Revista Dr Plinio 311

fevereiro de 2024 fevereiro de 2024

23.01.2024 Views

Dona Lucilia Divulgação (CC3.0) Alunos do Colégio São Luís no bonde Grande Avenida punha uma gota de azeite, tranquilizava e dava uma coisa que não tem nome, mas que era feito de compaixão. Se alguém quiser obter alguma coisa dela, o caminho não é chegar e cobrar o cheque bancário: “Eu rezei vinte e cinco terços, fiz noventa e duas penitências e abstive-me de cinco mil e quatrocentas coisas más que quis fazer no dia de ontem e não fiz, agora pagai!” Tenho a impressão de que ela diria: “Mas, meu filho, você fez tudo isso? Coitado! Podia ter feito tanto menos, eu estava aqui para te dar!” Essa atitude dela era um incentivo à moleza? Nunca senti isso no momento em que ela me incentivava para o cumprimento do dever; e ela que teve que educar um filho mole. Por exemplo, ela nunca teve muito dinheiro, mas quando chovia – ela tinha pânico dos resfriados – aparecia um táxi no Colégio São Luís, mandado de casa para me pegar na saída, porque não queria que eu tomasse chuva. Era o único menino do Colégio São Luís que tinha táxi, porque os outros ou a família tinha automóvel e mandava buscá-los, ou não tinha e não dispunham de dinheiro para pagar o táxi. Era bonde e chuva. Nunca aconteceu, e nem aconteceria, se eu, na hora de me levantar de manhã dissesse a ela: “Eu estou com vontade de dormir mais meia hora. Mamãe, me pague um táxi…” Porque isto ela não permitiria nunca, irredutivelmente! Era hora de levantar, era preciso levantar! E táxi para ir por moleza, não! Nessa irredutibilidade, exatamente, entrava a contrapartida sem a qual eu reputaria toda essa doçura algo melosa. Dr. Plinio em 1979 Porém, como na irredutibilidade entrava a doçura? Não sei como dizer. Era uma forma de pena de mim que eu percebia que ela tinha e participava do meu sofrimento, mas se ela não tivesse uma resistência irredutível contra o lado mau, eu não a admiraria. Se eu me tomasse por um capricho e não quisesse ir ao colégio, a Fräulein a avisaria. Mamãe tinha o costume de se levantar tarde, mas se levantaria a qualquer hora e iria, de robe de chambre, ao meu quarto. Sentar-se-ia aos pés de minha cama e diria: “Filhão, o que há?” Eu teria de dar logo uma explicação daquilo que estava se passando dentro de mim para pôr logo aquilo em ordem. E eu me levantaria. Não tinha conversa. Aí aparecem os tais jeitinhos dela, porque ela era jeitosa ao inimaginável! v (Extraído de conferência de 8/12/1979) 1) Do francês: tocante; que toca a sensibilidade. Arquivo Revista 8

Reflexões teológicas João C. V. Villa O atrativo do incógnito e o Céu Empíreo Um mistério encantador é-nos revelado através dos sonhos de São João Bosco. O Céu Empíreo em algo se assemelha com esta Terra, porém lá tudo parece ser de outra natureza. Isso nos faz ver esta Terra com olhos muito mais maravilháveis, porque compreendemos o fundamento que as coisas têm em Deus e passamos a buscar o sentido espiritual daquilo que nos rodeia. Heitor M. Flávio Lourenço Inicio a leitura do sonho de São João Bosco. Aspecto terreno, porém de outra natureza São João Bosco viu o pórtico do Céu Empíreo: “De repente, parecia encontrar-me no alto de uma colina, nos bordos de uma imensa planície, cujos confins se perdiam de vista na imensidade. Era de um azul cerúleo, como o mar calmo; embora a matéria que eu via fosse água, parecia, entretanto, um suave cristal reluzente. Debaixo dos meus pés, por detrás de mim e dos lados, eu via uma região à maneira de um litoral à beira do oceano.” A descrição é muito bonita, sobretudo vista de dentro dos olhos de um Santo. Mas ela começa por levantar um problema muito interessante, ao imaginarmos a coisa material. A ser verdadeira a interpretação, nos dá uma ideia desta Terra que é completamente nova e, por certo, antimoderna até onde possa ser; chega até os confins da antimodernidade. Eu levanto apenas o problema, mas não vou resolvê-lo: tais descrições têm o aspecto das coisas terrenas, mas não têm a natureza dela. O que parece mar não é mar nem é água; ele dá a entender que é uma matéria de outra natureza. E aquele litoral não é um verdadeiro litoral, pois, onde não há água, não há litoral. Há um encontro de matérias diversas, parecido com uma praia, mas não é praia. “Largas e gigantescas avenidas dividiam a planície em vastíssimos jardins de inenarrável beleza...” Até que ponto não era água e até que ponto não era cristal? É azul, mas possuía jardins em cima. Se o 9

Dona Lucilia<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

Alunos do Colégio São Luís no bonde Grande Avenida<br />

punha uma gota de azeite, tranquilizava<br />

e dava uma coisa que não tem<br />

nome, mas que era feito de compaixão.<br />

Se alguém quiser obter alguma<br />

coisa dela, o caminho não é chegar<br />

e cobrar o cheque bancário: “Eu rezei<br />

vinte e cinco terços, fiz noventa e<br />

duas penitências e abstive-me de cinco<br />

mil e quatrocentas coisas más que<br />

quis fazer no dia de ontem e não fiz,<br />

agora pagai!” Tenho a impressão de<br />

que ela diria: “Mas, meu filho, você<br />

fez tudo isso? Coitado! Podia ter feito<br />

tanto menos, eu estava aqui para<br />

te dar!”<br />

Essa atitude dela era um incentivo<br />

à moleza? Nunca senti isso no<br />

momento em que ela me incentivava<br />

para o cumprimento do dever; e ela<br />

que teve que educar um filho mole.<br />

Por exemplo, ela nunca teve muito<br />

dinheiro, mas quando chovia – ela<br />

tinha pânico dos resfriados – aparecia<br />

um táxi no Colégio São Luís,<br />

mandado de casa para me pegar na<br />

saída, porque não queria que eu tomasse<br />

chuva. Era o único menino<br />

do Colégio São Luís que tinha táxi,<br />

porque os outros ou a família tinha<br />

automóvel e mandava buscá-los,<br />

ou não tinha e não dispunham de dinheiro<br />

para pagar o táxi. Era bonde<br />

e chuva.<br />

Nunca aconteceu, e nem aconteceria,<br />

se eu, na hora de me levantar<br />

de manhã dissesse a ela: “Eu estou<br />

com vontade de dormir mais meia<br />

hora. Mamãe, me pague um táxi…”<br />

Porque isto ela não permitiria nunca,<br />

irredutivelmente! Era hora de levantar,<br />

era preciso levantar! E táxi<br />

para ir por moleza, não!<br />

Nessa irredutibilidade, exatamente,<br />

entrava a contrapartida sem a<br />

qual eu reputaria toda essa doçura<br />

algo melosa.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1979<br />

Porém, como na irredutibilidade<br />

entrava a doçura? Não sei como dizer.<br />

Era uma forma de pena de mim<br />

que eu percebia que ela tinha e participava<br />

do meu sofrimento, mas se<br />

ela não tivesse uma resistência irredutível<br />

contra o lado mau, eu não a<br />

admiraria.<br />

Se eu me tomasse por um capricho<br />

e não quisesse ir ao colégio, a<br />

Fräulein a avisaria. Mamãe tinha o<br />

costume de se levantar tarde, mas<br />

se levantaria a qualquer hora e iria,<br />

de robe de chambre, ao meu quarto.<br />

Sentar-se-ia aos pés de minha cama<br />

e diria: “Filhão, o que há?” Eu teria<br />

de dar logo uma explicação daquilo<br />

que estava se passando dentro de<br />

mim para pôr logo aquilo em ordem.<br />

E eu me levantaria. Não tinha conversa.<br />

Aí aparecem os tais jeitinhos dela,<br />

porque ela era jeitosa ao inimaginável!<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

8/12/1979)<br />

1) Do francês: tocante; que toca a sensibilidade.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

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