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Perspectivas sobre o controle da infraestrutura

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Parte I<br />

Contratações em INFRAESTRUTURA<br />

avaliação <strong>da</strong> economici<strong>da</strong>de de contratos de obras<br />

públicas pelo TCU; (ii) suscitar eventuais pontos de<br />

controvérsia identificados nesses procedimentos;<br />

e (iii) propor a adoção de soluções, já existentes no<br />

arcabouço jurídico brasileiro, para a resolução dos<br />

conflitos oriundos dos apontamentos de <strong>sobre</strong>preço<br />

em obras públicas.<br />

Antes, porém, devem ser feitos alguns apontamentos<br />

acerca <strong>da</strong> interação entre o judiciário e o TCU.<br />

1 A SOLUÇÃO DO PROBLEMA NÃO SERIA LEVAR A DISCUSSÃO AO JUDICIÁRIO?<br />

Na análise <strong>da</strong> relação dialógica entre o Judiciário<br />

e as Cortes de Contas, observa-se significativa<br />

deferência <strong>da</strong>quele a estas. 10 É o que se tem, por<br />

exemplo, a partir <strong>da</strong> análise de julgados do Supremo<br />

Tribunal Federal (STF) em que decisões do TCU<br />

foram objeto de questionamento. Na amostragem<br />

objeto deste estudo, percebeu-se um significativo,<br />

majoritário e consoli<strong>da</strong>do posicionamento <strong>da</strong><br />

Suprema Corte tendente a demonstrar deferência<br />

à capaci<strong>da</strong>de técnica do TCU de análise orçamentária,<br />

afastando a imiscuição do Judiciário no que<br />

diz respeito ao mérito <strong>da</strong>s decisões proferi<strong>da</strong>s pela<br />

Corte de Contas.<br />

Veja-se, por exemplo, a postura de deferência<br />

por ocasião de decisão monocrática proferi<strong>da</strong> no<br />

âmbito do Man<strong>da</strong>do de Segurança nº 35.623/DF 11<br />

pelo Ministro Gilmar Mendes:<br />

No âmbito <strong>da</strong> cita<strong>da</strong> Toma<strong>da</strong> de Contas, o<br />

TCU, diante de indícios <strong>da</strong> ocorrência de<br />

superfaturamento no Contrato 14/2006,<br />

determinou a citação solidária dos<br />

responsáveis e, cautelarmente, a indisponibili<strong>da</strong>de<br />

de seus bens.<br />

A Constituição Federal estabelece que a fiscalização<br />

contábil, financeira e orçamentária<br />

<strong>da</strong> União e <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> administração<br />

direta e indireta será exerci<strong>da</strong> pelo Congresso<br />

Nacional, com o auxílio do Tribunal de<br />

Contas <strong>da</strong> União.<br />

Nessa ordem de ideias, aplicam-se as regras<br />

do julgamento de contas à fiscalização de contratos<br />

quando “configura<strong>da</strong> a ocorrência de<br />

desfalque, desvio de bens ou outra irregulari<strong>da</strong>de<br />

de que resulte <strong>da</strong>no ao Erário”, através<br />

de toma<strong>da</strong> de contas especial.<br />

Assim, fazendo a conjugação de tais dispositivos,<br />

a mim me parece que é franqueado ao<br />

TCU, na fiscalização de contratos, ao proceder<br />

à toma<strong>da</strong> de contas especial, aplicar sanção a<br />

“terceiro que, como contratante ou parte interessa<strong>da</strong><br />

na prática do mesmo ato, de qualquer<br />

modo haja concorrido para o cometimento<br />

do <strong>da</strong>no apurado”.<br />

Igualmente, em julgamento de Man<strong>da</strong>do de<br />

Segurança impetrado com o objetivo de anular<br />

uma decisão do TCU condenatória à devolução<br />

10 As relações entre as instituições nas democracias modernas têm sido objeto de amplo debate no âmbito do Direito Constitucional,<br />

nota<strong>da</strong>mente no que tange ao pronunciamento final <strong>sobre</strong> determina<strong>da</strong> questão ou controvérsia. Em linhas muito gerais,<br />

discute-se que o sentido que se dá à norma deve ser resultado <strong>da</strong> interação entre os órgãos do Poder Público entre si e com a<br />

socie<strong>da</strong>de civil, em detrimento de um único Poder capaz de decidi-lo, seja o Judiciário, o Legislativo ou o Executivo. Trata-se de<br />

um reconhecimento de que, ao mesmo tempo, todos os Poderes são falhos e têm o direito democrático de contribuir com sua<br />

interpretação <strong>da</strong> norma, não devendo haver supremacia de nenhum <strong>sobre</strong> o outro.<br />

A solução proposta pela teoria dos diálogos constitucionais é a de que nenhuma instituição tenha supremacia ou monopólio<br />

quando <strong>da</strong> toma<strong>da</strong> de decisões, mas priori<strong>da</strong>de quando <strong>da</strong> discussão de determina<strong>da</strong>s matérias. Por exemplo, em se tratando<br />

de direitos fun<strong>da</strong>mentais, em nome <strong>da</strong> proteção de minorias, poder-se-ia priorizar a voz do Judiciário; por outro lado, caso a<br />

controvérsia recaia <strong>sobre</strong> tópicos de políticas públicas, a priori<strong>da</strong>de seria do Legislativo ou do Executivo, a depender <strong>da</strong> matéria<br />

que se discute.<br />

Para que tal relação dialógica seja possível, é imprescindível que, em postura de respeitar os freios e contrapesos do sistema<br />

republicano, as instituições respeitem umas às outras, reconheçam sua vez de falar, mas também seus limites de “competência”<br />

para ouvir a outra. A essa postura de respeito chama-se deferência.<br />

Essa forma de analisar as interações institucionais pode ser transplanta<strong>da</strong> para o plano <strong>da</strong> relação Judiciário-Cortes de Contas.<br />

Se, de um lado, a deferência convi<strong>da</strong> o Judiciário a ouvir as Cortes de Contas em se tratando de uma análise técnica de preços<br />

– visto que são órgãos que têm capaci<strong>da</strong>de jurídico-institucional para verificar a economici<strong>da</strong>de de atos administrativos –, de<br />

outro, havendo violação a direitos fun<strong>da</strong>mentais, a intervenção do Judiciário seria man<strong>da</strong>tória.<br />

11 Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido no Man<strong>da</strong>do de Segurança nº 35.623.<br />

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PERSPECTIVAS SOBRE O CONTROLE DA INFRAESTRUTURA

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