Revista Dr Plinio 311

fevereiro de 2024 fevereiro de 2024

23.01.2024 Views

Hagiografia Esplendor de renúncia para dar força à palavra de Deus No púlpito, o capuchinho era o pregador indômito, representando a renúncia a tudo aquilo a que as pessoas podiam ter apego. No confessionário, era a própria expressão do confessor perfeito: leão contra o pecado e cordeiro em relação ao pecador. Flávio Lourenço Infelizmente, sobre São José de Leonissa não tenho os dados biográficos. Recebemos de presente, de Roma, uma teca com as relíquias de todos os Santos capuchinhos para deixar em nossa capela. Comentando esse Santo, fazemos uma menção de todos os Santos cujas relíquias estão ali e, de maneira especial, uma referência a São José de Leonissa. Poder-se-ia perguntar por que a referência, se temos com esse Santo uma ligação que parece puramente circunstancial, como é o fato de alguém nos ter presenteado a relíquia dele. Entretanto, o “puramente circunstancial” não existe nestas matérias. E se a Providência dispôs ter em nossa capela a relíquia desse Santo, Ela tem com isso desígnios de que ele nos proteja. Um Santo desconhecido Quem foi este Santo? O que ele fez durante a vida? Como deu glória a Deus? A resposta é um ato de fé. Sabe- -se que foi um Santo. O que ele fez? Coisas excelentes. Como? Eu não sei, mas a Santa Igreja o definiu com a sua infalibilidade: José de Leonissa é um Santo. Dele sei apenas uma coisa, mas isto basta para saber todo o necessário. Primeiro: ele foi um Santo. Segundo: foi capuchinho. O que é ser um Santo capuchinho? Quais os traços dos capuchinhos na história da Igreja? E o que diz à alma de um católico o fato de um Santo ter sido capuchinho? A Ordem Franciscana e suas ramificações A Ordem Franciscana, que é uma das maiores famílias espirituais surgidas na Igreja, nasceu do zelo e da missão de um homem incomparável como foi São Francisco de Assis. Ele amou tanto a Nosso Senhor, que chegou a ter com Ele até uma certa semelhança física. Quem olhava para São Francisco julgava ver Nosso Senhor Jesus Cristo. A Ordem Franciscana produziu um caudal de Santos e Santas e de obras beneméritas em toda a esfera de atividades da Igreja, até esta tremenda crise na qual nos encontramos... A Providência permitiu, entretanto, esta Ordem ser muito provada 28 Capuchinho pregando - Igreja de Santo Ângelo, Córdoba

pelo pecado e pelo demônio. E mesmo em vida de São Francisco de Assis houve divisões. Havia setores que pendiam para uma interpretação errada da espiritualidade de São Francisco, enquanto outros para uma interpretação certa. Dessas pluralidades de interpretações nasceram várias Ordens Franciscanas. Todas elas boas porque aprovadas pela Igreja Católica. Uma dessas ramificações teve um nascimento singular: a dos capuchinhos. Os capuchinhos foram fundados por um franciscano muito observante e exemplar que, percebendo estar sendo relativizada a regra de seu fundador, resolveu radicalizá-la, revivendo o espírito de pobreza. Resultado: a Providência abençoou este lance, suscitando Santos. E foram os Santos capuchinhos. Radicalidade da pobreza Quando o espírito de São Francisco se atenuava nas outras ramificações franciscanas, os capuchinhos representaram a radicalidade da pobreza. E, com isso, a radicalidade de todas as independências que só a pobreza dá. Hoje se julga que um homem só é inteligente quando é rico. No tempo da formação dos capuchinhos, considerava-se a riqueza como fonte de uma porção de preocupações, de apegos, de necessidades e de deveres de bens a tutelar, a proteger e, portanto, julgavam que a riqueza aproxima o homem da Terra; e o que verdadeiramente o isola da Terra é a pobreza. Na pobreza o homem tem poucas obrigações, poucos bens para defender, ele vive da confiança na Providência. Por assim dizer, quem nada tem, nada tem a temer. Quem vive da esmola que qualquer um lhe dá é dono do que todos têm. Quem precisa de muito pouco é o homem mais independente de todos. O capuchinho representava propriamente o frade independente. São José de Leonissa Não em relação aos seus superiores e à Igreja Católica – à qual ele estava ligado, como àqueles, por um voto de obediência –, mas sim em relação aos poderes do mundo. Ele era, por definição, o pregador audacioso que dizia as verdades inteiras. E as dizia como confessor e pregador para todos os grandes da Terra, fossem eles grandes da Igreja ou do Estado. O perfil de um capuchinho Flávio Lourenço A figura do capuchinho é a de um homem atarracado, popular, com a palavra fácil, com a cultura religiosa suficiente, porém não aprofundada, com o contato contínuo com as almas, tendo uma espécie de sobranceria por meio da qual trata de igual a igual não só os homens do povo, mas também os grandes segundo o mundo, inclusive os reis. Apoiado na posição de padre e de religioso e, por tal, o capuchinho era, mais do que todo mundo, possuidor do direito de dizer a verdade a todos. A compenetração disso fez do capuchinho aquele tipo do pregador célebre, que era convidado para pregar nas cortes. Subia ao púlpito causando uma espécie de estremecimento pela pobreza de sua batina, pelo cordão que usava – seu único ornato – representando a obediência, pois aquele religioso podia ser levado por toda parte; com a sua barba... num tempo em que os homens elegantes usavam barbas finas, perfumadas, com pomadas e bigodes delicados, a grande e volumosa barba capuchinha nascia espontânea e, às vezes, enchia o peito inteiro; com a sua tonsura enorme, desfigurando-lhe a beleza que os cabelos bem tratados davam aos fidalgos daquele tempo, o capuchinho subia ao púlpito representando uma renúncia a tudo aquilo a que as pessoas podiam ter apego. Ele era o pregador indômito, que dizia as verdades cruas e tonitruava contra a impureza, as acomodações, a falta de fervor, a tibieza na qual o mundo decadente estava se engolfando. No confessionário, o capuchinho era o confessor reto, preciso, cristalino, que não tinha medo de ficar sem penitente nem receio de que depois fizessem contra ele uma calúnia. Podia perder horas no confessionário atendendo apenas poucas pessoas para lhes resolver os problemas. O capuchinho era a própria expressão do confessor perfeito: leão contra o pecado e cordeiro em relação ao pecador. E com energia arrancava as almas das garras do demônio e as levava para o Céu. Esse perfil do capuchinho ficou na História através da figura de vários Santos como uma das riquezas da Igreja, como um dos esplendores dessas variedades magníficas com que o Espírito Santo faz as suas obras. Jogo de contraste harmônico produzido pelo Espírito Santo No esplendor da Igreja vemos o Papa colocado como um Monarca de todos os monarcas, à testa da Igreja Católica. Cercado de um fausto fabuloso 29

Hagiografia<br />

Esplendor de renúncia para<br />

dar força à palavra de Deus<br />

No púlpito, o capuchinho era o pregador indômito, representando<br />

a renúncia a tudo aquilo a que as pessoas podiam ter apego. No<br />

confessionário, era a própria expressão do confessor perfeito:<br />

leão contra o pecado e cordeiro em relação ao pecador.<br />

Flávio Lourenço<br />

Infelizmente, sobre São José<br />

de Leonissa não tenho os dados<br />

biográficos.<br />

Recebemos de presente, de Roma,<br />

uma teca com as relíquias de todos<br />

os Santos capuchinhos para deixar<br />

em nossa capela. Comentando<br />

esse Santo, fazemos uma menção de<br />

todos os Santos cujas relíquias estão<br />

ali e, de maneira especial, uma referência<br />

a São José de Leonissa.<br />

Poder-se-ia perguntar por que a referência,<br />

se temos com esse Santo uma<br />

ligação que parece puramente circunstancial,<br />

como é o fato de alguém nos<br />

ter presenteado a relíquia dele.<br />

Entretanto, o “puramente circunstancial”<br />

não existe nestas matérias.<br />

E se a Providência dispôs ter em<br />

nossa capela a relíquia desse Santo,<br />

Ela tem com isso desígnios de que<br />

ele nos proteja.<br />

Um Santo desconhecido<br />

Quem foi este Santo? O que ele<br />

fez durante a vida? Como deu glória<br />

a Deus?<br />

A resposta é um ato de fé. Sabe-<br />

-se que foi um Santo. O que ele fez?<br />

Coisas excelentes. Como? Eu não<br />

sei, mas a Santa Igreja o definiu com<br />

a sua infalibilidade: José de Leonissa<br />

é um Santo.<br />

Dele sei apenas uma coisa, mas isto<br />

basta para saber todo o necessário.<br />

Primeiro: ele foi um Santo. Segundo:<br />

foi capuchinho. O que é ser<br />

um Santo capuchinho? Quais os traços<br />

dos capuchinhos na história da<br />

Igreja? E o que diz à alma de um católico<br />

o fato de um Santo ter sido capuchinho?<br />

A Ordem Franciscana<br />

e suas ramificações<br />

A Ordem Franciscana, que é uma<br />

das maiores famílias espirituais surgidas<br />

na Igreja, nasceu do zelo e da<br />

missão de um homem incomparável<br />

como foi São Francisco de Assis.<br />

Ele amou tanto a Nosso Senhor, que<br />

chegou a ter com Ele até uma certa<br />

semelhança física. Quem olhava para<br />

São Francisco julgava ver Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo.<br />

A Ordem Franciscana produziu um<br />

caudal de Santos e Santas e de obras<br />

beneméritas em toda a esfera de atividades<br />

da Igreja, até esta tremenda crise<br />

na qual nos encontramos...<br />

A Providência permitiu, entretanto,<br />

esta Ordem ser muito provada<br />

28 Capuchinho pregando - Igreja<br />

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