Revista Dr Plinio 309
dezembro 2023 dezembro 2023
De Maria nunquam satis Flãvio Aliança Imaculada Conceição Igreja de São Francisco, Arcos de la Frontera, Espanha O dogma da Imaculada Conceição: marco inicial do reinado de Maria Contra uma tempestade de paixões inconfessáveis, de ódios ameaçadores, de desesperos furiosos, a alguns doía-lhes aceitar que Deus houvesse realçado tanto uma criatura. Somente a voz intrépida e majestosa do Vigário de Cristo, fiada apenas no auxílio do Céu, poderia proclamar como dogma a Imaculada Conceição de Maria Santíssima. Somente Ela, como em Lourdes, pode transformar o momento de terríveis castigos no qual vivemos numa hora de admirável misericórdia. Em 1854, pela Bula Ineffabilis Deus, o grande Papa Pio IX definia como dogma a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Em 1858, de 11 de fevereiro a 16 de julho, Nossa Senhora aparecia dezoito vezes, em Lourdes, a uma filha do povo, Bernadette Soubirous, declarando ser a Imaculada Conceição. A partir dessa ocasião, tiveram início os milagres. E a grande maravilha de Lourdes começou a brilhar aos olhos de todo o mundo, até nossos dias. O milagre confirmando o dogma, eis em resumo a relação entre o acontecimento de 1854 e o de 1858. 8
Século XIX: problemas análogos aos de nossos dias O que, entretanto, é menos conhecido pelo grande público é a relação desses dois grandes fatos com os problemas dos meados do século XIX, tão diversos dos de hoje, mas ao mesmo tempo tão e tão parecidos com eles. Ao definir o dogma da Imaculada Conceição, o Papa Pio IX despertou em todo o orbe civilizado repercussões ao mesmo tempo díspares e profundas. De um lado, em grande parte dos fiéis, a definição do dogma suscitou um entusiasmo imenso. Ver um Vigário de Jesus Cristo erguer- -se na plenitude e na majestade de seu poder para proclamar um dogma, em pleno século XIX, era presenciar um desafio admiravelmente sobranceiro e arrojado ao ceticismo triunfante, que já então corroía até as entranhas a civilização ocidental. Acresce que esse dogma era marial. Ora, o liberalismo, outra praga do século XIX, tende por sua própria natureza ao interconfessionalismo, à afirmação de tudo o que as várias religiões têm em comum (o que em última análise se reduz a um vago deísmo), e a uma subestimação, quando não a uma formal rejeição de tudo quanto as separa. Assim, a proclamação de um novo dogma mariano – precisamente como ocorreu em alguns arraiais com a definição recente da Assunção – se afigurava aos interconfessionalistas ocultos ou declarados de 1854 uma séria e inesperada barreira para a realização de seus desígnios. O dogma chocou a fundo o espírito igualitário da Revolução Mais ainda, o novo dogma, em si mesmo considerado, chocava a fundo o espírito essencialmente igualitário da Revolução que, a partir de 1789, reinava despoticamente no Ocidente. Ver uma simples criatura de tal maneira elevada sobre todas as outras, por um privilégio inestimável, concedido no primeiro instante de seu ser, é coisa que não podia nem pode deixar de doer aos filhos da Revolução que proclamava a igualdade absoluta entre os homens como o princípio de toda ordem, de toda justiça e de todo bem. Aos não Gruta das aparições de Nossa Senhora em Lourdes católicos, como aos católicos mais ou menos infectados do espírito de 1789, doía-lhes aceitar que Deus tivesse instalado com tanto realce, na Criação, um elemento de tão caracterizada desigualdade. Por fim, a própria natureza do privilégio é antipática para espíritos liberais. Se alguém admite o pecado original com toda a sequela de desregramentos da alma e misérias do corpo que ele acarretou, há de aceitar que o homem precisa de uma autoridade, a cujo império tem de viver sujeito. Ora, a definição da Imaculada Conceição implicava numa reafirmação implícita do ensinamento da Igreja a este respeito. Pedro K. A Virgem Imaculada esmagou a cabeça da serpente Todavia, por mais que tudo isto seja, não estava só nisto o que ousaríamos chamar o sal do glorioso acontecimento da definição do dogma. É impossível pensar na Virgem Imaculada sem ao mesmo tempo lembrar a serpente, cuja cabeça Ela esmagou triunfal e definitivamente com o calcanhar. O espírito revolucionário é o próprio espírito do demônio e seria impossível, para uma pessoa de fé, não reconhecer a parte que o demônio tem no aparecimento e na propagação dos erros da Revolução, desde a catástrofe religiosa do século XVI até a catástrofe política do século XVIII e tudo quanto a esta se seguiu. Ora, ver assim afirmado o triunfo de sua máxima, de sua invariável, de sua inflexível inimiga, era, para o poder das trevas, a mais horrível das humilhações. De on- 9
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De Maria nunquam satis<br />
Flãvio Aliança<br />
Imaculada Conceição<br />
Igreja de São Francisco,<br />
Arcos de la Frontera,<br />
Espanha<br />
O dogma da Imaculada Conceição:<br />
marco inicial do reinado de Maria<br />
Contra uma tempestade de paixões inconfessáveis, de ódios<br />
ameaçadores, de desesperos furiosos, a alguns doía-lhes aceitar<br />
que Deus houvesse realçado tanto uma criatura. Somente a<br />
voz intrépida e majestosa do Vigário de Cristo, fiada apenas no<br />
auxílio do Céu, poderia proclamar como dogma a Imaculada<br />
Conceição de Maria Santíssima. Somente Ela, como em<br />
Lourdes, pode transformar o momento de terríveis castigos<br />
no qual vivemos numa hora de admirável misericórdia.<br />
Em 1854, pela Bula Ineffabilis<br />
Deus, o grande Papa<br />
Pio IX definia como dogma<br />
a Imaculada Conceição de Nossa<br />
Senhora. Em 1858, de 11 de fevereiro<br />
a 16 de julho, Nossa Senhora<br />
aparecia dezoito vezes, em<br />
Lourdes, a uma filha do povo, Bernadette<br />
Soubirous, declarando ser<br />
a Imaculada Conceição. A partir<br />
dessa ocasião, tiveram início<br />
os milagres. E a grande maravilha<br />
de Lourdes começou a brilhar aos<br />
olhos de todo o mundo, até nossos<br />
dias. O milagre confirmando<br />
o dogma, eis em resumo a relação<br />
entre o acontecimento de 1854 e o<br />
de 1858.<br />
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