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Revolução e Contra-Revolução:<br />
uma obra, um ideal, um espírito
A alma da Contra-Revolução<br />
Gabriel K.<br />
Se a Contra-Revolução é a luta para extinguir<br />
a Revolução e construir a Cristandade<br />
nova, toda resplendente de fé, de<br />
humilde espírito hierárquico e de ilibada pureza,<br />
é claro que isto se fará, sobretudo, por uma<br />
ação profunda nos corações. Ora, esta ação é<br />
obra própria da Igreja, que ensina a doutrina<br />
católica e a faz amar e praticar. A Igreja é,<br />
pois, a própria alma da Contra-Revolução.<br />
Se a Revolução é o contrário da Igreja, é impossível<br />
odiar a Revolução e combatê-la sem,<br />
ipso facto, ter por ideal a exaltação da Igreja.<br />
(Extraído de Revolução e Contra-Revolução,<br />
Parte II, Cap. XII, 5 e 6)
Sumário<br />
Vol. XXVII - Nº <strong>313</strong> Abril de 2024<br />
Revolução e Contra-Revolução:<br />
uma obra, um ideal, um espírito<br />
Na capa,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, na<br />
década de 1950.<br />
Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
ISSN - 2595-1599<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
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Roberto Kasuo Takayanagi<br />
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ao Assinante<br />
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Segunda página<br />
2 A alma da Contra-Revolução<br />
Editorial<br />
4 Revolução e Contra-Revolução<br />
no tempo e na eternidade<br />
Piedade pliniana<br />
5 Escravidão a Maria: condição<br />
para a vitória da Contra-Revolução<br />
Revolução e Contra-Revolução<br />
6 Mais do que um livro:<br />
a definição de um ideal!<br />
Calendário dos Santos<br />
14 Santos de Abril<br />
Revolução e Contra-Revolução<br />
16 A Revolução tendencial: uma<br />
mentalidade, não uma doutrina<br />
Revolução e Contra-Revolução<br />
18 Histórico do desencadeamento<br />
da Revolução tendenciosa<br />
Revolução e Contra-Revolução<br />
24 Fatores de expansão da<br />
Revolução tendenciosa<br />
Revolução e Contra-Revolução<br />
30 Evolução da tendência para a<br />
ideia e as tramas da Revolução<br />
Última página<br />
36 A maior razão de esperança<br />
dos contrarrevolucionários<br />
3
Editorial<br />
Revolução e Contra-Revolução<br />
no tempo e na eternidade<br />
O<br />
primeiro brado de revolução da História foi dado por Lúcifer e repercute até hoje: Non serviam! –<br />
“Não servirei!” Era a primeira Revolução, modelo e causa profunda das demais.<br />
Ato contínuo nasceu, gloriosa e luminosa, a Contra-Revolução: São Miguel Arcanjo que, sendo<br />
embora um Anjo de menor hierarquia do que Lúcifer, obedeceu a Deus e levantou o estandarte da disciplina,<br />
da hierarquia, da obediência contra o lábaro maldito da desobediência, da insolência, da revolta, da<br />
negação de Deus. Dois exércitos se formaram nos espaços celestes e, segundo expressão da Sagrada Escritura,<br />
prælium magnum factum est in cælo (Ap 12, 7), uma grande guerra travou-se no céu.<br />
A história da Revolução e da Contra-Revolução iniciava-se, assim, antes da criação dos homens. Os anjos<br />
revoltosos foram derrotados e lançados ao Inferno, na infelicidade e na desgraça eternas.<br />
Ao longo dos tempos, Deus desenvolve seu plano: cria os homens, a Encarnação do Verbo se passa nas<br />
entranhas puríssimas da Virgem Maria, funda-se a Santa Igreja Católica. Mas, tendo havido o pecado original,<br />
o Verbo que Se fez carne e habitou entre nós teve de sofrer a Paixão e morrer na Cruz para nos redimir.<br />
E todos caminhamos, nos perigos e nas incertezas desta vida, para um futuro esplêndido e luminoso,<br />
o Céu, se soubermos ser devotos e fiéis.<br />
Assim, o desfecho histórico de todos os acontecimentos que houve desde a criação dos anjos culmina<br />
num ponto fixo: haverá um momento em que Deus decretará o fim do mundo. O anticristo vem, Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo, com o sopro de sua boca, o elimina. Todos os homens mortos ressuscitam e se realiza<br />
o Juízo de Deus, a mais exemplar e magnífica lição de História que se possa imaginar!<br />
A História é, pois, o desenvolvimento do plano divino em relação à salvação da humanidade e se encerra tendo<br />
Deus pronunciado a sentença e dado ordem aos demônios para empurrarem para dentro do Inferno todos os que<br />
se revoltaram recusando a salvação, e com eles todas as escórias, as matérias fétidas, a sordície, que não devem<br />
existir na Terra, enquanto os que se salvaram cantam louvores a Deus pairando sobre todo o universo.<br />
Por toda a eternidade haverá algo à maneira de polêmica: de um lado, os gritos de blasfêmia dos anjos e<br />
homens condenados; de outro, os cânticos dos bem-aventurados que, na medida em que queiram, podem<br />
retrucar vitoriosamente, enaltecendo as belezas da ordem, da hierarquia, da desigualdade.<br />
Então, é como se toda a História se repetisse e todos os homens assistissem ao histórico da salvação ou<br />
perdição de cada alma: como fez, como lutou, como caiu ou não caiu, como se levantou, como morreu e,<br />
se foi salva, como aflorou no Céu à maneira de uma estrela de primeira grandeza.<br />
Tudo se desenvolve à semelhança de um cordão histórico magnífico, a que todos os homens assistem de<br />
maneira a compreenderem todo o plano de Deus em estabelecer a salvação em favor daqueles que tiveram<br />
amor à ordem e à hierarquia; numa palavra: à Contra-Revolução. Enquanto que a perdição e o castigo<br />
tremendo ficaram reservados aos que se revoltaram e constituíram a Revolução.<br />
Esse panorama geral explica toda a nossa atuação. Tudo quanto fazemos não é senão trabalhar pela salvação<br />
das almas, pela Santa Igreja Católica, pela hierarquia, pela boa ordenação que, de modo adequado, reflete<br />
as perfeições de Deus. E tudo quanto é o contrário disto, não é senão a Revolução maldita e igualitária. *<br />
Eis o sentido mais profundo da obra cujo 65º aniversário de publicação comemoramos na presente edição:<br />
Revolução e Contra-Revolução.<br />
* Cf. Conferência de 11/8/1995.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
Escravidão a Maria: condição para<br />
a vitória da Contra-Revolução<br />
Ó<br />
Senhora de Fátima, nossa Rainha e nossa<br />
Mãe, vosso manto sagrado diante de nosso<br />
estandarte lembra a nós vossa augusta<br />
presença como Generalíssima à frente de sua falange<br />
escolhida, passando em revista as tropas, prestes<br />
a iniciar a batalha do grande e decisivo revide, que<br />
culminará na instauração de vosso Reino.<br />
O que ordenais a nós, vossos escravos e paladinos,<br />
neste momento, Senhora? A Contra-Revolução.<br />
A Contra-Revolução, sim, que forme no interior<br />
de cada um de nós um escravo vosso perfeito; professando<br />
com ardor a Fé Católica, especialmente as<br />
verdades em cuja negação ou em cujo olvido mais insiste<br />
agora a Revolução; praticando as virtudes cristãs,<br />
de modo especial aquelas que a Revolução atualmente<br />
mais execra; lutando contra todos os agentes<br />
da Revolução, em particular os mais ocultos e eficazes;<br />
desfazendo todas as tramas da Revolução, sobretudo<br />
as mais necessárias para que ela progrida.<br />
“Agere contra”, eis a máxima de Santo Inácio e a<br />
constante da ação que desejais de nós. Contra, com<br />
todos os riscos e sacrifícios. Contra, apesar de todos<br />
os escárnios e calúnias. Contra, a despeito de todos<br />
os ataques e ciladas. Contra, sim, ó Mãe, os vossos<br />
adversários, quando rezamos e quando lutamos,<br />
quando falamos e quando nos calamos, quando imprecamos,<br />
argumentamos, atraímos, afugentamos<br />
ou golpeamos; contra, até quando repousamos.<br />
Contra, sim, no ponto mais certo, com a tática<br />
mais apropriada, o vigor mais intenso, a destreza<br />
mais exímia, a sutileza mais ágil, a delonga mais<br />
tenaz ou a serenidade mais fulminante.<br />
Contra, com o desejo inabalável da vitória<br />
mais imediata, terrível e inteira; com a confiança<br />
mais inquebrantável e serena em Vós, até quando<br />
a vitória pareça afastar-se de nós.<br />
Contra os adversários vossos que surgem em<br />
torno de nós e também, ó Mãe nossa, contra os<br />
que surgem dentro de nós: contra o orgulho, o<br />
apego à vontade própria, o igualitarismo, a inveja,<br />
a impureza, o sentimentalismo e os devaneios;<br />
contra o acanhamento dos horizontes, a trivialidade<br />
de alma, a vulgaridade da linguagem e das<br />
maneiras, a inconstância dos ideais.<br />
Contra, mais do que tudo, aquele que, por trás<br />
e por cima de todos os poderes humanos, é o grande<br />
fautor da Revolução: Satanás. É ele que, nestes<br />
dias de supremo horror, vai levando a um paroxismo,<br />
só igualado quando da Paixão e Morte do Filho<br />
de Deus, todos os pecados e desordens do homem.<br />
A ignomínia dos maus vai atingindo um grau superior<br />
às possibilidades de mal existentes na natureza<br />
humana. A curteza de vistas, a desprevenção, a<br />
moleza, a covardia e a contradição dos que hesitam<br />
entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, chegaram<br />
a proporções que as limitações naturais dos intelectos<br />
apoucados e das vontades pusilânimes não<br />
bastam para explicar. Isso porque, presente em cada<br />
um desses aspectos da decadência contemporânea<br />
está Satanás, à testa dos anjos imundos, a comunicar<br />
aos homens a sua própria infâmia, a inspirá-los,<br />
açulá-los, coligá-los e lançá-los ao ataque final contra<br />
o pouco que no mundo ainda resta de fé, de grandeza<br />
sacral, de ordem, de pureza e de beleza.<br />
Vós já nos prometestes, mas permiti-nos, Mãe<br />
querida, que insistamos em suplicar-Vos que intervenhais,<br />
quanto antes, quebrando o poder do<br />
demônio e enxotando-o desta Terra para as prisões<br />
eternas criadas para seu merecido tormento.<br />
Mandai logo São Miguel Arcanjo e as legiões<br />
celestes para desfecharem contra as hostes infernais<br />
uma investida fulminante e irresistível.<br />
E como nas lutas entre os homens costumais<br />
utilizar também homens, implorando-Vos que nos<br />
deis a graça e a glória de sermos, também nós, batalhadores<br />
desta luta imensa. Quebrai em nós todo<br />
poder infernal, enchei nossas almas de uma<br />
perspicácia penetrante, de um ódio abrasado, de<br />
uma intransigência absoluta, de uma combatividade<br />
inexorável contra Satanás, suas pompas e suas<br />
obras. Tornai-nos terríveis e irresistíveis face a ele.<br />
Uma Contra-Revolução assim só é possível se<br />
houver entre vossa e nossa alma uma consonância,<br />
uma união misteriosa, mística, que opere em<br />
nós uma transformação por onde não sejamos nós,<br />
mas Vós que vivais em nós. Sim, Vós, a Ipsa conteret,<br />
Aquela que esmaga a cabeça do demônio.<br />
Para que possais realizar em nossas almas esse<br />
segredo de vosso Coração, queremos renovar<br />
solenemente o vínculo de escravidão com que já<br />
nos ligamos tantas vezes a Vós. Dignai-Vos aceitar,<br />
Mãe misericordiosa, o tributo de nossa inteira<br />
e incondicional dependência, e conceder-nos o<br />
que tão súplices pedimos, para a honra e a glória<br />
de vosso nome. Amém.<br />
(Composta em 13/5/1974)<br />
5
Revolução e Contra-Revolução<br />
Mais do que um livro:<br />
a definição de um ideal!<br />
Tomas T.<br />
Analisando os fatos de uma perspectiva<br />
privilegiada, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> narra um de seus<br />
mais emblemáticos lances: o livro “Revolução<br />
e Contra-Revolução”, refazendo cada etapa<br />
de definições, de oferecimentos e de lutas,<br />
numa epopeia que alimenta a chama da<br />
fé até o advento do Reino de Maria.<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
A<br />
ideia de escrever a RCR<br />
me veio de duas circunstâncias.<br />
Ela foi pensada<br />
por mim aos poucos, a partir dos primeiros<br />
choques com a Revolução.<br />
No primeiro embate,<br />
uma decisão beligerante<br />
Quando me defrontei com a Revolução,<br />
o choque foi positivo, como resultado<br />
de minha fidelidade contra a<br />
infidelidade dos outros: “Eles são assim;<br />
ora, eu não sou”; segundo: “Só<br />
eu sou assim, todos são diferentes; logo,<br />
eu estou só.” Terceiro: “Lutarei para<br />
que aqueles aos quais for possível<br />
se tornem como devem ser, quer dizer,<br />
como eu sou; e aqueles aos quais<br />
isso não for possível sejam derrotados.<br />
De maneira que o mundo seja modelado<br />
conforme este ideal e este espírito,<br />
que é o do Sagrado Coração de Je-<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
6
sus e do Imaculado Coração de Maria.<br />
Para isto eu dou a minha vida!”<br />
Esta foi a sequência de minha primeira<br />
tomada de atitude e, ao mesmo<br />
tempo, a definição de um isolamento<br />
que antigamente não existia.<br />
Uma cruz de solidão amarga, profunda,<br />
que durou setenta anos, porque<br />
essa luta começou quando eu tinha<br />
dez.<br />
O primeiro baque foi o sentir esse<br />
isolamento não só gigantesco, mas<br />
em luta. Não era apenas uma posição:<br />
“Eu aqui, eles lá.” Mas uma determinação:<br />
“Eles vêm por cima de<br />
mim e eu vou por cima deles! E a atitude<br />
está tomada para todo o sempre<br />
e, com o auxílio de Nossa Senhora,<br />
ela não mudará, por longa que seja<br />
a jornada que eu tenha que viver.”<br />
Depois veio outra etapa: a fase<br />
analítica. Eu tinha uma noção de<br />
qual era o espírito, a mentalidade e<br />
a essência daquilo que me diferenciava<br />
dos outros e os outros de mim.<br />
Eu compreendia muito bem, intuitivamente<br />
também, mas com muita firmeza,<br />
muita decisão, que essa luta tinha<br />
que ser, sobretudo, uma polêmica,<br />
e que a artilharia dela era a argumentação.<br />
No entanto, não bastava dizer,<br />
era preciso provar. Tanto mais que<br />
eles não tinham nenhuma vontade<br />
de concordar. E, portanto, só mesmo<br />
por meio de argumentos bons,<br />
firmes, claros, incisivos, que eu disputaria<br />
o terreno ao adversário.<br />
Foi esse, vamos dizer, o mais<br />
remoto pensamento que deu<br />
início à elaboração da RCR.<br />
Ton Chaves<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Identificando o unum<br />
para a batalha<br />
De outro lado, em fins da década<br />
de 1950, nós éramos ainda pouco<br />
numerosos, nos compúnhamos<br />
de dois, três ou quatro grupos que<br />
se vinham juntando com o correr<br />
dos tempos e que formavam o núcleo<br />
inicial do que seria, depois de<br />
algum tempo, a TFP. Era, portanto,<br />
uma espécie de pré-TFP, que publicava<br />
o jornal Catolicismo, o qual<br />
se mostrava de público com uma irradiação<br />
bastante considerável, já<br />
era lido mais ou menos em todos os<br />
continentes, entendido e apreciado<br />
por muita gente.<br />
Ora, comecei a notar que a seguinte<br />
questão germinava no espírito<br />
de muitos dos jovens que me acompanhavam<br />
nessa primeira démarche 1 :<br />
“O que o Catolicismo, em última<br />
análise, quer? Nós somos contrários<br />
a tantas coisas! O que une essas várias<br />
coisas? Por que nos opomos a<br />
uma forma de governo, a um tipo de<br />
escrivaninha, a um modo de cumprimentar<br />
e a uma certa combinação de<br />
cores? O que assegura a coesão en-<br />
7
Revolução e Contra-Revolução<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> com os membros do Grupo após um retiro em Tietê, no ano de 1958<br />
tre essas realidades? São fobias pessoais<br />
do senhor, porque o seu temperamento<br />
não vai com isso, e nós<br />
devemos ir nessa canoa? O senhor<br />
acha que há razão suficiente para<br />
homens de espírito bem construído<br />
embarcarem nessa pluralidade de<br />
antagonismos?”<br />
Com efeito, atacávamos<br />
toda espécie de males,<br />
de razões de desorganização,<br />
de decadência,<br />
de decrepitude do<br />
mundo moderno. Mas,<br />
afinal, tínhamos um ponto<br />
de unidade para todos<br />
esses ataques? O Grupo<br />
era uma espécie de paulada<br />
geral em tudo o que<br />
encontrássemos pelo caminho,<br />
paulada desordenada,<br />
paulada furiosa,<br />
paulada realmente animada<br />
pela força do amor de<br />
Deus e de Nossa Senhora,<br />
mas dada à direita e à esquerda, sem<br />
maior discernimento?<br />
Havia um unum para essa batalha?<br />
Ou ela era um caos, um santo<br />
caos? Um sagrado caos, se quiserem,<br />
mas era um caos? Pode um caos<br />
ser santo? Pode um caos ser sagrado?<br />
A santidade e o caráter sagrado<br />
não são o contrário do caos?<br />
Era imperiosamente necessário<br />
dizer aos que estávamos trabalhando<br />
juntos o que havia de comum em<br />
tantas frentes de combate em que<br />
lutávamos continuamente, mas nas<br />
8
quais não se percebia o<br />
nexo de uma coisa com a<br />
outra: “Nós somos contra<br />
tal coisa, condenamos<br />
tal outra; o que forma o<br />
unum desse movimento?”<br />
Ademais, o nosso ostracismo,<br />
o nosso exílio,<br />
o nosso período de silêncio<br />
foi mais ou menos de<br />
1943 a 1959, nada menos<br />
de dezesseis anos, nos<br />
quais mantivemos o Grupo<br />
obtendo adesão dos<br />
que o compunham, num<br />
trabalho de catacumba.<br />
Mas, pareceu-me que estava<br />
no momento de pormos<br />
a cabeça fora da catacumba<br />
e o primeiro<br />
brado adequado que poderíamos<br />
dar era a publicação<br />
da RCR, cujo tema<br />
doutrinário e histórico,<br />
de grande envergadura,<br />
se impunha para nós como<br />
oportunidade de pormos<br />
a cabeça fora d’água.<br />
Qual seria o resultado<br />
também não sabíamos…<br />
Todo o pensamento já estava maduro<br />
para lançar o livro RCR.<br />
O despontar de um<br />
lance profético<br />
Assim, em dezembro de 1958, resolvi<br />
retirar-me de São Paulo – da vida<br />
já então qualificada de muito absorvente<br />
do Grupo –, durante um<br />
número não definido de dias, a fim<br />
de escrever a obra.<br />
Fui a um hotel de Campinas, localizado<br />
próximo à praça da Catedral,<br />
o qual era naquele tempo o melhor<br />
da cidade, para lá poder fazer a redação.<br />
Poucos dias depois, quase todo<br />
o Grupo da Martim foi também<br />
para esse hotel, ali se hospedando<br />
durante o período de minha estadia.<br />
Havia um salão muito amplo que tomava,<br />
creio eu, todo um andar, com janelas<br />
para duas fachadas diferentes. Os<br />
meus jovens amigos passavam o dia inteiro<br />
nesse salão, ocupando lugares diversos.<br />
Havia vários boxes, muitos lugares<br />
onde ficar e para onde olhar, brincando<br />
uns com os outros, rindo, jogando<br />
xadrez e outras coisas, enfim, matando<br />
o tempo quanto pudessem.<br />
Eu, de meu lado, ficava num canto,<br />
começando a pensar e depois a<br />
escrever o meu trabalho, cujo nome<br />
me foi facílimo encontrar, uma<br />
vez atinado o elemento dominante:<br />
a Revolução.<br />
Revolução era o nome do mal que<br />
nos vinha trazendo o caos e as desordens,<br />
desde o Humanismo e a Renascença,<br />
através da Revolução Francesa<br />
e de quantos outros males, até os dias<br />
em que eu escrevia. Eu havia entendido<br />
que o mundo inteiro era sacudido<br />
e convulsionado por uma Revolução<br />
só. Que todas essas revoluções, às<br />
quais os historiadores dão<br />
nomes diversos, eram aspectos<br />
de uma única Revolução;<br />
assim sendo, tinham<br />
que ter um aspecto,<br />
por sua vez, de uma<br />
atitude errada do espírito<br />
humano num ponto fundamental.<br />
Uma vez que<br />
se compreendesse o erro<br />
fundamental, o erro essencial,<br />
compreender-se-<br />
-ia também toda a defluência<br />
de erros que daí viriam.<br />
O trabalho estava<br />
praticamente feito.<br />
Então escrevi com cuidado<br />
o livro e o submeti à<br />
revisão de alguns dos meus<br />
seguidores, quanto ao risco<br />
de distrações e lapsos. Afinal<br />
publicamos o número<br />
100 do Catolicismo com a<br />
RCR, e logo depois o livro<br />
que todos conhecem.<br />
Quando o livro saiu, fiz um grande<br />
número de dedicatórias para várias<br />
pessoas que eu conhecia do ambiente<br />
social, universitário e político.<br />
Deixei-as feitas e também a propaganda<br />
do livro organizada, com os<br />
membros da Martim e da Pará.<br />
9
Revolução e Contra-Revolução<br />
Eles deviam levar os livros às livrarias,<br />
pedir notícias dos jornais, e<br />
esperaríamos pelo resultado.<br />
Ora, não tínhamos nenhuma prática<br />
no assunto e julgávamos que, levando<br />
um livro à livraria, perguntando<br />
ao livreiro se queria vender, ele<br />
aceitando, tendo interesse, ele de fato<br />
poria à vista dos fregueses para a venda.<br />
E como o meu nome já era bastante<br />
conhecido, eu achava que era<br />
natural que atraísse um certo número<br />
de compradores. Mas não sabia bem<br />
ao certo – com a campanha de silêncio<br />
que se fazia em torno de nós – como<br />
as coisas se desenrolariam.<br />
Viagem inesperada em<br />
clima de apreensão<br />
Estava feita a micro-distribuição da<br />
RCR pelas principais livrarias do Centro<br />
velho de São Paulo – que naquele<br />
tempo era o Centro único da cidade<br />
– tudo estava organizado, quando<br />
uma circunstância imprevista me coloca<br />
na contingência de ir para a Europa,<br />
aproveitando uma passagem de<br />
convite de gentileza para a inauguração<br />
do voo do Caravelle da Air France.<br />
Eu pensei logo em conseguir contatos,<br />
para o que não era conveniente<br />
gastar dinheiro; mas uma viagem<br />
gratuita sempre valia a pena aproveitar,<br />
de vinte ou quarenta dias, não me<br />
lembro bem; era um prazo exíguo, o<br />
avião me traria de volta a São Paulo.<br />
Foi uma viagem na qual se iniciou<br />
a pancadaria das provações.<br />
O avião de luxo, era propriamente<br />
de Paris-Roma, não o de São Paulo-Paris.<br />
Eu até hoje não sei no que o<br />
Caravelle é diferente de outro avião;<br />
eu entrei nele sem sequer ter a curiosidade<br />
de saber o que era. Mas essas<br />
passagens de cortesia são sempre de<br />
primeira classe, e como o mundo era<br />
mais civilizado naquele tempo do<br />
que é hoje, a comida era muito boa,<br />
os garçons muito atenciosos, o trato<br />
muito cortês.<br />
Eu entrei, o avião repleto, e fui colocado<br />
como uma sardinha exprimida<br />
entre dois outros passageiros, os<br />
quais tinham mania de ventilação. Eu<br />
não sei o que há em minha saúde porque,<br />
embora naquele tempo eu fosse<br />
muito mais moço, o ar condicionado<br />
que se esguicha pela face me resfria.<br />
Resultado: fiz uma manobra para<br />
diminuírem o ar, não consegui;<br />
cheguei a Paris gripadíssimo. Estava<br />
acompanhado por outro membro do<br />
Grupo, fomos ver a Catedral de Notre-Dame,<br />
jantamos e fui para cama.<br />
No dia seguinte, toque de campainha:<br />
— O que é?<br />
— A Companhia Air France manda<br />
um médico examiná-lo, porque o<br />
ponto terminal de sua viagem é Roma,<br />
e há muita gente que aceita essa<br />
viagem para ficar em Paris e não usa<br />
a passagem no terminal. Se assim o<br />
for, nós cobramos a viagem do Brasil<br />
até aqui. Então vim ver se o senhor<br />
de fato está doente ou não.<br />
Deixei-me pacientemente examinar<br />
pelo médico do hotel. Não era<br />
difícil, era só pôr um termômetro e<br />
ver que eu estava com febre. De fato,<br />
ele mediu minha temperatura, estava<br />
com 38º e tanto, não era muito<br />
grave, mas em todo caso, tinha que<br />
permanecer de repouso.<br />
Afinal, eu só fiquei em condições<br />
de sair no próprio dia de partir para<br />
Roma, de maneira que Paris eu quase<br />
não vi. Chegando a Roma, jantei<br />
num bom restaurante, fui para um<br />
excelente hotel patrocinado pela Air<br />
France à disposição dos passageiros.<br />
Mais uma penosa provação<br />
Em Roma, acordo uma manhã<br />
sem os movimentos das pernas; eu<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Tangopaso(CC3.0)<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> desembarcando do voo da Air France, em 1959.<br />
Ao lado, Aeroporto de Orly, Paris, na década de 1960<br />
10
Library of Congress (Washington DC, USA)<br />
Basílica de São Pedro, Vaticano, na década de 1960<br />
Evžen Policer(CC3.0)<br />
podia mover-me, mas com dores<br />
lancinantes. Era uma forma de reumatismo,<br />
chamada de modo prosaico<br />
de lumbago. Eu tinha de vez em<br />
quando acessos disso, e passei quase<br />
todos os dias da estadia em Roma<br />
deitado na cama, não podendo nem<br />
me mover de um lado para o outro.<br />
Depois de dois ou três dias, consigo<br />
sair para ter alguns contatos. O<br />
último dia foi a maratona mais temível.<br />
Dada a minha situação no Movimento<br />
Católico de então, ficava-me<br />
mal ir a Roma e não fazer uma visita<br />
ao Cardeal Secretário de Estado e ao<br />
encarregado dos assuntos brasileiros<br />
na Secretaria de Estado da Santa Sé,<br />
que era um amigo meu, Mons. Valentini<br />
2 . Ora, este último tinha ido passar<br />
as férias nos Apeninos.<br />
Como eu retornava no dia seguinte<br />
para o Brasil, consegui um encontro<br />
com o famoso Mons. Casaroli<br />
3 , posteriormente representante de<br />
Paulo VI junto às nações comunistas.<br />
Depois disso, embarquei a Paris,<br />
para de lá tomar avião de volta ao<br />
Rio de Janeiro.<br />
Boicote completo contra<br />
a publicação da RCR<br />
Quando o avião desceu, eu estava<br />
ansioso pelas notícias da propaganda<br />
da RCR. Encontro-me com três<br />
Mons. Agostino Casaroli<br />
membros de nosso movimento que<br />
tinham ido de São Paulo para me esperar<br />
no aeroporto do Rio.<br />
Primeiros cumprimentos, primeira<br />
pergunta: “Que notícias têm da<br />
RCR?” Um manteve silêncio, outro<br />
tomou uma atitude um pouco neutra<br />
e o terceiro, com muito tato, muita<br />
gentileza disse: “Olhe, houve um<br />
êxito relativo. Não teve grande resultado,<br />
não chamou a atenção; as respostas<br />
e os agradecimentos à sua dedicatória<br />
foram muito poucas, todo<br />
mundo tirando o corpo. Quando<br />
chegarmos a São Paulo, conversaremos<br />
melhor…”<br />
Chego a São Paulo e eles me informam<br />
das coisas direito. O que<br />
era? Os jornais todos boicotaram,<br />
não publicaram nenhuma notícia da<br />
RCR; as livrarias também boicotaram,<br />
algumas se recusavam e outras,<br />
que diziam vender, empurravam assim<br />
no canto, e a um e outro amigo<br />
que passava para saber do livro, eles<br />
diziam que não tinha.<br />
De maneira que era boicote completo,<br />
evidente, o que explicava que<br />
tanta gente não tivesse respondido<br />
às minhas dedicatórias.<br />
O resultado foram pilhas de RCR<br />
acumuladas e, para o Grupo, uma<br />
espécie de pressão contrária: a ideia<br />
de que não adiantava fazer propaganda,<br />
que o mundo de hoje era hostil,<br />
que não valia a pena a publicação,<br />
portanto, e que o destino dos ultramontanos<br />
era de viver dentro de<br />
um casulo trancado, sem se incomodarem<br />
com nada.<br />
Era a implosão quando eu esperava<br />
uma explosão; era a catástrofe,<br />
não tinha mais nada o que fazer.<br />
Nossa propaganda, nossa primeira<br />
campanha para sair do ostracismo<br />
não podia terminar mais melancólica<br />
do que teve a RCR.<br />
Dias depois, eu desci a Santos para<br />
descansar da viagem à Europa…<br />
Quando eu estava lá, começaram a<br />
chegar as primeiras notícias de uma<br />
das maiores campanhas publicitárias<br />
contra nós que houve em nossa história.<br />
Portanto, a RCR veio a lume<br />
sob o signo de uma tempestade tremenda!<br />
11
Revolução e Contra-Revolução<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Com lento desenvolvimento,<br />
a obra floresce<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1989<br />
A RCR se desenvolveu? Muito<br />
lentamente. À medida que o movimento<br />
do Catolicismo foi se desenvolvendo,<br />
ela também o foi e, aos<br />
poucos, foram surgindo outras edições,<br />
e mais outras, e a ave começou,<br />
afinal, a alçar voo.<br />
Além do grande número de exemplares,<br />
o principal da RCR foram<br />
dois pontos, um muito esperado por<br />
mim, outro totalmente inesperado.<br />
O esperado foi minha certeza de<br />
que, crescendo o Grupo, seria indispensável<br />
que todos os membros lessem<br />
a RCR, porque assim entenderiam<br />
melhor o ideal. Do contrário,<br />
pareceria um pasticho de tomadas de<br />
atitudes sem coordenação e ninguém<br />
saberia, afinal, o que era esse turbilhão<br />
de condenações e de aprovações<br />
que lançávamos a todo propósito.<br />
Ainda assim, de início, a RCR encontrou<br />
dificuldades, porque os grupos<br />
no exterior não tinham nascido<br />
nesse tempo e, como o brasileiro é<br />
muito intuitivo, eles não tinham necessidade<br />
de lê-la para conhecer esse<br />
nexo. Eles não sabiam explicitar,<br />
mas intuíam. Nosso povo não é grande<br />
consumidor de livros; é um povo<br />
no qual as farmácias são muito mais<br />
numerosas do que as livrarias…<br />
A RCR começou a ser lida quando<br />
o Grupo se desenvolveu, e de uma<br />
canoa passou a ser um navio. Assim,<br />
mesmo os antigos que não a tivessem<br />
lido se julgaram no caso e na necessidade<br />
de fazê-lo. Foi então que a RCR<br />
começou a fazer no Grupo todo o benefício<br />
que ela podia fazer. Hoje, graças<br />
a Nossa Senhora, ela é conhecida<br />
como uma pilastra para nós.<br />
Inesperada difusão<br />
no sul da Itália<br />
Inteiramente inesperado para mim<br />
foi o resultado que o livro teve na região<br />
do sul da Itália: Palermo, Nápoles,<br />
etc. Um editor do norte da Itália,<br />
Sr. Giovanni Cantoni 4 , lançou<br />
uma edição do livro pela editora dele,<br />
Alleanza Cattolica 5 , e o espalhou pela<br />
Itália inteira. Teve uma boa repercussão,<br />
mas, sobretudo foi muito lida no<br />
sul. Contava-me ele que ali, por iniciativa<br />
deles mesmos, era frequente encontrar<br />
nas livrarias o livro à venda.<br />
Há uns sete ou oito anos – vejam<br />
quanto tempo se passou 6 – eu fui fazer<br />
uma consulta a um médico aqui<br />
em São Paulo, que me disse:<br />
— Oh! Mas o senhor é o <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong>…? Mas que prazer em conhecê-lo!<br />
— Oh! E também eu ao senhor!<br />
Ele tinha o nome de uma cidade<br />
dessas do sul da Itália, pelo que percebi<br />
que ele tinha origem italiana.<br />
Ele me disse:<br />
— Sabe que o senhor é conhecidíssimo<br />
no sul da Itália?<br />
Eu disse:<br />
— Mas como é que o senhor pode<br />
ter conhecimento disso?<br />
Ele me contou:<br />
— Eu estava viajando de trem rumo<br />
a uma cidade do sul; não estava<br />
fazendo leitura, olhava a paisagem, e<br />
um homem sentado à minha frente<br />
puxou prosa comigo, perguntou-me<br />
de que país eu era, ao que respondi<br />
ser do Brasil. Ele me perguntou: “O<br />
senhor conhece o Prof. <strong>Plinio</strong> Corrêa<br />
de Oliveira?”<br />
Ele disse que não, ou que me conhecia<br />
de nome, porque de fato não<br />
nos conhecíamos.<br />
— Pois olhe aqui, fique sabendo<br />
que sou um grande admirador dele!<br />
Depois, passeando pela cidade de<br />
Nápoles, o médico chegou a ver realmente<br />
a propaganda do meu livro.<br />
Para vermos como às vezes o resultado<br />
nasce de dentro de uma saraivada<br />
de desastres. E que, portanto, dentro<br />
do desastre, não podemos perder a<br />
confiança de nenhum modo, seja como<br />
for, custe o que custar. Sobretudo não<br />
deixarmos de confiar. Confiar, confiar,<br />
confiar contra todos os ventos e to-<br />
12
das as marés, porque Nossa<br />
Senhora fará com que a<br />
obra chegue ao seu porto.<br />
“Feliz o momento<br />
em que eu resolvi<br />
escrever a RCR!”<br />
Quando é que eu poderia<br />
imaginar, naquele<br />
tempo, que haveria na<br />
América do Norte uma<br />
TFP magnífica e pujante<br />
como nós temos? E que<br />
sairia uma edição inglesa<br />
com muito mais saída nos<br />
Estados Unidos do que<br />
na Inglaterra, onde teve<br />
alguma saída?<br />
Quando é que eu poderia<br />
imaginar que essas<br />
edições iriam se espalhar<br />
pela América inteira, desde<br />
o Canadá até o Chile,<br />
e daí por diante? O movimento<br />
todo de expansão<br />
da TFP fora do Brasil se<br />
fez na base da RCR, porque<br />
são povos habituados<br />
à leitura. De onde um ato<br />
de adesão consciente, sério,<br />
refletido: “Eu também<br />
penso assim, nós somos<br />
um, vamos andar<br />
juntos.” Esse é o papel da RCR.<br />
Ela serviu-me também de ponto<br />
de partida para numerosos outros<br />
livros, porque, em quase todos<br />
os outros escritos por mim, pode-se<br />
encontrar este ou aquele reflexo da<br />
RCR. Portanto, no que diz respeito<br />
à minha colaboração para a obra de<br />
conjunto intelectual da TFP, a RCR é<br />
o gérmen, é a semente.<br />
Feliz o momento em que eu resolvi<br />
escrever a RCR!<br />
Um espírito a ser dado<br />
por um sopro da graça<br />
O espírito da RCR em toda a sua<br />
candência, com tudo quanto tem de<br />
Sr. Giovanni Cantoni em visita a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, no ano de 1972.<br />
Ao lado, edição italiana de Revolução e Contra-Revolução<br />
ígneo, de fogo, é um elemento dos<br />
mais importantes que nós devemos<br />
ter. De maneira tal que, em cada<br />
membro do Grupo, em tudo quanto<br />
faça, em tudo quanto diga, em tudo<br />
quanto seja, reluza nele com uma intensidade<br />
muito grande, três obras,<br />
desiguais, aliás:<br />
A obra angélica, o Tratado da Verdadeira<br />
Devoção à Santíssima Virgem,<br />
de São Luís Grignion de Montfort.<br />
A obra terrena, humana, a<br />
RCR, e uma terceira indispensável e<br />
muito santa, A alma de todo apostolado,<br />
de Dom Chautard.<br />
Juntando essas três obras, têm-se<br />
o substratum do espírito da Contra-<br />
-Revolução.<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
E esse espírito nos será<br />
dado num grande sopro<br />
da graça. Porque esses<br />
princípios se leem, se<br />
argumentam, nos persuadimos<br />
deles. Mas, persuadir<br />
é uma coisa, amar<br />
é outra. Para se persuadir<br />
já é preciso da graça,<br />
tanto mais para amar.<br />
De maneira que há<br />
um amor a isso que será<br />
em especial intenso pelo<br />
fato de que nós veremos,<br />
na derrubada deste<br />
mundo – que já começou<br />
a cair – nós veremos<br />
o mal de toda a Revolução,<br />
donde nos aparecerá claramente<br />
que a Contra-Revolução é a solução.<br />
v<br />
1) Do francês: diligência.<br />
2) Luigi Valentini.<br />
3) Agostino Casaroli (*1914 - †1998).<br />
4) Escritor, tradutor e apologeta italiano<br />
(*1938 - †2020).<br />
5) Associação de leigos fundada em<br />
1960 por Giovanni Cantoni.<br />
6) O fato é narrado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em<br />
abril de 1989.<br />
13
Fotos: Flávio Lourenço<br />
C<br />
alendário<br />
São Roberto de Molesmes<br />
1. São Celso, bispo (†1129). Aos<br />
vinte e cinco anos foi eleito arcebispo<br />
de Armagh, na Irlanda, sede que<br />
regeu com diligência, promovendo a<br />
restauração da disciplina eclesiástica.<br />
2. São Francisco de Paula, eremita<br />
(†1507). Fundador da Ordem dos Mínimos.<br />
Santo Abúndio, bispo (†468). Enviado<br />
a Constantinopla pelo papa São<br />
Leão Magno, defendeu firmemente a<br />
verdadeira fé.<br />
3. Beato João de Jesus e Maria (João<br />
Otazua y Madariaga), mártir (†1937).<br />
Presbítero da Ordem da Santíssima<br />
Trindade, martirizado durante a perseguição<br />
religiosa, em Mancha Real, Espanha.<br />
4. Santo Isidoro de Sevilha, bispo e<br />
Doutor da Igreja (†636).<br />
São Platão, hegúmeno (†814). Combateu<br />
durante vários anos os opositores<br />
ao culto das sagradas imagens e, com<br />
seu sobrinho São Teodósio Estudita, residiram<br />
no célebre mosteiro de Studion.<br />
dos Santos – ––––––<br />
Santa Irene, virgem e mártir (†304).<br />
Desobedecendo ao edito de Diocleciano,<br />
ocultou os Livros sagrados e por esse<br />
motivo foi queimada por ordem do prefeito<br />
Dulcécio, o mesmo que tinha martirizado<br />
as suas irmãs Ágape e Quiónia.<br />
6. Santa Gala (†s. VI). Filha do<br />
cônsul Símaco, depois da morte do<br />
esposo se consagrou durante muitos<br />
anos à oração, à esmola, aos jejuns e<br />
a outras obras santas junto à igreja de<br />
São Pedro, em Roma. São Gregório<br />
Magno descreveu sua morte gloriosa.<br />
Beato Miguel Rua, presbítero<br />
(†1910). Discípulo de São João Bosco,<br />
insigne propagador da Sociedade<br />
Salesiana.<br />
7. II Domingo da Páscoa ou da Divina<br />
Misericórdia.<br />
8. Solenidade da Anunciação do<br />
Senhor.<br />
Santa Júlia Billiart, virgem (†1816).<br />
Para assegurar a educação das jovens e<br />
propagar a devoção ao Sagrado Coração<br />
de Jesus, fundou em Namur, Bélgica,<br />
a Congregação das Irmãs de Nossa<br />
Senhora de Namur.<br />
9. Santa Valdetrudes, mãe de família<br />
(†688). Irmã de Santa Aldegundes,<br />
esposa de São Vicente Madelgário e<br />
mãe de quatro santos, imitando seu esposo,<br />
se consagrou a Deus tomando o<br />
hábito monástico num cenóbio por ela<br />
fundado.<br />
Beata Lindalva Justo de Oliveira,<br />
virgem e mártir (†1993). Religiosa da<br />
Companhia das Filhas da Caridade<br />
de São Vicente de Paulo, em Salvador<br />
da Bahia, no Brasil.<br />
10. Beato Bonifácio Zukowski, presbítero<br />
e mártir (†1942). Pertencia à Ordem<br />
dos Frades Menores Conventuais.<br />
Durante a guerra, extenuado com as torturas<br />
sofridas por causa da sua fé, consumou<br />
seu martírio no campo de concentração<br />
de Dachau, na Alemanha.<br />
11. Santo Estanislau de Cracóvia,<br />
bispo e mártir (†1079).<br />
Santo Isaac, monge (†550). Originário<br />
da Síria, fundou o mosteiro de<br />
Monteluco, em Spoleto, na Úmbria,<br />
região da Itália; suas virtudes são mencionadas<br />
por São Gregório Magno.<br />
12. Santa Vísia, virgem e mártir<br />
(†data inc.).<br />
Beato Lourenço, presbítero (†<br />
XIV). Membro da Ordem de São Jerônimo,<br />
muitos penitentes o procuravam<br />
por causa da sua insigne piedade.<br />
13. São Martinho I, Papa e mártir<br />
(†656).<br />
Santo Hermenegildo, mártir (†586).<br />
Filho do rei ariano Leovigildo, converteu-se<br />
à fé católica por obra do bispo<br />
São Leandro. Foi levado ao cárcere<br />
e lá recusou receber a comunhão das<br />
mãos de um bispo ariano, no dia da solenidade<br />
da Páscoa. Por ordem do próprio<br />
pai, morreu ao fio da espada.<br />
14. III Domingo da Páscoa.<br />
Beata Isabel (Josefina Calduch Rovira),<br />
virgem e mártir (†1936). Religiosa<br />
da Ordem das Clarissas Capuchinhas,<br />
morreu durante a perseguição<br />
5. São Vicente Ferrer, presbítero<br />
(†1419). Santo Hermenegildo<br />
14
––––––––––––––––––– * Abril * ––––<br />
contra a fé cristã, em Cuevas de Vinromá,<br />
Espanha.<br />
15. Santos Teodoro e Pausilipo,<br />
mártires (†117/137). Segundo a tradição,<br />
sofreram o martírio no tempo do<br />
imperador Adriano.<br />
16. Santa Maria Bernarda (Bernadette)<br />
Soubirous, virgem (†1879). Vidente<br />
de Lourdes.<br />
Beatos Pedro Delépine, João Menard<br />
e vinte e quatro companheiras, mártires<br />
(†1794). Camponeses que durante a<br />
Revolução Francesa foram fuzilados em<br />
ódio à fé cristã, em Avrillé, na França.<br />
17. São Roberto de Molesmes, abade<br />
(†1111). Incansável fundador e diretor<br />
de cenóbios, foi insigne restaurador<br />
da disciplina monástica; fundou<br />
o mosteiro de Cister, do qual foi o primeiro<br />
abade.<br />
18. São João Isauro, monge (†842).<br />
Discípulo de São Gregório Decapolita,<br />
no tempo do imperador Leão o<br />
Armênio, combateu valorosamente<br />
em defesa das sagradas imagens.<br />
Beato Lucas Passi, presbítero<br />
(†1866). Fundador da Congregação<br />
das Irmãs Mestras de Santa Doroteia.<br />
19. São Mapálico, mártir (†250).<br />
Durante a perseguição do imperador<br />
Décio, recomendou que à sua mãe<br />
e à sua irmã, impelidas sob tortura à<br />
apostasia, fosse concedida a paz eclesiástica,<br />
entretanto, ele foi levado ao<br />
tribunal e coroado com o martírio.<br />
20. São Vião, bispo († 804). Natural<br />
da Frísia, foi enviado como abade pelo<br />
imperador Carlos Magno para evangelizar<br />
os Saxões e depois, eleito bispo da<br />
Igreja de Osnabrück, na Saxónia, atual<br />
Alemanha, suportou por Cristo muitas<br />
tribulações.<br />
21. IV Domingo da Páscoa.<br />
Santo Anselmo, bispo e Doutor da<br />
Igreja (†1109).<br />
São Romão Adame, presbítero e mártir<br />
(†1927). Durante a perseguição contra<br />
a Igreja, por confessar a fé em Cristo<br />
Rei, sofreu o martírio em Nochistlan,<br />
território de Guadalajara, México.<br />
22. Beato Francisco Venimbéni,<br />
presbítero (†1322). Pertencia à Ordem<br />
dos Menores, foi exímio pregador<br />
da palavra de Deus.<br />
23. São Jorge, mártir (†s. IV).<br />
Beato Egídio de Assis, religioso<br />
(†1262). Companheiro de São Francisco<br />
de Assis, destacou-se por uma fé<br />
intrépida e grande simplicidade.<br />
24. São Melito, bispo (†624). Foi<br />
enviado à Inglaterra como abade pelo<br />
papa São Gregório Magno, e ordenado<br />
bispo de Londres por Santo Agostinho<br />
da Cantuária. Mais tarde sucedeu-o<br />
como arcebispo da Cantuária.<br />
25. São Marcos, Evangelista (†s. I).<br />
Santo Aniano, bispo (†c. 67). No<br />
oitavo ano do imperador Nero, foi o<br />
primeiro bispo de Alexandria depois<br />
de São Marcos, dirigiu essa comunidade<br />
durante vinte e dois anos.<br />
26. Nossa Senhora do Bom Conselho<br />
de Genazzano.<br />
Beato Estanislau Kubista, presbítero<br />
e mártir (†1942). Membro da Sociedade<br />
do Verbo Divino, durante a<br />
ocupação militar na Polônia, por um<br />
regime hostil à religião, foi levado como<br />
prisioneiro para o campo de concentração<br />
de Sachsenhausen, próximo<br />
de Berlim, onde, depois de graves<br />
tormentos, entregou a alma a Deus.<br />
27. São Polião, leitor e mártir (†c.<br />
303). Tendo sido preso na perseguição<br />
do imperador Diocleciano e interrogado<br />
pelo prefeito Probo, confessou a fé<br />
em Cristo e, recusando sacrificar aos<br />
ídolos, foi condenado à fogueira.<br />
São Pedro Armengol, religioso<br />
(†1304).<br />
28. V Domingo da Páscoa.<br />
Beata Maria Luísa de Jesus Trichet,<br />
virgem (†1759). Primeira religiosa<br />
a vestir o hábito da Congregação das<br />
Filhas da Sabedoria, fundação de São<br />
Luís Maria Grignion de Montfort, a<br />
qual governou com grande prudência.<br />
29. Santa Catarina de Sena, virgem<br />
e Doutora da Igreja (†1380).<br />
Santo Antônio Kim Song-u, pai de<br />
família e mártir (†1841). Cristão coreano,<br />
em meio à perseguição religiosa costumava<br />
reunir em sua casa muitos fiéis<br />
para a oração, a fim de animarem-se na<br />
perseverança da verdadeira fé. Detido<br />
e encarcerado, foi estrangulado no cárcere<br />
de Tangkogae, em Seul, na Coreia.<br />
30. São Pio V, Papa (†1572).<br />
Beato Bento de Urbino, presbítero<br />
(†1625). Companheiro de São Lourenço<br />
de Brindisi na pregação contra<br />
aos hussitas e luteranos.<br />
Santo Abúndio<br />
15
Revolução e Contra-Revolução<br />
Tangopaso(CC3.0)<br />
A Revolução tendencial:<br />
uma mentalidade,<br />
não uma doutrina<br />
Cena da corte de Carlos Magno<br />
Museu do Louvre, Paris<br />
16
Analisando o processo histórico do avanço processivo da Revolução,<br />
nota-se que a ação nas tendências joga um papel primordial:<br />
sem doutrinação, o primeiro passo pede somente uma falta de<br />
compenetração do estado de luta da vida, depois uma amenização e<br />
relaxamento dos princípios, seguido da falta de certeza que ofusca<br />
a luz primordial. Pouco a pouco a humanidade joga-se no abismo.<br />
A<br />
decadência da Idade Média<br />
operou-se por meio de<br />
uma crise de mentalidade<br />
ocasionada pela sensualidade. É todo<br />
um clima moral provocado por<br />
este mal 1 .<br />
Os elementos da nova<br />
mentalidade<br />
Os efeitos da sensualidade têm<br />
sua raiz já no século XIV, quando começa<br />
a se observar na Europa cristã<br />
uma profunda transformação de<br />
mentalidade que, ao longo do século<br />
XV, cresce cada vez mais no Ocidente.<br />
É importante observar<br />
que a palavra mentalidade<br />
foi usada muito de<br />
propósito. Não se trata de<br />
doutrina, porque doutrina<br />
e mentalidade se diferem.<br />
Refiro-me mais propriamente<br />
a um estado de<br />
espírito, a uma mentalidade,<br />
e não à doutrina. Essa<br />
mentalidade nasce de<br />
um modo confuso, mas, à<br />
medida que cresce, vai se<br />
tornando mais nítida. São<br />
transformações que passam<br />
por um processo de<br />
nitidez. É essa uma das regras<br />
da processividade.<br />
Os elementos dessa<br />
mentalidade são, de início,<br />
um apetite de prazeres<br />
terrenos, que tende a<br />
se transformar em ânsia. É um apetite<br />
consentido que, ao se tornar ânsia,<br />
tem manifestações mais nítidas do<br />
que as do simples apetite. Em segundo<br />
lugar, vem a necessidade das diversões<br />
que tendem a se tornar mais<br />
complicadas, mais suntuosas, mais<br />
frequentes, com reflexos nos trajes,<br />
nas maneiras, na linguagem, na literatura,<br />
na arte e em uma vida cheia de<br />
deleites e fantasias dos sentidos, provocando<br />
a sensualidade e a moleza, o<br />
perecimento da austeridade e da seriedade,<br />
a mania de tornar tudo risonho,<br />
gracioso e festivo. Os corações<br />
se desprendem pouco a pouco do<br />
amor ao sacrifício; é a Cavalaria que<br />
se torna amorosa, a literatura que isto<br />
reflete e, como consequência, o excesso<br />
de luxo e a avidez de lucro.<br />
Tudo isso é característico não de<br />
uma doutrina, mas de uma mentalidade.<br />
A doutrina se lhe segue.<br />
Do campo filosófico e<br />
religioso ao político<br />
Depois de empregar a palavra mentalidade,<br />
descrevo um clima moral.<br />
Mentalidade e clima moral são<br />
conceitos muito afins, que se completam.<br />
Então, não mais apenas<br />
a sensualidade impera, mas também<br />
a vaidade, o orgulho, que penetram<br />
mais diretamente<br />
no campo dos princípios e<br />
da doutrina. São disputas<br />
aparatosas e vazias, exibições<br />
fátuas de erudição e<br />
velhas tendências filosóficas<br />
que renascem.<br />
Isso que se passa no<br />
campo das doutrinas de<br />
caráter filosófico e religioso<br />
penetra também no<br />
campo político, através de<br />
uma nova doutrina: o absolutismo.<br />
Não há mais só<br />
a vaidade dos legistas em<br />
conhecerem o Direito Romano,<br />
em estar a par da<br />
cultura de Roma e querer<br />
imitá-la, agora há também<br />
o orgulho dos reis, que<br />
queriam dominar pelo absolutismo.<br />
R.M.N. / R.-G. Ojéda (CC3.0)<br />
17
Haukurth (CC3.0)<br />
Revolução e Contra-Revolução<br />
I<br />
Histórico do desencadeamento<br />
da Revolução tendenciosa<br />
Qual foi o primórdio da Revolução?<br />
Qual o ponto de transição<br />
entre a era em que não havia<br />
Revolução para a era revolucionária?<br />
Debaixo de certo ângulo, a história<br />
da Europa tem dois períodos.<br />
No início, uma mescla de povos latinos<br />
e germânicos, batizados e cristianizados,<br />
viveu em condições extremamente<br />
difíceis, com sua sobrevivência<br />
muito duvidosa, ameaçada por inimigos<br />
de toda espécie. Num segundo<br />
período, a Europa se firma, derrota<br />
seus adversários e começa a expandir-se,<br />
chegando ao apogeu no século<br />
XIX, com o domínio de quase todo o<br />
mundo, através do seu colonialismo.<br />
Entre ameaças e perigos,<br />
impera Carlos Magno<br />
Reportemo-nos à Europa de Carlos<br />
Magno ou, logo após, à do século<br />
IX. Os árabes, dominando a Espanha,<br />
constituem um perigo permanente<br />
junto aos Pirineus; os sarracenos, efetuando<br />
invasões no sul da França e na<br />
Itália, submetem todo o litoral mediterrâneo<br />
do império de Carlos Magno<br />
a inúmeras provações; na Alemanha,<br />
os germanos; e, pelo mar, os normandos,<br />
que atravessaram a França pelas<br />
vias fluviais, e, caminhando em direção<br />
ao Mediterrâneo, chegaram até<br />
a Sicília e Constantinopla, onde queimaram<br />
parte da cidade.<br />
Num dos famosos leões de São<br />
Marcos, que era de Bizâncio e hoje<br />
está em Veneza, há inscrições que<br />
permaneceram indecifráveis até se<br />
conhecerem os caracteres normandos.<br />
Estes, chegando a Atenas, marcaram<br />
injúrias nos ombros e flancos<br />
dos leões. Tem-se, por esses fatos que<br />
bem mostram a penetração normanda,<br />
uma ideia do seu enorme perigo.<br />
Carlos Magno, que nos parece haver<br />
reinado na paz do seu poder, pelo<br />
contrário, teve uma vida repleta<br />
de aventuras.<br />
Os povos opressores se<br />
convertem ou decaem<br />
por si mesmos<br />
Esse destino, cheio de provações<br />
para a Europa, permaneceu até o século<br />
XIII, quando, podemos dizer,<br />
ela tornou-se vitoriosa. Mas, em que<br />
sentido? Os árabes não foram expulsos<br />
da Espanha até o século XV, no<br />
entanto sua influência decadente é<br />
sinal evidente de que não venceriam.<br />
De outro lado, os germanos estão<br />
convertidos; os húngaros, que constituíram<br />
outrora grande perigo, abraçaram<br />
também a Religião Católica; os<br />
prussianos, lituanos, que foram também<br />
perigosos e contra os quais ha-<br />
18
Pouazity3(CC3.0)<br />
viam combatido os cavaleiros<br />
da Ordem Teutônica,<br />
estão em vias de<br />
conversão; os normandos,<br />
mesclando-se, confundiram-se<br />
com outros<br />
povos, entraram na Inglaterra<br />
e já não oferecem<br />
perigo.<br />
Aurora de uma<br />
era triunfal<br />
Mr Arthur Burton / Kunstauktionshaus Schloss Ahlden (CC3.0)<br />
A sensação da Europa<br />
é de que domina por<br />
completo a situação. Começa, então,<br />
a surgir um estado moral e social vitorioso,<br />
a chamada atmosfera imperial<br />
ou triunfal da Idade Média. Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo passa a ser apresentado<br />
nas catedrais não mais apenas como<br />
um mártir crucificado e sofredor,<br />
mas como um Rei cheio de glória; e,<br />
na liturgia, a afirmação do seu triunfo<br />
por todos os séculos, no mundo, passa<br />
a ter enorme importância.<br />
Acompanhando essa ideia, vinha,<br />
muito justificadamente, a do triunfo<br />
dos cristãos e, por detrás dessa, a<br />
concepção de que para todo o sempre<br />
o poder de Jesus Cristo estava<br />
firmado na Terra. O mais glorioso<br />
e mais civilizado dos continentes<br />
era cristão. Tinha-se aberto um reino<br />
de paz na Terra e as promessas do<br />
Evangelho iam ser realizadas com o<br />
triunfo da Cristandade.<br />
Ora, para a transição que irá se operar<br />
é preciso notar que o homem medieval<br />
sentia bem o triunfo em que essa<br />
pujança iria dar. Não nos esqueçamos<br />
de que depois veio a queda de Granada,<br />
a descoberta da América e seu povoamento;<br />
veio a formação do Império<br />
Colonial Português e o domínio do<br />
Oriente. Estava-se, então, na aurora de<br />
uma era de prodigiosa expansão europeia.<br />
Eles sentiam isso, e a atmosfera<br />
era de grande esperança, de grande<br />
expectativa, de<br />
grande alegria.<br />
Uma vida árdua<br />
que gera almas santas<br />
Acontece, porém, que um movimento,<br />
ainda mal estudado, fizera<br />
aparecer, no começo da Idade Média,<br />
muitos santos. Como, após a podridão<br />
romana e a efervescência bárbara,<br />
no tempo de Clóvis, apareceu<br />
uma Santa Clotilde, um São Remi,<br />
um São Gastão, um São Gregório de<br />
Tours e tantos outros ao mesmo tempo,<br />
e que foram ponto de partida para<br />
a conversão da Idade Média?<br />
Deve ter havido na base desse<br />
movimento uma família de almas,<br />
uma espécie de ciclo de santidade,<br />
que fundou a Idade Média. Esse ciclo<br />
desenvolveu-se sob o signo da luta:<br />
era a Igreja perseguida e ameaçada;<br />
cada homem era obrigado a lutar<br />
contra o inimigo externo e contra o<br />
inimigo interno, a heresia; havia lutas<br />
de uns contra os outros, pelo hábito<br />
das guerras bárbaras feudais<br />
que estavam ainda muito próximas.<br />
Enfim, todos viviam arduamente.<br />
Afrouxamento na<br />
prática da virtude<br />
Ao mesmo tempo que se delineia<br />
esse triunfo europeu, os costumes<br />
vão se mitigando, as guerras priva-<br />
19
Revolução e Contra-Revolução<br />
Francisco Pradilla(CC3.0)<br />
das se tornam menos numerosas, inicia-se<br />
uma era de doçura e suavidade.<br />
É nesse tempo, então, que os católicos<br />
começam a afrouxar seu modo<br />
de viver. E é nessa descompressão<br />
que se verifica um fenômeno que<br />
parece ser legítimo, lícito.<br />
O homem medieval passa a organizar<br />
sua vida, na qual o prazer tem<br />
um certo papel. Começa-se, na vida<br />
social, a fazer festas mais numerosas,<br />
mais brilhantes; as canções populares<br />
tornam-se mais alegres e joviais,<br />
não mais apenas guerreiras; na<br />
arte a produção é mais risonha. E essa<br />
suavização dos costumes segue-se<br />
até os séculos XIII e XIV.<br />
Depois surgem fenômenos mais<br />
complexos e tem início a decadência.<br />
Poderemos fazer o histórico desse declínio<br />
se nos reportarmos a alguns<br />
princípios explicitados a seguir.<br />
Uma crise gravíssima, originada<br />
de modo discreto<br />
Nada de extremo, quer no sentido<br />
do bem, quer no sentido do mal,<br />
se faz repentinamente. Ora, depois<br />
desse passo acima descrito, a Europa<br />
despenca numa crise gravíssima que<br />
não pode ter aparecido de repente.<br />
Ela teve seus primórdios muito discretos<br />
antes de se tornar tão grave.<br />
Rendição de Granada - Senado da Espanha<br />
Eis um princípio de vida espiritual<br />
do qual não podemos abstrair.<br />
Aplicam-se aos problemas de vida<br />
espiritual dos povos os mesmos princípios<br />
concernentes à vida espiritual<br />
dos indivíduos. Poderíamos falar, coletivamente,<br />
em paixões, em livre-arbítrio,<br />
em ascese, nas três vias da vida<br />
espiritual, purgativa, iluminativa<br />
e até mesmo unitiva. Temos, portanto,<br />
o direito de fazer uma análise histórica<br />
baseada nos princípios de vida<br />
espiritual aplicados aos povos.<br />
Há um ótimo método para sabermos<br />
se um conjunto de fatos históricos<br />
está decifrado. Trata-se de aplicar<br />
uma cifra ao que está enigmático.<br />
Se a cifra der sentido a tudo, quererá<br />
dizer que os fatos estão decifrados.<br />
Ora, com os princípios da vida<br />
espiritual é possível construir uma<br />
hipótese lógica a respeito da queda<br />
da Idade Média; aplicá-los-emos e<br />
veremos explicarem-se os fatos.<br />
Deixemos a Idade Média um pouco<br />
à parte e consideremos os problemas<br />
de vida espiritual num homem.<br />
Ocasiões propícias à prática<br />
do bem ou do mal<br />
Sabemos que cada condição de vida<br />
tem algo que, pelo menos de modo<br />
acidental, favorece o bem e dá também<br />
ocasião ao mal. Reciprocamente,<br />
as melhores condições de vida têm algo<br />
que também dão ocasião ao mal.<br />
Examinemos um criminoso vivendo<br />
em péssimas condições, um homem<br />
que faz o mal por definição.<br />
Mas sua vida lhe dá oportunidade de<br />
praticar algumas ações, como a coragem,<br />
que, embora não sendo virtude,<br />
tem algum aspecto de virtude.<br />
Pelo contrário, na mais santa das<br />
vidas, na de um religioso em estado<br />
de santidade, há certas ocasiões propícias<br />
ao mal.<br />
É evidente a solidariedade existente<br />
entre todas as virtudes e entre<br />
todos os vícios. Quando o homem<br />
progride numa virtude, progride em<br />
todas; quando progride num vício,<br />
progride em todos.<br />
Uma conversão a meias e<br />
uma verdadeira conversão<br />
Imaginemos a história da regeneração<br />
de um bandido, de um gangster<br />
americano que seja o pior que se possa<br />
conceber. Ele tem certo amor pelo<br />
risco, pela luta e pelo futuro incerto,<br />
e pode até ter certa piedade sem ser,<br />
naturalmente, a verdadeira. É o caso<br />
de François Villon 2 , que escreveu uma<br />
balada a Nossa Senhora, e também é<br />
o caso de Bocage 3 . Não se pode dizer<br />
Consagração episcopal de São Remi<br />
Museu de Saint-Remi, Reims, França<br />
Flávio Lourenço<br />
20
que nessas atitudes haja verdadeira<br />
piedade, mas há algo disso<br />
e até de elegância moral.<br />
Suponhamos que esse gangster<br />
de que tratávamos passe por um<br />
fenômeno de maturação. Começa<br />
a ficar ajuizado e a passar da<br />
fase má de ladrão para a fase boa;<br />
e pensa então que muito mais razoável<br />
é a segurança, o verdadeiro<br />
bem da vida, depois a fartura<br />
e por fim o repouso. Deixa sua<br />
vida de aventura e vai ser agente<br />
de correio numa cidade interiorana<br />
muito pacata. Torna-se homem<br />
honesto, traz suas contas com muito<br />
critério, vive como um burguês. Regenerou-se,<br />
pois não achou bom cálculo<br />
ser gatuno.<br />
Com essa conversão a meias ele<br />
perde seus defeitos de ladrão, mas<br />
perde também algumas qualidades.<br />
Ele amolece. De generoso que era,<br />
torna-se avarento e fica deselegante.<br />
Pode vir a ser piedoso e, é incrível,<br />
pode até ficar em estado de graça.<br />
Mas dele nunca sairá uma balada<br />
a Nossa Senhora. A piedade dele<br />
pode ter crescido em raízes, mas<br />
um certo jorro, um certo fogo ela<br />
não mais terá. Esta é, entre muitas<br />
outras, uma das evoluções possíveis.<br />
Se fosse verdadeira conversão, essa<br />
transformação seria bem diferente.<br />
O ladrão regenerado não passaria<br />
nunca de um egoísmo para outro. Ao<br />
contrário, ele deveria passar do egoísmo<br />
para a procura do Absoluto, para<br />
uma atitude de humildade diante<br />
de Deus e de uma verdadeira abnegação.<br />
Então, seria um homem que<br />
somaria ao seu progresso moral as<br />
virtudes de um novo estado, as qualidades<br />
de outrora, que passariam, então,<br />
a ser autênticas qualidades. Seria<br />
seu caminho para a santificação.<br />
Aos medievais faltou a compenetração<br />
da vida de luta...<br />
Deu-se na Idade Média um fenômeno<br />
semelhante e muito importante<br />
para nossa meditação, porque poderá<br />
dar-se no Reinado de Maria,<br />
no momento do triunfo sobre os inimigos<br />
da Igreja.<br />
Na Idade Média, para os católicos<br />
de fé muito intensa e de grande espírito<br />
de sacrifício, faltou algo muito profundo:<br />
aceitavam a cruz e a carregavam<br />
garbosamente, mas não estavam<br />
compenetrados, de um modo consciente<br />
e explícito, de que a cruz não<br />
era apenas uma contingência irremediável<br />
devido às árduas circunstâncias<br />
da existência que não conseguiam remover;<br />
de que a vida trabalhosa e difícil<br />
da Cristandade era inevitável, não<br />
porque há mouros, pagãos e inimigos<br />
de outra natureza, mas porque a vida<br />
do católico é penosa em sua essência<br />
mesma, após o pecado original, e corre<br />
sobre um leito falso quando não é<br />
árdua. Cessadas as provações, deveriam<br />
ter entrado na vida nova com um<br />
verdadeiro pânico de perder o amor à<br />
Cruz e o senso do sacrifício.<br />
... e o receio do abuso da vitória<br />
Tratava-se de se organizarem<br />
dentro da vitória com maior temor<br />
ainda do que quando estavam na luta,<br />
percebendo que teriam dificuldades<br />
muito maiores para perseverar<br />
no período da descompressão do<br />
que no da provação. Deveria ter sido<br />
essa a matéria para que os púlpitos<br />
ressoassem, os confessionários apertassem<br />
as cravelhas, para que todas<br />
as pessoas responsáveis pela vida espiritual<br />
da sociedade cristã se manifestassem<br />
insistentes: o perigo vem<br />
com a vitória. É essa a hora do desfibramento.<br />
Ganhar a vitória depois<br />
de ter vencido a guerra, em circunstâncias<br />
dessas, é o grande problema.<br />
Em tudo que folheamos a respeito<br />
dos séculos XIII e XIV, nada encontramos<br />
que indicasse o receio do<br />
abuso da vitória; não encontramos<br />
a ideia explícita de que nessa hora<br />
é preciso tomar redobrado cuidado.<br />
A vida do católico é uma luta perpétua<br />
e, se não houver luta, ele regride.<br />
Não havendo luta é sinal de que<br />
a derrota começou.<br />
De uma fase equilibrada à<br />
acentuação dos prazeres<br />
Dessa primeira fase em que a<br />
Idade Média se revela ainda ponderada,<br />
equilibrada, passamos para<br />
uma época em que os prazeres<br />
vão se acentuando. São ainda honestos,<br />
legítimos e até equilibrados.<br />
Há, porém, uma sede de prazer que<br />
vai se tornando progressivamente<br />
acentuada. Numa terceira etapa,<br />
notamos todo o corpo social da Idade<br />
Média já deteriorado. E uma espécie<br />
de febricitação, de agitação,<br />
de delírio, já define bem o século<br />
XV, fazendo com que muitas pesso-<br />
R.M.N. / R.-G. Ojéda (CC3.0)<br />
21
Revolução e Contra-Revolução<br />
Quinto Cenni (CC3.0)<br />
as do tempo pensassem que o mundo<br />
iria acabar.<br />
Então, um São Vicente Ferrer<br />
percorria a Europa pregando o fim<br />
do mundo, a ponto de ser considerado<br />
o Anjo previsto no Apocalipse,<br />
cuja finalidade era a de percorrer<br />
a Terra anunciando a catástrofe. Se<br />
não era o fim do mundo, talvez fosse<br />
o início do fim. Maquiavel 4 dizia<br />
que estávamos na última hora; os desenhos<br />
macabros de Dürer 5 ilustram<br />
bem essas apreensões; enfim, há toda<br />
uma atmosfera que se torna ainda<br />
mais densa e que prenuncia algo de<br />
horrível que iria acontecer.<br />
A causa da decadência<br />
foi o relaxamento e não a<br />
deliberação de praticar o mal<br />
Nota-se, então, a passagem sucessiva<br />
de um apogeu para um estado de<br />
decadência. O ponto de partida foi a<br />
falta de cuidado, a falta de prevenção.<br />
Uma atitude despreocupada da Cristandade<br />
medieval foi a causa da decadência,<br />
caracterizada pela excessiva<br />
confiança em si mesmo, julgando haver,<br />
na própria sociedade medieval, raízes<br />
e lastros de virtudes suficientes para<br />
se eliminar qualquer preocupação.<br />
Nem se pode afirmar que havia<br />
má intenção nessa atitude. Tratava-<br />
-se apenas de um relaxamento e não<br />
de deliberação de praticar o mal.<br />
Nessa fase de afrouxamento do modo<br />
de viver, a Idade Média até nos<br />
impressiona pelo que tem de temperante,<br />
de digna, de nobre, mesmo<br />
nos seus prazeres.<br />
Note-se que isso não é uma afirmação,<br />
não é uma tese que venha<br />
acompanhada de documento, mas<br />
uma hipótese baseada em alguns conhecimentos.<br />
Mas, quando formulamos<br />
esta hipótese os fatos se alinham<br />
de tal maneira, que tudo se torna claro.<br />
Assim sendo, os acontecimentos<br />
ficam arquitetonicamente explicados.<br />
É necessário considerar que isto<br />
não se refere a desvios existentes,<br />
mais ou menos excepcionais, embora<br />
até profundos. Encontramos na Idade<br />
Média fenômenos marginais, como as<br />
heresias, mas que não são a Idade Média;<br />
casos de satanismo, mas que não<br />
são a Idade Média; um imperador que<br />
é até arabizante e “muçulmanizante”,<br />
mas isso também não é a Idade Média.<br />
É a doença inteira do corpo social<br />
que estou procurando descrever e não<br />
apenas certas chagas.<br />
Está na substância da santificação<br />
o desejo de luta e de cruz<br />
Isso interessa muito aos contrarrevolucionários,<br />
sobretudo tendo-<br />
-se em vista o Reinado do Imaculado<br />
Coração de Maria conforme<br />
sua promessa em Fátima: “Por fim<br />
o Meu Imaculado Coração Triunfará.”<br />
Se nos for dado sobreviver para<br />
essa nova Idade Média, só seremos<br />
dignos de nela agir se ensinarmos<br />
aos que nos sucederem como começou<br />
a decadência e que, se não houver<br />
um cuidado extraordinário para<br />
se conservar um verdadeiro amor à<br />
Cruz e um verdadeiro senso de luta e<br />
de sofrimento dentro das novas condições,<br />
de novo se romperá o equilíbrio<br />
da sociedade católica.<br />
Esses princípios são tão verdadeiros<br />
que se aplicam até aos fenômenos<br />
de vida espiritual dos contrarrevolucionários<br />
de hoje. Em virtude de<br />
quase todos os ambientes atualmente<br />
estarem, uns mais outros menos,<br />
impregnados do espírito revolucionário,<br />
quando uma alma, ao se converter,<br />
torna-se contrarrevolucionária,<br />
entra em uma fase de lutas e<br />
enormes provações. São batalhas, lutas,<br />
brigas com companheiros de infância<br />
e antigos amigos.<br />
Há depois, uma segunda fase, de<br />
estabilização, em que tudo se torna<br />
menos árduo e mais fácil. Essa é a fase<br />
perigosa. Não se devem temer tanto<br />
as lutas de conversão como as batalhas<br />
de segunda fase, porque é aí que<br />
vem a tentação de se viver sem preocupações<br />
dentro da virtude, o que significa<br />
abandonar a virtude e viver fora<br />
dela. Está na substância da santificação<br />
o desejo de luta e de cruz.<br />
Primeira fase da decadência:<br />
o agradável que se acentua<br />
A primeira das várias etapas da decadência<br />
se caracteriza pelo agradável-<br />
-bom que se acentua demais, mas ainda<br />
honesto, nobre e equilibrado. É exemplo<br />
disso o traje feminino habitual na<br />
Idade Média. Era lindíssimo, com os<br />
belíssimos chapéus de cone com véus<br />
pendentes, ou em forma de gomos,<br />
com uma coroa. É algo de muito nobre<br />
e bonito, e também muito calmo e repousante.<br />
Toda a arte medieval dá uma<br />
sensação muito agradável.<br />
22
O agradável encontra sua melhor<br />
expressão no gótico flamboyant, mas<br />
que vai invadindo todos os campos e,<br />
em vez de ser apenas um agradável-<br />
-bonito para a sala de visitas, passa<br />
a ser a nota dominante em quase todos<br />
os ambientes. O gótico nesta fase<br />
torna-se catito. Não é mais a época<br />
das grandes catedrais, mas das capelas<br />
feitas quase só de vitrais. A pedra<br />
é já bem menos usada.<br />
Tudo piora a partir do momento<br />
em que o agradável se torna ilícito e,<br />
portanto, imoral. O mesmo se dá na<br />
literatura de Cavalaria e em inúmeros<br />
outros setores da vida medieval.<br />
As profundidades dessa crise<br />
nas diversas camadas sociais<br />
Para se analisar como a crise se<br />
generalizou no corpo da sociedade<br />
medieval, é necessário ver as profundidades<br />
dessa crise. Por profundidade<br />
entendemos as várias camadas<br />
dessa sociedade; a mais baixa, a do<br />
povo, seria a última profundidade; a<br />
mais elevada seriam as cortes.<br />
Antes de prosseguirmos, seria conveniente<br />
lembrar um princípio. Ao analisarmos<br />
alguém, encontramos, sobretudo<br />
se se trata de um liberal, várias<br />
personalidades conjuntas que entram<br />
numa espécie de diálogo. Há num mesmo<br />
homem o monarquista, o republicano,<br />
o católico, o protestante. Quem<br />
tem um antepassado protestante herda,<br />
queira ou não, um protestante dentro<br />
de si. Quando uma pessoa tem uma<br />
hereditariedade profundamente católica<br />
e outra protestante, este ramo tem<br />
como que um católico dormindo dentro<br />
de si e, no católico, como que um<br />
protestante. É o princípio das várias<br />
personalidades opostas, estabelecendo<br />
um diálogo interno e que se dá na vida<br />
espiritual de um homem.<br />
As várias correntes de opinião<br />
transmitem para a vida espiritual de<br />
um país esse princípio. O Brasil, habitado<br />
por republicanos, monarquistas,<br />
católicos e protestantes, consti-<br />
tui um imenso cérebro coletivo parecido<br />
com os cérebros individuais de<br />
muitos.<br />
Uma decadência mais acentuada<br />
nas classes abastadas<br />
Na Idade Média, o princípio do diálogo<br />
interior entre várias personalidades<br />
dava-se conforme as classes sociais.<br />
Esse processo de deterioração começou<br />
com os mais ricos e poderosos.<br />
O fenômeno é mais evidente nas<br />
cortes reais e mesmo em certas cortes<br />
principescas tão altas quanto as<br />
cortes de reis. Começa-se então uma<br />
vida de extravagância. A metástase,<br />
à maneira de câncer, foi se espalhando<br />
para as demais classes sociais.<br />
A corte corrompe a média nobreza<br />
que, por sua vez, corrompe a<br />
pequena. A alta burguesia, sempre a<br />
primeira a corromper-se com os reis,<br />
deteriora a média burguesia e a pequena.<br />
Esse processo é lento, mas<br />
terrivelmente eficaz.<br />
Há períodos, na Idade Média, em<br />
que se nota com muita clareza esse<br />
fenômeno de corrupção nos altíssimos<br />
letrados, nos altos aristocratas,<br />
nos altíssimos argentários e mesmo<br />
no mais alto clero.<br />
Vitral da Catedral de York (estilo Flamboyant) - Grã Bretanha<br />
Diliff (CC3.0)<br />
23
Revolução e Contra-Revolução<br />
II<br />
Fatores de expansão da<br />
Revolução tendenciosa<br />
Adam Frans van der Meulen(CC3.0)<br />
Os centros naturais<br />
de resistência<br />
Há, no entanto, correntes de opinião<br />
e umas tantas classes sociais<br />
que constituem centros naturais de<br />
resistência. É o que se passou com o<br />
movimento humanista e renascentista,<br />
que tanto floresceu entre os altos<br />
intelectuais, mas que encontrou focos<br />
de resistência nas universidades,<br />
a tal ponto que estas, durante muito<br />
tempo, ficaram à margem do movimento<br />
novo, apegadas às fórmulas<br />
antigas.<br />
Entre as camadas inferiores do<br />
povo, a corrupção é muito mais lenta,<br />
havendo muita resistência. No<br />
tempo de Luís XIV, o povo era ainda<br />
tão ingênuo que ia ver o rei passear<br />
com as três rainhas: “Maria Teresa<br />
de Áustria 6 , a Duquesa de La Vallière<br />
7 e a Marquesa de Montespan 8 .<br />
Mal se davam conta da imoralidade<br />
pavorosa do fato. Um rei tão poderoso<br />
com três rainhas! Também no<br />
tempo de Luís XIV, as festas e diversões<br />
populares, tudo era feito numa<br />
atmosfera de Idade Média. A perversão<br />
demorou muito para penetrar<br />
nas camadas inferiores da sociedade.<br />
Mas essa resistência sofre um processo<br />
de degradação que se delineia<br />
mais ou menos da seguinte maneira:<br />
inicialmente há uma indignação e resistência<br />
profunda à deterioração; a<br />
seguir, uma contemporização, apesar<br />
da não adesão e até da resistência;<br />
por fim, tolerância indiferente<br />
seguida de admiração, inveja e adesão<br />
ao processo que já estava vitorioso<br />
há muito tempo nas camadas superiores<br />
da sociedade.<br />
Como se vergou a<br />
sociedade medieval?<br />
Quando estudamos o problema<br />
da decadência da sociedade medieval,<br />
ocorre-nos uma indagação no<br />
sentido de saber por onde ela se vergou<br />
à Revolução.<br />
Muitos afirmam que a decadência<br />
coube aos reis e ao clero que deram<br />
o passo inicial. Há outra teoria,<br />
mais simpática, que é a de que tudo<br />
foi possível a partir do momento em<br />
que a resistência deixou de ser caracterizada<br />
por uma intolerância agressiva,<br />
indignada e militante. Só a reação<br />
enérgica é capaz de deter o progresso<br />
do mal. O mais lamentável<br />
não é que os maus sejam audaciosos,<br />
mas que os bons não lhes ofereçam<br />
a intolerância e a resistência agressiva<br />
que eles demonstram para com o<br />
bem.<br />
Se alguém denuncia publicamente<br />
o mal praticado pelos revolucionários,<br />
algo se lhes atrapalha, ainda<br />
que eles não queiram. E é esta espécie<br />
de atrapalhação interna que<br />
produz o estertor dos revolucionários.<br />
Muito poucos têm coragem para<br />
contra-argumentar a quem os denuncia.<br />
E vence quem argumenta<br />
com mais intolerância e agressividade,<br />
no sentido mais profundo da palavra.<br />
Sob este aspecto pode-se dizer,<br />
em certo sentido, que tudo depende<br />
da intolerância.<br />
24
A vitória dos maus foi possível<br />
quando a resistência dos<br />
bons deixou de ser intolerante<br />
O mal começa a vencer quando os<br />
bons deixam de ter essa intolerância<br />
ousada e triunfante.<br />
Desde a Idade Média até nossos<br />
dias, a atitude dos apóstolos da Igreja<br />
face à Revolução tem sido, em linhas<br />
gerais, defensiva. Os soldados da Igreja<br />
têm pensado sempre em se defender,<br />
em construir muralhas. Os poucos<br />
que tiveram intolerância agressiva deram<br />
origem a heroicas resistências. É<br />
o caso de São Luís Grignion de Montfort,<br />
cujo apostolado deu origem, na<br />
Vandeia, ao maior foco de resistência<br />
à Revolução Francesa.<br />
Podemos deduzir das noções já expostas<br />
uma teoria da tolerância. É<br />
possível tomar-se em relação à Revolução<br />
tanto uma posição tolerante legítima,<br />
verdadeira, como também enganar-se<br />
com uma falsa tolerância.<br />
Suponhamos um diretor de almas<br />
que trata um seu dirigido, o qual, na<br />
linha essencial de seus deveres, vai<br />
bem, mas que tem fraquezas neste<br />
ou naquele particular. Pode ser conveniente<br />
aguardar a hora de Deus<br />
para dizer determinada verdade e,<br />
portanto, ter muita tolerância e ser<br />
contemporizador. E nisto, com muito<br />
tato, ser tolerante é um bem.<br />
Mas, se a mesma pessoa pede a seu<br />
diretor uma tolerância na linha de suas<br />
próprias paixões e que consista em<br />
concordar com que ela faça capitulações<br />
naquela linha, seria enorme pecado<br />
desse diretor de almas uma concessão<br />
consciente.<br />
Não podemos tolerar, tendo autoridade<br />
para isso, que, de quando<br />
em vez, fume um cigarro um homem<br />
que tenha um gosto destemperado<br />
de fumar, mas esteja desejoso de parar.<br />
Fumando, ele alimenta em si todo<br />
o dinamismo do vício.<br />
Em relação à sensualidade, um<br />
educador que proíbe o educando de<br />
ir a lugares perigosos, imorais, mas<br />
que lhe permite ver revistas imorais,<br />
está cometendo um grande pecado.<br />
Não se pode chamar a isso de tolerância,<br />
no bom e verdadeiro sentido<br />
da palavra. Essas são atitudes que<br />
aceleram a marcha revolucionária.<br />
A teoria do pecado imenso<br />
Assim como todo apogeu vem do<br />
fato de ter-se saído de um estado de<br />
hostilidade à prática da virtude, toda<br />
crise começa com o abandono de<br />
uma posição de amor à Cruz, passando<br />
depois à contemporização, à tolerância,<br />
à admiração e, por fim, à adesão<br />
ao erro; parte da plenitude da<br />
prática do bem rumo à decadência, e<br />
os bons decaem por isso. Como é que<br />
se consegue, poderíamos nos perguntar,<br />
conjurar nesse sentido?<br />
A Providência sugere todo um sistema<br />
de almas que se influenciam mutuamente,<br />
como planetas e satélites,<br />
para evitar a deterioração dos bons<br />
costumes; elas constituem entre si<br />
uma família de almas que, se se mantiverem<br />
íntegras e aplicarem o princípio<br />
da teoria da intolerância triunfante,<br />
não haverão de se desencaminhar.<br />
A fidelidade delas ao<br />
princípio acima enunciado<br />
será tal que detém<br />
o avanço da Revolução.<br />
Assim sendo, poderíamos<br />
dizer que o peso do<br />
mundo repousa sobre<br />
essas almas, que são a<br />
verdadeira alavanca da<br />
História.<br />
Como consequência<br />
dos princípios enunciados,<br />
chegamos à teoria<br />
do “pecado imenso”.<br />
Houve, na raiz de<br />
todo esse processo, dessa<br />
apostasia, um imenso<br />
pecado. As famílias<br />
de almas deveriam, no<br />
diálogo interno das várias<br />
fibras de um povo,<br />
as quais entram em luta,<br />
manter a fidelidade<br />
à virtude e o amor à Cruz. Alguém<br />
não a manteve. Houve uma alma<br />
muito amada por Deus que prevaricou.<br />
E, com esse pecado, todo o plano<br />
da Providência caiu por terra, pois<br />
Ela quer, de modo muito misterioso,<br />
condicionar à generosidade de certos<br />
indivíduos o livre curso de determinados<br />
fatos. É um plano de Deus.<br />
Na Idade Média, que viveu de<br />
grandes Ordens religiosas – beneditinos,<br />
reforma de Cluny, franciscanos,<br />
dominicanos, e eu não vejo uma<br />
Ordem religiosa senão como uma família<br />
de almas – houve uma ou outra<br />
que, em determinada ocasião,<br />
não foi fiel. Como consequência, todos<br />
os vírus maus começaram a agir<br />
no momento perigoso. E a hecatombe<br />
da civilização feudal se lhe seguiu.<br />
Do pináculo ao abismo<br />
Mas, por que logo de início veio<br />
essa tremenda explosão, essa carga<br />
brutal de revolta? Por que tal força<br />
explosiva? Porque quanto maior a altura<br />
da qual se cai, tanto maior a queda,<br />
e quanto maior a virtude, tanto<br />
mais rugem as feras quando soltas.<br />
Sermão de São Luís Maria Grignion de Montfort<br />
Museu de Arte e de História, Cholet, França<br />
Flávio Lourenço<br />
25
Revolução e Contra-Revolução<br />
Divulgação / Library of Congress / Horace Vernet(CC3.0)<br />
Ora, o mundo estava num pináculo.<br />
Sair desse pináculo era soltar animais<br />
os mais ferozes. Daí decorreram<br />
tremendas paixões que invadiram<br />
o mundo contemporâneo. Esse<br />
“pecado imenso” se deu em duas<br />
gamas: foi alguém ou alguns que<br />
se entibiaram; e outros que, por decorrência,<br />
lhes seguiram os passos.<br />
Donde a descompressão pavorosa<br />
de todo um continente, o que continua<br />
até nossos dias. Tratava-se apenas<br />
de escorar o salvável e procurar<br />
uma era de prata, uma vez que a era<br />
de ouro fracassara.<br />
O sonho milagroso do Papa Inocêncio<br />
III, em que São Francisco de<br />
Assis sustentava em seus ombros a<br />
Igreja, simbolizada na Basílica de<br />
São João de Latrão que se rachava<br />
em duas partes, aplica-se a essa teoria<br />
do “pecado imenso”. São Francisco<br />
de Assis teria cometido um pecado<br />
imenso se não tivesse impedido,<br />
com seu apostolado, a queda de toda<br />
a Igreja. Provavelmente, se não tivesse<br />
havido São Francisco, essa revolução<br />
teria estourado muito mais cedo.<br />
Torna-se, então, plausível que um<br />
outro “Francisco de Assis”, em dado<br />
momento, não tenha correspondido<br />
e a História tenha mudado seu curso.<br />
Esse “pecado imenso” pode ter-<br />
-se dado a sós, numa cela religiosa, no<br />
quarto de algum homem muito chamado,<br />
que recusou talvez um sacrifício<br />
pequeno, porque, às vezes, tudo<br />
depende de um pequeno sacrifício. É<br />
mistério de Deus.<br />
É incompleta a<br />
concepção de que<br />
a vitória é sempre<br />
dos extremados<br />
de cada lado<br />
Sonho do Papa Inocêncio III, em que São Francisco<br />
sustentava a Igreja - Basílica Superior, Assis, Itália<br />
Há um modo corrente de<br />
se conceber as lutas da Revolução<br />
e da Contra-Revolução<br />
que faz ver dois grandes setores<br />
divididos por uma cortina<br />
ideológica: de um lado<br />
os revolucionários, do outro<br />
os contrarrevolucionários.<br />
Assim, na primeira Revolução<br />
havia protestantes e católicos,<br />
depois monarquistas<br />
e republicanos e, hoje, comunistas<br />
e anticomunistas. Cada um desses<br />
“exércitos” aparece como uma massa<br />
compacta. Os católicos são um corpo<br />
homogêneo frente aos protestantes,<br />
que também são assim considerados.<br />
Depois, os republicanos e monarquistas<br />
são dois blocos compactos. O mesmo<br />
quanto ao comunismo.<br />
De acordo com essa concepção histórica,<br />
a luta, em cada uma dessas ocasiões,<br />
foi capitaneada pelos mais ardentes<br />
dos dois lados e, se a monarquia<br />
vence, a vitória é dos ultramonarquistas;<br />
se os republicanos vencem, é a<br />
vitória dos jacobinos; se a Igreja vence,<br />
é a vitória dos mais extremados<br />
da Contrarreforma. De acordo ainda<br />
com essa teoria, todos os acontecimentos<br />
do mundo estariam sempre<br />
entregues às alas extremas.<br />
Essa concepção é verdadeira, mas<br />
pavorosamente incompleta. Um<br />
grande número de erros de estratégia<br />
que têm sido cometidos, sobretudo<br />
pela Contra-Revolução, foram baseados<br />
na ignorância do que tem de<br />
incompleto esse panorama.<br />
Se os contrarrevolucionários, cônscios<br />
de que a Revolução é algo de processivo<br />
e gradual, soubessem como<br />
combatê-la explorando os pendores<br />
psicológicos, teriam podido ganhar a<br />
luta.<br />
Necessidade de conhecer<br />
o caráter processivo<br />
da Revolução<br />
Aqueles que se empenham na luta<br />
da Revolução e da Contra-Revo-<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
26
lução devem ter um conhecimento<br />
muito especial desse caráter processivo<br />
da Revolução, e tê-lo bem nítido<br />
para poder comunicá-lo aos outros<br />
contrarrevolucionários. É este o<br />
único meio de que dispõem para estancar<br />
o caráter processivo da Revolução.<br />
Feito isso, poder-se-á então<br />
pensar em Contra-Revolução.<br />
Do lado da Contra-Revolução, há<br />
também um aspecto que, na ordem<br />
natural das coisas, é muito importante.<br />
É o choque contrarrevolucionário.<br />
É o meio de tirar o revolucionário do<br />
mecanismo da Revolução e torná-lo<br />
apto a ser contrarrevolucionário.<br />
Princípio da dupla<br />
gradatividade<br />
Descendo à mais profunda psicologia<br />
do homem, notamos que há nas<br />
apetências humanas uma espécie de<br />
correspondência com a ordem natural<br />
criada por Deus. Os predicados de<br />
todas as criaturas são susceptíveis de<br />
graus: há graus de alvura, de maciez,<br />
de escuridão, de rigidez, de sabor. Na<br />
natureza tudo tem predicados sujeitos<br />
a determinados graus.<br />
Concomitantemente dá-se o mesmo<br />
fenômeno em sentido oposto. O<br />
modo de apetecer do homem é também<br />
gradativo. Podemos, por exemplo,<br />
olhar uma luz e depois, gradualmente,<br />
ir nos habituando com<br />
ela. No início tivemos um choque<br />
e depois nos habituamos. Podemos<br />
nos habituar a algo macio. Depois<br />
de certo tempo, no entanto, ficaríamos<br />
satisfeitos se nos oferecessem<br />
algo ainda mais macio, porque não só<br />
o macio tem graus, mas porque vamos<br />
progredindo, por graus, na apetência<br />
do macio. No mais alto grau<br />
do macio, nossa apetência dele também<br />
atinge seu grau máximo.<br />
À medida que vamos passando<br />
de grau, vamos apetecendo o outro<br />
grau. Por esse processo, passamos da<br />
ascese de uma cama de tábua para<br />
o cúmulo do macio, por vários graus<br />
sucessivos, que são duas ordens de<br />
graus: o do macio que está nas coisas<br />
e o de nossas apetências, que vão cada<br />
vez mais desejando o macio.<br />
Trata-se de uma gradatividade dos<br />
predicados dos diversos elementos e<br />
uma capacidade de caminhar gradualmente<br />
para atingir o seu extremo. É<br />
o primeiro princípio que poderíamos<br />
mencionar, tão forte que um homem<br />
nunca chega a determinados extremos<br />
de apetência sem ter passado pelas escalas<br />
intermediárias. Antes de ter apetecido<br />
todos os graus intermediários, é<br />
normal que o homem rejeite o extremo<br />
se este lhe for apresentado.<br />
Princípio da<br />
totalidade<br />
Consideremos um segundo<br />
princípio, que chamaríamos<br />
da totalidade.<br />
Precisa ser compreendido<br />
de um modo muito<br />
matizado, para que não<br />
pareça falso e contra ele<br />
não se possa fazer toda<br />
espécie de objeções.<br />
Em cada gosto, em cada<br />
deleite que tenhamos,<br />
em virtude de nossa natural<br />
tendência à felicidade,<br />
somos levados até o extremo<br />
daquele gosto, daquele deleite.<br />
Em princípio, e salvo os contravapores<br />
que existam em nosso<br />
organismo, em cada deleite, a<br />
tendência é sempre a de chegar<br />
ao seu último requinte. Quando<br />
apreciamos algo somos levados a chegar<br />
ao seu último paroxismo.<br />
As tendências existentes dentro do<br />
homem tendem à totalidade. Há uma<br />
espécie de paroxismo, de auge, para o<br />
Gabriel K. / Flávio Lourenço / Sebastião C.<br />
27
Revolução e Contra-Revolução<br />
qual tudo caminha. Por esse motivo,<br />
para os homens voluptuosos e<br />
para as civilizações voluptuosas não<br />
há limites. Estas desenvolvem suas<br />
tendências em todas as direções. O<br />
que acontece em relação aos sentidos,<br />
dá-se também em relação às<br />
paixões da alma.<br />
Uma pessoa que seja vaidosa<br />
do seu físico, enquanto não for<br />
proclamada um Adônis, não se<br />
contenta. Depois, quererá que se a<br />
proclamem muito acima deste. O<br />
mesmo se pode dizer de uma pessoa<br />
orgulhosa. Primeiro ela quererá<br />
ser rei constitucional de seu país,<br />
depois monarca absoluto, a seguir<br />
quererá um altar, e, em breve,<br />
deseja ser divinizada. Cada etapa<br />
tende ao seu paroxismo.<br />
Objeções e ressalvas a<br />
este segundo princípio<br />
Flávio Lourenço<br />
Poder-se-iam fazer objeções a isso.<br />
Os olhos apetecem a luz; quanto mais<br />
luz os olhos recebam, mais devem gostar.<br />
Existem, entretanto, certas pessoas<br />
que têm horror à luz excessiva.<br />
Isso se explica naturalmente: há,<br />
dentro do homem, para certas paixões,<br />
uns contravapores que funcionam<br />
à maneira de freios. No caso, esses<br />
contravapores são disposições do<br />
globo ocular que a luz prejudica. Mas<br />
essas são situações excepcionais. A regra<br />
normal não é essa, pois os homens<br />
estão sempre à procura de mais luz.<br />
Dentro do princípio da totalidade<br />
pode-se, isso sim, estabelecer uma<br />
ressalva: existem no homem determinados<br />
contravapores que, de si,<br />
estabelecem um limite para o princípio<br />
da totalidade. É exemplo o caso<br />
da luz acima citado. E o limite é<br />
também de bom senso. Sabe-se que<br />
o princípio existe, mas que nem todos<br />
os homens estão, a cada momento,<br />
à procura de todas as volúpias.<br />
Essa totalidade, entretanto, tem a<br />
seu favor uma característica: em determinados<br />
pontos, o homem deseja,<br />
sem nenhum contravapor, uma<br />
totalidade absoluta até a última exacerbação.<br />
Não se contenta a não ser<br />
com esse extremo.<br />
Para a imensa maioria dos homens,<br />
o instinto sexual está nesse caso.<br />
O desenfreamento é tal que se a<br />
pessoa, de fato, for abrir largas nessa<br />
matéria, haverá de chegar a toda espécie<br />
de manias, paroxismos e degradações<br />
que, sucessivamente, vão aumentando<br />
a intensidade do prazer.<br />
Ao lado do instinto sexual há também,<br />
para a quase totalidade dos homens<br />
normais, uma tendência ao orgulho<br />
que não conhece limites. É algo<br />
até mesmo insondável. Esses dois<br />
instintos transformam-se em paixões,<br />
que são as duas principais molas<br />
da Revolução.<br />
Todos os homens têm graus nessas<br />
paixões, mas tendem para uma espécie<br />
de exacerbação e plenitude. É um<br />
paroxismo de prazeres que é comparável<br />
quase a um êxtase. Invade o homem<br />
todo, satura-o, ingurgita-o. Muitas<br />
vezes esses vícios podem não estar<br />
manifestados com clareza, mas no interior,<br />
se não forem combatidos com<br />
força, estarão corroendo e destruindo<br />
todas as fibras da alma.<br />
O princípio pelo qual a<br />
totalidade está contida<br />
no primeiro germe<br />
A totalidade, ou a apetência da<br />
totalidade, está contida no germe<br />
inicial. Uma pessoa que durante a<br />
vida tenha combatido o orgulho<br />
e que tenha sido sempre de uma<br />
perfeição exímia na virtude da<br />
humildade, quando pela primeira<br />
vez tiver um lapso nessa matéria,<br />
ouvindo, por exemplo, com um<br />
pouco mais de complacência um<br />
elogio, de fato consente em algo<br />
de aparência insignificante, é apenas<br />
uma pequena concessão. Para<br />
uma pessoa que subiu tão alto,<br />
no entanto, aquela concessão tem<br />
um significado especial.<br />
Diz-se que quanto maior a altura<br />
tanto maior é a queda. De fato, ao<br />
ouvir com algum agrado aquele elogio,<br />
não está em jogo apenas o desejo<br />
dele, mas a carga completa da vaidade<br />
a mais delirante. Em exatos termos, a<br />
vontade de se fazer adorar está contida<br />
nessa concessão. Esse primeiro germe<br />
contém todos os paroxismos; qualquer<br />
concessão traz a apetência de todas<br />
as outras concessões.<br />
A teoria do caráter processivo fica<br />
dessa maneira bem estabelecida. No<br />
homem que possui de maneira rudimentar<br />
a carga tremenda de sensualidade<br />
e orgulho existente em todo<br />
ser humano, na primeira concessão<br />
feita está já contida uma apetência<br />
do paroxismo. Inicia-se assim o processo.<br />
Ele não chegará logo ao extremo.<br />
O princípio de vida espiritual<br />
que diz que o homem nada faz subitamente<br />
de extremo é verdadeiro.<br />
A primeira concessão, no entanto,<br />
alimenta a paixão e faz com que ela<br />
progrida dez. Esse dez já predispõe a<br />
alma para a próxima concessão, que se<br />
lhe segue. A paixão progride cem; a seguir,<br />
outra, e progride cem mil; depois,<br />
milhões. E assim como não há unidade<br />
suficiente para medir a força desagregadora<br />
do átomo, assim também não<br />
28
há unidade que meça a força de explosão<br />
intrínseca da alma humana.<br />
Processa-se então na alma uma cadeia<br />
de fenômenos semelhantes ao<br />
que se vê na Revolução e na Contra-Revolução.<br />
No homem, uma carga<br />
em estado dormente que, de modo<br />
repentino entra em erupção, irá,<br />
de forma progressiva, avolumando-se<br />
em virtude da tendência processiva e<br />
gradativa. Esse é o caminho normal e<br />
habitual pelo fato de serem o bem e o<br />
mal apetecíveis por graus. Nada impede,<br />
porém, que haja um processo<br />
com um impulso formidável.<br />
O revolucionário de marcha<br />
lenta e o de marcha rápida<br />
O revolucionário de marcha rápida<br />
não é um homem que tenha deixado de<br />
percorrer as diversas etapas. A diferença<br />
é que ele passa rapidamente pelas<br />
fases intermediárias, enquanto o outro<br />
as percorre com lentidão. Neste há recursos<br />
psicológicos que funcionam como<br />
amortecedor, e, por outro lado, ele<br />
não se entregou tão por completo ao<br />
vício. Se examinássemos em câmara<br />
lenta o revolucionário de marcha<br />
rápida, veríamos que segue<br />
a mesma senda de deterioração<br />
que o de marcha<br />
morosa.<br />
O revolucionário de<br />
marcha lenta vive sob<br />
uma espécie de compromisso<br />
de mentira.<br />
E isto o caracteriza.<br />
Quereria manter-<br />
-se fiel a determinadas<br />
posições de virtude,<br />
mas não quer renunciar<br />
por inteiro a<br />
uma raiz de vício existente<br />
nele. Vive de fechar os<br />
olhos, vive de não ver, de não<br />
reconhecer. Nada há que o faça<br />
estremecer mais do que se lhe desvendar<br />
esse vício psicológico e mostrar-<br />
-lhe a realidade. Seria como rasgar-lhe<br />
a consciência e pôr à luz o seu pecado.<br />
Com essas almas é necessário aplicar<br />
uma dialética que consiste em argumentar<br />
segundo os princípios acima<br />
explicitados e mostrar às vítimas desse<br />
estado de espírito que elas estão sofrendo<br />
todo um processo de revolução<br />
lenta, denunciando-lhes que esse processo<br />
as levará, ou a seus descendentes,<br />
às últimas etapas da Revolução.<br />
É preciso ter, pois, o conhecimento<br />
das regras, dos princípios, das<br />
normas, para poder provar a alguém<br />
que esse processo existe, e depois lhe<br />
demonstrar que ele está caminhando<br />
dentro dele. É o único meio capaz de<br />
sustá-lo. E sustar tais processos é o<br />
único meio de impedir a marcha da<br />
Revolução, porque ela é processiva e<br />
só pode ser detida se se lhe puser a<br />
nu esse veneno.<br />
Veracidade e utilidade<br />
destas noções<br />
Os sete vícios capitais, por Hieronymus<br />
Bosch – Museu do Prado, Madri<br />
Poderia alguém dizer que em todas<br />
estas noções há um lado claudicante.<br />
Todos os desvios e as menores<br />
concessões conduzem a abusos vertiginosos?<br />
Qualquer pequena concessão<br />
que se está fazendo em qualquer<br />
campo, em última análise, já é<br />
um precipitar-se no abismo de todas<br />
as condescendências? É verdadeiro<br />
que, se tomarmos o hábito de ceder<br />
a toda espécie de pequenos abusos,<br />
lançamo-nos num precipício?<br />
Devemos distinguir em nós as<br />
concessões que praticamos nos pontos<br />
onde nossa tendência para a totalidade<br />
tem contravapores. Onde<br />
os houver não existe risco grave nem<br />
próximo de se chegar aos maiores<br />
absurdos. Há outros pontos, porém,<br />
onde os chamados contravapores internos<br />
não existem e onde qualquer<br />
concessão é um passo inicial para<br />
um verdadeiro abismo. Portanto, é<br />
preciso deixar claro do que falamos<br />
quando nos referimos às pequenas<br />
concessões.<br />
A tendência à totalidade, ao paroxismo,<br />
a esta espécie de êxtase suíno,<br />
já contém dentro de si os germes<br />
do monstruoso. No primeiro momento<br />
a pessoa quer tudo que esteja<br />
de acordo com a ordem da<br />
natureza. Quando esta a enfastiou,<br />
a apetência dela<br />
continua muito forte.<br />
Então, recorre às formas<br />
monstruosas para<br />
conseguir seu deleite.<br />
Alguém, por outro<br />
lado, poderá nos<br />
dizer que todas essas<br />
noções não são novas.<br />
Isso não nos deve<br />
preocupar. Preocupar-nos-ia<br />
perguntar<br />
se elas são úteis.<br />
Mas, estejamos certos<br />
de que tomar essas noções,<br />
reduzi-las a tabletes,<br />
a princípios ou a moedas bem<br />
cunhadas, para depois utilizá-las<br />
no combate à Revolução, é tarefa da<br />
maior utilidade para a causa contrarrevolucionária.<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
29
Revolução e Contra-Revolução<br />
Samuel Holanda Boss Tweed (CC 3.0)<br />
III<br />
Evolução da tendência para a<br />
ideia e as tramas da Revolução<br />
Sofismas produzidos pela<br />
tendência revolucionária<br />
Vejamos como se passa o fenômeno<br />
da inspiração da ideia, qual a sua<br />
origem e como a tendência revolucionária<br />
produz o sofisma.<br />
O fenômeno de inspiração da<br />
ideia revolucionária pode dar-se de<br />
inúmeras maneiras. Há neste campo<br />
uma riqueza que diríamos mesmo<br />
inesgotável.<br />
Entretanto, há um modo mais<br />
universal que podemos fixar porque<br />
se dá, pelo menos em alguma medida,<br />
em todas as pessoas. Historicamente<br />
falando, foi o que se deu com<br />
mais frequência no curso da Revolução.<br />
Para melhor compreendermos esse<br />
problema, precisamos conhecer a<br />
psicologia das pessoas que têm sido<br />
manobradas pela Revolução. Vejamos<br />
no terreno das modas. Uma senhora<br />
que tenha usado, em seus tempos<br />
de moça, grandes chapéus, com<br />
um bico de passarinho na frente, cerejas<br />
de borracha ao lado e todo um<br />
pomar no centro, passando depois<br />
para os dias atuais, em que os chapéus<br />
femininos mais se assemelham<br />
a caçarolas emborcadas no alto da<br />
cabeça, de maneira ridícula, à semelhança<br />
de um palhaço, se a essa senhora,<br />
quando moça, fosse possível<br />
ver-se vestida quando tivesse sessenta<br />
anos, ela choraria. Pensaria ter-se<br />
tornado louca. Foi, no entanto, conduzida<br />
a usar o que não queria, sem<br />
julgá-lo feio e sem estranhar! Ao pôr<br />
o chapéu na cabeça, ela o fez como<br />
coisa a mais natural. Uma que achava<br />
imoral um maiô pouco acima do<br />
tornozelo, não estranhou quando<br />
usou um incomparavelmente mais<br />
imoral.<br />
Coabitação de várias<br />
mentalidades aproveitada<br />
pela Revolução<br />
Devemos notar que não se trata<br />
de saber por que tais pessoas fizeram<br />
isso. Pode-se fazer algo que se ache<br />
mal feito, obedecendo a uma injunção<br />
da moda. É reprovável, mas não<br />
30
é mistério que isso se faça: de um lado<br />
há a convicção, do outro, o interesse;<br />
a alma pisa por sobre a convicção<br />
e segue o interesse. O mistério<br />
psicológico é outro: está em saber<br />
por que não houve estranheza na<br />
prática do ato.<br />
É interessante observar que nessas<br />
almas coabitam várias psicologias.<br />
A uma pessoa da geração de<br />
nossos avós, por exemplo, seria possível<br />
que tomasse o trabalho Revolução<br />
e Contra-Revolução, lesse e,<br />
concordando, o considerasse muito<br />
bom. Algum tempo depois, lendo<br />
uma nota num jornal liberal, considerasse<br />
que ali está a verdade. E<br />
seria sincera em ambas as atitudes.<br />
Ora pensaria de uma maneira, ora<br />
de outra. Mas poderia ter a persuasão<br />
do que estava dizendo e, neste<br />
sentido, seria sincera.<br />
Assim, na maior parte dos homens,<br />
há várias mentalidades que<br />
coabitam. A Revolução, nessa marcha<br />
processiva, não elimina propriamente<br />
uma delas, mas caminha de<br />
tal modo que dá ganho de causa a<br />
uma mentalidade sobre as outras, e,<br />
ficando esta sempre à tona, relega as<br />
demais ao esquecimento.<br />
Revolução e luz primordial<br />
Consideremos esses fenômenos<br />
sob a luz de um ponto de doutrina<br />
que nos é muito caro. Refere-se à luz<br />
primordial 9 . Somente quem corresponde<br />
à sua luz primordial tem certeza<br />
de que está no bom caminho. O<br />
homem que a ela não corresponde é<br />
um espírito incapaz de ter certeza.<br />
A luz intelectual de todo homem,<br />
no plano natural e no sobrenatural,<br />
é mais forte a respeito de uns tantos<br />
pontos que correspondem à luz primordial.<br />
Como através da luz primordial<br />
o homem tem uma visão<br />
muito clara do que o cerca, ela lhe<br />
dá umas tantas certezas que são critério<br />
para outras certezas. Dessa maneira,<br />
se alguém está convicto de que<br />
determinados pontos estão de acordo<br />
com sua luz primordial,<br />
todas as consequências<br />
serão certas<br />
também, e tudo que<br />
contrarie esses pontos<br />
é errado.<br />
Analisando as coisas<br />
sob o prisma da<br />
luz primordial, tudo<br />
se torna muito simples,<br />
porque ali vemos<br />
a verdade com muita<br />
clareza. Ela é uma espécie<br />
de espinha dorsal<br />
do mecanismo da<br />
certeza. Quando o homem<br />
não lhe é fiel,<br />
acaba por querer conquistar<br />
as verdades,<br />
não a partir dessa luz,<br />
mas por um jogo de<br />
raciocínio. E a vida se<br />
torna a selva escura<br />
de que nos fala Dante,<br />
pois se não tratarmos<br />
de iluminá-la a partir<br />
das certezas de nossa luz primordial,<br />
não teremos verdadeira certeza,<br />
nem do bem nem do mal, nem da<br />
verdade nem do erro.<br />
A imensa maioria dos homens, no<br />
entanto, não procura sua luz primordial,<br />
mas, por outro lado, também<br />
não se entrega de tal maneira ao vício<br />
capital que, ao menos nessa linha,<br />
construa uma série de teses que<br />
queira adotar como verdade; entrega-se<br />
a esse vício de maneira nebulosa<br />
e vaga, e sente-se, então, incapaz<br />
de formar qualquer certeza.<br />
A vida, aos olhos do homem que<br />
perdeu esse rumo, se transforma no<br />
reino das impressões. Se, em pequeno,<br />
conheceu, no Grupo Escolar,<br />
uma freira muito boa, amável, conserva<br />
uma grande ideia da religião.<br />
Mas se, por outro lado, teve depois<br />
contato com um professor de espírito<br />
voltairiano, muito jocoso, mestre<br />
em anedotas anticlericais que ele<br />
considerou muito espirituosas, passou<br />
a simpatizar com o anticlericalismo.<br />
Se viu, nos museus da Europa,<br />
belos objetos aristocráticos, admirou<br />
a sua classe. Mas se também assistiu<br />
a uma fita de cinema em que a<br />
aristocracia era representada de modo<br />
desfavorável, terá ficado com certa<br />
antipatia.<br />
Em sua alma, então, se agrupam<br />
várias personalidades: o monarquista,<br />
o republicano, o anticlerical,<br />
à maneira de impressões que,<br />
ora uma, ora outra, vêm à tona e<br />
que têm certa solidariedade entre<br />
si. Há uma lógica profunda que faz<br />
com que um erro leve à tona uma<br />
série de outros erros. É um fenômeno<br />
de justaposições que funcionam<br />
sem que esse pobre homem saiba<br />
por quê.<br />
A teoria da justificação<br />
do pecado e sua utilidade<br />
para a obra da Revolução<br />
Um homem que se embriaga pratica<br />
um pecado. Há um móvel próxi-<br />
Vicente Torres<br />
31
Revolução e Contra-Revolução<br />
Flávio Lourenço<br />
mo no que ele fez, que foi o ato de tomar<br />
líquido alcoólico. Mas, embriagando-se,<br />
ele forma um juízo a respeito<br />
do vício da embriaguez. Assim,<br />
após a ação pecaminosa, ele é levado<br />
a um pecado de espírito. Entretanto,<br />
em geral, isso não se dá a curto prazo:<br />
alguém bebe e logo formula um<br />
sofisma para justificar sua bebedeira.<br />
Não. Mais comumente a pessoa<br />
pensa: “Eu bebi, que fiz eu? Ficarei<br />
muito irritado se se disser que fiz mal;<br />
não quero que se diga isto.”<br />
Pecando, ele é levado a justificar<br />
o seu ato porque nasce a ideia<br />
de que tudo que surge dentro dele é<br />
mais ou menos legítimo. Pelo fato de<br />
se ter embriagado, nasce certa tolerância<br />
para com a embriaguez, que<br />
não é tanto um julgar, mas um fugir<br />
à obrigação de julgar.<br />
A atitude de não julgar a bebedeira<br />
faz com que o homem comece a<br />
observar certos aspectos colaterais<br />
da bebedeira, que ele acha bonitos;<br />
depois, terá tolerância, já não achando<br />
má a bebedeira; e, por fim, virá o<br />
desprezo pelo homem que não bebe.<br />
A inspiração errada da ideia errada<br />
não vem direto, mas lentamente. A<br />
sua posição se torna uma atitude de<br />
espírito, da qual, por sua vez, nascerá<br />
a justificação.<br />
Os ímpetos, a atonia, a<br />
simpatia e o processo de<br />
justificação interna<br />
Essa atitude tem sua raiz num fato<br />
curioso. Todos repetem o princípio da<br />
lei da carne e da lei do espírito. Nós,<br />
católicos contrarrevolucionários, temos<br />
certa facilidade para distinguir a<br />
lei da carne e a do espírito, e para perceber<br />
que somos irresponsáveis pelos<br />
primeiros impulsos da lei da carne.<br />
Compreende-se que se podem<br />
ter as piores inclinações e é natural<br />
que as tenhamos, porque assim é o<br />
homem; mas, o eixo da questão está<br />
em não consentir. Temos tão firme<br />
a ideia do consentimento, que<br />
conhecemos nosso ímpeto para tudo:<br />
roubar, mentir, etc. Poderíamos<br />
dizer que somos uma coleção de péssimos<br />
ímpetos. Sabemos, entretanto,<br />
que para haver pecado é necessário<br />
nosso consentimento e não apenas<br />
os ímpetos, e que, portanto, o pior<br />
deles não nos degrada.<br />
A maior parte das pessoas, no entanto,<br />
não possuem essa mentalidade,<br />
esse modo de sentir e agir. Têm,<br />
no subconsciente, que o mau ímpeto,<br />
ainda que não consentido, é a sua<br />
vergonha. Assim, se dissermos a alguém<br />
que ele tem tendência à deslealdade,<br />
a primeira ideia que lhe<br />
ocorre é a de que estamos querendo<br />
injuriá-lo; sente-se ofendidíssimo<br />
com todas as paixões que rugem<br />
dentro dele; a tendência apontada<br />
constitui uma sentina para a qual<br />
nem se deve olhar.<br />
E a pessoa, como resultado, torna-se<br />
solidária com as maiores infâmias<br />
que nascem dentro dela. Daí<br />
surge um estado de espírito pronto a<br />
entrar nesse processo de atonia, depois<br />
de simpatia e, por fim, de justificação,<br />
que acabo de descrever.<br />
A imensa maioria das pessoas fica<br />
vagando a esmo, como cortiça no<br />
mar. Essas são as vítimas arquetípicas<br />
para se emaranharem no processo<br />
revolucionário. São elas que a Revolução,<br />
por meio de sugestões bem-<br />
-feitas, leva a pensar segundo seus<br />
postulados.<br />
A criação do mito<br />
Temos notado certo modo de agir<br />
da Revolução neste particular. Com<br />
um pouco de propaganda, ela levanta<br />
para essas mentalidades um como<br />
que tabu, sem demonstração, um<br />
valor supremo, intuitivo. É o que se<br />
dá muitas vezes quando numa roda<br />
de grã-finos alguém diz: “Ele é muito<br />
grã-fino”; ou num círculo de pessoas<br />
que gostam de trabalhar: “Ele<br />
é um produtor”; ou em alguma roda<br />
de vadios: “Ele é que sabe gozar a vida.”<br />
Levanta-se um ponto apresentado<br />
como um núcleo em torno do<br />
qual uma série de sugestões começam<br />
a gravitar e a desempenhar seu<br />
papel. Cria-se, então, um mito.<br />
O mito do produtor e da produção,<br />
por exemplo, que traz consigo<br />
toda uma filosofia de vida, é muito<br />
característico nesse sentido. Coloca-se<br />
no subconsciente de alguém<br />
que uma sociedade é um núcleo de<br />
32
consumidores, que precisam produzir<br />
para não perecer. Portanto, o homem<br />
que não produz é uma espécie<br />
de gatuno, porque está se alimentando<br />
com o que os outros produzem.<br />
É uma tese que se comporta como<br />
uma pequena lei de direito natural.<br />
Constrói-se uma “ordem natural” e,<br />
a partir dela, tiram-se algumas conclusões.<br />
É certo que o esforço para<br />
uma produção eficiente depende de<br />
uma labuta árdua. Não basta, pois,<br />
que todos produzam, mas é preciso<br />
que o façam arduamente. Alguém<br />
que trabalhasse com mais flacidez<br />
seria um contrabandista do trabalho,<br />
que carrega em si molezas que<br />
foram roubadas aos outros.<br />
Esse mito da produção tem forjado<br />
uma espécie de pena dos necessitados,<br />
porque a produção, em última<br />
análise, tem certo fim filantrópico<br />
para conseguir que todos a aceitem.<br />
A Revolução governa o<br />
mundo criando mitos<br />
A Revolução governa o mundo<br />
construindo lentamente filosofias<br />
como essa e fazendo-as caminhar.<br />
Por meio de hábeis ardis e subtis<br />
sugestões, faz com que se passe<br />
do modo rápido da filosofia do trabalho<br />
para a filosofia socialista. Para<br />
tal, é o bastante criar, na sociedade,<br />
um clima em que, primeiro, a título<br />
de caridade cristã, noticie-se o maior<br />
número de problemas sociais.<br />
Cria-se, então, o problema do menor<br />
caolho, do velho canhoto, da<br />
criança defeituosa, do câncer… Em<br />
torno de cada doença forma-se um<br />
problema. Enfim, o corpo social fica<br />
a parecer uma só chaga. E nunca<br />
será bastante todo o esforço que<br />
se faça para aliviar tais problemas.<br />
A campanha mais serve para mostrar<br />
que o fato é insolúvel, do que<br />
para resolvê-lo. E a pessoa termina<br />
com uma espécie de remorso pelo<br />
que possui e com a ideia de que sua<br />
produção, por mais frenética que seja,<br />
ainda será pouca, porque deve ser<br />
distribuída para todos. Daí para uma<br />
lei socialista a distância é mínima.<br />
Não se fez isto difundindo o manifesto<br />
de Marx, mas criando panoramas<br />
que se vão sucedendo uns aos<br />
outros, à maneira de argumentação,<br />
porque a pessoa pensa que foi ela<br />
que elaborou os argumentos que vieram<br />
à sua mente. E o talento do método<br />
está em insinuar isso. Todos são<br />
filósofos da solução socialista…<br />
A falta de certeza, razão<br />
da docilidade à Revolução<br />
Vejamos como as teses se encadeiam.<br />
Um homem que não correspondeu<br />
à sua luz primordial, não<br />
tendo, portanto, o mecanismo que<br />
dá a seu espírito a plena certeza, ou<br />
que não atendeu ao seu vício capital<br />
e não tem o mecanismo de ódios<br />
funcionando à maneira de certeza,<br />
tem uma série de varais estendidos<br />
entre esses dois extremos, com todas<br />
as gamas do pensamento humano.<br />
Essas gamas móveis poderão ser<br />
modeladas de acordo com esse grande<br />
teatro social de insinuações que<br />
se vai lançando. Eis aí uma alma que<br />
é um ótimo campo de cultura para a<br />
ação da Revolução.<br />
Através desse processo seria fácil<br />
produzir numa cidade, toda ela antitrabalhista,<br />
um êxtase trabalhista,<br />
ou produzir um êxtase antitrabalhista<br />
numa cidade trabalhista.<br />
Imaginemos, para exemplificar,<br />
as três cidades periféricas de São<br />
Paulo, Santo André, São Bernar-<br />
Gabriel K.<br />
33
Revolução e Contra-Revolução<br />
Francisco Lecaros<br />
do e São Caetano, conhecidas como<br />
o ABC, intensamente trabalhista;<br />
se na hora em que os operários<br />
estivessem saindo das fábricas se fizesse<br />
passar uma carruagem à moda<br />
do Ancien Régime, puxada por linda<br />
parelha de cavalos brancos, com<br />
um casal muito bem vestido, podemos<br />
garantir que seriam aplaudidos,<br />
se se comportassem com certa<br />
prudência.<br />
Dizemos isto porque há dois modos<br />
de andar de carruagem: um pelo<br />
qual gozamos sem que os outros<br />
percebam nosso prazer; e outro pelo<br />
qual fazemos com que os outros<br />
também tenham prazer com nosso<br />
gozo. É um dos belos aspectos<br />
do modo de ser da Rainha Isabel II.<br />
Ela, sem demagogia, tem algo disso;<br />
o povo sente-se feliz em ver a sua felicidade.<br />
É o que aconteceria com os<br />
operários ante um casal assim. Vinte<br />
anos de discursos sindicais teriam<br />
perdido seu efeito…<br />
As mentalidades hoje estão sem<br />
rumo, ao léu. É o que facilita o trabalho<br />
contrarrevolucionário. A figura<br />
que exprime isto é o teclado.<br />
É tal a confusão existente nas mentes<br />
modernas que qualquer das teses<br />
contrarrevolucionárias pode viver<br />
nessas mentalidades, desde o entusiasmo<br />
por Maria Antonieta, a rainha-mártir,<br />
até a compreensão por<br />
Khrushchov 10 . É um teclado do qual<br />
se tira qualquer nota, desde que se<br />
saiba como tocá-lo. Consegue-se tudo,<br />
menos algo consistente e durável.<br />
As almas estão reduzidas hoje a<br />
um imenso teclado e sobre ele a Revolução<br />
toca a ária que lhe apraz. É<br />
a escravização do mundo contemporâneo<br />
à propaganda.<br />
A certeza da Idade Média;<br />
as incertezas na Renascença<br />
e na Revolução Francesa<br />
Na Idade Média, a certeza fornecida<br />
pela fidelidade à luz primordial<br />
era muito evidente. O ambiente<br />
muito homogêneo, as ideias ordenadas,<br />
a arte e a arquitetura muito coerentes<br />
com a doutrina, tudo levava<br />
a se achar muito natural que assim<br />
fossem as coisas. Tomava-se por<br />
pressuposto natural que aquele modo<br />
de ser era o legítimo.<br />
E o homem, sobretudo no fim da<br />
Idade Média, estava tão longe de<br />
compreender o que devia à civilização<br />
católica, que se pôde inventar o<br />
mito do bon sauvage 11 , durando até<br />
o “O Guarani” 12 , colocado em ópera<br />
por Carlos Gomes 13 , em que se<br />
imaginava índios pensando e raciocinando<br />
como verdadeiros heróis de<br />
Corneille 14 . Achava-se tão evidente<br />
aquele quadro de valores, que até o<br />
selvagem os assumia.<br />
Nikita Khrushchev e Joseph Stalin, em janeiro de 1936<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
34
PD-Art(CC3.0)<br />
damental vaga, imponderável, e daí<br />
a inquietação, a polêmica, o diálogo,<br />
para ver se do lado oposto não havia<br />
uma parcela de verdade.<br />
A Revolução Francesa generalizou<br />
esse modo de se comportar para<br />
o terreno político. Temos os monarquistas<br />
do Ancien Régime, os monarquistas<br />
constitucionais, os republicanos<br />
moderados, os avançados e os<br />
comunistas. Uma série de certezas<br />
em dúvida. A Revolução queria que<br />
todos se tornassem comunistas. Não<br />
conseguindo isto, provocou o entrechoque<br />
das opiniões contraditórias.<br />
Os que já não tinham mais um perfeito<br />
mecanismo de certeza ficaram<br />
meio monarquistas, meio republicanos.<br />
Surgiu uma imprensa funcionando<br />
como verdadeira feira de opiniões.<br />
E, não tendo ainda conseguido<br />
que todos ficassem comunistas,<br />
consegue, no entanto, que todos fiquem<br />
ao menos indiferentes.<br />
São as tramas da Revolução. 15 v<br />
A Renascença rompe com o mecanismo<br />
da certeza. Primeiro veio a<br />
crise moral, que afastou os homens<br />
da sua luz primordial. Longe desta<br />
luz foi possível desviá-los da certeza.<br />
E a demolição começou pelo<br />
ponto central, tocando na divindade<br />
e na infalibilidade da Igreja. As tendências<br />
se fragmentam em diversas<br />
direções. Cada bloco tem certeza de<br />
sua certeza. E seguiu-se a divisão das<br />
seitas, cada qual com sua certeza.<br />
No cerne dessas certezas contraditórias<br />
já havia uma incerteza, porque<br />
os homens são feitos de tal maneira<br />
que não confiam muito em si.<br />
Mesmo entre os católicos, com exceção<br />
dos extremamente fiéis, com<br />
fé capaz de mover montanhas, essa<br />
pluralidade de opiniões lhes comunicava<br />
uma espécie de incerteza fun-<br />
1) Cf. Revolução e Contra-Revolução,<br />
Parte I, Cap. III, 5, A.<br />
2) Pseudônimo de François de Montcorbier<br />
(*1431 - †1463), poeta e ladrão<br />
francês.<br />
3) Manuel Maria Barbosa l’Hedois du<br />
Bocage (*1765 - †1805), poeta português.<br />
4) Nicolau Maquiavel (*1469 - †1527),<br />
filósofo, historiador, poeta, diplomata<br />
e músico italiano.<br />
5) Albrecht Dürer (*1471 - †1528), gravurista,<br />
pintor, ilustrador e matemático<br />
alemão.<br />
6) Rainha da França, Infanta da Espanha<br />
e Arquiduquesa da Áustria<br />
(*1638 - †1683).<br />
7) Luísa Francisca de La Baume Le<br />
Blanc (*1644 - †1710).<br />
8) Francisca Atenas de Rochechouart<br />
(*1640 - †1707).<br />
9) A luz primordial é a virtude dominante<br />
que uma alma é chamada a refletir,<br />
imprimindo nas outras virtudes sua<br />
tonalidade particular. A ela se opõe o<br />
vício capital.<br />
10) Nikita Serguêievitch Khrushchov<br />
(*1894 - †1971). Liderou a União Soviética<br />
durante parte da Guerra Fria<br />
(1953 - 1964).<br />
11) Mito do bom selvagem, propagado<br />
por filósofos iluministas após a descoberta<br />
das Américas. Defendiam a tese<br />
de uma humanidade naturalmente<br />
boa, ingênua, que se teria corrompido<br />
pela civilização.<br />
12) Romance de José de Alencar.<br />
13) Antônio Carlos Gomes (*1836 -<br />
†1896), compositor de ópera brasileiro.<br />
14) Pierre Corneille (*1606 - †1684),<br />
dramaturgo francês.<br />
15) Parte do presente artigo corresponde<br />
à reedição da matéria, revista e ampliada,<br />
publicada nos números 156 e<br />
157 da <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> (março e abril<br />
de 2011), aqui inserida para proporcionar<br />
ao leitor uma melhor visão de<br />
conjunto do tema parcialmente tratado<br />
nas edições acima mencionadas.<br />
35
A maior razão de esperança<br />
Luis C. R. Abreu<br />
dos contrarrevolucionários<br />
Estamos nos lances supremos de<br />
uma luta, que chamaríamos<br />
de morte se um dos contendores<br />
não fosse imortal, entre a Igreja e<br />
a Revolução. Filhos da Igreja, lutadores<br />
nas lides da Contra-Revolução, natural<br />
é que, ao cabo deste trabalho, o<br />
consagremos filialmente a Nossa Senhora.<br />
A primeira, a grande, a eterna<br />
revolucionária, inspiradora e fautora<br />
suprema desta Revolução, como das<br />
que a precederam e lhe sucederem, é a<br />
Serpente, cuja cabeça foi esmagada pela<br />
Virgem Imaculada. Maria é, pois, a<br />
Padroeira de quantos lutam contra a<br />
Revolução.<br />
A mediação universal e onipotente<br />
da Mãe de Deus é a maior razão de<br />
esperança dos contrarrevolucionários.<br />
E em Fátima Ela já lhes deu a certeza<br />
da vitória, quando anunciou que, ainda<br />
mesmo depois de um eventual surto<br />
do comunismo no mundo inteiro, por<br />
fim seu Imaculado Coração triunfará.<br />
Aceite a Virgem, pois, esta homenagem<br />
filial, tributo de amor e expressão<br />
de confiança absoluta em seu<br />
triunfo.<br />
(Extraído de Revolução e<br />
Contra-Revolução, Conclusão)