Revista Dr Plinio 312

Março de 2024 Março de 2024

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Gesta marial de um varão católico Levavam Nosso Senhor para o sepulcro, fechavam... O Santíssimo também não era mais exposto para adoração. Se não me engano, corriam um pano para não se ver a capela do Santíssimo. Sexta-feira Santa era o dia do horror e da desolação. Fazia pensar que só faltava aparecerem os justos da Antiga Lei. No caso concreto, em São Paulo, só faltava aparecer Anchieta e os justos que tinham aqui morado, andando pela cidade e increpando a população pelos pecados cometidos. Traços da bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo Divulgação Cópia do Santo Cristo de Limpias Tudo isso conjugado tem uma beleza extraordinária, mas lúgubre, grandiosa de arrepiar. Porém, com os traços bondosos muito à vista também. Era uma beleza o dia do lava-pés, na Quinta-feira Santa. Ainda não havia tanta treva na igreja e o bispo lavava os pés dos pobres, passando um pano, osculando-os. Isso representava o afeto de Nosso Senhor para com seus Apóstolos. Era algo muito bonito. A Missa da Quinta-feira Santa era uma celebração de alegria e de tristeza. Ao fim da Missa, começava o desnudamento do altar. Tudo muito bem calculado e pensado, próprio a tocar uma alma até o fundo. Eu pensava o seguinte: “Há algo que eu contemplo e adoro nisso, e que me faz pertencer à Igreja de um modo éperdu 2 ! De toda a alma eu pertenço à Igreja, eu a amo e creio nela. A Igreja é o meu Céu na Terra! Mas, há algo dentro disso que ainda não compreendi por inteiro... Uma maravilha nova, um píncaro qualquer. Eu queria ter entendido isso ainda melhor.” Figura completa de Nosso Senhor Jesus Cristo Havia atrás da mesa de trabalho de Dom Duarte, na sala dele na cúria, uma versão do Santo Cristo de Limpias 3 . Era um trabalho bem feito, mas comum, de carpintaria, envernizado e encerado. Aquela imagem me chamava tanto a atenção que eu tinha dificuldade de conversar com ele e de me fixar no tema. Um dia perguntei a Dom Duarte, sem explicar o motivo da indagação: — Senhor Arcebispo, desculpe- -me a pergunta, mas que invocação é essa de Nosso Senhor? — É o Santo Cristo de Limpias. O que tem de particular são os movimentos dos nós da madeira. Observe que o pintor apenas com uns traços a óleo, de cá, de lá e de acolá figurou a Nosso Senhor. Era uma obra rara, uma coisa extraordinária. Ali, por exemplo, ou no Santo Sudário, eu contemplava inteiramente o que via naquelas cerimônias. E, portanto, Nosso Senhor era o ponto da reunião, da convergência Dr. Plinio em 1986 de aspectos vários. Na iconografia, a santidade d’Ele me aparecia com certos dados e aspectos. Na liturgia, somavam-se outros, dando uma ideia mais completa d’Ele, que me faz muito bem considerar. Por fim, eu tomaria também os aspectos da ordem temporal cristã e, portanto, de edifícios temporais construídos sob o bafejo do espírito de Nosso Senhor Jesus Cristo. E da junção de tudo resultaria uma figura completa, a qual, considerada e conhecida, daria numa adoração de intensidade extraordinária, com uma capacidade imensa de atrair ou também de ser odiada... É este o aspecto no qual se encontra a união entre as esferas espiritual e temporal: na adoração de Nosso Senhor e na visão da Igreja assim.v 1) Até o ano de 1954. (Extraído de conferência de 6/12/1986) 2) Do francês: delirante, desvairado. 3) Santo Cristo de la Agonía de Limpias. Imagem milagrosa situada na igreja dos Padres Franciscanos de Limpias, província da Cantábria, Espanha. Arquivo Revista 18

O pensamento filosófico de Dr. Plinio Gabriel K. A entrada no caminho do sofrimento O caminho da cruz é lindo e cheio de surpresas. A entrada nele é uma resolução heroica e viril, mas ao mesmo tempo é uma ponderação dos mil matizes do sofrimento, conforme o Espírito Santo vai mostrando a cada alma. Santíssimo Cristo da sede - Sevilha, Espanha Muitos pregadores – eu não os censuro por isso –, quando falam da cruz, querem levar a alma num só voo para a admiração e para a eventual aceitação das consequências dela naquilo que têm de mais lancinante e terrível. Dizem: “Eu vou te falar da cruz. Olha, São Vicente sofreu tal martírio assim; esse outro suportou tal situação...” Isso é bom ou não? Mil gamas e mil modos de falar da cruz Ao se tratar da questão da cruz, é necessário, antes de tudo, um discernimento dos espíritos, porque, de fato, a graça chama as pessoas para ela conforme as almas e em momentos certos. Há casos em que a graça chama, de uma vez, para o pináculo da cruz, e pode ser um principiante. Às vezes, pelo contrário, ela vai se revelando lenta e gradualmente. Em determinado auditório, dependendo da situação, pode acontecer de um pregador ser levado, pelo discernimento dos espíritos, a ensinar a cruz no que ela tem de mais terrível: “Meus caros irmãos, quereis ouvir o que é a cruz? Ouvi estas palavras: ‘Eli, Eli, lamma sabactani’” 1 (Mt 27, 46). Começar por aí e produzir um choque. 19

Gesta marial de um varão católico<br />

Levavam Nosso Senhor para o<br />

sepulcro, fechavam... O Santíssimo<br />

também não era mais exposto para<br />

adoração. Se não me engano, corriam<br />

um pano para não se ver a capela<br />

do Santíssimo.<br />

Sexta-feira Santa era o dia do horror<br />

e da desolação. Fazia pensar que<br />

só faltava aparecerem os justos da<br />

Antiga Lei. No caso concreto, em São<br />

Paulo, só faltava aparecer Anchieta<br />

e os justos que tinham aqui morado,<br />

andando pela cidade e increpando a<br />

população pelos pecados cometidos.<br />

Traços da bondade de<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

Divulgação<br />

Cópia do Santo Cristo de Limpias<br />

Tudo isso conjugado tem uma beleza<br />

extraordinária, mas lúgubre, grandiosa<br />

de arrepiar. Porém, com os traços<br />

bondosos muito à vista também.<br />

Era uma beleza o dia do lava-pés,<br />

na Quinta-feira Santa. Ainda não<br />

havia tanta treva na igreja e o bispo<br />

lavava os pés dos pobres, passando<br />

um pano, osculando-os. Isso representava<br />

o afeto de Nosso Senhor<br />

para com seus Apóstolos. Era algo<br />

muito bonito.<br />

A Missa da Quinta-feira Santa era<br />

uma celebração de alegria e de tristeza.<br />

Ao fim da Missa, começava o<br />

desnudamento do altar. Tudo muito<br />

bem calculado e pensado, próprio a<br />

tocar uma alma até o fundo.<br />

Eu pensava o seguinte: “Há algo<br />

que eu contemplo e adoro nisso, e que<br />

me faz pertencer à Igreja de um modo<br />

éperdu 2 ! De toda a alma eu pertenço à<br />

Igreja, eu a amo e creio nela. A Igreja<br />

é o meu Céu na Terra! Mas, há algo<br />

dentro disso que ainda não compreendi<br />

por inteiro... Uma maravilha nova,<br />

um píncaro qualquer. Eu queria ter<br />

entendido isso ainda melhor.”<br />

Figura completa de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo<br />

Havia atrás da mesa de trabalho<br />

de Dom Duarte, na sala dele na cúria,<br />

uma versão do Santo Cristo de<br />

Limpias 3 . Era um trabalho bem feito,<br />

mas comum, de carpintaria, envernizado<br />

e encerado.<br />

Aquela imagem me chamava tanto<br />

a atenção que eu tinha dificuldade<br />

de conversar com ele e de me fixar<br />

no tema. Um dia perguntei a Dom<br />

Duarte, sem explicar o motivo da indagação:<br />

— Senhor Arcebispo, desculpe-<br />

-me a pergunta, mas que invocação é<br />

essa de Nosso Senhor?<br />

— É o Santo Cristo de Limpias. O<br />

que tem de particular são os movimentos<br />

dos nós da madeira. Observe<br />

que o pintor apenas com uns traços a<br />

óleo, de cá, de lá e de acolá figurou a<br />

Nosso Senhor.<br />

Era uma obra rara, uma coisa extraordinária.<br />

Ali, por exemplo, ou no<br />

Santo Sudário, eu contemplava inteiramente<br />

o que via naquelas cerimônias.<br />

E, portanto, Nosso Senhor era o<br />

ponto da reunião, da convergência<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1986<br />

de aspectos vários. Na iconografia,<br />

a santidade d’Ele me aparecia com<br />

certos dados e aspectos. Na liturgia,<br />

somavam-se outros, dando uma<br />

ideia mais completa d’Ele, que me<br />

faz muito bem considerar.<br />

Por fim, eu tomaria também os<br />

aspectos da ordem temporal cristã<br />

e, portanto, de edifícios temporais<br />

construídos sob o bafejo do espírito<br />

de Nosso Senhor Jesus Cristo. E da<br />

junção de tudo resultaria uma figura<br />

completa, a qual, considerada e conhecida,<br />

daria numa adoração de intensidade<br />

extraordinária, com uma<br />

capacidade imensa de atrair ou também<br />

de ser odiada...<br />

É este o aspecto no qual se encontra<br />

a união entre as esferas espiritual<br />

e temporal: na adoração de Nosso<br />

Senhor e na visão da Igreja assim.v<br />

1) Até o ano de 1954.<br />

(Extraído de conferência de<br />

6/12/1986)<br />

2) Do francês: delirante, desvairado.<br />

3) Santo Cristo de la Agonía de Limpias.<br />

Imagem milagrosa situada na igreja<br />

dos Padres Franciscanos de Limpias,<br />

província da Cantábria, Espanha.<br />

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