Revista Dr Plinio 308
Novembro de 2023 Novembro de 2023
Publicação Mensal Vol. XXVI - Nº 308 Novembro de 2023 Ut adveniat regnum Christi, adveniat regnum Mariæ
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Publicação Mensal<br />
Vol. XXVI - Nº <strong>308</strong> Novembro de 2023<br />
Ut adveniat regnum Christi,<br />
adveniat regnum Mariæ
Almas-albatroz<br />
Antoine Lamielle (CC3.0)<br />
Oalbatroz é uma grande ave marítima dotada de um voo elegante,<br />
uma espécie de águia desse setor privilegiado da natureza<br />
onde o ar e a água se tocam.<br />
Feito para voar, quando se encontra no solo ele anda de um modo<br />
ridículo, podendo tornar-se objeto de chacota e gargalhadas.<br />
Assim são certas almas chamadas a fitar largos horizontes,<br />
realizar maiores desígnios, praticar heroísmos. Quando<br />
se deixam cair dos grandes voos a que a graça<br />
as convida para se entregarem a uma vidinha<br />
medíocre, preocupadas com questiúnculas,<br />
tornam-se ridículas e escarnecidas,<br />
como o albatroz caminhando. *<br />
* Cf. Conferência de 12/9/1973.
Sumário<br />
Publicação Mensal<br />
Vol. XXVI - Nº <strong>308</strong> Novembro de 2023<br />
Vol. XXVI - Nº <strong>308</strong> Novembro de 2023<br />
Ut adveniat regnum Christi,<br />
adveniat regnum Mariæ<br />
Na capa,<br />
A Virgem com o Menino<br />
Museu Hyacinthe-Rigaud,<br />
França.<br />
Foto: Flávio Lourenço<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
ISSN - 2595-1599<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
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Diretor:<br />
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Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />
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E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />
Impressão e acabamento:<br />
Pigma Gráfica e Editora Ltda.<br />
Av. Henry Ford, 2320<br />
São Paulo – SP, CEP: 03109-001<br />
Segunda página<br />
2 Almas-albatroz<br />
Editorial<br />
4 Reino de Cristo ou<br />
Leviatã totalitário<br />
Piedade pliniana<br />
5 Misericórdia que preenche<br />
o abismo de indignidade<br />
Dona Lucilia<br />
6 Mãe incomparável,<br />
consertadora de temperamentos<br />
De Maria nunquam satis<br />
11 Mãe da Divina Graça<br />
Reflexões teológicas<br />
17 Dois reinados opostos que se decidem<br />
no coração da sociedade<br />
Calendário dos Santos<br />
22 Santos de Novembro<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum............... R$ 300,00<br />
Colaborador........... R$ 400,00<br />
Benfeitor ............. R$ 500,00<br />
Grande benfeitor....... R$ 800,00<br />
Exemplar avulso........ R$ 25,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
editoraretornarei@gmail.com<br />
Hagiografia<br />
24 Rainha santa, flor da<br />
civilização ocidental<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
27 O mais alto símbolo da<br />
dignidade humana<br />
Última página<br />
36 Contemplar o olhar de Maria<br />
3
Editorial<br />
Reino de Cristo ou<br />
Leviatã totalitário<br />
queremos que este reine sobre nós!” (Lc 19, 14). “Não temos outro rei a não ser César!” (Jo<br />
19, 15). Eis os termos com os quais os judeus repudiaram a Realeza de nosso Divino Salvador.<br />
“Não<br />
Mas não são inimigos da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo somente os que se confessam<br />
contrários a seu plano de Redenção. Fazem coro com essas vozes ímpias e renegadas aqueles católicos<br />
que deformam as palavras do Divino Mestre perante Pilatos, quando declarou que seu Reino não<br />
é deste mundo (Jo 18, 36), emprestando-lhes sentido restritivo, como se essa realeza fosse exclusivamente<br />
espiritual e não uma realeza social sobre os povos, as nações e os governos.<br />
Quando Nosso Senhor diz que seu Reino não é deste mundo é para significar que não provém deste<br />
mundo, porque vem do Céu e não pode ser arrebatado por nenhum poder humano. Tal afirmação se prende<br />
à origem da Realeza Divina e não significa que Jesus recuse à sua soberania um caráter de reino social.<br />
De outro modo, se não passasse da órbita espiritual ou da vida interna das almas, haveria flagrante contradição<br />
entre essa declaração de Nosso Senhor e aquela em que Ele diz que “todo poder me foi dado no<br />
Céu e na Terra” (Mt 28, 18).<br />
Uma das principais características do espírito revolucionário é a pretensão de realizar a divisão entre<br />
a vida religiosa e a vida civil dos povos. Não é a vontade expressa de Deus que prevalece nas leis, como<br />
um ditame da reta razão promulgado pelo poder legítimo no sentido do bem comum, mas a expressão da<br />
maioria ou da vontade geral todo-soberana.<br />
Ora, antes que a Revolução Francesa implantasse de forma tirânica o artificialismo do “direito novo”<br />
revolucionário, todos os países tinham instituições políticas e sociais baseadas nos costumes cristãos e não<br />
elaboradas por assembleias eleitas pela burla da soberania do povo. Transferindo o direito de sua fonte<br />
natural, que é a vontade de Deus expressa pela lei natural e pela Revelação, das quais a Igreja é guardiã<br />
e intérprete infalível, para os sectários que, por golpes políticos, se assenhorearam dos corpos legislativos<br />
através da alquimia do sufrágio universal, o liberalismo preparou o mundo moderno para as cadeias que o<br />
prendem ao Leviatã totalitário.<br />
O ponto geral de convergência de toda a obra revolucionaria é, portanto, a radical negação do Reino social<br />
do Divino Salvador. “Não queremos que este reine sobre nós!” “Não temos outro rei a não ser César!”<br />
Para não desertar de sua Fé, como membro da Igreja Militante, deve o católico lutar pela restauração<br />
do Reino de Cristo como única via para a restauração da verdadeira civilização, a cristã.<br />
Se Jesus Cristo é Rei de toda a Criação, temos, em sua Mãe Santíssima, a Rainha dos Céus e da Terra.<br />
Diz São Luís Maria Grignion de Montfort que foi pela Santíssima Virgem que Jesus Cristo veio ao mundo,<br />
e é também por Ela que no mundo deve reinar.<br />
Na Festa de Cristo Rei, façamos subir até o trono da Mãe de Deus as nossas ardentes súplicas, a fim<br />
de que seja apressada para a humanidade sofredora a plena restauração do reinado de seu Divino Filho. *<br />
* Cf. Excertos retirados de Catolicismo n. 22, outubro de 1952.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
Luis Samuel<br />
Samuel Holanda<br />
Misericórdia que preenche<br />
o abismo de indignidade<br />
Ó<br />
Virgem Santíssima, não somos dignos de nos aproximar de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, pois conhecemos o abismo incomensurável de indignidade que<br />
nos separa d’Ele. Mas, maior do que esse abismo, ó Mãe, é a vossa misericórdia,<br />
vosso amor por cada um de nós, especialmente pelos batalhadores que, por<br />
toda a Terra, travam o bom combate da Fé nos dias amargos que vivemos.<br />
Mãe de Misericórdia, vida, doçura, esperança nossa, que a vossa clemência preencha<br />
esse abismo e faça descer até nós a plenitude da misericórdia do vosso Divino<br />
Filho; que a vossa intercessão alcance para nós aquela perfeição moral, aquela integridade<br />
de doação, aquele pleno cumprimento da vocação que é a glória esperada<br />
por Vós e que nós queremos Vos dar por inteiro. Assim seja.<br />
(Composta em 13/4/1990)<br />
5
Dona Lucilia<br />
Apenas transposto o limiar da eternidade,<br />
desvaneceram-se certas barreiras<br />
estabelecidas pela prática exímia da<br />
humildade no convívio entre mãe<br />
e filho, fazendo com que <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
compreendesse aspectos novos da ação<br />
de Dona Lucilia sobre as almas.<br />
Fotos: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Minha posição de alma<br />
com relação a mamãe<br />
foi de uma consonância<br />
enorme e completa; mas, de outro lado,<br />
sempre ligada à preocupação de<br />
evitar qualquer movimento de amor-<br />
-próprio ou algo que pudesse girar em<br />
torno de mim mesmo. Enquanto ela<br />
estava viva, eu nunca ousei meditar e<br />
fazer grandes reflexões a respeito dela,<br />
com receio de redundar em grandes<br />
considerações a meu respeito.<br />
Incomparável dama,<br />
envolta em mistérios<br />
Eu estava para com mamãe muito<br />
mais como diante de um sol que me enchia<br />
do que de algo que eu precisasse<br />
analisar. Debaixo de um certo ponto de<br />
vista, ela era para mim um mistério.<br />
Recordo-me de me fazer muitas<br />
vezes esta pergunta: “Ela não será<br />
uma pessoa inteiramente incomparável?<br />
Não há no interior dela um<br />
mistério que eu não consigo, não ouso<br />
e nem devo desvendar? Na medida<br />
em que ele existe, qual é esse mistério?”<br />
E eu mesmo parava no limiar<br />
dessas considerações...<br />
Minha admiração para com ela foi<br />
crescendo cada vez mais, sobretudo<br />
nos últimos tempos da vida dela, os<br />
dois ou três anos que precederam minha<br />
crise de diabetes em 1967 1 .<br />
Desfeita a união entre<br />
mãe e filho, que restará<br />
da Contra-Revolução?<br />
Lembro-me de uma reflexão que<br />
fiz quando, depois da amputação dos<br />
artelhos 2 , eu já conseguia ir de muletas<br />
até a sala de jantar para estar um<br />
pouco com ela durante as refeições.<br />
Naquela situação eu pensava:<br />
“Coitada, ela está chegando a este<br />
fim que vejo e eu estou nestas condições<br />
em que me encontro. Há um binômio:<br />
aqui estão dois a quem Nossa<br />
Senhora amou muito e que, por<br />
sua vez, amaram muito a Ela também.<br />
Ora, sobre estes se descarrega<br />
de repente essa série de golpes: sobre<br />
mim, as pancadas que eu sinto;<br />
sobre ela, um fim que se aproxima. E<br />
o que parecia ser uma conjunção de<br />
almas que Nossa Senhora tinha desejado<br />
e que Deus tinha criado para<br />
O amarem de um modo tão especial,<br />
a própria iniciativa d’Ele parece desconjuntar<br />
e no que isto vai dar? Inteira<br />
consonância comigo só ela tem<br />
6
e mais ninguém. Desfeito isso, o que<br />
vai resultar?<br />
“Mas, meu Deus, ela, este filho<br />
dela e todo o ambiente criado por<br />
ela existem para Vós. Vós os suscitastes,<br />
Vós os articulastes, Vós os ordenastes<br />
e Vós fareis o que quiserdes.<br />
Mas, tenho a impressão de que<br />
se Vós desfizerdes isto, destruireis a<br />
Contra-Revolução e, se a destruirdes,<br />
será o fim do mundo. Ora, historicamente<br />
ele não deve chegar agora.<br />
O que fareis, meu Deus?<br />
“Fico diante de um mistério, o<br />
qual aceito, nem seria preciso dizer;<br />
aceitaria inclusive a minha própria<br />
morte e o que fosse da intenção<br />
de Nosso Senhor e de Nossa Senhora.<br />
Mas não compreendo o que<br />
está se passando; vou continuar para<br />
a frente!”<br />
Narro isto a fim de exprimir até<br />
que ponto eu a admirava e era consonante<br />
com ela, e assim não parecer<br />
inexplicável que eu me tenha,<br />
entretanto, atrevido tão pouco a<br />
analisá-la e a formar uma teoria a<br />
respeito dela.<br />
Início de uma<br />
pós-história<br />
Ora, com os acontecimentos<br />
e a atuação dela<br />
post mortem, muito da<br />
grandeza e do esplendor<br />
de sua alma foi-se revelando.<br />
Notei que ela começou<br />
a atuar a seu modo,<br />
por si mesma e quase<br />
à minha margem, agindo<br />
de um modo extraordinário<br />
e começando<br />
uma post história. Foi então<br />
que compreendi a necessidade<br />
de analisá-la,<br />
não para conhecer algo de<br />
novo, mas para explicitar<br />
aquilo que correspondia à<br />
minha admiração, cujo limiar<br />
não ousara transpor<br />
enquanto ela estava viva.<br />
Isto deu-se a partir de algumas<br />
graças que recebi por meio dela e de<br />
outras que ela, sem interferência minha,<br />
começou a dispensar a outros.<br />
Porque disso todos são testemunhas:<br />
eu nunca impulsionei uma devoção<br />
a ela; sempre dei minha aquiescência,<br />
mas nunca a incentivei.<br />
A primeira dessas graças insignes<br />
recebidas dela depois de seu falecimento<br />
foi de eu senti-la falar à minha<br />
alma, sem eu saber o modo como<br />
isso se dava. Eu, que nunca tive<br />
visão ou revelação! Falar para a minha<br />
alma como?<br />
“Meu filho, ele voltará”<br />
O primeiro fato no qual este fenômeno<br />
se deu foi a propósito de<br />
um rapaz que havia se afastado de<br />
nosso Movimento. Lembro de ter sido<br />
em semanas posteriores à morte<br />
de mamãe, quando me encontrava<br />
em repouso em uma fazenda.<br />
Eu estava deitado quando me<br />
veio ao espírito a lembrança dessa<br />
pessoa, e eu senti como se minha<br />
mãe me sorrisse, com um sorriso iluminado,<br />
generoso, cheio de felicidade,<br />
e me dissesse: “Meu filho, ele<br />
voltará e o caso dele não está perdido,<br />
ele continuará o caminho.”<br />
Eu pensei com os meus botões: “É<br />
para mim evidente que é uma comunicação<br />
dela e que isto vai dar-se. No<br />
entanto, pela contenção que eu devo<br />
pôr-me a mim mesmo, não darei<br />
a menor importância ao que aconteceu.”<br />
E assim o fiz, tanto é que não<br />
comentei com ninguém.<br />
Ora, depois os fatos confirmaram,<br />
e de modo maravilhoso, a intervenção<br />
dela no caso.<br />
Apesar da admiração enorme, da<br />
veneração, do afeto, respeito que eu<br />
tinha por ela, a minha posição foi de<br />
estabelecer uma espécie de dúvida<br />
metódica diante daquilo que eu havia<br />
sentido. E não só dúvida, mas de<br />
relegar o fato, ignorá-lo, embora desejando,<br />
como podem imaginar, que<br />
aquela promessa se realizasse.<br />
Aspectos da fazenda em Amparo.<br />
Em destaque, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no<br />
mesmo local, em agosto de 1968<br />
7
Dona Lucilia<br />
Ela mesma como que, afetuosamente,<br />
carinhosamente, forçou a barreira<br />
metódica que eu tinha estabelecido,<br />
mostrando-me que, de fato, ela<br />
ocupava um lugar que o meu temor,<br />
a minha vigilância impediam de afirmar,<br />
como também de negar. Eu fizera<br />
tábula rasa a respeito disso.<br />
Barreiras simétricas,<br />
santamente estabelecidas<br />
Depois houve um outro caso,<br />
mais pessoal e relativo à minha saúde,<br />
no qual também ela falou claramente<br />
e os fatos se cumpriram conforme<br />
havia dito.<br />
Eu não sei explicar como, mas é<br />
um falar não falando, um dizer não<br />
dizendo, com muito sorriso, e cujo<br />
sentido profundo me preparava para<br />
admitir como autênticas as graças<br />
que ela tem dispensado junto à<br />
sua sepultura e cuja autenticidade<br />
eu não poderia negar. Porque, para<br />
quem tem um pingo de discernimento<br />
dos espíritos, constituem<br />
uma tal evidência, que eu não poderia<br />
negar.<br />
Para dizer logo tudo de uma vez, a<br />
barreira que eu coloquei na consideração<br />
da pessoa dela era talvez a mesma<br />
que ela havia posto na consideração<br />
de minha pessoa. Quer dizer, talvez<br />
fossem barreiras simétricas, estabelecidas<br />
por ela e por mim, vindas da<br />
mesma preocupação. Eu não tenho<br />
certeza, mas era bem possível.<br />
No entanto, ela passou por cima<br />
da barreira que eu aprendi dela<br />
a traçar, tanto no que diz respeito a<br />
ela, como no que diz respeito a mim;<br />
ela entrou e abriu.<br />
E isso me leva então a reestudar o<br />
assunto da pessoa dela, sem algumas<br />
limitações que eu mesmo me julgara<br />
obrigado a estabelecer outrora.<br />
Ao fim da vida, ela me transmitia<br />
alguns pensamentos, não à maneira<br />
de quem vai pronunciar ditos sublimes<br />
supondo que vai morrer, mas eram<br />
coisas que lhe escapavam por acaso; e<br />
eu fui interpretando depois, com mais<br />
profundidade, algumas ideias que eu<br />
tinha desde o tempo de minha infância,<br />
reconstituindo uma porção de impressões<br />
que ela me dava.<br />
Uma alma à espera<br />
de outros filhos<br />
Uns vinte anos antes<br />
de ela morrer, comecei<br />
a prestar atenção nela<br />
e pensava: “Mamãe foi<br />
uma filha excelente, uma<br />
irmã ótima, uma esposa<br />
pacientíssima e dedicadíssima;<br />
mas ela, principalmente<br />
é mãe, e não quero<br />
dizer que ela seja sobretudo<br />
minha mãe.”<br />
No decurso do tempo,<br />
passei a notar nela uma atitude<br />
de alguém que possui<br />
uma alma de mãe para ter<br />
uma quantidade de filhos<br />
Visitas de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ao túmulo de<br />
Dona Lucilia no Cemitério da Consolação<br />
8
que ela não teve e dir-se-ia ser<br />
uma alma à espera de outros<br />
filhos que ela não teria, tanto<br />
mais que eu não haveria<br />
de me casar. Como é que se<br />
explicava isto que ficava em<br />
suspense?<br />
Mais tarde eu comecei a<br />
perceber que ela apresentava<br />
uma atitude de mãe<br />
em relação a todos os meus<br />
amigos que se aproximavam<br />
dela. Veio-me à mente essa<br />
pergunta: “Será que um dia ela vai<br />
ser mãe de todos aqueles que são<br />
meus filhos espirituais e que toda<br />
a TFP, que deve crescer ainda muito<br />
mais, vai ser um Movimento de filhos<br />
dela?”<br />
Com efeito, o modo de ela agir<br />
com os que vão rezar junto ao túmulo<br />
é assim: ela toma um por um<br />
como filho, estabelecendo um vínculo<br />
materno e, mais do que atender<br />
à graça, ela faz sentir àquele a<br />
cujo pedido diz “sim” que, a partir<br />
daquele momento, providamente<br />
toma conta dele; toda a série de<br />
outros pedidos que ele fizer, ela<br />
atenderá como uma mãe faz com<br />
aquele o qual, de fato, toma como<br />
filho.<br />
Impulsar, fazer com que cada um<br />
seja filho dela é, vamos dizer, o objetivo<br />
dessas relações que ela estabelece<br />
no Cemitério da Consolação.<br />
Um múnus materno para<br />
recompor almas órfãs<br />
Isso tem uma reversão em outra<br />
realidade.<br />
Muitas vezes, comparando-a com<br />
outras mães que eu conhecia, tinha<br />
uma sensação curiosa e pensava:<br />
“Tenho a impressão de ser ela a última<br />
mãe sobre a Terra, porque mãe<br />
como ela é – com tal plenitude da<br />
maternidade –, eu não conheço ninguém,<br />
excetuando, como é evidente,<br />
Nossa Senhora.<br />
As mães vão morrendo sobre a<br />
face da Terra. Há restos disso nesta,<br />
naquela e naquela outra, mas<br />
com esta totalidade de predicados<br />
não vejo ninguém. Creio que haverá<br />
uma época na qual o relacionamento<br />
entre mãe e filho vai desaparecer.”<br />
E eu tenho a impressão de<br />
que Dona Lucilia entra nesse<br />
cenário e toma um cuidado<br />
especial dos que são<br />
mais órfãos, daqueles cuja<br />
mãe foi menos mãe. A<br />
esses ela pacifica, apazigua,<br />
entretém, enfim,<br />
realiza um trabalho como<br />
só ela poderia fazer,<br />
e o faz de um modo<br />
esplêndido, excelente,<br />
com afagos, revelando-lhes<br />
o que é<br />
ter uma mãe.<br />
Desse modo, a axiologia<br />
que ela recompõe<br />
carinhosamente<br />
corresponde ao sentido<br />
de orfandade. Um órfão<br />
que nunca teve mãe<br />
ou quem nem sequer conheceu<br />
uma boa mãe,<br />
este fica com a axiologia<br />
trincada.<br />
Ora, dar axiologia é próprio ao<br />
múnus materno e é o que Nossa Senhora<br />
faz. O universo não teria sentido<br />
e seria uma sucessão de cóleras<br />
ininterruptas de Deus se não fosse<br />
Nossa Senhora intervindo, unindo,<br />
consertando. E o que a Santíssima<br />
Virgem realiza de um modo universal,<br />
mamãe parece ter a incumbência<br />
d’Ela para fazer de um modo mais<br />
particular, preciso, pequenino.<br />
Durante a vida, eu via mamãe<br />
com muitas interrogações e, desde a<br />
eternidade, ela parece respondê-las<br />
por inteiro. Com o fato do raio de<br />
luz sobre as orquídeas 3 e pelos acontecimentos<br />
que sucederam, se me fixou<br />
esta ideia de uma missão dela<br />
post mortem.<br />
9
Dona Lucilia<br />
Consertadora dos<br />
temperamentos,<br />
cuja bondade forma<br />
para a luta<br />
Algo no qual também entra<br />
a ação de Dona Lucilia<br />
é na questão dos temperamentos.<br />
Ora, o temperamento<br />
das gerações que viriam seria<br />
marcado por uma espécie<br />
de incapacidade para as<br />
grandes asceses, por causa<br />
de um minguamento da natureza.<br />
E ela, a senhora do<br />
Quadrinho, com sua forma<br />
de carinho, de acessibilidade,<br />
resolve inclusive o problema<br />
temperamental, cujo<br />
reflexo pode-se ver no próprio<br />
modo de eu me portar<br />
diante da virtude dela.<br />
Quando era de se esperar<br />
que as almas não teriam<br />
mais acesso a isso, nasce<br />
uma forma nova de ascese,<br />
de axiologia, toda feita da bondade<br />
dela, da misericórdia, de uma suavidade<br />
recomponente, que tem isto<br />
de curioso: refeito por ela, dá para o<br />
combate; sem ser refeito por ela, não<br />
dá para nenhuma luta.<br />
E mais ainda: aqueles que não são<br />
capazes de maiores esforços ela os<br />
apresenta aos olhos de Deus com uma<br />
aparência de ascese; não consigo exprimir<br />
bem, mas seria algo dessa natureza.<br />
Ela como que consegue, com o sorriso<br />
e uma ação na alma, o que a grandeza<br />
dos séculos passados – que eu admiro e<br />
procuro representar –, de si, não causaria.<br />
Desperta admiração, mas não move<br />
à imitação. Ela, no entanto, vê, preenche,<br />
completa e faz andar.<br />
Complemento de suavidade e<br />
doçura à ação de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1985<br />
Há aqui uma espécie de cruzar de<br />
ações: em certo sentido, eu represento<br />
o futuro e ela o passado; em<br />
outro sentido, eu represento o passado<br />
que se levanta esbravejando, de<br />
garras diante da Revolução, e ela representa<br />
o futuro.<br />
Há, por exemplo, casos de pessoas<br />
que se aproximam de mim com<br />
desejos de me seguir, mas com dificuldades<br />
temperamentais. Mamãe, a<br />
seu modo, alisa o temperamento, o<br />
põe em ordem. Onde eu não poderia<br />
chegar, ela, pelo sorriso, encaminha<br />
a alma. É um ponto por onde eu a<br />
sinto completar-me magnificamente.<br />
Certa vez, eu estava conversando<br />
com um rapaz; estávamos cada qual<br />
em cadeiras de vime, lado a lado. Depois<br />
de eu lhe haver apontado certos<br />
deveres a cumprir, ele respondeu-me:<br />
“Para isto, eu não tenho força nem<br />
coragem, e é inútil o senhor pedir de<br />
mim, porque não consigo.”<br />
Aos meus lábios veio o desejo da<br />
increpação: “Como pode ser isto?<br />
Você tem a graça de Deus<br />
como eu tenho e tem obrigação<br />
de exigir de si mesmo<br />
o que eu exijo de mim. E o<br />
que não for isto é, de sua<br />
parte, um amolecimento e<br />
uma insinceridade...”<br />
Quando eu olhei para<br />
ele, percebi que teria o seu<br />
propósito eu dizer-lhe isto;<br />
mas seria, ao mesmo tempo,<br />
uma ação tão descabida,<br />
que eu não deveria fazer.<br />
Engoli a censura e deixei<br />
correr o marfim.<br />
Anos depois, esse rapaz<br />
mencionou-me uma ação<br />
de mamãe sobre sua alma –<br />
creio que ela já havia morrido<br />
– que era o de consertar<br />
o temperamento. Eu compreendi<br />
que aquela minha<br />
atitude teria sido, de fato,<br />
fora de propósito, porque<br />
ela arranjou o que eu não<br />
teria obtido. Esse jovem teria<br />
admirado meu “rugido”,<br />
mas a repreensão não teria<br />
consertado o temperamento dele.<br />
Há algo por onde ela me completa<br />
com doçura e suavidade, alcançando<br />
o que eu não conseguiria. E<br />
eu, muito agradecido e enternecido,<br />
não tendo nem sequer palavras para<br />
dizer quanto sou grato, registro estes<br />
fatos. Isso é assim! v<br />
(Conferência de 30/10/1977)<br />
1) Em fins do ano de 1967, como resultado<br />
de um esgotamento físico, <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> foi acometido por uma grave<br />
crise de diabetes.<br />
2) Devido à gangrena ocasionada por<br />
uma infecção no pé direito, foram-lhe<br />
amputados quatro artelhos.<br />
3) No momento da Consagração da Missa<br />
de sétimo dia de Dona Lucilia, celebrada<br />
na Igreja de Santa Teresinha,<br />
um raio de luz incidiu repentinamente<br />
sobre as orquídeas, que constituíam<br />
o centro da cruz floral que se encontrava<br />
junto à mesa de Comunhão.<br />
10
De Maria nunquam satis<br />
Mãe da<br />
Daniel A.<br />
Divina Graça<br />
À obra magnífica da Redenção operada por Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, quis Ele associar sua Mãe Santíssima. Ela é o<br />
funil sagrado por onde todas as orações da humanidade são<br />
atendidas. Devemos nos habituar a pedir a Ela tudo quanto<br />
precisamos, ainda que pareça algo muito difícil de ser obtido.<br />
Quando surgiu a invocação a<br />
Nossa Senhora das Graças e<br />
o que ela significa?<br />
Nossa Senhora das Graças é a<br />
Mãe da graça divina, Ela é Mãe de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
A Santíssima Virgem:<br />
caminho para a<br />
vinda do Messias<br />
Havia uma ruptura entre Deus e<br />
os homens. O caminho do Céu estava<br />
fechado para a humanidade. Por<br />
causa do pecado de Adão e Eva, o<br />
pecado original, havia uma mancha<br />
que se propagava deles sobre todos<br />
os seus descendentes, tornando-os indignos<br />
de aparecer diante de Deus.<br />
Quando Deus pronunciou a sentença<br />
para o homem, prometeu também<br />
a vinda do Redentor, do Messias<br />
que haveria de tirar o gênero humano<br />
daquela condição miserável na<br />
qual estava e restituiria aos homens<br />
a possibilidade de verem a Deus. Esse<br />
Redentor veio, mais ou menos,<br />
cinco mil anos depois de o homem<br />
ser expulso do Paraíso.<br />
Para se ter uma ideia do que isso<br />
representa, basta considerar que o<br />
Brasil foi descoberto em 1500 e ainda<br />
não estamos no ano de 2000. São 500<br />
anos. O Brasil não tem 500 anos de<br />
idade completos... Cinco mil anos são<br />
dez vezes a história inteira do Brasil!<br />
Por este cálculo pode-se ter uma<br />
vaga noção de quanto tempo o gênero<br />
humano ficou esperando o Redentor.<br />
Até que Deus, na sua sabedoria<br />
e bondade, determinou o momento<br />
e preparou o caminho para o nascimento<br />
do Messias. E a preparação<br />
do caminho era Nossa Senhora! Filha<br />
de um casal santíssimo: São Joaquim<br />
e Sant’Ana. Ele, descendente do Rei<br />
Davi, escolhido com Sant’Ana para<br />
terem uma filha de pureza imaculada.<br />
Todos os homens nascem concebidos<br />
no pecado original, porém Deus<br />
suspendeu esta lei no nascimento de<br />
Nossa Senhora: “Esta não! Esta vai<br />
ser concebida sem a mancha original.<br />
Será puríssima desde o primeiro ins-<br />
11
De Maria nunquam satis<br />
tante de seu ser, em vista do Menino<br />
que nascerá d’Ela.”<br />
E o Divino Espírito Santo gerou<br />
em Nossa Senhora a Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo. Ela é esposa do Divino<br />
Espírito Santo. E Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, a Segunda Pessoa da<br />
Santíssima Trindade, Deus feito Homem,<br />
nasceu das núpcias sobrenaturais,<br />
celestes e magníficas<br />
entre o Divino Espírito<br />
Santo e Nossa Senhora.<br />
Ela é a Mãe de Deus, o<br />
veículo pelo qual Jesus Cristo<br />
veio à Terra. Ela se tornou<br />
o canal de todas as graças.<br />
Nosso Senhor visita<br />
o Limbo dos Justos<br />
Flávio Lourenço<br />
São Joaquim e<br />
Sant’Ana com Nossa<br />
Senhora menina<br />
Museu Federic<br />
Marés, Barcelona<br />
A partir do momento<br />
em que Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo expirou e disse do alto<br />
da Cruz: “Consummatum<br />
est”, o sacrifício d’Ele<br />
terminou e o gênero humano<br />
estava remido, as portas<br />
do Céu se reabriram.<br />
A alma de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, separada<br />
do Corpo, desceu para<br />
o lugar onde se encontravam os<br />
homens que tinham morrido antes<br />
d’Ele e que mereciam ir para o Céu,<br />
entre os quais São Dimas, o bom ladrão,<br />
que provavelmente morreu antes<br />
de Nosso Senhor e foi esperá-Lo<br />
no Limbo. Ali estavam todos os justos<br />
que tinham morrido desde Adão<br />
até aquele momento, num lugar sem<br />
Anunciação<br />
Galeria<br />
Nacional de<br />
Úmbria, Itália<br />
fogo, sem tormento, numa longa espera<br />
de cinco mil anos, até que afinal<br />
viesse o Salvador.<br />
No Credo se diz que Ele “desceu<br />
aos infernos”. Não é o inferno de Satanás.<br />
Inferno, em latim, é uma palavra<br />
genérica que significa lugares inferiores.<br />
O Limbo era um lugar inferior.<br />
Puro, digno, mas um lugar de<br />
saudades e de esperança,<br />
sem nenhuma alegria beatífica<br />
presente. Esse era o<br />
Flávio Lourenço<br />
tal inferno onde a alma de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
desceu. Um inferno sem<br />
relação nenhuma com os<br />
demônios. E pode-se imaginar<br />
a alegria de todos os<br />
justos quando viram, de<br />
repente, o Salvador que<br />
descia.<br />
Desde Adão e Eva, que<br />
se salvaram e são santos,<br />
pois Deus os perdoou, até<br />
os que tinham morrido naquela<br />
hora e foram salvos,<br />
todos eles, recebendo<br />
a boa notícia, estavam resgatados<br />
por Nosso Senhor.<br />
É de se admitir que<br />
quando São José morreu<br />
ele contou no Limbo<br />
o nascimento do Messias<br />
e todos ficaram alegríssimos!<br />
Também quando São<br />
João Batista morreu sua<br />
alma foi para o Limbo e é<br />
provável que ele tenha contado o início<br />
da pregação do Messias e anunciado<br />
ali quem era Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo. Portanto, todos no Limbo<br />
já sabiam quem Ele era, mas nada<br />
se comparou à alegria de ver o Messias<br />
e de, afinal, terem o sacrifício liquidado<br />
e irem com Ele para o Céu!<br />
Nossa Senhora, medianeira<br />
de todas as graças<br />
Que obra magnífica de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo! Que ação santíssima<br />
e inteiramente à altura incompa-<br />
12
ável d’Ele, o ter resgatado por esta<br />
forma todo o gênero humano! Nosso<br />
Senhor quis que o valor do sacrifício<br />
d’Ele fosse aceito pelo Padre<br />
Eterno como expiação pelos pecados<br />
que se cometeriam desde Adão<br />
e Eva até o fim do mundo, mas Ele<br />
quis assim em união com o sofrimento<br />
de Nossa Senhora, e nisso Ela entra<br />
enquanto a Mater Divinæ Gratiæ.<br />
Nossa Senhora é, portanto, chamada<br />
a Co-Redentora do gênero<br />
humano. Se não fosse o sofrimento<br />
d’Ela, Deus não se contentaria. E,<br />
realmente, Ela teve um martírio incomparável.<br />
Podem imaginar o que<br />
representava para Nossa Senhora<br />
ver seu Filho, a quem adorava como<br />
Deus e Homem, morto daquele modo<br />
ignominioso na Cruz?<br />
Uma coisa tremenda! Nunca, até<br />
o fim do mundo, se poderá calcular o<br />
que Nossa Senhora sofreu. Isso Ela<br />
sofreu para nos salvar. E, por todas<br />
essas e outras razões, Maria Santíssima<br />
foi considerada, aclamada, reconhecida<br />
pela Igreja como a Medianeira<br />
de todas as graças.<br />
Deus não dá uma só graça para os<br />
homens que não seja por pedido de<br />
Nossa Senhora. E não atende uma<br />
só oração dos homens que não seja<br />
por meio d’Ela. Ela é a Medianeira<br />
de todas as graças. Medianeira é a<br />
que está no meio. A palavra diz: entre<br />
Deus e os homens, no meio está<br />
Ela. É um funil sagrado por onde todas<br />
as orações da humanidade aflita<br />
ou reconhecida, alegre, abatida<br />
ou triste, ou na luta e no caminho do<br />
Céu, rezam, rezam, rezam para obter<br />
graças.<br />
Essas orações, os Anjos, os santos,<br />
os nossos santos padroeiros apoiam.<br />
Não seria nada, porém, se Nossa Senhora<br />
não rezasse junto. Tanto vale a<br />
oração de Nossa Senhora!<br />
O que todos os Anjos e Santos do<br />
Céu pedissem sem Ela, não receberiam.<br />
Ela, pedindo sem todos eles,<br />
recebe. De maneira tal e unicíssima<br />
Deus A ama.<br />
Jesus ressuscitado desce ao Limbo - Galeria Nacional de Arte, Washington<br />
As aparições de Nossa<br />
Senhora a Santa<br />
Catarina Labouré<br />
Para lembrar essas graças e avivar<br />
os homens na piedade, Nossa Senhora<br />
apareceu no ano de 1830, na França,<br />
a uma freira francesa, da Congregação<br />
de São Vicente de Paulo. Elas<br />
usavam uns longos toucados brancos<br />
muito bonitos e hábito preto.<br />
Ela morava no convento que até<br />
hoje essa Ordem religiosa possui, na<br />
Rue du Bac, em Paris. A freira estava<br />
dormindo, durante a noite, quando<br />
um menino – eu suponho ser um<br />
Anjo – apareceu, dizendo que Nossa<br />
Senhora queria falar com ela e a<br />
esperava na capela. A religiosa acordou,<br />
vestiu-se e foi; o menino guiando-a.<br />
Nesses conventos antigos a disciplina<br />
era verdadeira. Havia várias<br />
portas internas fechadas e, portanto,<br />
não se entrava nem se saía com<br />
facilidade. Mas, quando o menino<br />
Gabriel K.<br />
13
De Maria nunquam satis<br />
se aproximava, as portas se abriam.<br />
A irmã Catarina Labouré, de classe<br />
social muito humilde, muito modesta,<br />
e ela mesma uma pessoa de dotes<br />
comuns, não era uma grande estrela<br />
de inteligência. No silêncio do<br />
convento que dormia, foi seguindo o<br />
menino. A capela estava toda iluminada,<br />
resplandecente. Nossa Senhora<br />
sentou-se numa poltrona que até<br />
hoje se conserva nessa capela. Catarina<br />
Labouré aproximou-se d’Ela e<br />
começaram a conversar.<br />
Nossa Senhora fez várias revelações<br />
a essa freira, manifestando estar<br />
muito aborrecida com o estado<br />
da França, que andava mal, e anunciando<br />
em breve a chegada de uma<br />
revolução que deporia o Rei Carlos<br />
X e seria seguida de outras, até a revolução<br />
comunista, que deixaria Paris<br />
toda em sangue.<br />
A revolução liberal depôs o Rei<br />
Carlos X, ainda conservando a forma<br />
de governo monárquica. Cerca<br />
de vinte anos depois, a monarquia<br />
caiu e seguiu-se a república. Mais<br />
tarde, veio mais uma vez o império.<br />
Depois, afinal de contas, a república<br />
foi proclamada. Porém, por ocasião<br />
dessa proclamação, então definitiva<br />
na França, houve uma revolução<br />
comunista como Nossa Senhora<br />
predisse.<br />
E Nossa Senhora alertou que rezassem<br />
muito a Ela, recomendou<br />
que todos portassem a medalha milagrosa<br />
consigo e assim obteriam<br />
uma especialíssima proteção.<br />
Graças que não são<br />
pedidas e, por isso,<br />
não são concedidas<br />
Nossa Senhora prometeu conceder<br />
inúmeras graças aos que Lhe pedissem.<br />
Alguns meses mais tarde, em outra<br />
aparição, Santa Catarina Labouré<br />
viu que os dedos de Nossa Senhora<br />
estavam carregados de anéis com<br />
pedras preciosas, os quais chispavam<br />
Aparição de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré<br />
Capela da Medalha Milagrosa, Paris<br />
cores lindas e eram um símbolo das<br />
graças que Ela obtém aos homens.<br />
Os anéis sem brilho simbolizavam as<br />
graças que não eram pedidas e, portanto,<br />
não eram concedidas.<br />
É uma grande lição para nós nos<br />
habituarmos a pedir a Nossa Senhora<br />
tudo quanto precisamos, ainda<br />
que pareça muito improvável ou<br />
muito difícil conseguir. Pedindo, Ela<br />
concede. E como cada favor que Ela<br />
dá é uma graça e uma manifestação<br />
da grandeza d’Ela, nós A invocamos<br />
sob o título de Nossa Senhora das<br />
Graças.<br />
A imagem de Nossa Senhora das<br />
Graças está com as mãos abertas para<br />
indicar a disposição de acolher as<br />
nossas orações. Ela apareceu com<br />
sóis partindo das mãos. Esses sóis,<br />
estão à nossa disposição.<br />
É questão de pedirmos que Ela dá.<br />
Nosso Senhor disse no Evangelho:<br />
“Pedi e recebereis. Batei e abrir-se-<br />
-vos-á” (Mt 7, 7). Ele indicou a porta:<br />
é sua Mãe Santíssima. Batei na porta<br />
certa e se abrirá! Para abrir, precisa<br />
bater na porta e não na parede... A<br />
porta é Ela. Batendo na porta certa,<br />
recebemos as graças que desejamos.<br />
Pedir toda espécie de graças<br />
Devemos ter o hábito de pedir a<br />
Nossa Senhora toda espécie de graças.<br />
Podem ser as graças pequenas<br />
da vida cotidiana, por exemplo, para<br />
ser bem sucedido no apostolado,<br />
rezar antes de iniciar uma conversa:<br />
“Nossa Senhora das Graças, ajudai-<br />
-me!” Também enquanto está conversando<br />
dizer uma, duas, três vezes<br />
essa jaculatória. Isso é ultracheio de<br />
propósito!<br />
Podemos pedir a Ela outras coisas.<br />
Se temos uma obrigação a<br />
cumprir e estamos indispostos,<br />
com dor de cabeça: “Nossa Senhora<br />
das Graças, ajudai-me!” Ou<br />
nos encontramos num apuro, fizemos<br />
algo que não devíamos e teme-<br />
Samuel Holanda<br />
14
Flávio Lourencço<br />
mos as más consequências: “Nossa<br />
Senhora das Graças, perdoai-me<br />
e ajudai-me!” Ela dá o perdão e a<br />
ajuda.<br />
Ela é de uma bondade sem limites,<br />
como um caudal correndo continuamente<br />
sobre o gênero humano.<br />
É questão de os homens compreenderem<br />
e pedirem, pedirem, pedirem<br />
que serão ajudados.<br />
Nas nossas dificuldades interiores,<br />
quantas e quantas vezes a prática<br />
da virtude parece difícil... É um<br />
problema de pureza; é um problema<br />
com alguma pessoa hostil, em casa<br />
ou fora dela; é problema a respeito<br />
de tanta coisa!<br />
Infelizmente, às vezes as pessoas<br />
tomam maus hábitos. Como é<br />
frequente o hábito da preguiça, por<br />
exemplo. Há certo gênero de pessoas<br />
que não sabe fazer uma gentileza,<br />
o que é vergonhoso! Se alguém pede<br />
uma cadeira, o certo seria levantar<br />
com alegria e levar a cadeira. É<br />
assim que as coisas devem ser feitas.<br />
Ou quando alguma pessoa pede um<br />
copo de água, o indivíduo deve ir depressa<br />
trazer o copo de água, de modo<br />
agradável, perguntar se deseja<br />
mais, ficar de pé enquanto está servindo,<br />
para que a pessoa tenha liberdade<br />
de pedir mais um copo. O contrário<br />
disso é a preguiça: sentado,<br />
deitado, acabrunhado!<br />
Eu diria que quase posso ver nos<br />
rostos quem é preguiçoso. Se não se<br />
tem coragem de vencer um hábito<br />
tão velho: “Nossa Senhora das Graças,<br />
rogai por nós!” Peça uma porção<br />
de vezes e, quando parecer que Ela<br />
não vai mais conceder, porque tantas<br />
vezes pediu, é então a hora em<br />
que Ela vai atender. Devemos pedir<br />
sem parar. Em certo momento a ajuda<br />
d’Ela virá!<br />
Aos filhos a quem mais ama,<br />
Nossa Senhora faz esperar<br />
Virgem do Carmo resgatando almas do Purgatório - Igreja de São José, Cádiz, Espanha<br />
Assim, nas coisas mais várias,<br />
mais diversas, Nossa Senhora gosta<br />
de fazer esperar aos filhos a quem<br />
Ela mais ama. E é porque Ela gosta<br />
que se reze para Ela.<br />
Quando se obtém logo uma graça,<br />
a natureza humana é tão miserável<br />
que deixa de pedir. E Nossa Senhora,<br />
então, para fazer aquele filho rezar,<br />
deixa demorar.<br />
É como uma mãe que tem um filho<br />
muito indiferente e que quer<br />
dela certo dinheiro para viajar. O filho<br />
pede uma vez, ela não dá. Depois<br />
de ele ter pedido cinquenta vezes,<br />
ela dá. Aí o filho está mais unido<br />
a ela, porque procurou agradá-la<br />
para obter.<br />
Às vezes, Nossa Senhora faz assim<br />
conosco, Ela demora. Mas devemos<br />
compreender essa demora e pedir,<br />
pedir, pedir!<br />
15
De Maria nunquam satis<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Os Santos e os Anjos são intercessores<br />
junto a Nossa Senhora<br />
Então o culto aos Anjos ou aos outros<br />
Santos é inútil? Não. Nossa Senhora<br />
ama os Anjos. Ela não estava<br />
criada quando eles travaram aquela<br />
batalha tremenda no Céu, mas a batalha<br />
se deu por causa d’Ela. Antes<br />
mesmo de ser criada, Maria Santíssima<br />
dividiu os Anjos. Por quê? Porque<br />
Deus lhes revelou a criação dos homens,<br />
criaturas inferiores aos Anjos.<br />
Com efeito, somos de carne e espírito<br />
e eles, puros espíritos, são muito superiores.<br />
Ademais, lhes revelou a Encarnação<br />
na natureza humana. Deus<br />
nasceria de uma criatura humana,<br />
que seria Rainha dos Anjos. Quando<br />
Satanás – o mais alto dos Anjos –<br />
viu que uma mulher, uma Virgem frágil<br />
e débil seria sua rainha, se revoltou.<br />
Então São Miguel e os Anjos fiéis<br />
lançaram o brado: “Quis ut Deus?”<br />
em resposta àquele “non serviam” de<br />
Lúcifer, que consistia em dizer: “Não<br />
servirei Àquela Virgem.”<br />
São Miguel Arcanjo levantou-se:<br />
“Quem como Deus?” E levou todos<br />
os Anjos. Esses foram cruzados de<br />
Nossa Senhora antes de Ela existir.<br />
Como Nossa Senhora ama esses Anjos!<br />
Ela poderia ser insensível à oração<br />
de um deles? Não.<br />
Houve tantos Santos na Terra. Ela<br />
foi quem os fez santos, pois sem a oração<br />
de Nossa Senhora eles não alcançariam<br />
a santidade. Portanto, Ela ama<br />
a cada um deles como obra de suas<br />
próprias mãos. As orações dos Santos<br />
Lhe são muito caras. E mesmo as almas<br />
do Purgatório que estão cumprindo<br />
pena, rezando por elas, elas rezam<br />
por nós. Nossa Senhora as ama e tem<br />
pena. Com frequência Ela desce ao<br />
Purgatório e liberta legiões. Devemos,<br />
portanto, pedir aos nossos intercessores<br />
celestes. Mas, para eles pedirem a<br />
Nossa Senhora e Ela pede a Deus.<br />
Assim temos a escada de ouro<br />
magnífica que nos leva aos pés do<br />
trono onde está sentado eternamente<br />
o Rei da Glória Eterna, Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo.<br />
Eu gostaria que essa ideia estivesse<br />
presente no espírito de quem olha para<br />
aquela imagem tão risonha de Nossa<br />
Senhora das Graças. Ela é Mãe de<br />
toda bondade. E, ao nos aproximarmos<br />
d’Ela, deveríamos dizer:<br />
“Minha Mãe, aqui está um filho<br />
trazido por Vós. Eu não Vos peço<br />
que me queirais bem, porque me<br />
quereis mais do que me quero a mim<br />
mesmo. Peço-vos, então, que me manifesteis<br />
o vosso bem querer. Dai-me<br />
uma graça, minha Mãe, dai-me um<br />
sorriso para eu andar e Vos servir!”<br />
A primeira imagem de<br />
Nossa Senhora das Graças<br />
Qual foi a primeira imagem de Nossa<br />
Senhora das Graças que vi em minha<br />
vida?<br />
Eu ignorava toda a história de<br />
Nossa Senhora das Graças. Só quando<br />
estava concluindo meu curso na<br />
Faculdade de Direito, ou quando já<br />
estava formado, me caíram nas mãos<br />
papéis contando a aparição. Mas,<br />
num certo oratório na Rua Alagoas<br />
350, primeiro andar, havia uma imagem<br />
de Nossa Senhora das Graças.<br />
Nunca a olhei em minha vida sem ter<br />
uma especial inclinação por ela. Eu<br />
gostava de osculá-la. E sempre que<br />
eu pedia, uma certa senhora, com<br />
um sorriso, me dava para oscular. v<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1983<br />
(Extraído de conferência de<br />
22/5/1983)<br />
16
Reflexões teológicas<br />
João C. V. Villa<br />
Dois reinados<br />
opostos que<br />
se decidem<br />
no coração<br />
da sociedade<br />
O mundo contemporâneo marcha para<br />
um desregramento moral sem limite,<br />
que lhe arranca a Fé, o desejo das coisas<br />
sobrenaturais. Esse caos é uma consequência<br />
da supressão da realeza de Jesus Cristo, a<br />
pedra de ângulo sem a qual nada se constrói.<br />
A<br />
respeito da festa de Cristo<br />
Rei, temos a considerar o<br />
seguinte texto 1 :<br />
Hoje a Igreja quer nos fazer refletir<br />
sobre as consequências desse chamado<br />
universal para a Fé de Jesus Cristo.<br />
As nações foram no conjunto convertidas<br />
para o Senhor, que lhes trouxe,<br />
com os conhecimentos sobrenaturais,<br />
os benefícios de uma civilização<br />
que o mundo antigo tinha sempre ignorado.<br />
Mas, infelizmente, há dois séculos<br />
um erro extremamente pernicioso<br />
devasta todas as nações e particularmente<br />
a nossa. Esse erro é o laicismo.<br />
Esse erro consiste na negação dos<br />
direitos de Deus e de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo sobre toda a sociedade humana,<br />
tanto na vida privada e familiar,<br />
quanto na vida social e política.<br />
Os apóstolos dessa heresia retomaram<br />
para si o brado dos judeus deicidas:<br />
nós não queremos que Ele reine<br />
sobre nós.<br />
Altar-mor da igreja de<br />
São Domingos, Cuenca, Equador<br />
17
Reflexões teológicas<br />
Luis Samuel<br />
Em face dessa peste de nossos tempos,<br />
os Papas não deixaram de elevar<br />
sua voz. Mas o flagelo crescendo sempre,<br />
Pio XI quis aproveitar o ano jubilar<br />
para lembrar solenemente ao mundo,<br />
pela Encíclica Quas Primas do dia<br />
11 de dezembro de 1925, o pleno e inteiro<br />
poder de Jesus Cristo, Filho de<br />
Deus, Rei imortal dos séculos, sobre todos<br />
os homens e povos de todos os tempos.<br />
De mais a mais, para que esse ensinamento<br />
tão necessário não fosse deveras<br />
esquecido, ele instituiu, em honra<br />
de sua universal realeza, uma festa litúrgica<br />
que foi, a um tempo, um memorial<br />
solene e uma reparação dessa apostasia<br />
das nações, que tende a se manifestar na<br />
doutrina e nos fatos, em nome do laicismo<br />
contemporâneo. Enfim, o soberano<br />
pontífice prescreveu, nesse mesmo ano e<br />
nessa mesma solenidade, a renovação<br />
da consagração do gênero humano ao<br />
Sagrado Coração de Jesus.<br />
Tríplice realeza de Cristo<br />
É preciso lembrar alguns aspectos<br />
sobre a realeza de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo que nem<br />
sempre são postos na<br />
evidência necessária. Se<br />
Ele é Rei, o é por três<br />
títulos diferentes, cada<br />
um dos quais marca sua<br />
realeza com uma qualidade<br />
especial.<br />
Em primeiro lugar,<br />
Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo é Rei por ser<br />
o Unigênito de Deus e<br />
tem o pleno e absoluto<br />
domínio sobre toda<br />
a criação; em segundo<br />
porque, pela Encarnação,<br />
é o Homem-Deus<br />
e chefe natural de toda<br />
a humanidade, todos<br />
Lhe devem obediência;<br />
em terceiro lugar, Ele é<br />
Rei por ser nosso Salvador.<br />
Morrendo na Cruz,<br />
conquistou-nos a salvação<br />
eterna; e pelo fato<br />
de nos ter comprado<br />
a vida sobrenatural, de nos ter redimido<br />
com sua Paixão,<br />
tem sobre nós um direito<br />
pleno e é, na verdade,<br />
o nosso Rei.<br />
O que é próprio à realeza<br />
é que qualquer ordem<br />
só pode existir na<br />
dependência do rei legítimo.<br />
Quando este é<br />
afastado, tudo não passa<br />
de desordem, sobretudo<br />
quando se trata do<br />
Rei por natureza, Jesus<br />
Cristo. Os melhores<br />
sucessos não são senão<br />
ilusão; as piores coisas<br />
que venham a acontecer<br />
são ainda uma pequena<br />
amostra do mal profundo<br />
a que se pode chegar.<br />
Isso porque o normal<br />
é que o reino esteja<br />
dependente de seu rei<br />
e não se pode encontrar<br />
paz, tranquilidade,<br />
Papa Pio XI<br />
honestidade, progresso, não se pode<br />
encontrar o verdadeiro caminho,<br />
a não ser em união com seu rei. Um<br />
reino privado de seu rei é como um<br />
corpo privado de sua cabeça.<br />
Assim sendo, o mundo privado da<br />
realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
nada tem de realmente bom.<br />
Símbolo da sociedade<br />
atual no fenômeno<br />
da roseira cortada<br />
Compreendo que se possa considerar<br />
muitas coisas boas que existem no<br />
mundo contemporâneo. Pode-se falar<br />
a respeito dos sistemas de encanamento,<br />
da aviação, do telégrafo, da televisão;<br />
maravilhas ou pseudomaravilhas,<br />
grandes ou pequenas, da modernidade.<br />
A verdade é a seguinte: depois de<br />
ter eclodido a Revolução e os povos se<br />
terem afastado de Nosso Senhor, podem-se<br />
até encontrar coisas boas, que<br />
têm em si mesmas utilidade para o homem.<br />
Ora, como se desenvolvem num<br />
Daniel Dias<br />
18
Gabriel K.<br />
mundo separado de seu Rei Divino,<br />
nada é, de verdade, bom e só concorrem<br />
para acelerar a decadência.<br />
O mundo atual está vulnerável,<br />
porque atingido no que tem de mais<br />
profundo, a sua própria raiz; ele está<br />
cortado, seccionado em relação<br />
Àquele que é a fonte de toda vida,<br />
que é o Caminho, a Verdade e a Vida,<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Na natureza encontramos uma explicação:<br />
depois que cortamos uma<br />
roseira, durante uns dois ou três dias<br />
as flores ainda desabrocham, devido<br />
à seiva existente antes do corte.<br />
A planta está morta e, apesar de haver<br />
nela alguns fenômenos esporádicos<br />
de pós-vida, não se passará outra<br />
coisa senão a marcha para a morte.<br />
Seria um bobo e faria um comentário<br />
sem propósito quem, olhando-a<br />
cortada, dissesse: “Ah! Cortar a raiz<br />
não tem importância, porque veja, a<br />
roseira ainda floresce.” Na realidade,<br />
sabe-se que na planta, uma vez cortada<br />
a raiz, tudo caminha para a morte.<br />
É exatamente isto que se passa no<br />
mundo contemporâneo.<br />
Tirada a Pedra Angular, a<br />
decadência torna-se inevitável<br />
Nós, que temos a consciência exata<br />
da festa de Cristo Rei e do que significa<br />
a realeza d’Ele, devemos evitar qualquer<br />
forma de otimismo bobo a respeito<br />
do mundo contemporâneo. Ele marcha<br />
para sua ruína em virtude de um<br />
desregramento moral sem limite, que<br />
lhe arranca a Fé, o desejo das coisas sobrenaturais,<br />
que estanca nele o amor<br />
ao sacrifício, à Cruz de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, que orienta o dinamismo<br />
de todas as suas apetências para o mal.<br />
É algo tão profundo, que não só<br />
no mundo de hoje os maus são péssimos,<br />
mas os bons amam fracamente o<br />
bem, como uma espécie de repercussão<br />
dessa atração geral para o mal, a<br />
qual arrasta alguns de modo efetivo,<br />
em outros neutraliza a apetência para<br />
o bem. De maneira tal que quase<br />
ninguém na Terra tende com seriedade<br />
para a virtude, para a imitação de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo e das virtudes<br />
de Nossa Senhora.<br />
Eis o fruto dessa grande apostasia<br />
chamada Revolução, porque o mundo,<br />
isolado de seu Rei, não pode produzir<br />
senão infâmia, vergonha e degradação.<br />
Este caos para aonde vamos<br />
avançando é uma consequência<br />
da supressão da realeza de Jesus<br />
Cristo, que é a Pedra de ângulo sem a<br />
qual nada se constrói. É por isso que<br />
diante de nós, no caminho do mundo<br />
contemporâneo, existe a perspectiva<br />
da ruína, da morte e mais nada.<br />
Confissão - Igreja de Santa<br />
Segolene, Metz, França<br />
Não há autenticidade na<br />
virtude sem vida interior<br />
O mesmo princípio aplica-se à vida<br />
interior dos indivíduos. Onde<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo não está<br />
presente por uma vida espiritual levada<br />
com seriedade, pelo desejo sério<br />
da santificação, não nos iludamos,<br />
as virtudes que possam ser praticadas<br />
não são autênticas, é um simulacro<br />
e mais nada. Não quero dizer<br />
que sejam virtudes fingidas, mas<br />
são como esse fim de desabrochar na<br />
roseira cortada.<br />
Há uma “pós-virtude” que faz<br />
com que um ou outro filho das trevas<br />
consiga ser ainda um bom pai,<br />
um profissional mais ou menos correto,<br />
um amigo que presta assistência<br />
a outro na hora do apuro. São resíduos<br />
de Cristianismo que estão aí<br />
dentro, mas que subsistem no estado<br />
de resto.<br />
Flávio Lourenço<br />
19
Reflexões teológicas<br />
Porque a Igreja nos ensina que a<br />
virtude é uma só: a do homem que<br />
está em estado de graça. Mas, quando<br />
alguém comete um pecado mortal,<br />
todas as virtudes que ele tinha –<br />
não só aquela contra a qual ele pecou<br />
– deixam de merecer o nome<br />
de virtude; são restos mortais de<br />
uma virtude que existiu, mas não o<br />
é mais. E aquela alma está toda ressequida<br />
pelo pecado, marcada para<br />
ser entregue ao demônio se ela morrer<br />
de um momento para o outro, se<br />
dela não tiver pena Nossa Senhora,<br />
que é a Medianeira universal de todas<br />
as graças, de maneira a lhe obter<br />
a conversão.<br />
Afirmar haver virtude séria, estável<br />
e consistente na pessoa que vive<br />
no hábito do pecado e se encontra<br />
em pecado mortal, é negar a realeza<br />
de Jesus Cristo. Porque Ele é o<br />
Rei das almas, e se Ele não está em<br />
uma alma, nela tudo é treva, tudo é<br />
desordem, ainda que por um lamentável<br />
xodó nós queiramos imaginar<br />
que não seja.<br />
Flávio Lourenço<br />
Ricardo Haiti<br />
Nós devemos desistir<br />
dessa visão: “Tal parente<br />
meu, tal professor,<br />
tal amigo está em<br />
estado de pecado mortal,<br />
mas tal virtude ele<br />
a tem seriamente.”<br />
Eu digo: comece<br />
por não chamar isso de<br />
virtude; depois, lembre-se:<br />
se em cada homem<br />
é fraca a virtude,<br />
tanto mais será nos pecadores<br />
com restos de<br />
virtudes.<br />
Alguém dirá: “Mas<br />
o senhor não tem pena<br />
do pecador?” Enorme! E a razão<br />
pela qual a tenho é a miséria na<br />
qual ele se encontra e que estou descrevendo.<br />
Se eu achasse que ele está<br />
num estado bom, não haveria razão<br />
para ter pena. É porque o estado<br />
dele é miserabilíssimo, é tristíssimo,<br />
que devemos nos compadecer<br />
dele, rezar por sua conversão. Mas,<br />
enquanto ele está em estado de pecado…<br />
Escravos de Jesus Cristo<br />
ou servos de Satanás...<br />
Isso é muito necessário ter em vista<br />
nesta época em que se esquece ca-<br />
20
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
da vez mais aquele princípio enunciado<br />
por Nosso Senhor no Evangelho:<br />
“Seja o vosso ‘sim’, ‘sim’, e vosso<br />
‘não’, ‘não’” (Mt 5, 37). Se é bom,<br />
é bom; se é ruim, é ruim. Vamos dividir<br />
os campos, abrir as trincheiras<br />
e mostrar bem o que está de um lado<br />
e de outro, lembrando-nos de que<br />
um verdadeiro abismo separa aquilo<br />
que é do Reino de Cristo daquilo<br />
que não o é.<br />
E o que não é do Reino de Cristo?<br />
São Luís Grignon de Montfort<br />
desenvolve bem isso no Tratado da<br />
Verdadeira Devoção. Ele mostra que,<br />
depois do pecado original, a condição<br />
natural do homem é ser escravo.<br />
Ou nós concordamos em ser escravos<br />
de Nossa Senhora, de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo, reconhecendo<br />
o senhorio e a realeza d’Ele, ou seremos<br />
escravos do demônio. Portanto,<br />
passamos de modo obrigatório de<br />
uma escravidão para outra.<br />
Não chamaremos de caos, de desordem<br />
aquilo que não é o Reino de<br />
Cristo. Daremos o nome mais concreto<br />
e que vai mais longe: o que<br />
não é o Reino de Cristo é o reino<br />
de Satanás.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1966<br />
Uma nação leiga, como são tantas<br />
da América Latina, como é<br />
nosso pobre Brasil, que declara:<br />
“Não sou oficialmente um Estado<br />
católico, eu não tenho religião de<br />
Estado, eu me coloco indiferente a<br />
todas as religiões”; essa nação aboliu<br />
em si a realeza de Cristo, declarou<br />
que Ele não é seu Rei. Mas, é<br />
só isso? Não há meio, se Cristo<br />
saiu, o trono foi ocupado por<br />
Satanás, porque não pode deixar<br />
de ser ocupado por um dos<br />
dois. E o laicismo, contra o<br />
qual falava Pio XI, é o reinado<br />
de Satanás. É, portanto, o reinado<br />
da irreligião, da indiferença<br />
diante de Deus, da impiedade,<br />
o qual não é senão o<br />
reinado de Satanás.<br />
E não haverá teólogo ou<br />
pessoa capaz de raciocinar que<br />
derrube a lógica e a segurança<br />
desse raciocínio.<br />
Quintessência do<br />
Reinado de Cristo,<br />
o Reino de Maria<br />
Então, o que devemos pedir?<br />
Nós precisamos ter postos os nossos<br />
olhos dia e noite nesses fatos e<br />
desejarmos o advento do Reino de<br />
Maria. Como um justo da Antiga<br />
Lei desejava a vinda do Messias,<br />
nós devemos pedir, com todo ardor,<br />
que venha essa quintessência<br />
do Reino de Cristo, que é o Reino<br />
de Maria. E o que o Reino de<br />
Cristo tem de mais característico,<br />
de mais ardente, de mais ele mesmo,<br />
é o Reino de Maria. E é por<br />
causa disso que nós devemos dizer:<br />
Ut adveniat regnum Christi, adveniat<br />
regnum Mariæ – para que venha<br />
o Reino de Cristo, que venha o<br />
Reino de Maria! É isso que de todo<br />
coração nós devemos desejar.<br />
E em homenagem a Cristo Rei,<br />
cuja festa comemoramos, sugiro oferecer<br />
nossa Comunhão e nosso Rosário<br />
a Nossa Senhora, para que Ela<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo - Igreja<br />
de Santa Maria, Cracóvia<br />
Gabriel K.<br />
obtenha, desde logo, a vinda do Reinado<br />
d’Ela!<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
29/10/1966)<br />
1) Não dispomos dos dados bibliográficos<br />
desta ficha.<br />
21
Flávio Lourenço<br />
C<br />
alendário<br />
Beato Bernardo Francisco de Hoyos<br />
1. Santo Audemaro, bispo (†c.<br />
670). Na juventude, abraçou a vida<br />
monástica, foi discípulo de Santo<br />
Eustásio, abade de Luxeuil. Eleito<br />
bispo dos Morinos, desempenhou seu<br />
cargo com vigor, renovando a Fé cristã<br />
nesta região.<br />
2. Comemoração de todos os fiéis<br />
defuntos.<br />
São Vitorino, bispo e mártir<br />
(†c. 303). Redigiu diversos escritos<br />
para explicar os livros da Sagrada Escritura.<br />
Recebeu a palma do martírio<br />
durante a perseguição de Diocleciano.<br />
Santa Vinfreda, virgem (†c. séc. VII).<br />
Santa galesa, venerada em Holywell<br />
como monja insigne.<br />
3. São Martinho de Porres, religioso<br />
(†1639). Membro da Ordem dos<br />
Pregadores.<br />
Santa Ida de Fischingen, reclusa<br />
(†c. 1226). Condessa de Kirchberg.<br />
Sendo atirada pela janela por ciúmes<br />
do esposo, teve a vida salva por milagre.<br />
A partir disso abraçou o estado<br />
eremítico, tornando-se, mais tarde,<br />
reclusa junto ao mosteiro de Fischingen,<br />
na Suíça.<br />
dos Santos – ––––––<br />
Samuel Holanda<br />
4. São Carlos Borromeu, bispo<br />
(†1584).<br />
Santo Henrique (ou Emerico) da<br />
Hungria, príncipe (†1031). Filho de<br />
Santo Estêvão, rei da Hungria, teve por<br />
preceptor o bispo São Gerardo Sagredo;<br />
assimilando profundamente seus<br />
ensinamentos, levou uma vida virtuosa.<br />
Morreu ainda jovem, de modo inesperado,<br />
no transcurso de uma caçada.<br />
5. Solenidade de Todos os Santos.<br />
(no Brasil, transferida do dia 1º).<br />
São Guetnoco, abade (†s. VI). Venerado<br />
como irmão dos Santos Vinvaleu<br />
e Jacuto.<br />
São Claro<br />
6. Beata Cristina de Stolmeln, virgem<br />
(†1312). Na adolescência, entrou na beguinaria<br />
de Colônia, Alemanha; entretanto,<br />
não pôde prosseguir nessa via.<br />
Não obstante, perseverou em sua consagração<br />
total a Deus. Foi favorecida com<br />
êxtases e revelações privadas, recebendo<br />
também os estigmas da Paixão. Sua vida<br />
foi escrita pelo dominicano Pedro de<br />
Gotland, o qual a conheceu desde jovem<br />
e com quem manteve correspondência.<br />
7. Santo Atenodoro, bispo (†s. III). Irmão<br />
de São Gregório Taumaturgo; tornou-se<br />
eminente nas ciências divinas.<br />
São Vilibrordo, bispo (†739). De<br />
origem inglesa, foi ordenado bispo de<br />
Utrecht pelo Papa São Sérgio I. Pregou<br />
o Evangelho na Frísia e na Dinamarca,<br />
fundando sedes episcopais e mosteiros.<br />
8. São Claro, presbítero (†c. 396). Foi<br />
discípulo de São Martinho de Tours.<br />
9. Festa da Dedicação da Basílica<br />
de Latrão.<br />
Santas Eustólia e Sópatra, virgens<br />
e monjas (†s. VI). Nascida em Roma,<br />
Eustólia mudou-se para Constantinopla,<br />
dedicando-se a uma vida de intensa<br />
piedade. Lá conheceu Sópatra, a filha<br />
do imperador bizantino, com a qual<br />
estabeleceu grande amizade. Obtendo<br />
de seu pai um terreno, Sópatra edificou<br />
um mosteiro, assumindo, junto com um<br />
grupo de jovens, a vida monástica sob<br />
a guia de Eustólia, a quem sucedeu no<br />
governo após o seu falecimento.<br />
10. São Leão Magno, Papa e Doutor<br />
da Igreja (†461). Confirmou com vigor,<br />
por meio dos seus legados, ao Concílio<br />
Ecumênico de Calcedônia, a reta doutrina<br />
sobre a Encarnação de Deus.<br />
11. São Martinho de Tours, bispo<br />
(†397).<br />
São Roque González<br />
Samuel Holanda<br />
22
–––––––––––––– * Novembro * ––––<br />
Santa Marina de Omura, virgem e<br />
mártir (†1634). Recebeu do Beato Luís<br />
Bertran o hábito de terciária dominicana.<br />
Dedicou-se intensamente às<br />
obras religiosas e de caridade, e acolheu<br />
em sua casa vários missionários.<br />
Na perseguição desencadeada contra<br />
os cristãos, foi presa e, por manter-se<br />
fiel à Fé e à virtude angélica, foi queimada<br />
viva, em Nagasaki.<br />
12. XXXII Domingo do Tempo Comum.<br />
13. São Brício, bispo (†444). Discípulo<br />
de São Martinho de Tours, a<br />
quem sucedeu no encargo episcopal.<br />
14. São Serapião, religioso e mártir<br />
(†1240). Nasceu em Londres, filho<br />
de Rotlando Scot, capitão e fidalgo<br />
da corte de Henrique II. Participou<br />
da terceira e da quinta Cruzadas. Em<br />
Daroca, Espanha, conheceu São Pedro<br />
Nolasco, e, decidindo segui-lo, abandonou<br />
a vida secular e entrou para a<br />
Ordem de Nossa Senhora das Mercês.<br />
Empreendeu diversas viagens para o<br />
resgate de cativos, sendo o primeiro<br />
membro da Ordem a ser martirizado.<br />
15. Santo Alberto Magno, bispo e<br />
Doutor da Igreja (†1280).<br />
16. Santo Leocádio, pai de família<br />
(†s. IV). Senador das Gálias. Sendo<br />
ainda pagão, recebeu os primeiros<br />
arautos da Fé cristã nesse território,<br />
transformou sua própria casa em igreja<br />
e converteu-se ao Cristianismo.<br />
17. Santa Isabel da Hungria, viúva<br />
(†1231).<br />
Beata Salomé de Cracóvia, abadessa<br />
(†1268). Rainha de Halicz, antigo<br />
reino da Europa oriental. Ao falecer<br />
seu esposo, o rei Columbano, professou<br />
a Regra das Clarissas e desempenhou<br />
santamente o cargo de abadessa<br />
num mosteiro por ela fundado.<br />
18. Dedicação das Basílicas de São<br />
Pedro e São Paulo, Apóstolos. A primeira<br />
foi edificada pelo imperador<br />
Martírio de São Serapião<br />
Constantino sobre o sepulcro de São<br />
Pedro na colina do Vaticano. A segunda,<br />
edificada pelos imperadores Teodósio<br />
e Valentiniano, junto à Via Ostiense.<br />
Nesta comum comemoração é<br />
simbolicamente evocada a fraternidade<br />
dos Apóstolos e a unidade da Igreja.<br />
19. XXXIII Domingo do Tempo<br />
Comum.<br />
Santos Roque González e Afonso<br />
Rodríguez, presbíteros e mártires<br />
(†1628). Missionários jesuítas em terras<br />
paraguaias, aproximaram de Cristo<br />
os povos indígenas, fundando as Reduções.<br />
Foram assassinados à traição por<br />
um sicário adicto a artes mágicas.<br />
20. Beata Ângela de São José (Francisca<br />
Lloret Marti) e catorze companheiras,<br />
virgens e mártires (†1936). Superiora<br />
geral da Congregação da Doutrina<br />
Cristã que, durante a perseguição<br />
religiosa na Guerra Civil Espanhola,<br />
padeceu o martírio junto com as outras<br />
religiosas da mesma congregação.<br />
21. Apresentação de Nossa Senhora.<br />
No dia seguinte à dedicação da basílica<br />
de Santa Maria a Nova, construída<br />
junto ao muro do antigo templo<br />
de Jerusalém, celebra-se a dedicação<br />
Flávio Lourenço<br />
que Maria Santíssima fez de si mesma<br />
a Deus, desde a infância.<br />
22. Santa Cecília, virgem e mártir<br />
(†data inc.).<br />
23. São Clemente I, Papa e mártir<br />
(†s. I). Terceiro sucessor do Apóstolo<br />
São Pedro.<br />
São Columbano, abade (†615).<br />
24. Santo André Dung Lac, presbítero,<br />
e companheiros, mártires (†1625-<br />
1886). Neste dia veneram-se os cento e<br />
dezessete cristãos que, por sua fidelidade<br />
à religião, sofreram o martírio no<br />
Tonquim, Anam e Cochinchina, regiões<br />
do atual Vietnã.<br />
25. São Moisés, presbítero e mártir<br />
(†251). Após o martírio do Papa São<br />
Fabiano, unido ao colégio dos presbíteros,<br />
assumiu o cuidado dos cristãos<br />
romanos. Durante o longo período de<br />
sua detenção no cárcere, foi revigorado<br />
pelas inúmeras cartas enviadas por<br />
São Cipriano de Cartago.<br />
26. Solenidade de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, Rei do Universo.<br />
27. São Valeriano, bispo (†388). Defendeu<br />
a verdadeira Fé, no antigo Ilírico,<br />
contra os arianos e reuniu clérigos<br />
e leigos para viverem em comunidade.<br />
28. Beato Jaime Thomson, presbítero<br />
e mártir (†1582). Condenado à morte<br />
no reinado de Isabel I da Inglaterra<br />
por ter reconciliado muitas pessoas<br />
com a Igreja Católica, sofreu o suplício<br />
do patíbulo.<br />
29. Beato Bernardo Francisco de<br />
Hoyos, presbítero (†1735). Sacerdote<br />
Jesuíta, foi o primeiro e principal propagador<br />
da devoção ao Sagrado Coração<br />
de Jesus na Espanha.<br />
30. Santo André, Apóstolo (†s. I).<br />
Irmão de São Pedro, Apóstolo.<br />
São Mirocletes, bispo (†d. 314).<br />
Santo Ambrósio o menciona entre os<br />
bispos fiéis que o precederam na sede<br />
de Milão.<br />
23
Hagiografia<br />
Samuel Holanda<br />
Rainha<br />
santa, flor<br />
da civilização<br />
ocidental<br />
A vida de Santa Margarida<br />
da Escócia contrasta com o<br />
minimalismo do apostolado<br />
de hoje e demonstra o quanto<br />
o extraordinário e o estupendo<br />
são realizáveis nesta Terra.<br />
Santa Margarida da Escócia - Catedral de Nossa<br />
Senhora da Imaculada Conceição, Puebla, México<br />
A<br />
intenção de comentar Santa<br />
Margarida é muito boa, porém<br />
deram-me poucos dados<br />
biográficos, de maneira que, à falta<br />
de melhor, lerei as informações contidas<br />
no Missal Quotidiano e Vesperal 1 .<br />
Padroeira da nação escocesa<br />
Santa Margarida, Rainha da Escócia,<br />
descendia, por seu pai, dos reis da<br />
Inglaterra e, por sua mãe, dos Césares.<br />
Como a mulher forte de que falava<br />
a Epístola, a prática das virtudes cristãs<br />
tornou-a mais ilustre ainda. Penetrada<br />
do temor de Deus, impôs-se terríveis<br />
mortificações e soube, com seu<br />
exemplo, levar o rei, seu esposo, a uma<br />
conduta melhor e seus súditos, a costumes<br />
mais cristãos.<br />
Educou oito filhos com tanta piedade,<br />
que vários deles viveram em alta<br />
perfeição. Nada nela, porém, foi tão<br />
admirável quanto sua ardente caridade<br />
para com o próximo. Chamavam-<br />
-na Mãe dos Órfãos e a Tesoureira dos<br />
Pobres de Jesus Cristo. Margarida se<br />
privava não só do supérfluo, mas até<br />
do necessário, comprando assim a pérola<br />
mais preciosa do Reino dos Céus.<br />
Purificada por seis meses de sofrimentos<br />
corporais, entregou sua alma a<br />
Deus em 1093, em Edimburgo.<br />
A santidade da sua vida e numerosos<br />
milagres operados depois de sua<br />
morte tornaram seu culto célebre no<br />
mundo inteiro.<br />
Foi designada por Clemente X como<br />
padroeira da nação escocesa, sobre<br />
a qual reinou cerca de trinta anos.<br />
Admiremos a obra do Espírito Santo<br />
na alma da santa rainha por Ele escolhida<br />
para o desenvolvimento do<br />
Reino de Cristo na Escócia, e roguemos<br />
à santa pela volta desse país à<br />
unidade romana.<br />
24
O maravilhoso é<br />
inteiramente realizável<br />
Parece-me que a propósito dessa<br />
biografia se pode fazer um comentário<br />
a respeito da existência do<br />
maravilhoso na Idade Média. Não<br />
do maravilhoso como uma fábula<br />
ou uma lenda, mas como algo realizável.<br />
A brumosa Escócia era considerada<br />
uma espécie de Congo daquele<br />
tempo, uma terra de missão,<br />
pois o povo era meio selvagem. Entretanto,<br />
naquele meio floresce essa<br />
flor.<br />
É uma princesa que vem trazendo<br />
sangue do mais ilustre para a Escócia<br />
e consigo toda a flor da civilização<br />
ocidental. Ao mesmo tempo,<br />
é uma rainha maravilhosa, que deixa<br />
vários filhos em estado de perfeição,<br />
ilustres por suas virtudes; que intercedeu<br />
a favor do povo, deu esmolas,<br />
realizou milagres e tudo isto sempre<br />
ungido pela coroa real. Dá uma ideia<br />
tão completa de realeza, mas também<br />
de um mundo concreto no qual<br />
maravilhas são possíveis e onde o extraordinário<br />
e o estupendo são realizáveis,<br />
que acaba sendo uma espécie<br />
de plenitude de princípio axiológico:<br />
aquela afirmação de que as coisas<br />
podem encontrar ordem, estão<br />
naturalmente numa disposição ordenada<br />
e de que a ordem, mesmo a<br />
mais maravilhosa e audaciosa, é realizada<br />
na Terra.<br />
É interessante ver como isso contrasta<br />
com o minimalismo do apostolado<br />
de hoje. Quando se consegue<br />
que uma pessoa seja mais ou menos<br />
boazinha, logo se faz uma festa.<br />
Naquele tempo, pelo contrário, o<br />
apostolado da Igreja era maximalista:<br />
as rainhas deviam ser santas e algumas<br />
delas, de fato, o eram. E essas<br />
santas de tal maneira difundiam<br />
o bom odor de Jesus Cristo por toda<br />
a parte, que isso acabava sacralizando<br />
a própria dignidade régia e<br />
criando uma espécie de ambiente<br />
de feeria, de maravilha da civilização<br />
medieval, da qual os vitrais são<br />
um reflexo.<br />
Os vitrais apresentam os santos<br />
no meio de fogos incandescentes, no<br />
meio de pedacinhos de vidros dourados,<br />
cor de rubi ou de esmeralda,<br />
com uma luz na cabeça, a coroa real<br />
sobre uma mesa, a santa que derrama<br />
flores em torno de si, etc. Tudo<br />
isso é a imagem do modo como o<br />
medieval concebia a vida, por exemplo,<br />
de uma Santa Margarida, Rainha<br />
da Escócia.<br />
Ou o povo se maravilha<br />
com Jesus Cristo ou<br />
opta por Barrabás<br />
O povo, queira ou não queira,<br />
procura o maravilhoso e uma rai-<br />
Santa Margarida socorrendo os pobres - Basílica de São Patrício, Montreal<br />
Gabriel K.<br />
25
Hagiografia<br />
Flávio Lourenço<br />
Santa Margarida - Museu de<br />
Belas Artes, Dijon, França<br />
nha assim evita que o povo se entretenha<br />
com a vida abominável de atores,<br />
atrizes, jogadores de futebol e de<br />
tantas outras coisas assim. Tomem,<br />
como prova disso, a facilidade com<br />
que foi possível realizar o culto de<br />
personalidade na Rússia com aquela<br />
horrenda “maravilha” que foi Stalin.<br />
Não se apresentando um certo tipo<br />
de maravilha, tem-se de apresentar<br />
um outro tipo. E quando o povo não<br />
se maravilha com Jesus Cristo, acaba<br />
se maravilhando com Barrabás.<br />
Para ver o efeito do que seria a vida<br />
de Santa Margarida sobre a alma<br />
das pessoas, imaginem, por exemplo,<br />
que a Princesa Margaret Rose 2<br />
se convertesse e começasse a realizar<br />
milagres; fosse vista dando esmolas<br />
para os pobres – mas não de um<br />
modo socialista –, seus filhos fossem<br />
tidos como verdadeiros santos e tudo<br />
isso se desse num ambiente de legenda.<br />
Sem dúvida, ela seria odiada e<br />
contra ela se desencadearia uma<br />
perseguição horrorosa; mas, ao mesmo<br />
tempo, milhares de almas vibrariam<br />
de entusiasmo por ela e sua fotografia<br />
estaria nas paredes das casas<br />
de operários, de camponeses, de<br />
todos os lugares do mundo. Como<br />
esse simples fato impressionaria de<br />
modo prodigioso!<br />
O prestígio de uma rainha na Escócia<br />
naquela época era imensamente<br />
maior do que o de uma rainha de<br />
hoje, a fortiori, de uma princesa.<br />
Pode-se imaginar, então, o que seria<br />
a fama de Santa Margarida, Rainha<br />
da Escócia, em toda a Cristandade.<br />
Acentuo mais: imaginem que isso<br />
não fosse feito pela Princesa Margaret<br />
Rose, mas pela Rainha da Inglaterra.<br />
Haveria alguém capaz de derrubar<br />
a monarquia inglesa? Talvez,<br />
porque a monarquia inglesa colocada<br />
nessa linha, seria ou a<br />
mais frágil ou a mais forte<br />
das instituições. Mas,<br />
se não conseguissem derrubá-la,<br />
durante séculos<br />
ninguém mais a derrubaria,<br />
simplesmente porque<br />
só uma santa, uma<br />
verdadeira e grande santa,<br />
passou pelo trono.<br />
Um castigo para<br />
toda a Cristandade?<br />
Agora faço uma aplicação<br />
e levanto uma pergunta:<br />
por que razão nas<br />
famílias reais não apareceram<br />
mais santos como<br />
Santa Margarida?<br />
Pode-se até pretender<br />
que santos assim tenham<br />
aparecido nas famílias<br />
reais depois da<br />
Idade Média. De fato os<br />
houve, porém não foram tão grandes<br />
nem tão ilustres, pois veio a Revolução,<br />
destronou muitas dessas famílias,<br />
liquidou-as, deixando-as reduzidas<br />
a nada. E quando se pensa que a<br />
santidade vai florescer em suas fileiras,<br />
vê-se que ela se torna mais rara<br />
do que nunca.<br />
Há nisso um castigo para toda a<br />
Cristandade, porque o rei santo é<br />
suscitado, muitas vezes, como prêmio<br />
para o povo. Entretanto, o povo<br />
está merecendo cada vez menos o<br />
rei santo ou o príncipe santo ou o líder<br />
santo nascido de uma estirpe real.<br />
Essas coisas, portanto, vão desaparecendo.<br />
(Extraído de conferência de<br />
9/6/1964)<br />
1) Missal Cotidiano e Vesperal, por<br />
Dom Gaspar Lefebvre, p. 1227. Bélgica:<br />
Desclée de Brouwer, 1940.<br />
2) Condessa de Snowdon, irmã da Rainha<br />
Isabel II (*1930 - †2002).<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1964<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
26
Luzes da Civilização Cristã<br />
O mais alto símbolo<br />
da dignidade humana<br />
Flávio Lourenço<br />
Entrega da espada de Santo Inácio de Loyola a São José<br />
pelo Geral da Companhia de Jesus - Manresa, Espanha<br />
Flávio Lourenço<br />
Uma das obras mais eminentes do amor é a disposição de<br />
lutar, e a virtude na qual todas as demais encontram seu<br />
esplendor e uma perfeição incomparável é a combatividade.<br />
A espada é o símbolo da varonilidade inteira, da disposição<br />
de enfrentar a morte e lutar por aquilo que se ama.<br />
Hernán Cortés - Medellín, Espanha<br />
27
Luzes da Civilização Cristã<br />
Flávio Lourenço<br />
Temos para comentar uma ficha com considerações<br />
a respeito da espada, tirada do livro São Fernando<br />
III e sua época, do Padre Luís de Retana 1 .<br />
Arma que condensa as virtudes do cavaleiro<br />
A espada era algo grande e sagrado, nessa época da Idade<br />
Média na qual os heróis não tinham outra profissão senão a<br />
guerra. Desde o dia em que era armado, o cavaleiro não podia<br />
descingi-la nunca, mesmo quando estivesse sem armadura:<br />
com ela vivia, com ela junto a si dormia, com ela entre as<br />
mãos morria e era sepultado.<br />
A espada era a arma nobre do cavaleiro cristão e a poesia<br />
medieval é infatigável na descrição das espadas.<br />
A palavra “espada”, no idioma nórdico, procede da mesma<br />
raiz da palavra “chama” ou “incêndio”; a espada brilha<br />
na noite e brilha nos combates à luz do sol. A de Carlos Magno<br />
tinha trinta refrações. A espada do cavaleiro não podia<br />
ser tocada senão por ele. Osculando e tocando sua cruz, ele<br />
Flávio Lourenço<br />
Fernando III, o Santo - Museu do Prado, Madri<br />
Angelo L.<br />
fazia seus juramentos e quando ele a legava a um herói ou a<br />
seus filhos, era o mais precioso presente do mundo.<br />
A espada tinha seu nome com o qual, se fosse gloriosa, deveria<br />
passar à História, assim, o romance e a poesia imortalizaram<br />
a Tizona e a Colada do Cid, a Joyeuse e a Hauteclaire<br />
(esplendorosa) de Carlos Magno, a Gleste, que quer dizer<br />
“esplendor”, de Siegfried. [...]<br />
A razão pela qual a espada era a principal arma do cavaleiro<br />
é que ela significava e condensava em si as quatro principais<br />
virtudes do cavaleiro: cordura, fortaleza, equanimidade<br />
e justiça.<br />
A cordura estava representada no punho da espada, que o<br />
homem tem encerrado na mão, e, enquanto assim o tiver, está<br />
em seu poder levantá-la, baixá-la, ferir ou deixá-la.<br />
No pomo da espada está toda sua fortaleza, já que ela sustenta<br />
o punho, a guarda e a lâmina.<br />
A guarda, colocada entre o punho e a lâmina, é o símbolo<br />
da equanimidade. A justiça aparece na lâmina da espada,<br />
que é reta e pontiaguda, e corta igualmente de ambos<br />
os lados.<br />
28<br />
Don Pelayo - Santuário de<br />
Covadonga, Espanha
Por todas essas razões, os antigos determinaram que os<br />
cavaleiros trouxessem sempre a espada consigo.<br />
É uma ficha lindíssima, merece ser analisada com<br />
mais vagar.<br />
Símbolo da dignidade humana<br />
Para se compreender algo do passado<br />
há um método que aconselho ser utilizado<br />
aos que cultivam a tradição: procurar,<br />
antes de tudo, os resquícios desse passado<br />
enquanto ele está vivo. Porque não há nada<br />
melhor do que analisar a coisa viva, para depois<br />
se entender o passado.<br />
Há algo curioso: como arma de guerra, a espada está,<br />
hoje em dia, completamente superada. Não se cogita uma<br />
pessoa afiar uma espada para entrar em combate. Pode-<br />
-se dizer que da lista dos armamentos modernos ela está<br />
cancelada. Ninguém, por exemplo, podendo comprar um<br />
revólver para se defender, vai adquirir uma espada.<br />
Entretanto, apesar disso, os oficiais de todos os exércitos<br />
do mundo usam espada. E não se compreende o<br />
contrário.<br />
Quando um oficial comanda um destacamento e apresenta-se<br />
a este, ele fala com a espada desembainhada.<br />
Flávio Lourenço<br />
Samuel Catar<br />
O Cid - Burgos, Espanha<br />
Carlos Magno - Catedral de Colônia, Alemanha<br />
29
Luzes da Civilização Cristã<br />
Luis C.R. Abreu<br />
Luis C.R. Abreu<br />
Batalha dos Guararapes<br />
Museu Nacional de Belas<br />
Artes, Rio de Janeiro<br />
Luis C.R. Abreu<br />
Batalha do Avaí<br />
Museu Nacional de Belas<br />
Artes, Rio de Janeiro<br />
Ele poderia fazer isso com um revólver, mas que graça teria?<br />
Seria cômico, ridículo. Que graça haveria em fazer<br />
isso com a baioneta? Somente a espada serve de símbolo<br />
para a atitude de disciplina cavalheiresca, nobre, inerente<br />
ao militar.<br />
Séculos depois de a espada ter entrado em decadência<br />
como arma, no momento em que o seu desaparecimento<br />
é total, ainda hoje, como símbolo, não se compreende um<br />
oficial sem sua própria espada.<br />
Por outro lado, em quase todos os países existem academias<br />
de letras. Os acadêmicos com seus fardões usam<br />
uma espada. No momento em que o literato chega ao auge<br />
de sua glória, quando ele é proclamado imortal – da<br />
mais mortal das imortalidades, enfim... – para entrar na<br />
imortalidade não lhe dão uma grande pena para ele colocar<br />
ao lado, ficaria uma tralha ridícula. Usando o fardão,<br />
usa-se a espada. E ele se sentiria inibido se não portasse<br />
uma espada.<br />
Não sei como é hoje, mas também até algum tempo<br />
atrás, o traje dos diplomatas era usado com espada.<br />
Qual a razão disso? Porque a espada ficou associada<br />
a uma série de coisas poéticas, de símbolos de cavalaria,<br />
de dignidade humana, uma série de coisas que não<br />
se dissociam dela. E isso não é um mero efeito de seu aspecto<br />
material, é uma bonita arma, enquanto o revólver<br />
é um monstrengo.<br />
Os da Antiguidade Clássica, antes da Idade Média,<br />
não tinham feito em torno da espada toda a legenda<br />
construída durante o medievo. Foi a Idade Média que<br />
soube ver a espada, sublimou-a e transformou-a no mais<br />
alto símbolo da dignidade humana. Um rei, para se coroar,<br />
portava sempre uma espada. Inclusive para todas<br />
as coisas que o igualitarismo ainda deixou em pé, usa-<br />
-se espada.<br />
Se em nossa época isso é assim, o que seria a espada<br />
na Idade Média? Esse autor mostra o papel dela e como<br />
ela estava ligada indissoluvelmente ao homem por um<br />
afeto pessoal.<br />
A espada era considerada – diz ele muito bem –, quase<br />
como um sacramental, ela trazia corporificada em si<br />
algo da dignidade do homem, da varonilidade dele, da<br />
hombridade, da sua capacidade de ataque e de defesa.<br />
Tudo isso estava consubstanciado nela. E por causa disso<br />
os homens não se despojavam dela jamais.<br />
Combatividade, virtude que<br />
aperfeiçoa todas as demais<br />
Até a Revolução Francesa, os nobres, nas funções civis,<br />
como num baile de corte, por exemplo, ou numa recepção,<br />
num aniversário, numa visita na casa de um parente<br />
para uma conversinha à noite, ele levava sua espa-<br />
30
Gabriel K.<br />
Oficiais da guarda francesa no tempo<br />
de Napoleão I - Museu Histórico<br />
do Estado, São Petersburgo<br />
Flávio Lourenço<br />
da, numa época em que ela já não tinha significado como<br />
defesa, porque as ruas já estavam bem policiadas, os<br />
ataques noturnos quase não existiam. Por outro lado, já<br />
havia armas melhores para defesa, mas os fidalgos usavam<br />
a espada, porque ela era o símbolo da fidalguia.<br />
Com isso havia uma noção a respeito da qual eu quero<br />
insistir particularmente, porque me parece ser muito<br />
importante para termos em mente. Embora o homem<br />
deva ser adornado por toda espécie de virtudes, como<br />
a sabedoria, a castidade, a virtude na qual todas as demais<br />
encontram um esplendor e uma perfeição incomparável<br />
é a combatividade.<br />
Nisso se encontra a glorificação da espada como sinônimo<br />
da varonilidade inteira, significando que o verdadeiro<br />
varão católico mostra a integridade da virtude nele<br />
pela disposição para lutar, pela combatividade. Porque é<br />
na disposição de lutar por uma virtude que mostramos a<br />
integridade dela.<br />
Espírito combativo, plenitude do católico<br />
Isso se explica muito bem por um episódio da vida<br />
de Nosso Senhor, no qual a mãe de dois Apóstolos prostrou-se<br />
diante d’Ele e pediu para seus dois filhos toma-<br />
Santiago Matamoros - Mosteiro de San Martín<br />
Pinario, Santiago de Compostela<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
Fotos: Flávio Lourenço<br />
1<br />
2<br />
3<br />
Nesta página e na seguinte: 1. Conquista de<br />
Toledo; 2. Conquista de Cuenca; 3. Conquista<br />
de Málaga; 4. Rendição de Córdoba; 5. Conquista<br />
de Granada; 6. Conquista de Almería;<br />
7. Juramento de Afonso VI ante O Cid; 8. Conquista<br />
de Badajoz - Praça da Espanha, Sevilha<br />
rem lugar um à direita e outro à esquerda d’Ele. E Nosso<br />
Senhor disse: “Podeis beber o cálice que eu vou beber?”<br />
(Mt 20, 22). Era como se dissesse: “Sois capazes<br />
da luta, que é a condição para o que pedis? Sois capazes<br />
da abnegação, condição para se provar o amor?”<br />
A prova do amor está na dedicação, na abnegação.<br />
Nosso Senhor disse muito bem: “Ninguém tem maior<br />
amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos”<br />
(Jo 15, 13).<br />
Como o varão era um homem responsável pelos direitos,<br />
pela vida de muitas pessoas de sua família, ele provava<br />
essa integridade pela disposição de defender, com<br />
risco de seu próprio sangue, aqueles valores morais que<br />
representava. Disto decorre que o uso da espada é a disposição<br />
de dar a vida, de enfrentar o risco de morte e lutar<br />
por tudo quanto se ama.<br />
Houve um magnífico costume de adoração, dos fidalgos,<br />
até a Revolução Francesa: quando iam à Missa, na<br />
hora do Evangelho, todos puxavam a espada e ouviam a<br />
leitura com ela desembainhada. Era o modo de o varão<br />
amar: “Sei que esse Evangelho é odiado, porque<br />
tudo quanto é bom, santo e verdadeiro é odiado<br />
neste mundo de trevas. E eu estou aqui para<br />
afirmar que odeio esse ódio e estou disposto a ir<br />
à última luta de ódio ao ódio.”<br />
Nessa disposição de luta se manifestava a integridade<br />
do católico. O amor sem as obras não<br />
é nada, mas uma das obras mais eminentes do amor é a<br />
disposição de lutar por ele. Em última análise, aqui temos<br />
a justificação do espírito combativo, como sendo a<br />
plenitude do católico e da varonilidade de um homem.<br />
4<br />
32
5<br />
Fulgor simbólico e poético da espada<br />
6<br />
A ficha nos descreve, de um modo muito belo,<br />
o papel da espada na Idade Média. Os medievais<br />
souberam ver tudo isto simbolizado nela.<br />
A espada de Carlos Magnos, por exemplo, tinha<br />
trinta reflexos. Podemos imaginar a beleza<br />
do gesto: Carlos Magno, imperador possante,<br />
germano corpulento, montado num cavalo lendário,<br />
na hora de rachar um pagão ou um maometano,<br />
movido pelo amor de Deus, puxava a espada<br />
e a descarregava sobre um brutamontes, como<br />
um novo São Miguel. Porém, antes de cair<br />
vitoriosa sobre o adversário, a espada brilhava<br />
com trinta refrações.<br />
Essa ideia de algo que brilha à luz do sol antes<br />
de desferir o golpe da morte, é eminentemente<br />
medieval. É o fulgor simbólico, poético, artístico,<br />
da espada que brilha, porque é brilhante fazer isso.<br />
É o brilho do varão na plena expansão de suas qualidades,<br />
de seu fogo, de seu senso de responsabilidade,<br />
de sua abnegação, indo para a frente e, antes de matar,<br />
o sol baixa sobre sua espada, dá trinta refrações diferentes<br />
e depois obtém como resultado um sarraceno ou um<br />
pagão morto aos pés dele. É uma beleza tão superior que<br />
se uma alma fica insensível a essa forma de beleza, não<br />
sei a que será sensível.<br />
A certa altura, o autor descreve a cordura como sendo<br />
a virtude da disciplina, a qual está simbolizada no<br />
mango da espada. Isso significa que a espada é obediente,<br />
pois ela faz tudo quanto seu dono lhe manda. Ela fura<br />
tudo quanto ele quer, ela corta tudo quanto ele quer<br />
que corte; ela previne todos os golpes. Então, a cordura<br />
é uma virtude ativa, própria daquele que, destinado ao<br />
combate, luta como lhe foi mandado. Essa cordura é a<br />
disciplina militar.<br />
7<br />
8<br />
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
Sepulcro de D. João d’Áustria - O Escorial, Espanha<br />
A mais preciosa das heranças<br />
O militar presta seus juramentos sobre a cruz da espada.<br />
A cruz é sagrada para ele, porque representa o sacrifício<br />
de Nosso Senhor Jesus Cristo, é a honra dele como<br />
cristão. Inclusive na hora de morrer, o fidalgo é sepultado<br />
com sua espada, exceto se ele a lega para algum<br />
herói ou para um filho. Essa é a mais preciosa das heranças.<br />
O que é mais bonito dizer: “Eu herdei de meu pai uma<br />
espada”, ou “Herdei de meu pai uma indústria, uma Frigidaire<br />
2 , ou um Cadillac”? Pode ser mais lucrativo herdar<br />
uma indústria. Mas, como é mais bonito dizer: “Eu herdei<br />
de meu pai a espada que ele usou como militar, como<br />
combatente, nos campos de batalha, onde defendeu a Civilização<br />
Cristã; ele foi um herói e morreu na guerra.”<br />
Essa espada se transformaria numa relíquia, podendo-<br />
-se colocá-la sobre um altar ou guardar numa capela.<br />
A coisa mais bonita que um homem pode deixar, nessa<br />
ordem de valores, para seus descendentes, é um bonito<br />
nome. Pois bem, a espada é algo quase tão belo quanto<br />
o nome. Melhor elogio da espada não poderia haver.<br />
Noções que foram desaparecendo<br />
Surge uma pergunta: por que razão os homens de antes<br />
da Revolução Francesa podiam usar espada e depois<br />
desta, no traje comum, não se usou mais? Em primeiro<br />
lugar porque o espírito da Revolução Francesa não só é<br />
contrário à nobreza como instituição, mas também enquanto<br />
valor, ou seja, a Revolução tende a enxovalhar<br />
cada vez mais tudo quanto é nobre.<br />
Em nossos dias, com frequência ouvimos falar que as<br />
coisas são caras ou baratas, úteis ou inúteis; quantas vezes<br />
ouvimos dizer que uma coisa é nobre? Esta palavra<br />
está quase eliminada do vocabulário.<br />
Os trajes espelham a vulgaridade dos homens. É impossível<br />
portar uma espada com um paletó. Por quê? Não<br />
é porque a espada fique ridícula, mas é<br />
porque fica-se apalhaçado com ela. Essa<br />
indumentária e incompatível com a<br />
Flávio Lourenço<br />
Flávio Lourenço<br />
Carlos Magno com um de seus pares - Igreja de Santa Eulália, Bordeaux, França<br />
34<br />
Godofredo de Bouillon<br />
Cosenza, Itália
João C. V. Villa<br />
Ou seja, um país se transforma<br />
numa cooperativa, num negócio. A<br />
ideia de uma alma comum, de uma<br />
honra comum a defender, vai desaparecendo<br />
da própria ideia de pátria.<br />
As questões diplomáticas não<br />
envolvem mais pontos de honra,<br />
apenas questões de interesse.<br />
Então, devemos voltar nossos<br />
olhos com reverência para a espada.<br />
E como seria bonito se tivéssemos<br />
uma bela espada para venerá-<br />
-la como símbolo de uma tradição à<br />
qual nós somos fiéis! v<br />
(Extraído de conferência de<br />
9/5/1969)<br />
1) RETANA, Luís de. San Fernando III<br />
y su época. Madri: Editorial El Perpetuo<br />
Socorro, 1941.<br />
2) Marca de eletrodomésticos.<br />
“Rainha Maria Santíssima da Aurora, que dissipa as trevas da Heresia”<br />
Museu Palácio de Cultura Citibanamex, Cidade do México<br />
espada. Pode haver algo que mostre mais a degringolada<br />
de uma civilização do que ela se arranjar de tal maneira<br />
que o símbolo da honra não caiba mais em seus varões?<br />
Há algo mais chocante do que isso? Isso é obra da Revolução<br />
Francesa, completada pelo comunismo.<br />
A noção de honra, de grandeza e de dignidade vão desaparecendo<br />
cada vez mais.<br />
Lê-se, por exemplo, no noticiário internacional, sobre<br />
o centenário da guerra de 1871, entre a França e a Alemanha,<br />
na qual a Alsácia-Lorena, duas províncias francesas,<br />
foram anexadas à Alemanha. O principal comentário<br />
dos franceses a respeito daquela ocupação foi o de<br />
que era contra a honra deles.<br />
Hoje não se diria mais isso. Dir-se-ia: “Essas são províncias<br />
fecundas e rendem para o erário nacional. Têm<br />
vacas de leite que dão dinheiro. Infelizmente desfalcaram<br />
nosso orçamento...”<br />
Roland (coleção<br />
particular) - Madri<br />
Vicente Torres<br />
35
Contemplar<br />
Gabriel K.<br />
o olhar de<br />
Maria<br />
Quem fitasse os olhos de<br />
Nossa Senhora contemplaria<br />
a mais alta manifestação<br />
de uma alma, o espelho<br />
da santidade de Deus. A<br />
expressão do olhar d’Ela é inefável.<br />
Uma pessoa poderia ficar<br />
casta a vida inteira só por ter<br />
contemplado o olhar imaculadamente<br />
puro de Maria.<br />
Que a Santíssima Virgem<br />
nos conceda a apetência de ver<br />
os sagrados olhos d’Ela, espelho<br />
de seu Coração.<br />
Devemos pensar na eternidade<br />
tendo pousados sobre<br />
nós esses olhos, contendo todas<br />
as variedades de expressão<br />
da sublimidade, da grandeza<br />
de Deus e do amor<br />
para conosco, a nos verem<br />
e a nos analisarem,<br />
e nós, pela eternidade,<br />
embebidos neles. Não<br />
precisaria mais nada<br />
para termos um imenso<br />
desejo do Céu.<br />
(Extraído de conferência<br />
de 19/9/1966)