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Perspectivas sobre o controle da infraestrutura

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Parte I<br />

Contratações em INFRAESTRUTURA<br />

e omisso (projeto incompleto) para obter vantagens<br />

ilícitas em aditivos contratuais. 4<br />

A jurisprudência do Tribunal revela, portanto, o<br />

emprego frequente do termo “contrato incompleto”<br />

nos casos em que se verifica erro ou dolo<br />

por parte do gestor público, o que denota desconhecimento<br />

ou não utilização do arcabouço<br />

teórico <strong>da</strong> análise econômica do direito. Em sendo<br />

a incompletude uma característica do contrato<br />

de <strong>infraestrutura</strong>, esse tipo de entendimento, à<br />

margem do que defende a teoria, pode afetar a<br />

segurança jurídica dos agentes que li<strong>da</strong>m com<br />

esse tipo de contrato.<br />

3 DA INEXATIDÃO DOS PROJETOS À INCOMPLETUDE DOS CONTRATOS<br />

Como foi visto em alguns dos casos analisados,<br />

o termo “incompletude” é empregado sem rigor<br />

teórico, apenas para descrever uma característica<br />

do projeto que se estende para o orçamento, o<br />

edital e o contrato.<br />

É certo que existem projetos feitos às pressas,<br />

mal embasados e assumi<strong>da</strong>mente inexequíveis,<br />

que são, de fato, projetos malfeitos. Contudo, ao<br />

se analisar projetos sob a ótica <strong>da</strong> análise econômica,<br />

observa-se que mesmo os bons projetos de<br />

grandes obras de engenharia não são projetos<br />

completos, visto que o ideal de completude é algo<br />

inatingível pelas mesmas razões que impossibilitam<br />

um contrato completo: por exigirem altos custos<br />

de transação, pela assimetria de informação e pela<br />

racionali<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> dos agentes.<br />

A racionali<strong>da</strong>de dos projetos complexos de engenharia<br />

é limita<strong>da</strong> em razão <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de<br />

de se obter informações <strong>sobre</strong> to<strong>da</strong>s as variáveis<br />

relevantes de engenharia, deixando sempre alguma<br />

margem de inexatidão a ser aferi<strong>da</strong> durante<br />

a execução do projeto. Ou seja, muito embora<br />

a engenharia às vezes se apresente como uma<br />

ciência exata, ela não o é.<br />

A engenharia se relaciona com a natureza,<br />

aplicando materiais, métodos e processos<br />

reais, todos com variabili<strong>da</strong>de inerente, que<br />

resulta em incerteza do projeto como um<br />

todo. O engenheiro é treinado para estimar<br />

tais variáveis e tomar decisões com incertezas.<br />

[..]<br />

As variáveis são analisa<strong>da</strong>s e adota<strong>da</strong>s e os<br />

riscos, estimados e assumidos. O bom engenheiro<br />

é treinado para analisar as variáveis<br />

intervenientes no processo e estimar os riscos,<br />

com a habili<strong>da</strong>de de decidir com <strong>da</strong>dos<br />

inexatos. (AGOPYAN, 2019)<br />

É importante ressaltar que «completude» e «exatidão»,<br />

e mesmo seus opostos (“incompletude” e<br />

“inexatidão”), são conceitos teoricamente distintos.<br />

O primeiro deles, como descrito no primeiro tópico<br />

deste artigo, refere-se a uma formulação econômica<br />

<strong>sobre</strong> contratos que considera não ser possível<br />

especificar, no ato <strong>da</strong> contratação, o que deve ser<br />

feito em to<strong>da</strong>s as eventuali<strong>da</strong>des contratuais que<br />

possam ocorrer. O segundo é empregado para<br />

designar as limitações de campos <strong>da</strong> ciência nos<br />

quais não é possível determinar de modo inequívoco<br />

to<strong>da</strong>s as características do objeto.<br />

A norma técnica de referência que rege o projeto<br />

e a execução de fun<strong>da</strong>ções de to<strong>da</strong>s as estruturas<br />

convencionais <strong>da</strong> engenharia civil deixa clara tais<br />

limitações ao iniciar sua instrução reconhecendo<br />

que “a engenharia de fun<strong>da</strong>ções não é uma<br />

ciência exata” e que “riscos são inerentes a to<strong>da</strong><br />

e qualquer ativi<strong>da</strong>de que envolva fenômenos ou<br />

materiais <strong>da</strong> natureza”, dessa maneira, os critérios<br />

4 Depoimentos revelaram que a obtenção do contrato foi alvo de ajustes de mercado entre as empresas participantes do cartel<br />

<strong>da</strong> Operação Lava Jato: “Esclarecem, ain<strong>da</strong>, que só continuaram a execução do contrato, apesar de a Petrobras fixar valor abaixo<br />

do considerado ideal, porque [..] comprometeu-se a facilitar a aprovação de futuros aditivos, sob o argumento de que o projeto<br />

estaria incompleto, de que haveria problemas de engenharia e de que a obra provavelmente iria atrasar.”<br />

18<br />

PERSPECTIVAS SOBRE O CONTROLE DA INFRAESTRUTURA

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