Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo

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Tudo isso é verdade, responde o Senhor, como o faz dizer o Cardeal Hugo, explicando o texto citado de Isaías; tudo isso é verdade, mas, perdendo o homem, penso que perdi tudo, que nada mais me resta; as minhas delícias eram estar com os homens, e eu os perdi; ei-los condenados a viverem longe de mim para sempre!... Mas como pode Deus dizer que os homens são as suas delícias? — Ah! responde S. Tomás, é que Deus ama o homem, como se o homem fosse seu Deus, e como se não pudesse ser feliz sem o homem. S. Dionísio ajunta que, devido ao amor que tem aos homens, Deus parece fora de si mesmo. Há um provérbio que diz que o amor põe fora de si aquele que ama: Amor extra se rapit. Não, disse Deus, não quero perder os homens; haja um Redentor que satisfaça por eles à minha justiça, e os resgate das mãos de seus inimigos e da morte eterna que mereceram... Aqui S. Bernardo, contemplando esse mistério, julga ver uma contenda entre a Justiça e a Misericórdia de Deus. — Estou perdida, diz a Justiça, se Adão não for punido. — Estou perdida, diz por sua vez a Misericórdia, se o homem não obtiver perdão. O Senhor põe fim a essa contenda: “Morra um inocente, diz ele, e salve-se o homem da pena de morte, em que incorreu.” Na terra não havia esse inocente. Então, disse o Padre E- terno, já que entre os homens não há quem possa satisfazer a minha justiça, qual dos habitantes do céu descerá para resgatar a humanidade? Os anjos, os querubins, os serafins, todos calam-se, ninguém responde. Só responde o Verbo Eterno e diz: Eis-me aqui, mandai-me. Meu Pai, uma pura criatura, um anjo, não poderia oferecer a vós, Majestade infinita, uma digna satisfação pela ofensa recebida do homem. E mesmo que vos quisésseis contentar com uma tal reparação, pensai que até esta hora nem os nossos benefícios, nem as nossas promes- 6

sas e ameaças puderam decidir o homem a amar-nos. É que ele não sabe ainda a que ponto o amamos; se quisermos obrigá-lo a amar-vos infalivelmente, eis a mais bela ocasião que possamos ter: eu, vosso unigênito Filho, encarregar-me-ei de resgatar o homem perdido, descerei à terra, tomarei um corpo humano, morrerei para pagar a pena que ele deve à vossa justiça; esta será assim plenamente satisfeita e o homem se persuadirá do nosso amor para com ele. Mas, pensa, meu Filho, responde o Padre Eterno; pensa que, se te encarregares de satisfazer pelo homem, terás de levar uma vida cheia de trabalhos e dores. — Não importa, eisme, mandai-me... Pensa que terás de nascer numa gruta, que será estábulo de animais; que depois terás de fugir para o Egito a fim de escapar das mãos desses mesmos homens que procurarão, desde a infância, tirar-te a vida. — Não importa, mandai-me... Pensa que, voltando do Egito, terás de levar vida extremamente penosa e abjeta como auxiliar dum pobre artífice. — Não importa, mandai-me... Pensa enfim que, quando apareceres em público para pregar tua doutrina e te manifestar ao mundo, terás sim discípulos, mas serão pouquíssimos; a maior parte dos homens te desprezará, te tratará de impostor, de mago, insensato, samaritano e não deixará de perseguir-te, enquanto não e fizer nos mais ignominiosos tormentos e suspenso num patíbulo infame. — Não importa, mandai-me... Lavrado o decreto de que o Filho de Deus se faria homem para ser o Redentor do gênero humano, o Arcanjo Gabriel foi enviado a Maria. A humilde Virgem consente em tornar-se a Mãe de Deus e o Verbo Eterno se faz carne. Eis pois Jesus no seio de Maria; e entrando no mundo, ele diz com a mais profunda humildade e inteira obediência: Meu Pai, já que os homens não podem aplacar vossa justiça por suas obras nem por seus sacrifícios, eis-me aqui, o vosso Filho unigênito, revestido da carne humana, e pronto a expiar as faltas humanas por meus sofrimentos e por minha morte. Assim o faz falar S. Pau- 7

Tudo isso é verda<strong>de</strong>, respon<strong>de</strong> o Senhor, como o faz dizer<br />

o Car<strong>de</strong>al Hugo, explicando o texto citado <strong>de</strong> Isaías; tudo isso é<br />

verda<strong>de</strong>, mas, per<strong>de</strong>ndo o homem, penso que perdi tudo, que<br />

nada mais me resta; as minhas <strong>de</strong>lícias eram estar com os<br />

homens, e eu os perdi; ei-los con<strong>de</strong>nados a viverem longe <strong>de</strong><br />

mim para sempre!...<br />

Mas como po<strong>de</strong> Deus dizer que os homens são as suas<br />

<strong>de</strong>lícias? — Ah! respon<strong>de</strong> S. Tomás, é que Deus ama o homem,<br />

como se o homem fosse seu Deus, e como se não pu<strong>de</strong>sse<br />

ser feliz sem o homem. S. Dionísio ajunta que, <strong>de</strong>vido ao<br />

amor que tem aos homens, Deus parece fora <strong>de</strong> si mesmo. Há<br />

um provérbio que diz que o amor põe fora <strong>de</strong> si aquele que<br />

ama: Amor extra se rapit.<br />

Não, disse Deus, não quero per<strong>de</strong>r os homens; haja um<br />

Re<strong>de</strong>ntor que satisfaça por eles à minha justiça, e os resgate<br />

das mãos <strong>de</strong> seus inimigos e da morte eterna que mereceram...<br />

Aqui S. Bernardo, contemplando esse mistério, julga ver<br />

uma contenda entre a Justiça e a Misericórdia <strong>de</strong> Deus. — Estou<br />

perdida, diz a Justiça, se Adão não for punido. — Estou<br />

perdida, diz por sua vez a Misericórdia, se o homem não obtiver<br />

perdão. O Senhor põe fim a essa contenda: “Morra um inocente,<br />

diz ele, e salve-se o homem da pena <strong>de</strong> morte, em que<br />

incorreu.”<br />

Na terra não havia esse inocente. Então, disse o Padre E-<br />

terno, já que entre os homens não há quem possa satisfazer a<br />

minha justiça, qual dos habitantes do céu <strong>de</strong>scerá para resgatar<br />

a humanida<strong>de</strong>? Os anjos, os querubins, os serafins, todos<br />

calam-se, ninguém respon<strong>de</strong>. Só respon<strong>de</strong> o Verbo Eterno e<br />

diz: Eis-me aqui, mandai-me. Meu Pai, uma pura criatura, um<br />

anjo, não po<strong>de</strong>ria oferecer a vós, Majesta<strong>de</strong> infinita, uma digna<br />

satisfação pela ofensa recebida do homem. E mesmo que vos<br />

quisésseis contentar com uma tal reparação, pensai que até<br />

esta hora nem os nossos benefícios, nem as nossas promes-<br />

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