluída, chegava a altura

de encontrar os nossos companheiros

franceses. Com o ponto de encontro para

todos os adeptos a ser no Terreiro do Paço

às 15h, fomos ter com os nossos amigos

umas horas antes, num pub irlandês, perto

do Terreiro do Paço. Seguiu-se um convívio

à moda antiga, recheado de cerveja, troca

de stickers, e constante partilha de histórias

e ideias, sobretudo sobre o atual estado do

movimento ultra Português, que continua

estagnado ou até mesmo em “coma”, muito

por culpa das leis impostas aos adeptos

102


Portugueses. Também foi possível retirar mais

e melhores impressões sobre o atual protesto

que decorre nas bancadas francesas, contra

a comissão de disciplina da Liga francesa,

uma espécie de APCVD Francófona, que

também passa interdições a torto e a direito

- a diferença é que estas interdições, em

vez de serem individuais, são direcionadas a

bancadas inteiras! Simplesmente surreal.

Perto das 15 horas, começou um pequeno

cortejo até ao Terreiro do Paço, onde iria ser

o ponto de encontro para todos os adeptos

do Toulouse. Seguiu-se uma foto de praxe

com todos os adeptos no centro do Terreiro,

muitos cânticos, e mais cerveja. Foi possível

também notar a presença de spotters

presentes no local, como é recorrente em

deslocações de equipas estrangeiras até

Portugal. Este ambiente de festa prosseguiu

tarde fora sem parar, nem mesmo com uma

breve (mas forte) descarga de chuva, que

apanhou alguns dos presentes desprevenidos.

Por volta das 18 horas iniciou-se

o processo de deslocação até ao Estádio da

Luz, e aí começou o circo que é a organização

portuguesa. Para começar, arrogância total

das autoridades de segurança presentes,

com constantes empurrões desnecessários

a adeptos que nada tinham feito, e a tentar

dividi-los em secções sem motivo aparente.

Mesmo assim o ponto de maior estupidez,

ou talvez ganância, viria a seguir. Estavam

naquele momento presentes cerca de 3500

adeptos. Apesar das tentativas da direção

do Toulouse em conseguir um metro

especial sem preço para assim ser mais fácil

e organizado o transporte dos adeptos para

o estádio, não houve margem de manobra,

e todos os adeptos teriam de pagar bilhete.

Quando já estávamos prontos para pagar,

em vez das habituais máquinas para comprar

bilhete, verificamos que se tinha feito um

cordão policial à frente das mesmas, e

perto delas numa mesa de piquenique, dois

solitários funcionários do Metropolitano de

Lisboa é que iam vender. Ora, é previsível

adivinhar o que ocorreu a seguir: um

enorme amontoado de multidão à volta

dessa mesinha, que se ia tornando cada vez

mais apertado. Com as primeiras vendas de

bilhetes, tornou-se então notória a razão

deste modo de venda improvisado e o cordão

policial às máquinas de venda. Em vez do

habitual preço de 1,80 € por viagem, estava

a ser cobrado um preço de 4 euros! Ganância

pura. A venda dos bilhetes prosseguiu até

que, de repente, o preço passou de 4 euros

para 4,20 sem explicação alguma, e aí sim a

indignação começou a crescer para uma certa

tensão, pois do nada o preço aumentava

por uns míseros 20 cêntimos. Só que a

história não acaba por aqui. Estava quase a

chegar a nossa vez quando um superior do

Metropolitano chega à mesa com a seguinte

mensagem para os funcionários, e passo a

transcrever: ‘Olhem, eu não sei o que é que

vocês estão a fazer a cobrar 4,20 pela viagem,

porque o preço é 3 euros.’ Simplesmente

surreal. Ora, sendo naquele momento o único

presente a falar português, não pude deixar

de expressar a minha mais honesta reação

a esta notícia: ‘Mas que merda de roubo é

este? Isto é uma vergonha!’ Estupefactos em

ouvir a língua de Camões naquele mar de

103


francês, os funcionários, meio atrapalhados,

simplesmente conseguiram exibir um vazio

sorriso e continuar com a venda, agora a 3

euros. Em suma, Portugal no seu melhor.

Soubesse eu o que viria a acontecer e teria

pago pelo passe diário...

Seguiu-se uma viagem de metro

bastante apertada e um pequeno cortejo

até ao estádio da Luz, desde a saída do

Metro, onde um enorme cordão policial ia

separando os adeptos forasteiros dos da

casa, num ambiente totalmente pacífico,

mas onde apesar disso a polícia se sentia

na obrigação de continuar com os seus

empurrões desnecessários, e ainda por cima

numa demonstração de total ignorância ou

simplesmente de total desinteresse pelo

momento, a dar ordens em Português para

os adeptos franceses que, estupefactos, não

percebiam nada das mesmas. Mais uma vez,

as divisões em secções dos presentes adeptos

sem explicação continuaram e de seguida

deu-se lugar à já habitual revista grosseira

sem respeito pelo adepto que é sempre

verificado no setor visitante do estádio da

Luz. Desde mãos nos genitais, a apertos de

seios, ninguém escapou a esta revista, que

mais se assemelhou a assédio sexual, de tal

forma que o clube francês apresentou queixa

na UEFA. Desta forma, prosseguiu a entrada

dos ‘Viola’ no estádio, que infelizmente não

puderam contar com o bombo ou megafone,

visto que foram barrados na entrada. Já

dentro do estádio foi possível verificar a

organização dos franceses em espalhar a ‘ala

dura’ do grupo pela frente do setor, para assim

poderem de uma melhor forma conseguir

puxar pelo resto dos adeptos franceses. Os

mesmos não deixaram de notar a estranheza

de o estádio estar tão vazio até tão perto do

apito inicial, algo que tentei explicar, por ser

uma mistura da mentalidade portuguesa de

entrar no recinto mesmo à última hora, e pelo

facto de não haver bebidas alcoólicas dentro

dos recintos portugueses. E como previsto,

perto do início do jogo, a Luz encontrava-se

praticamente lotada e pronta para a partida.

Com o jogo iniciado, foi possível notar a

superioridade vocal das hostes francesas,

a dominar por completo o áudio e visual

da partida. Uma excelente coordenação

pelos capos presentes, de certa forma até

bastante relaxados quando comparados

com o que habitualmente presenciamos nas

nossas bancadas, iam puxando pelo resto da

bancada, sem nunca terem de elevar muito

a voz, visto que ao usarem alguns gestos de

mãos conseguiam transmitir qual a música

desejada para o momento. Também pude

notar que não existe o estigma ou “medo”

de repetir uma canção já usada nessa mesma

partida, ou seja, se os capos notassem que, no

atual momento da partida, uma determinada

canção era a melhor para o momento da

equipa, ela era utilizada no imediato, mesmo

que já tivesse sido cantada anteriormente,

algo que aqui em Portugal não se faz. O uso

das bandeiras foi constante, assim como o

dos estandartes, algo que para nós foi quase

uma visão estranha, visto que já não estamos

habituados ao uso desse tipo de material

nas nossas bancadas. De salientar que todo

o material que estava presente tinha a

peculiaridade de ser pintado à mão, desde

104


a maior das bandeiras até ao mais pequeno

dos estandartes. As velhas maneiras ainda

permanecem pelos lados de Toulouse! Muita

coordenação, muita variação no tipo de apoio

que era prestado, simplesmente uma curva,

ou neste caso Virage, em alto nível.

Do lado Benfiquista, para quem

conhece o atual momento do panorama

encarnado, o apoio foi o possível. Houve

momentos em que tiveram alguma

notoriedade, especialmente numa tochada

protagonizada pelos No Name Boys situados

no anel inferior do estádio da Luz mas, no

geral da partida, foram muito pouco ruidosos

para se notarem. Dos Diabos Vermelhos, a sua

presença apenas foi possível ser notada após

o uso de um pote de fumo vermelho e alguns

petardos. Em geral, um ambiente um pouco

morto, do qual alguns Benfiquistas já se vêm

a queixar há algum tempo mas, infelizmente

no nosso panorama e com as leis impostas,

não dá para mais. Quanto ao jogo jogado,

vitória por 2-1 do Benfica com dois penáltis

que, apesar de ingratos, são justos, visto que

em ambos existiram infrações. Do lado do

Toulouse, uma boa partida para uma equipa

que se encontra de momento numa situação

complicada no campeonato interno, mas que

ainda fez gelar a Luz com um golo que chegou

a dar o empate na partida e que levou a Virage

Brice em transferta ao delírio. Com o final da

partida, tempo de arrumar todo o material,

sempre em alta coordenação, esperar uma

eternidade para sair do estádio (algo que os

franceses não entenderam o porquê), dar as

últimas despedidas aos nossos companheiros,

pois eles iriam seguir diretamente para

Toulouse de camioneta, e dirigir-nos de volta

para o hostel, porque para nós, acordados

desde as 4:30 da manhã e com mais de 28 mil

passos dados, simplesmente já não dava para

mais. Fica para a memória mais um convívio

fantástico com uma malta espectacular, com

uma grande mentalidade Ultra.

Por H. Oliveira

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CULTURA

DE ADEPTO

Por P. Alves

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Derby Days

Internacional

Derby Days

Autor: Jilke Hellinga

Equipa: N/A

Ano: 2019

Páginas: 250

Preço: N/A

Da Holanda chega-nos um livro

sobre os principais dérbis do continente

Europeu. Ao longo de mais de 250 páginas

o autor descreve um pouco da história e

rivalidade entre os clubes.

Apesar de escrito em Holandês e

editado em 2019, o livro apresenta ilustrações

coloridas sobre a atuação dos grupos nas

bancadas.

Destaque ainda para inclusão de

Portugal, nomeadamente o dérbi de Lisboa,

com algumas imagens das claques do

Sporting e do Benfica

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10 Jaar VAK410

Internacional

Autor: N/A

Equipa: AJAX

Ano: 2012

Páginas: 150

Preço: N/A

Igualmente dos

países baixos temos o

livro que celebra os 10 do

VAK410, um dos muitos

grupos que apoia o Ajax

de Amesterdão.

Ao longo de

mais de uma centena de

páginas, somos brincados com várias fotos a cores, desde a fundação do grupo em 2001 até

2011.

Podemos ver as deslocações, preparações de coreografias, performance nas

bancadas, tanto nos jogos em casa como nas deslocações dentro e fora da Holanda.

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Trieste, 8 de Fevereiro de 1984. Uma

quarta-feira de inverno e um derby de Coppa

Italia como é apanágio durante a semana.

Contudo, o Grezar encontra-se lotado

com 20 mil pessoas com um clima tenso

provocado pela policia e a imprensa local.

De Udine chegam pouco mais de 100 ultras,

complementados com mais simpatizantes

do clube friulano. Estes são interceptados

na estação de comboios e escoltados de

volta imediatamente após o fim do jogo, não

havendo lugar a nenhum confronto entre os

grupos, afirmado e confirmado por ambas as

partes.

Stefano tem 20 anos, é apaixonado

pela Triestina e frequentador da curva,

contudo não faz parte dos Ultras Trieste

embora seja conhecido dos mesmos, por

já ter feito várias deslocações num passado

recente.

No final desse jogo, ao contrário do

que costumava ser habitual, Stefano e o seu

melhor amigo Fabio não vão embora juntos.

Stefano ruma em direcção ao carro para ir

buscar a sua namorada, com intenções de

estarem um pouco juntos antes do fim do

dia. Ao chegar próximo do seu carro, Stefano

é pontapeado e golpeado por três policias

finalistas da escola de policia. É aqui que

reside uma das maiores batalhas dos ultras

Trieste nos anos seguintes: como foi possível

colocar policias inexperientes sozinhos numa

carga?

Não bastasse este facto, Stefano

foi detido pelos mesmos e só é solto horas

depois, tendo quase por milagre conseguido

chegar a casa onde a sua mãe ficou horas sem

saber dele.

Durante o dia seguinte Stefano

consegue ainda contar a sua versão dos

factos à sua mãe. As suas dores de cabeça

continuavam a piorar até que, por fim, é

levado para o hospital ao final da noite.

Stefano é colocado em estado de coma, do

qual nunca mais acordou. 20 dias depois, a 1

de março às 22h30 Stefano morre.

Muito foi dito e escrito, mas

cingimo-nos à versão da sua mãe Renata, para

os factos mais importantes após a sua morte.

Foi perseguida e assediada telefonicamente

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para retirar a queixa contra a policia, foram

lhe oferecidos 80 milhões de liras italianas

(cerca 40.000euros) por parte do prefeito

da policia de Trieste de novo para retirar a

queixa, mas Renata manteve-se indefectível

até ao fim, procurando sempre justiça para o

seu filho.

O desfecho deste processo

é revoltante e inglório. O único policia

identificado é condenado a um ano de

reclusão e formação, tendo de novo

ingressado na força policial ao final do tempo.

Renata, desiludida com a justiça

decide não prosseguir com o recurso e

receberá apenas anos mais tarde a sua

indemnização monetária, algo que nunca

desejou e que nunca iria repor a vida do seu

filho.

Os Ultras Trieste assumem de

imediato a cabeça da luta contra esta injustiça

e nunca pararam de o fazer. Faixas, iniciativas

no estádio, iniciativas de beneficência em

prol de unidades hospitalares locais foram

sempre de sucesso e ligaram a cidade como

nunca.

Em homenagem, atribuíram-lhe o

nome da curva e hoje também dá nome ao

grupo ultra principal.

A Curva Furlan por ocasião dos 40

anos, organizou uma mostra de material sobre

o dia 8 de fevereiro de 1984, acompanhado

de conferencias várias com protagonistas

da época, representações de vários grupos

ultra, amigos e inimigos num sinal claro da

solidariedade que se deve manter neste tipo

de situações, pondo de parte a rivalidade

para um bem comum e maior: a luta contra a

repressão.

Foi também editado um livro

dedicado apenas a este episódio bem como

a reprodução do cachecol que Stefano usava,

feito à mão pela sua mãe Renata.

40 anos depois, Trieste e o mundo ultra não

esqueceram.

STEFANO PRESENTE!

Por M. Bondoso

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