Perspectivas sobre o controle da infraestrutura
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Parte II<br />
Promoção <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de e questões socioambientais em <strong>infraestrutura</strong><br />
(Campos, 2013). Casos recentes, no entanto, nos<br />
permitem identificar algumas particulari<strong>da</strong>des do<br />
contexto brasileiro.<br />
Abor<strong>da</strong>remos duas delas: a importância <strong>da</strong>s empresas<br />
estatais e, no ciclo <strong>da</strong>s contratações públicas, os<br />
riscos de corrupção nas renegociações contratuais.<br />
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF),<br />
a operação Lava Jato, inicia<strong>da</strong> em 2014 e encerra<strong>da</strong><br />
em 2021envolveu grandes empresas brasileiras,<br />
em especial empreiteiras, que combinavam preços<br />
e condições de contratos públicos entre si e<br />
pagavam a agentes públicos cerca de 1% a 5% do<br />
valor dos contratos firmados. Esses recursos eram<br />
utilizados para subornos e financiamentos ilegais<br />
de campanhas (Jones e Pereira Neto, 2021). Parte<br />
dos problemas identificados na Operação Lava<br />
Jato derivava do desenho específico <strong>da</strong>s aquisições<br />
feitas por empresas estatais. Esses entes são excepcionados<br />
do regime geral de contratações públicas<br />
e, antes <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong>s Estatais de 2016, nenhuma lei<br />
específica estipulava regras detalha<strong>da</strong>s a elas,<br />
com base no fato de que as estatais precisavam<br />
de maior flexibili<strong>da</strong>de nos mercados competitivos<br />
em que operavam. Seus processos simplificados<br />
e sua estrutura de governança conferiam amplo<br />
poder discricionário a agentes que permitiam, por<br />
vezes, a manipulação dos contratos (Jones e Pereira<br />
Neto, 2021). As empresas estatais e seus sistemas<br />
de compras, são, portanto, cruciais para entender<br />
as particulari<strong>da</strong>des <strong>da</strong> relação entre <strong>infraestrutura</strong><br />
e integri<strong>da</strong>de no Brasil. Em outras palavras, não<br />
há indicações que a presença de estatais seja<br />
inerentemente mais suscetível a corrupção, mas<br />
há apontamentos importantes <strong>sobre</strong> o desenho<br />
legal de suas operações, que merecem atenção.<br />
Outros estudos <strong>sobre</strong> a Lava Jato buscam identificar,<br />
precisamente, as fragili<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s contrações<br />
de grandes obras de <strong>infraestrutura</strong>. Campos et al<br />
(2019) apresentam um estudo bastante contraintuitivo<br />
do caso Odebrecht na América Latina. Apesar<br />
<strong>da</strong> enorme importância do caso e dos valores<br />
envolvidos, os autores concluem que os leilões de<br />
grandes projetos de <strong>infraestrutura</strong> foram bastante<br />
competitivos na fase de licitação. As margens e os<br />
lucros <strong>da</strong> empresa foram razoavelmente pequenos<br />
em relação ao tamanho dos projetos. As propinas<br />
declara<strong>da</strong>mente pagas pela Odebrecht não representavam<br />
um alto percentual do investimento<br />
total. Para os autores, o volume reduzido dos<br />
lucros sugere que a Odebrecht sofria pressões<br />
competitivas. Propinas de baixo valor (proporcional<br />
ao contrato) sugerem que os agentes públicos<br />
tinham um teto baixo na ven<strong>da</strong> de acesso ao projeto.<br />
A dinâmica mais problemática, identificam os<br />
autores, surgia na renegociação dos contratos e<br />
na inclusão de aditivos. Nesses casos, o custo de<br />
um determinado contrato no qual se constatou<br />
indícios de suborno após a renegociação crescia<br />
até 71,3%, enquanto em um contrato sem indícios<br />
de subornos a renegociação se manteve em média<br />
6,5%. Esses achados indicam que os problemas de<br />
monitoramento dos contratos podem estar muito<br />
mais presentes após o encerramento <strong>da</strong> licitação<br />
e <strong>da</strong> celebração do contrato.<br />
Em outro trabalho, os autores oferecem uma<br />
ilustração do impacto <strong>da</strong>s renegociações. De acordo<br />
com autori<strong>da</strong>des <strong>da</strong> República Dominicana,<br />
a Odebrecht atuou por meio de Ángel Rondón,<br />
empresário bem relacionado, para subornar dois<br />
sucessivos diretores de águas, assim como o<br />
presidente do Senado, Porfirio Bautista, na construção<br />
do aqueoduto Línea Noroeste(Campos<br />
et al, 2021). Eles detinham o poder de aprovar o<br />
orçamento para as obras adicionais. O contrato<br />
foi renegociado quatro vezes e seu custo aumentou<br />
de US$ 161 milhões para US$ 250 milhões. A<br />
Odebrecht pagou, em propinas, US$ 1,6 milhão<br />
para garantir essas renegociações e, com isso,<br />
acrescentou ao contrato US$ 89 milhões (Campos<br />
et al, 2021). Isto é, com um valor razoavelmente<br />
baixo de suborno, conseguiu agregar muito mais<br />
recursos ao projeto. Muitas vezes, os aditivos<br />
são necessários diante de eventos imprevistos,<br />
novas condições de mercado ou, até mesmo pelo<br />
desenho <strong>da</strong> licitação e do contrato original, fatores<br />
que não estão relacionados com corrupção.<br />
Ain<strong>da</strong> assim, os estudos ilustram a importância<br />
de olhar para a gestão contratual com atenção<br />
para os riscos de corrupção.<br />
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PERSPECTIVAS SOBRE O CONTROLE DA INFRAESTRUTURA