Cultura de Bancada, 19º Número
Cultura de Bancada, 19º número, lançado a 12 de outubro de 2023
Cultura de Bancada, 19º número, lançado a 12 de outubro de 2023
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
1
06
09
terceiro aniversário
cultura de bancada
A NOVA LEI DE COMBATE À VIOLÊNCIA
NO DESPORTO
12
HISTÓRIA DO MOVIMENTO
ORGANIZADO DE ADEPTOS
no Vitória sc
22
não à multipropriedade
28
à conversa com
nuno ultra
34
50
memórias da bancada
resumo da bancada
64
avante pelo benfica
2
66
aac x união 1919
68
um adepto inesperado
70
mérida: 35 anos de
movimento ultra
74
tour itália
79
sc braga: uma epopeia no
mês de Agosto
85
os regressos do farense
86
bordéus x concarneau
90
cultura de adepto
94
96
era uma vez
fotos da curva
a voz do leitor
3
Edito
Dois meses passaram desde o
último número. Costumamos dizer que, na
perspectiva de quem trabalha a revista, dois
meses parecem pouco mas, pelo que vemos
à nossa volta, não faltam motivos para dizer
que mais uma vez estes últimos dois meses
foram tempos recheados. Tivemos notícias
de todo o tipo, mas, dentro da longa lista,
escolhemos algumas que nos pareceram
importantes de serem destacadas.
Começamos por frisar que cada
vez mais assistimos à entrada de investidores
estrangeiros nos clubes portugueses. Neste
momento, mais de metade dos clubes da I
Liga já estão sob comando de investidores. É
um processo muito complicado de parar, até
porque a tendência parece ser a de continuar
– em Portugal, mas principalmente lá fora.
Não restam muitos casos que contrariam este
cenário, como é o caso do Paços de Ferreira
(SDUQ), mas até eles ponderam alterar o
rumo perante o contexto que se apresenta.
Propagou-se a ideia do mudar ou ficar para
trás. Assim, na pior das hipóteses, se ainda
tiverem a oportunidade, resta aos sócios
blindar da melhor forma os estatutos para
que, no futuro, não percam ainda mais voz
nos seus clubes. Estamos perante a morte
da democracia nos clubes de futebol e quem
fica a perder é o povo, os adeptos. É caso para
ter medo, num país que continua a não saber
tratar os seus adeptos. E já que falamos em
tratar bem os adeptos, trazemos à tona um
caso interessante.
O jogo entre o Arsenal e o Forest
sofreu um atraso de 30 minutos em função do
problema, provocado pelo sistema eletrónico
de bilhetes, que impediu a entrada atempada
a cerca de 33000 adeptos, e desse modo
garantiram o direito dos adeptos verem o
jogo desde o início. Queremos também
sublinhar que a Premier League vai manter o
tecto máximo de um bilhete no mesmo valor
pelo menos até 2025.
Na sequência do processo de
internacionalização da nossa Liga, em função
da centralização dos direitos televisivos,
soubemos que os jogos da Liga Portugal vão
deixar de passar no Reino Unido, França e
Brasil, e há dúvidas relativamente ao que
irá acontecer nos Países Baixos e na Suécia.
Os horários dos nossos jogos não ajudam,
mas a qualidade também não. Na verdade,
devemos perguntar como é possível almejar
vender os jogos a “adeptos” de outros países
se nem os nossos adeptos conseguimos
cativar, algo fácil de comprovar pelo estado
das nossas bancadas.
A imagem do nosso campeonato
foi desgastada ao longo do tempo, e aqueles
com responsabilidade só souberam culpar
os adeptos. Contudo, esqueceram-se dos
muitos sacos azuis, do caso dos e-mails,
da operação Lex, do e-toupeira, dos jogos
viciados, da mala ciao, do apito dourado e até
os mais recentes casos polémicos associados
à arbitragem... é suficiente?
Ainda sobre a Liga, temos visto
4
rial2
uma promoção dos números de assistências
de uma forma que nos parece um pouco
estranha, avaliando-se as médias sem
contemplar os resultados que as compõem,
gerando leituras tendenciosas.
Sem surpresa, o que se está a passar
na Arábia Saudita também merece a nossa
atenção. Uma boa explicação do que se está a
passar encontra-se nas seguintes palavras de
Javier Tebas, presidente da La Liga, proferidas
há cerca de 3 anos: “O governo da Arábia
Saudita tem uma política pela qual eles
melhoram a imagem do governo por meio
do desporto, branqueando a sua imagem,
e todos nós temos uma responsabilidade
nisso.”. Por ironia do destino, a Visit Saudi,
empresa que promove o turismo no país,
é actualmente um patrocinador da La Liga.
O mundo do futebol está cada vez mais do
avesso, e até adeptos são contratados por
clubes da Arábia Saudita, como é o caso do
líder do grupo de apoio ao Raja Casablanca,
de Marrocos, que irá agora trabalhar junto
dos adeptos do Al Ahli.
Quase a fechar o editorial, uma
palavra a lamentar que os clubes nada façam
na defesa do associativismo. Não devemos
esquecer que, quando todo a estrutura
empresarial de um clube entra em decadência
e todos os seus responsáveis abandonam o
barco, são os adeptos que ficam e tentam
aguentar com o clube e as consequências
que resultarem. Talvez a culpa também seja
nossa por não sermos mais activos.
Para terminar, recordamos que
este é o nosso terceiro aniversário, e o 19º
número é a prenda que preparamos para
vocês que nos seguem!
Director
J. Lobo
Redacção
L. Cruz
G. Mata
J. Sousa
Design
S. Frias
M. Bondoso
Revisão
J. Rocha
Convidados
Martha Gens
Nuno Sá
Raúl Rodrigues
Eupremio Scarpa
Francisco Sobral
Ross Browne
Scubi 92
Patrick T.
J. Araújo
M. Soares
Pedro Blue
5
TERCEIRO ANIVERSÁRIO CULTURA DE BANCADA
6
Festejamos em andamento,
festejamos enquanto trabalhamos. É assim
que celebramos o terceiro ano do nosso
projecto.
Tem sido uma caminhada intensa, e
sentimos cada vez mais o desgaste provocado
pela constante pressão que é o processo de
construção dos conteúdos que carimbamos
em cada página, de cada número, que aliados
à azáfama diária das nossas vidas pessoais
provocam esta sensação. Contudo, não
abdicamos de, à noite, podermos deitar a
cabeça na almofada e sentirmos que estamos
a cumprir com a causa que abraçamos. Quase
sem tempo para contemplar aquilo que
construímos, vamos percebendo que não
trabalhamos em vão. A sensação é agridoce,
pois resta-nos desfrutar do sabor do esforço.
É fundamental destacar a colaboração de
imensas pessoas pertencentes ao mundo das
bancadas. Obrigado a todos que enriqueceram
a cultura de adepto através das nossas
páginas. Edificamos pontes e encurtamos
distâncias entre pessoas, cultivamos nelas
conhecimentos e despertamos curiosidade.
Quem sabe se não as motivamos a seguirem
em frente ou a experimentarem novos
caminhos...
Temos um projecto de portas
abertas, de todos para todos. Talvez por isso
também nos abram as portas, algumas que
pareciam impossíveis (certamente que quem
nos acompanha percebe o que queremos
dizer). Sem margem para dúvidas, tem sido
bastante produtivo o trabalho que temos
realizado e, quanto aos objectivos traçados,
apenas continuamos a penar sobre a falha na
produção da CdB em formato físico. Sentimos
um amargo de boca, embora tenhamos
conquistado tanto ao nos dedicarmos em prol
de algo muito maior do que nós.
Aparentemente pode não significar
muito, mas temos a certeza que o conceito
que escolhemos para a Cultura de Bancada
permite-nos conservar uma memória muito
abrangente da envolvência dos adeptos
portugueses nos últimos três anos. Para além
disso, conseguimos remexer num passado
mais longínquo e registar memórias muito
importantes para a posterioridade.
Apesar de estarmos orgulhosos
do nosso percurso, há também algo que
nos preocupa. Com tantos ataques, aos
adeptos e aos grupos organizados, qualquer
dia não teremos o que registar. Vivemos
um ambiente repressivo, que impulsiona a
vontade de entidades, como a Liga Portugal,
a criar ambientes de plástico. É importante
levarmos a sério o que se passa, e apelamos a
que não se deixem vencer pelo cansaço.
É triste, e também uma vergonha,
ver que as bancadas que herdamos não
poderão ser passadas às futuras gerações,
em condições melhores do que as que
recebemos.
Como palavras finais, deixamos a
mensagem final que escrevemos na entrevista
que, recentemente, demos à Detrás de la
Portería:
“Costumamos dizer entre nós
que um movimento se faz de pessoas que
se mexem. É isso que estamos a tentar ser,
adeptos que se mexem pelo movimento
das nossas bancadas. Não somos piores
nem melhores que ninguém, somos o que
fazemos, e isso é que importa. Todos nós,
que pertencemos ao mundo das bancadas,
podemos fazer algo para contribuir
positivamente no desenvolvimento da nossa
cultura e principalmente das subculturas.
Dizemos principalmente porque é nessa
especificidade que existe o principal
problema. Falando da nossa realidade,
os nossos adeptos, e em particular os do
movimento Ultra, estão a sofrer um ataque
em todas as frentes que põe em questão
a sua existência da forma que sempre
os conhecemos. Estamos perante uma
verdadeira higienização. Vale a pena recordar
7
8
uma das frases do início da APDA que diz:
“se queres ser ouvido, fala”. Nunca, como
hoje, foi tão importante os adeptos terem
uma voz, a sua própria voz. Por isso, aqueles
que pensam desta maneira, têm a obrigação
de apoiar as vozes que se levantam e com
as quais que se identificam. Sejam fanzines,
associações de adeptos ou outro tipo de voz,
se for uma digna representação dos nossos
valores enquanto adeptos, devem contar
com o nosso apoio. É esta a nossa experiência
e o que podemos deixar aos leitores.”
A NOVA LEI DE COMBATE À VIOLÊNCIA NO
DESPORTO
“Baralha, parte e volta a dar...”
Entrou em vigor, no dia 10 de
setembro, mais uma alteração à lei de
combate à violência no desporto. Com outro
Secretário de Estado com esta pasta e, cerca
de ano e meio depois da última lei, que
declarou o fim do cartão do adepto, eis que
nos surge novo remendo na Lei – na verdade,
a quinta alteração desde a sua publicação
inicial em 2009.
Antes de podermos esclarecer as
alterações que, para já, nos parecem mais
relevantes e com maior impacto para nós,
adeptos, deve ser sublinhado que o núcleo
fundamental da lei não mudou - permanece
o seu esqueleto, a sistematização e a tónica
securitária.
A pergunta inicial que fica no ar é:
por quê outra alteração passado tão pouco
tempo? Não se compreende a necessidade e
a aparente urgência de mexer na lei passado
tão pouco tempo. Talvez... talvez seja uma
questão meramente política, diremos – uma
necessidade de, depois da derrota política do
anterior detentor desta pasta, e revogação
da “última coca cola no deserto” que era o
cartão do adepto, houvesse necessidade de
baralhar, partir e voltar a dar. E, mais uma
vez, iludir quem pouco conhece do tema a
fundo, mostrando ao eleitor quem tem a
mão mais forte. Parece que, para quem tem
a pasta política na mão, é mais importante
mostrar que os trunfos continuam do lado
de quem manda. Quem diria que, num
estado aparentemente democrático, pudesse
existir a necessidade de passar a impressão
de que os adeptos não podem ganhar. Uma
demonstração de poder, talvez.
No que toca aos adeptos, as
alterações podem traduzir-se numa tentativa
de encostar os grupos à obrigatoriedade do
registo através do confinamento dos GOA nas
ZCEAP, condicionando o uso dos materiais de
apoio ao registo na APCVD.
É sabido que os grupos organizados
de adeptos encontram a sua génese e
existência na exteriorização da liberdade
de expressão e na forma como apoiam os
seus clubes, e foi essa a chantagem que o
legislador entendeu ser a derradeira forma
de os obrigar a se submeter ao registo na
APCVD. Explicaremos como.
Primeiramente, o registo de GOA
sempre resultou de uma prorrogativa muito
própria de grupo para grupo, quer no que
diz respeito ao registo inicial ou mesmo na
relação que têm com o Promotor. É muito
difícil conseguir tirar uma fotografia clara
deste cenário – há promotores que têm boas
relações com os seus GOA’s, outros que não.
Uns não se registam por princípio, outros
têm o seu registo suspenso, e tantos outros
existem que nem fundos teriam para suportar
os custos do registo.
Entende assim o Governo passar a
9
“batata quente” para os clubes – se o GOA
não se regista, regista o Promotor. Ao mesmo
tempo é simplificado o processo de registo,
já não sendo necessária a lista identificativa
de todos os membros, bastando agora a
identificação dos órgãos sociais, número de
membros e protocolo com o clube.
Esta alteração levanta questões
graves, quer no plano teórico, quer no plano
prático, que a APDA trouxe por diversas vezes
à atenção. No plano teórico, como pode
alguém (o Promotor) substituir-se à vontade
de alguém (Grupo), quando não há vontade
de se constituir uma associação e avançar
com um registo? Por outro lado, como se vai
isto passar nos casos em que clube e adeptos
estão de costas voltadas? Ou nos casos em
que é o próprio Promotor que não quer
registar os seus grupos? Ficam estes à mercê
dos Clubes (mais ainda...)?
Se o cenário acima nos deixa a
pensar, vamos adicionar mais parcelas a esta
equação.
Outra das grandes novidades é
que passa a ser crime o apoio a GOA não
registado... Além da pobre técnica jurídica
típica deste diploma (sabemos o que se diz
do que se faz depressa e bem!), fica no ar
uma questão: se o grupo não se quer registar
por sua vontade, o Clube fica claramente
habilitado a ser punido criminalmente e,
naturalmente, os clubes não vão querer
ocupar essa posição de risco. Irão coagir os
Grupos ao registo?
A verdadeira cereja no topo deste
bolo fica assim para o fim – doravante,
apenas podem usar materiais de apoio (e
apenas nas ZCEAP) os GOA que estejam
registados. Ou seja, há uma clara submissão
a um registo desnecessário e inútil, para o
10
mero simples aproveitamento de um direito
constitucionalmente previsto – a liberdade de
expressão.
E assim vamos, apregoando que
a cura para todos os males seja uma lei
que limita a autonomia privada, promove
a coação e ataca a liberdade de associação.
Bravo!
Fomos ainda presenteados com
a possibilidade de os órgãos de polícia
poderem aplicar in loco uma espécie de
medida cautelar, se antes da ocorrência de
um jogo qualquer adepto praticar actos de
violência. Não sabemos a que corresponde o
termo pouco jurídico “violência”, nem a que
tipo de delitos se aplica. Sabemos, isso sim,
que fica na mão humana e policial este tipo
de decisões, sem qualquer direito de defesa
ou resposta.
Já vimos licenças de porte de arma
mais fáceis de obter. Já vimos cartas de
condução igualmente mais fáceis de obter.
Mas, aparentemente, a preocupação para
todos os males do futebol continua a ser esta
– a burocratização, a estigmatização, a criação
de sentimentos revolta e incompreensão,
acompanhada de uma constante sensação
de vontade de higienização das nossas
bancadas. E assim vamos, esperando que, um
dia que tirarmos tudo o que está na natureza
dos GOA, a violência termine.
Por último, os bilhetes nominais.
Com a queda do cartão do adepto,
foi instituída a obrigatoriedade da bilhética
nominal (o que os italianos chamam de mini
cartão do adepto!) para as ZCEAP. Ano e
meio depois, o Governo que aprovou esta lei,
passa esta batata quente para o organizador
da competição. Assim, este último, passa a
decidir sobre qual será a regra geral sobre este
tema, para os jogos das suas competições.
Aguardemos notícias sobre este assunto,
visto que a decisão da Liga Portugal ainda não
foi tomada.
Ficámos aquém de todos os países
que servem de referência. Ficámos longe das
culturas que elogiamos quando aparecem na
TV.
Somos um país de fraca coragem
política, que se vale do elo mais vulnerável
para demonstrações de força e se vangloria
de leis fracas e terceiro mundistas.
Somos os autores de leis
castradoras, que afastam os adeptos daquelas
que são também as suas casas, os estádios.
Os responsáveis das várias áreas que rodeiam
o desporto insistem em não perceber o nexo
causal entre estas medidas, o aumento do
afastamento, e a existência de competições
cada vez mais pobres, sem adeptos e sem
interesse.
Por Martha Gens, Presidente da Associação
Portuguesa de Defesa do Adepto
11
12
Os grupos organizados de adeptos veem hoje a sua influência espalhada por todo
o mundo e a sua denominação varia consoante a área geográfica onde estão inseridos. Se no
México estes grupos são conhecidos por Porras e no Brasil por Torcidas, já na Argentina a sua
denominação é Barra Bravas. Por outro lado, em Itália são chamados de Ultras e em Portugal,
embora também seja normal a referência aos Ultras, são popularmente conhecidos como claques.
Ao longo dos tempos estes grupos, independentemente da denominação, apresentaram-se com
características próprias, fruto do meio social onde se inserem, mas também sofreram influências
externas que muito contribuíram para a sua evolução.
É nestes grupos de adeptos que irei concentrar as próximas linhas, realizando uma
viagem cronológica e espacial, ao encontro das primeiras manifestações que influenciaram o seu
aparecimento, até à realidade do espectro Vitoriano actual.
Para dar início a esse objectivo, começo com um enquadramento dos adeptos e dos
grupos, enumerando alguns dos primeiros passos dados, que me parecem determinantes para
perceber a construção desta forma de viver os clubes, um fenómeno que está hoje enraizado no
seio da nossa comunidade.
Como é sabido, o futebol, na linha que actualmente conhecemos, começou em
Inglaterra no século XIX e foi também nesse período, mais precisamente no ano de 1857,
que nasceu o Sheffield Football Club. Este é o clube mais antigo do mundo, não associado a
uma instituição como uma escola, hospital ou universidade, em que todos podiam jogar. Os
primeiros espectadores de futebol foram, provavelmente, os membros dos clubes que não eram
jogadores. Os seguintes foram, naturalmente, as famílias e amigos dos membros e mais tarde a
comunidade local. Se, no início, a assistência primava pela simples observação do jogo, a entrada
13
14
da comunidade local foi acompanhada de muitas rivalidades, pese embora fossem originadas por
situações extrajogo. O tempo passava e a emoção aumentava, a competição a isso ajudava, e os
adeptos, que antes se comportavam como simples observadores, começaram, a partir de então,
a criar uma ligação muito maior com os clubes e as suas equipas. Este momento parece ser a
chave da transição daqueles que eram simples espectadores, para adeptos.
Com o desenrolar do tempo os adeptos apresentaram um comportamento mais
activo e começavam a sentir que, de algum modo, podiam interferir no jogo, fosse com um
grito de incentivo a algum jogador ou simplesmente mencionando o nome do clube. Deixo a
referência que, já naqueles tempos, existiam excessos, como quando alguns adeptos esticavam
a perna junto às extremidades do campo para fazer os jogadores adversários tropeçarem. Uma
interferência que hoje é quase inimaginável, mas que naquela época acontecia em consequência
de os campos serem apenas o terreno de jogo, muitos dos quais sem qualquer barreira que
afastasse os adeptos.
Outro ponto a considerar é que o futebol rapidamente se tornou um desporto popular
e começou a ser comum ver multidões a moverem-se atrás dos seus clubes, quer jogassem em
casa ou fora. Ainda nesse século, por volta do ano 1880, como reflexo da popularidade do futebol,
nascem na Irlanda os “brake-clubs”. Estes clubes eram uma espécie de grupos organizados de
adeptos compostos por membros que pagavam uma quota, a qual lhes conferia a oportunidade
de viajar com esse grupo nos jogos disputados fora de casa. Estes grupos deslocavam-se em
carroças puxadas a cavalo, envergando o seu estandarte na frente e, só umas décadas mais tarde,
acabariam por entrar em declínio devido ao aumento dos transportes ferroviários e dos veículos
motorizados.
Com excepção dos clubes de adeptos, que mencionei anteriormente, não havia uma
organização para grupos de apoio, na forma tribal que conhecemos e que, durante vários anos
predominou. Porém, o futebol estava a expandir-se pelo mundo e, mais tarde ou mais cedo, seria
natural que as comunidades acrescentassem um toque próprio à forma como viviam o jogo.
Foi ainda por estes anos que os adeptos começaram a entoar os primeiros cânticos.
Basicamente eram as músicas populares que a própria comunidade ouvia, mas o rastilho tinha
sido aceso e o tempo acabaria por se encarregar de trazer a evolução dos cânticos que saíam
da bancada. Um momento fundamental foi quando os adeptos deram uso à sua criatividade e
começaram a criar as próprias letras.
Avancemos agora para o Brasil, mais concretamente para São Paulo. Viva-se o ano de
1939 e por esta altura aparecia a primeira Torcida Uniformizada a qual, pese embora estar muito
distante da imagem de um grupo de apoio actual, me parece ser um dos pontos de partida
para o conceito que hoje conhecemos. Estas torcidas eram caracterizadas por os membros,
maioritariamente adultos, usarem roupas iguais, por se fazerem acompanhar de bandeiras e por
uma animação onde se sentia a influência do samba. No ano de 1944 é oficializada a Torcida
Organizada do Vasco que seria a primeira Torcida Organizada em todo o Brasil, visto que teria sido
criada em 1942, e conferiu aos grupos de adeptos brasileiros o nome pelo qual ainda hoje são
conhecidos. Contudo, é em 1969, com o aparecimento dos Gaviões da Fiel, que nasce uma forma
diferenciada de estar na bancada, destacada pela participação mais organizada e activa junto dos
clubes.
Regressemos agora ao velho continente para dentro do território da antiga Jugoslávia.
No ano de 1950 é fundada a Torcida Split, grupo de apoio ao Hadjuk Split na actual Croácia. O seu
15
16
nascimento dá-se no mês de outubro, pouco tempo após o Mundial de 1950 que teve lugar no
Brasil e, o seu nome foi inspirado na apaixonada torcida brasileira. Pareceu-me relevante referir
este momento, pois reflete o início da influência cultural que as torcidas brasileiras tiveram na
Europa.
É agora tempo de dar um salto até Itália onde, também nos anos 50, apareceram alguns
grupos de apoio. Estes grupos uniram pessoas de ambos os sexos e de várias classes sociais para
dinamizar um apoio vocal acompanhando por tambores, faixas, bandeiras e estandartes. Estes
grupos viviam um forte clima de união e amizade entre os seus membros. Anos mais tarde, em
1968, num ano que ficaria marcado por protestos protagonizados pela juventude italiana e a classe
trabalhadora, nasce aquele que seria o primeiro grupo Ultra, a Fossa dei Leoni. A experiência que
alguns elementos trouxeram da luta política, acabou por influenciar a forma como os grupos se
passaram a organizar. É importante referir que neste novo movimento existiram semelhanças
com movimentos de apoio de outros países, mas como é natural, também tiveram a sua dose de
originalidade, que os diferenciou e lhes conferiu uma marca muito própria.
Os anos 70 e 80 ficaram marcados por um período de expansão dos Ultras, e do seu
movimento, por toda a Itália, atraindo principalmente jovens de uma faixa etária compreendida
entre os 15 e os 20 anos. É também nestes anos que se dá a internacionalização deste movimento
que acabou por seduzir jovens de toda a Europa, do qual Portugal não se exclui.
No nosso país, tal como noutras partes do globo, também se sentia o efeito do apoio
dos adeptos aos seus clubes. Só que esse apoio acontecia de uma forma espontânea. Pelo que
me foi possível apurar, a primeira história de um grupo organizado de apoio a um clube, em
Portugal, vem dos inícios dos anos 70. Eram conhecidos como Vapores do Rego e compostos por
estudantes brasileiros, a viver em Portugal, que apoiavam o Sporting CP ao ritmo das torcidas que
existiam no Brasil. Há quem diga que existiu um grupo que antecede os Vapores do Rego, refirome
ao VIII exército do Vitória Futebol Clube, que supostamente teria nascido em 1943. Porém,
não podemos considerar a massa adepta de um clube como um grupo. A proveniência desse
nome é atribuída a um jornalista, do jornal o Mundo Desportivo, relativamente a uma falange de
adeptos que se mobilizava de forma espontânea atrás do seu clube.
Em 1976 surge a Juventude Leonina, o grupo de adeptos mais antigo em actividade
em Portugal, pioneiros num estilo mais aproximado daquilo que hoje conhecemos. Embora algo
inspirados nos seus antecessores, e naturalmente nas torcidas brasileiras, tinham como imagem
de marca um maior apoio vocal e a utilização de bandeiras. É importante ressalvar que este
grupo também influenciou vários jovens adeptos de outros clubes a criar a sua claque. Sustento
esta afirmação nos nomes de vários grupos que surgiram nos anos 80. As sementes haviam sido
lançadas de tal forma que, durante os anos 80 e 90, deu-se o “boom” deste fenómeno e, quase
que por moda, tornou-se comum ver estes grupos de apoio a aparecer nas bancadas de muitos
clubes portugueses.
Por fim chegamos ao nosso destino: Guimarães. Mais especificamente ao Vitória
Sport Clube. As bancadas do nosso estádio não ficaram à parte e também sentiram a sedução
que este movimento provocou nos adeptos mais jovens. Até 1983 o apoio não faltava, mas era
gerado de uma forma espontânea, como de resto acontecia em quase todo o lado. Talvez a única
organização que se podia ver fossem as excursões, que se realizavam para proporcionar aos
adeptos Vitorianos o acompanhamento à sua equipa, nos jogos fora de casa. É então que, nesse
ano, se dá o aparecimento do primeiro grupo organizado do Vitória, a Juventude Vitoriana, do
17
18
qual nos chegam alguns registos até aos dias de hoje. Este grupo de jovens, também conhecido
por La Juvi (Labuta Juventude Vitoriana), situado na bancada poente, havia sido influenciado pelo,
ainda recente, fenómeno das claques em Portugal mas, tal como viria a ser comum, também se
inspiraram no movimento Ultra italiano.
No ano seguinte, em 1984, surge noutra bancada uma tarja identificando um grupo
de adeptos com a mesma denominação do que já existia. Este grupo apresentou-se como Juvi
e permaneceram activos até à época 2001/2002. Como consequência desta situação a La Juvi
alterou o seu nome para Os Fundadores. Nos tempos que se seguiram, essencialmente em 1986,
novos grupos apareceram e, para além dos dois que já existiam, havia agora os Conquistadores,
Força Afonsinos, Força Branquinhos, Tempestade Vitoriana e o 7º Exército. Estes grupos, na
sua grande maioria, eram compostos por elementos jovens que davam colorido e animação
à bancada através das faixas, bandeiras gigantes e tambores, para além dos extintores e, por
vezes, pirotecnia que utilizavam na entrada da equipa. Alguns destes grupos chegaram a produzir
t-shirts e camisolas nas confecções da cidade.
A 26 de Junho de 1987 é noticiado o aparecimento de “Os Vimaranes”, uma nova
claque que nascia com o objectivo de tentar fundir os 6 grupos existentes (Fundadores, Juvi,
Conquistadores, Força Afonsinos, Força Branquinhos e Tempestade Vitoriana). Este será o
primeiro grupo do Vitória a produzir um cachecol próprio do grupo que também seria um dos
primeiros do país.
Em 1992, num jogo contra a Real Sociedad, apareceu uma tarja na bancada norte
onde se podia ler Black N’ White Boys. Este nome, ao contrário do que alguns pensam, não
representa um novo grupo. É apenas uma tarja que foi pintada por antigos membros dos extintos
Fundadores, os quais já apresentavam uma tarja com a mesma inscrição nos seus primeiros anos.
Em meados dessa época, de 1992/1993, aparece a Legião Vitoriana, com objectivo de tentar
recuperar a actividade dos jovens Vitorianos, e que iria durar até ao final da época 1993/1994.
Na época seguinte, a 25 de setembro de 1994, três dias após a celebração do 72º
aniversário do Vitória Sport Clube, nascem os Insane Guys. Este grupo veio mudar totalmente o
paradigma de apoio nas bancadas vitorianas. Este seria o maior grupo de apoio ao Vitória SC até
à data e, ainda hoje, são reconhecidos nacionalmente pela força do seu passado. Importa referir
que, aquando a sua fundação, apenas existia a Juvi a qual se caracterizava pelo toque dos seus
bombos e por serem compostos por elementos que já tinham passado a sua juventude há uns
bons anos. Naturalmente, os Insane tornar-se-iam a alternativa que a juventude local procurava
e, em pouco tempo, passaram dos 25 elementos fundadores para a campanha de angariação
dos 500 sócios, seguida dos 1000, e assim continuou. Estes trouxeram coreografias a todas as
bancadas, novos cânticos, inovaram nas tarjas, criaram a sua fanzine, produziram uma série de
adereços novos como t-shirts, casacos, chapéus, cachecóis e a lista podia facilmente continuar.
Os Insane continuam a existir na bancada onde nasceram, a nascente, e são o grupo mais antigo
do Vitória, tendo já atingido o seu 29º aniversário.
Mais tarde, no ano de 1999, nascem os White Angels que são actualmente o maior
grupo de apoio ao Vitória Sport Clube. Este grupo, a par do anterior, foi muito importante no
desenvolvimento do movimento Ultra na cidade berço e tentaram trazer outra consistência com
a sua actividade. Inicialmente começaram na bancada nascente, no lado oposto aos Insane Guys,
estando actualmente situados no topo sul.
Poucos anos depois, mais concretamente em 2003, nasce o Gruppo 1922 que continua
19
20
a praticar a sua actividade de apoio ao Vitória. É ainda na primeira década deste milénio que
aparece o Gate12, os Tifosi (2007), a Brigata, os MP52 e os Vimaranes 1128. Também nesta fase,
podiam-se ver outras faixas de grupos no estádio D. Afonso Henriques como a dos Ramuf e dos
MG, fruto de algumas dissidências que ocorreram ao longo da história.
Em 2008, na dinâmica gerada pela união de alguns grupos na nascente inferior, surgem
os Suspeitos do Costume. Este grupo também ficaria marcado pelas suas coreografias e a sua
capacidade de mobilização. Mais tarde seriam preponderantes, a par dos White Angels, na
construção do chamado Sector Ultra, na bancada sul inferior, que procurou reunir os grupos de
apoio ao Vitória.
Na segunda década do milénio manteve-se a tendência de aparecimento de pequenos
grupos e, assim, continuamos a assistir ao nascimento dos Galáticos do Minho (2010), Exército
Branco (2011), King’s Crew (2011), Nova Gera (2013), Ragazzi (2013) e Fundadores (2015). Mais
recentemente, em 2018, começa a juntar-se um novo grupo de jovens na nascente inferior, os
quais não possuem uma denominação assumida, mas que continuam activos a par dos Insane
Guys, dos White Angels e do Gruppo 1922.
Recentemente os quatro grupos mais activos juntaram-se para celebrar, de uma maneira muito
própria, o centenário do clube com a realização de uma tochada espalhada por várias ruas do
centro de Guimarães e com uma coreografia que ocupou as três bancadas afectas aos adeptos
do Vitória, a par de uma boa tochada.
Como foi possível constatar, a história do movimento organizado de adeptos do Vitória
Sport Clube é bastante rica a partir dos anos 80. Os jovens locais foram seduzidos por esta forma
organizada de viver a bancada e acabaram por se inserir num grupo ou participar na fundação
de outros. Eu próprio, por brincadeira, ajudei
a fundar um grupo juntamente com os meus
amigos de escola, o qual baptizamos de Black
Monsters, mas longe vai esse ano de 1995.
No meio de tanta informação, é
possível que me tenha falhado a memória
na menção a algum grupo ou, simplesmente,
tenha optado por não o colocar por a sua
existência ser muito curta e não se justificar.
Ainda assim, este texto é um registo
importante sobre os grupos de apoio ao
Vitória Sport Clube.
Por J. Lobo
21
22
A multipropriedade é um conceito
criado nos anos 60, na Europa e nos Estados
Unidos da América, quando diversas pessoas/
empresas começaram a adquirir imóveis
em conjunto. Neste caso, a propriedade
é totalmente usada por cada proprietário
em períodos de tempo determinados pela
percentagem da fracção adquirida.
No Futebol, a introdução dos
multi-clubes dá-se na década de 90, pela
mão do ENIC Group. Este grupo económico
não pretendia controlar o quotidiano dos
clubes em que detinha participação, tendo
como objectivo principal deter as acções,
esperando que as mesmas valorizassem para
lucrarem a longo prazo, aplicando isto no
Tottenham Hotspur, AEK Atenas e Slavia de
Praga. Foi através desta ligação que se deu o
primeiro conflito de interesses deste tipo nas
competições europeias, na época 1997/98,
em que Slavia e AEK participaram na Taça
dos Vencedores das Taças. Na sequência
disso, a UEFA implementou uma nova regra,
a “Integridade das Competições de Clubes
da UEFA: Independência dos Clubes”, a qual
previa que clubes sob controlo comum não
pudessem participar na mesma competição.
A multipropriedade de clubes
praticamente confunde-se com a entrada
de investidores sem qualquer ligação
afectiva aos clubes ou cidades onde esses
têm sede, bem como na criação de SAD’s
no âmbito nacional (e não só). Sem dúvida
que é um dos baluartes do Futebol negócio,
começando a ganhar terreno, desde os
primeiros anos do atual século, ao modelo
tradicional de clubes sem fins lucrativos e
baseados no associativismo, com foco no
serviço à comunidade local e conquistas
desportivas. Actualmente, na maioria dos
clubes, os objectivos são a obtenção de lucro
financeiro, resultados desportivos, expansão
da marca e melhorias operacionais e de
infraestruturas. Infelizmente, o mercantilismo
é desmedido. Vivemos um Futebol que
está associado a uma indústria que tornou
os clubes em marcas, explorando receitas
pela venda de jogadores (activos), direitos
televisivos, prémios e subsídios da UEFA e
FIFA, patrocínios, marketing e dias de jogo,
receitas essas que triplicaram no período
compreendido entre 2000 e 2016. Quem
ganha com isso? É o Futebol? São os clubes e
as suas comunidades?
Este género de propriedade
revela-se quando uma pessoa/empresa
detém participação, seja ela maioritária ou
parcial, em mais do que um clube, podendo
ser adquirida de forma pública através da
aquisição de acções em bolsa (algo em vias
de extinção) ou de forma privada (com uma
pessoa/empresa a ter controlo maioritário
e controlo total nas decisões). Há ainda o
caso de clubes detidos em certa medida
por grupos de adeptos que pretendem
proteger a independência dos seus clubes
de investidores externos, o que acontece no
Hajduk Split, por exemplo.
Os clubes detêm características
sociais dos meios onde estão inseridos, que
a par da história que se escreve diariamente,
moldam a identidade de cada um deles.
Isto é algo que começa a ficar cada vez
mais ameaçado, uma vez que os clubes
são adquiridos para servirem um modelo
de negócio que os uniformiza em diversos
aspectos. Forma-se um padrão identitário
do multi-clube “X” e os clubes que o formam
seguem um alinhamento, na estética, no
estilo de jogo, na atuação no mercado de
transferências, na gestão, nos patrocínios. Os
empresários que procuram criar ou fomentar
o crescimento da sua multipropriedade
escolhem os alvos consoante as suas
pretensões, embora seja possível constatar
que os clubes que vivem problemas
financeiros e os clubes-escola são os mais
apetecidos.
é “natural”, visto que ambos os clubes são
activos da Eagle Football Holdings, grupo que
em tempos tentou entrar na SAD benfiquista.
Ultimamente, temos visto a abordagem da
BlueCo, consórcio que recentemente adquiriu
o Chelsea (por mais de 4 mil milhões €) e o
Estrasburgo (por 75,7 milhões €) e que neste
momento tem em aberto uma proposta para
aquisição de capital do Sporting C.P., focando
(pelo menos para já) a sua atuação na Europa.
Todd Boehly, um dos donos do Chelsea,
mostrou-se satisfeito por ter no Estrasburgo
uma equipa na qual quer potenciar jogadores
jovens que pretende que vistam a camisola
do clube londrino numa fase mais madura
da carreira, ao passo que os dirigentes do
clube francês disseram que só desta forma
é possível catapultar o clube para patamares
desportivos e financeiros superiores, apesar
do mesmo apresentar saldos positivos. Quem
não concorda com isso são os adeptos do
Estrasburgo, que têm protestado de forma
organizada. Oito associações de adeptos do
clube têm levado a cabo um movimento de
protesto, reiterando que o modelo multi-clube
não é bem-vindo e que não se querem tornar
Nas multipropriedades de clubes
que conhecemos minimamente há variados
tipos de estruturas hierárquicas: pirâmide (há
um clube no topo e os demais devem servir
de apoio), híbrido (mais focado na exploração
de diferentes mercados) e horizontal (no
qual os clubes têm a mesma importância).
Os multi-clubes mais mediáticos são alguns
dos primeiros a serem constituídos e neles
podemos encontrar diferentes abordagens.
Ao passo que o City Football Group já detém
13 clubes em diversos continentes, a Red Bull
possui cinco equipas entre Europa e Américas.
Este ano, quando Luís Castro saiu do Botafogo,
o escolhido para fazer a transição no comando
da equipa para Bruno Lage foi Caçapa, que é
auxiliar técnico do Olympique Lyon. Algo que
num satélite, pois retira a independência, a
identidade e a integridade ao seu símbolo.
Mas nem tudo é mau... Robert Platek trouxe
alguma transparência para “a indústria do
Futebol português” e falou da sua aposta
no Casa Pia: “É a abordagem do underdog.
Antes de comprar a equipa, sentei-me com
o presidente, falámos do contexto e ele
gosta da abordagem do underdog, em que
23
24
estás envolvido com uma equipa pequena
e não tens interrupções com um grupo de
adeptos doidos.”. Certamente é mais fácil
moldar um clube à imagem que se pretende
quando não há massa crítica, nem militância
ao seu redor. O empresário, que também é
dono do Spezia, contou como chegou até
aos gansos: “Ligaram-me a dizer que havia
uma oportunidade num clube da 2.ª divisão
que tinha algumas dívidas e podíamos ajudálos
pagando essas dívidas.”. Os casapianos
irão deixar de estar constituídos em SDUQ
em detrimento da criação duma SAD, tendo
Platek dito: “É importante? Sim, estás a meter
dinheiro em algo, então queres garantir que
tens controlo a longo prazo. Mas foi sempre
assim o plano, nunca pensei se era algo que
queria. Foi algo que planeámos executar.”.
Além destes tipos de estruturas multi-clubes,
há ainda aquelas que nascem no seio de
governos, como acontece através de fundos
estatais do Catar e da Arábia Saudita, que
contribui imensamente para a lavagem da
imagem que o ocidente tem em relação aos
seus países. Foi através destas entidades que
se gerou influência para ser possível realizar
um Mundial no Catar e se pensar na realização
de outro em solo saudita. Certo é que Portugal
já foi atingido pelas suas ramificações, uma
vez que o fundo que detém o PSG comprou
21,67% da SAD do Sporting de Braga, tendo os
ultras bracarenses prontificado-se a protestar
num jogo com a frase: “Esclavagistas qataris
não são bem-vindos”. No caso do país onde
joga Cristiano Ronaldo, o governo usou o
Public Investiment Fund para comprar quatro
clubes do próprio país e o mítico Newcastle
United.
Um dos principais emblemas
dinamarqueses, o Brondby, foi recentemente
adquirido pelo Global Football Holdings pelo
valor de 30 milhões de euros. Este consórcio
de 14 proprietários detém o português Estoril
Praia, Crystal Palace, Waasland-Beveren,
Augsburg, ADO Den Haag, Alcorcón e Real
Salt Lake. Aquando da aquisição do Brondby,
os seus ultras iniciaram um boicote, deixando
o seu sector vazio, só entrando no final
dos jogos para protestarem, vestidos com
camisolas cor de laranja e apoiando as equipas
inferiores. Entre as críticas e preocupações
estava sobretudo o lado social do clube e a
falta de transparência quanto à identidade
de alguns dos 14 investidores e as contas
off-shore do consórcio. Aos investidores foi
apresentada uma carta de intenções pelo
movimento de adeptos “Salvar o Brondby”,
tendo como objectivo a assinatura de um
acordo formal entre adeptos e o consórcio
para a manutenção da identidade do clube
a longo prazo. Basicamente, fizeram ouvidos
de mercador e um acordo foi assinado,
embora se considere que as exigências não
foram suficientemente integradas. Os grupos
de apoio do Brondby deixaram o boicote e
voltaram às bancadas, onde têm mantido
os protestos em cânticos e em faixas com o
nome da GFH rasurado.
No âmbito nacional, o Mafra deve
ser o mais recente caso de aquisição multiclubes.
Em Agosto, a empresa dinamarquesa
Heartland, que é accionista maioritária
do Midtjylland, adquiriu 80% das acções
da SAD do clube português. A verdade é
que o Mafra já servia como clube-satélite
dos dinamarqueses, através dos muitos
empréstimos de jogadores nas últimas
épocas. Diz-se que o futuro do Futebol
nacional está a acontecer agora e passo a
mencionar outros casos que comprovam
esta significante e prejudicial mudança de
paradigma: a empresa que possui 75% das
acções do Amora tem participação numa
sociedade desportiva estrangeira; o Leça
é mais um recente multi-clube, tal como o
Vianense; o Grupo Onodera adquiriu 52,5%
da SAD da Oliveirense e também comanda o
Yokohama FC; o Boavista é detido por Gérard
Lopez, que também detém o Bordeaux; a
A HOBRA GmbH & Co. KG tomou conta da
maioria do capital da SAD do Académico
de Viseu e o investidor Mariano Lopez, que
também detém acções do Hoffenheim,
além de ser presidente da SAD também já é
presidente do clube viseense; o Famalicão
é detido por Idan Ofer que, por sua vez,
também detém uma parte considerável
das acções do Atlético de Madrid; o caso
obscuro da SAD leixonense, que era detida
por Paulo Lopo, que saiu do Leixões e foi logo
para a Amadora, tendo assumido o cargo de
presidente da SAD que resultou da fusão do
CD Estrela com o Sintra Football, clube no
qual tinha sido vice-presidente. O que dizer
disto? É este Futebol que querem que cative
mais pessoas, um Futebol conspurcado pelos
altos dirigentes? Contudo, reflicto sobre
problemas antecedentes e questiono-me: E o
papel da Olivedesportos em diversos clubes,
com os quais celebrou e celebra contractos
ao longo de, pelo menos, vinte anos? A
empresa que tem o direito de transmissão
das competições profissionais portuguesas já
teve participações em simultâneo nas SAD’s
de Benfica, Porto, Sporting, Boavista, Os
Belenenses e Braga.
A tendência é a dos clubes
continuarem a formar multipropriedades,
sendo que o crescimento destas sociedades
tem aumentado de forma exponencial. Em
2016 havia 16 casos de multipropriedades,
tendo sido possível contabilizar mais de 70
caso até ao final de 2022. Em Março de 2023,
veiculou-se que já perfaziam um total de 82
clubes europeus dominados. Os desafios
jurídicos impostos pela FIFA e pela UEFA
eram facilmente ultrapassados, e no último
verão foi possível assistir a um relaxamento
das regras aplicados pelo principal organismo
do Futebol europeu, liderado por Aleksander
Ceferin. No passado mês de Março, os sócios
do Vitória SC votaram em AG a venda de
46% das acções da SAD, com a cedência de
essenciais poderes de decisão, por meros 5,5
milhões de euros à V Sports, formando desde
aí um multi-clube com o Aston Villa, clube
inglês que se encontrava qualificado para Liga
Conferência, tal como os vitorianos. Embora
houvesse um efectivo relaxamento das
restrições da UEFA em relação à participação
simultânea de clubes detidos pela mesma
pessoa ou empresa na mesma competição,
o clube vimaranense viu-se obrigado a
alterar a composição da SAD para poder
participar na prova continental, passando
a V Sports a deter a olho somente 29% das
acções. Uma mudança que se efectivou
no papel, mas acreditam que o investidor
ficaria sem garantias de que iria reaver
parte considerável da percentagem em que
investiu? Em Outubro os sócios do Vitória
serão convocados para uma AG, na qual se
pretende repor a situação. O que acontece
é que o problema se agrava, um problema
que também tem antecedentes, uma vez
que Red Bull Leipzig e Red Bull Salzburg
disputaram, em fases diferentes, a Liga dos
Campeões 2017/2018. É relevante referir
que a Bundesliga (orgão que organiza os
campeonatos profissionais ambos os países)
não aceita que clubes se apresentem com
o nome de empresas, portanto o “RB“ que
têm nas suas denominações corresponde a,
RasenBallsport“, que traduzido quer dizer algo
como Desporto sob Relva. Para participarem
nas mesmas competições da UEFA, bastou
mudarem o nome e a constituição da
25
sociedade desportiva dos austríacos, que
passaram a ter de forma travestida a Red
Bull somente como patrocinadora, ao passo
que o touro associado à marca de bebidas
energéticas continuou a figurar no centro
do símbolo da equipa. Acontece que, nessa
época, ambas disputaram a fase a eliminar da
Liga Europa, e em 2018/2019 houve mesmo
confrontos entre elas na fase de grupos da
Liga Europa. É a confirmação de que a UEFA
deixou de ser um dos maiores entraves à
criação de multipropriedades, passando a
receber de braços abertos os clubes por
elas afectados. Com que objectivo se legisla,
quando os próprios reguladores abrem a
porta do cavalo aos “prevaricadores”?
mas não reverte o processo antagónico de
se usar o desporto como meio financeiro.
É por isso que é possível ver a Liga Portugal
fazer a segunda edição de um congresso
denominado em inglês onde houve, entre
outros, os seguintes painéis:
- A filosofia de jogo numa estrutura multiclube:
Uma das abordagens inovadoras
dos últimos anos passa pelo “multi-club”,
congregando vários emblemas de diferentes
países numa estrutura com especificações
únicas. Desde ideologias partilhadas até ao
estilo de jogo de cada equipa, Tiago Lopes
(CEO do Casa Pia), Mads Davidsen (Head
of Football na Right to Dream) e Thiago
Scuro (Diretor Desportivo no AS Mónaco)
26
João Paulo Correia, secretário
de Estado da Juventude e Desporto, disse
no Observador que “até aos dias de hoje,
perto de 30% das sociedades anónimas
desportivas (SAD) caíram em processos de
insolvência, dissolução ou extinção. Um
número impressionante e assustador. O
sintoma de uma grave doença que vem
afetando o desporto e que urge eliminar.”.
Tal afirmação surge na sequência da
implementação do novo regime jurídico das
sociedades desportivas, um trabalho que
contou com a participação de dirigentes
de clubes. Esperemos efectivamente que
este mecanismo traga a idoneidade e
transparência necessárias, bem como o fim
das jogatanas que só prejudicam os clubes,
comandados por charlatões mergulhados
em conflitos de interesses. Contudo, este
caminho pode e deve proteger os clubes,
irão discutir como diferentes clubes dentro
de uma estrutura única mantêm as suas
identidades, procurando o sucesso coletivo;
- Clubes tradicionais versus grupos de
investimento: Os clubes tornar-se-ão
multinacionais? Os anos recentes assistiram à
entrada de investimento avultado no futebol
um pouco por todo o Mundo, causando um
choque entre estruturas tradicionais e os
mais recentes grupos de investimento. Este
é um tópico central para o presente e futuro
do Desporto-Rei, cada vez mais internacional,
com uma questão-chave como ponto de
partida: irão os clubes transformar-se em
empresas multinacionais? Para responder
a esta e outras perguntas estarão presentes
os especialistas Jordan Gardner, Consultor na
Twenty First Group, Luís Vicente, Chairman
na APEX Capital, Michael Broughtin, Sports
Investment Partner na LLP e Troels Bisgaard
Vig, Managing Director na Better Holding.
- Estruturas multi-clube - O novo império
do Futebol? Este painel pretende estimular
a discussão sobre a evolução do cenário
futebolístico, ao explorar o surgimento e o
impacto das estruturas multi-clubes. Giovanni
Solazzi (VP & MD na Blue Sports Group), Don
Dransfield (Football CEO da 777 Partners),
Zeljko Karajica (CEO da SEH Football) e
Ignacio Beristain (Presidente do Estoril-Praia)
analisarão como alianças estratégicas entre
diversos clubes podem redefinir as fronteiras
do futebol, examinando os benefícios de
compartilhar recursos, conhecimentos e
talentos num ecossistema interligado, num
painel moderado por Luís Vicente, Chairman
da APEX Capital.
Posto tudo isto, e adicionando
à equação o sentimento de revolta e
impotência em relação ao que se passa no
meu clube e no Futebol, acabo a desejar que
esta indústria impluda e que o meu clube se
livre dos sanguessugas que nele habitam (e
que não venham outros). Chego a um ponto
em que desejo todo o insucesso, na esperança
que esses sanguessugas dele se afastem.
Não deverá ser a solução, mas é certo que a
solução não é o caminho da busca insaciável
de lucro para bolsos privados. Não quero que
me dêem de comer, quero que se faça bem às
comunidades e aos clubes nelas inseridas. No
caso português, se houver quem realmente
o faça, é uma excepção. Continuemos a
trilhar este caminho e iremos questionar até
que ponto fará sentido competir. Quantos
jogos combinados já vi, a maioria sem me
aperceber, e alguns percebendo claramente o
que estava a acontecer, a podridão da falta de
dignidade pessoal e orgulho em representar
algo muito maior. E será que os empresários
já se questionaram de que forma é que esta
indústria evoluirá, caso a maioria dos clubes
participe em multipropriedades?
Não ao Futebol negócio!
Por L. Cruz
27
À CONVERSA COM
NUNO ULTRA
28
Sabemos que o Nuno é um nome conhecido
entre colecionadores de várias partes do
mundo, incluindo Portugal, mas, tirando isso,
quem é o Nuno?
Antes de mais obrigado pelo convite.
Relativamente à pergunta, sou uma pessoa
normal. Pai de família, muito protetor no que
toca aos meus; sou um bom amigo, levo as
grandes e boas amizades como se fossem
da minha família e dificilmente perdoo
uma traição. Fora disso, sou uma pessoa
normalíssima no meu dia-a-dia.
Como entrou no mundo Ultra?
Acho que o mundo Ultra nasceu comigo.
Tive a influência de ir ao estádio desde muito
novo, nos princípios dos anos 90, pela mão do
meu falecido avô. Acompanhava o Esposende
que jogava na antiga 2ª Divisão B - Zona Norte.
Eram jogos muito intensos e quentinhos.
Via o estádio cheio e as equipas visitantes
traziam pequenos grupos de adeptos com
bandeiras e tambores. Olhava para eles como
adeptos diferentes e adorava aquele fervor.
Mais tarde, assisti pela primeira vez a um
jogo da 1ª Divisão, um Vitória SC-Benfica em
Braga. Lembro-me de ir com os meus tios
para a beira dos Diabos Vermelhos. A partir
daquele dia esperava pelos resumos do
Domingo Desportivo para apanhar imagens
das bancadas, de vários jogos, tentando
encontrar as bandeiras gigantes, os fumos
e as faixas - adorava ver aquilo, foi algo que
despertou em mim e desde aí não parei.
Considero que as curvas de Milan (Fossa
dei Leoni), Atalanta (Curva Nord, Brigate
Neroazurre) e Sampdoria contribuíram para
isso.
Como vive a vida de adepto na Bélgica?
Neste momento, menos activo que nos
últimos tempos. Vou indo à bola sempre que
posso, dependendo principalmente do dia e
da hora.
E quando está em Portugal?
Assim que estou em Portugal, tento sempre
ir ver dois ou três jogos, seja onde for. Em
30 anos de bancada tenho o prazer de ter
amigos e convites um pouco por todo lado
para ir ver a bola.
Como é viver o dia a dia dum grupo e de um
clube estando num país diferente e a uma
grande distância do país de origem?
Enquanto membro activo, estive por
momentos na direcção do grupo. Mais tarde
fui responsável pela loja e responsável do
material dos jogos em casa. Vivi 25 anos com
intensidade e sempre à Ultra, é algo que nos
ocupa muito tempo e por vezes tira-nos de
um jantar de família, de sair com os amigos
ou até de marcar férias para certas datas, de
modo a não faltar ao dérbi ou ao clássico. Até
a casamentos faltei, tudo em prol do grupo.
Vivi sempre bem a distância, visto que emigrei
cedo e adaptei-me bem ao país. Comecei a
frequentar as bancadas do Standard Liège em
Março de 1995. O Futebol e o facto de ter
muita família a viver cá ajudou-me a matar as
saudades de Portugal.
Quais são as semelhanças e as diferenças
que mais nota entre os movimentos de apoio
em Portugal e na Bélgica?
Em termos futebolísticos, é um campeonato
muito parecido com o de Portugal. Em termos
de assistência e Futebol jogado, é triste
tirando os jogos entre os principais quatro/
cinco clubes.
Em termos de movimento Ultra, o primeiro
grupo aparece em 1996, os Ultras Inferno.
Por essa altura, já a Juve Leo tinha 20 anos
e os Diabos iam a caminho dos 15 anos. Foi
difícil aceitarem uma faixa Ultra, por muitas
vezes foi proibida de ser colocada, era visto
como provocação. Entre 1996 e 2001 vivemos
o movimento sozinhos e só em 2001 e 2003
chegou o movimento a Charleroi (Sturm)
e ao Anderlecht (Mauves Army). Em 2004
nasceram vários pequenos grupos Ultras.
anos que comprei o meu primeiro cachecol
numa roulotte fora do estádio do Standard
Liège. Nesse dia, entrei na sede do Grupo
Hell-Side do Standard Liège, vi a decoração da
sede e passou-me pela cabeça: “vou fazer isto
no meu quarto”. Saí da sede e, com o dinheiro
que juntei durante a semana para a escola,
comprei um cachecol do Liverpool. Passados
15 dias comprei um da Escócia e depois um
da Sampdoria. Ainda me recordo que depois
foi um do Milan. A partir daí foi sempre a
somar.
Considera que ser adepto tem importância
relevante na sua vida e na sua construção
pessoal?
Claro que sim, o Futebol e o movimento Ultra
são escolas de vida. Fui educado por um pai
e uma mãe com grandes valores, a educação
que hoje transmito ao meu filho. O saber
pedir “desculpa”, um “se faz favor” e um
“obrigado” são expressões que faziam parte
da nossa educação familiar, mas, também nos
primeiros passos na bancada nos transmitiam
os bons valores. Como costumo dizer: não fui
para a tropa, mas fui Ultra.
Quando começou a tua epopeia de
colecionador?
No dia em que dou esta entrevista, faz 28
Que recordações tem das suas primeiras
trocas?
As primeiras trocas só aparecem na época
97-98. Estive na fundação dos Ultras Inferno
em 1996, mas durante um ano não tivemos
sede. Tempos mais tarde, fruto de a malta
dos Hell-Side viajar muito a Inglaterra,
França, Alemanha e Holanda para ver a bola,
comecei a pedir para me trazerem cachecóis
e chapéus. Alguns traziam, outros não, outros
29
só trocavam fotografias e montagens pelo
correio. Começaram a dar-me contactos e,
aos poucos, comecei a trocar um pouco de
tudo. No virar do século aparece a Internet e,
mais tarde, o MSN – desde aí tornou-se tudo
mais fácil. É engraçado recordar os tempos
que não comia na escola e guardava a mesada
para comprar material à volta do estádio.
Consegue quantificar o total de peças da bola
que possuí?
Sim, sou muito organizado.
2 225 cachecóis, sendo que cerca de 800 são
de grupos Ultras;
120 t-shirts;
50 chapéus;
150 camisolas de futebol, sendo que 20 são
do Standard Liège (apanhadas na rede);
100 galhardetes;
70 pins;
100 cartões de membro;
4 000 fotografias;
200 fanzines;
120 livros Ultras;
À volta de 2 000 recortes de jornais;
100 revistas a falar do movimento Ultra;
100 artigos - porta chaves/isqueiros/crachás/
canetas/pulseiras/copos;
20 bandeiras;
200 DVD’s Ultras/hooligans;
Autocolantes em breve chego aos 12 000.
autocolantes e t-shirts de aniversário. Não sou
de procurar um isqueiro ou um porta chaves,
as pequenas coisas vão-me oferecendo.
Tudo é bem-vindo e enriquece a coleção.
Felizmente tenho a sorte de ter espaço para
guardar tudo.
Quantos autocolantes tem? Como os
organiza?
Autocolantes estou muito perto de chegar
aos 12 000. Organizo por países em capas
diferentes, coloco folhas brancas em
separadores transparentes (micas) e coloco
os autocolantes dentro. Uso um papel
autocolante para os deixar presos à folha.
Porquê a sua paixão em colecionar
autocolantes? Qual o significado que lhes
atribui?
Primeiro porque é uma troca barata e depois
é algo que não acaba.
É uma batalha saudável, colas tu e amanhã
colo eu. Quando viajo levo um carregamento
deles para colar. É algo que nunca vai faltar
imaginação para os fazer. Tenho preferência,
claro, pelos italianos, pois são sempre
diferentes e espetaculares nos desenhos e
nos símbolos, sendo produzidos em pouco
número, e isso dá um valor ao autocolante.
Perde a piada fazerem aos 1 000 e aos 2 000.
30
Que tipo de artigos coleciona? Quais os que
se preocupas mais em arranjar?
Posso dizer que coleciono de tudo e aceito
tudo. Dou prioridade aos cachecóis Ultras,
Quais as principais relíquias que possui?
Tenho algumas. O primeiro cachecol de um
grupo Ultra é sempre uma relíquia. Tenho a
colecção toda dos Ultras Inferno, o famoso
cachecol dos No Name Boys e também
o gorro de lã. Aqui deixo uma palavra de
agradecimento ao Raúl Rodrigues por essa
prenda. O primeiro cachecol do grupo MTP
do Marselha, autocolantes da Fossa dei Leoni
dos anos 90. Sou o tipo de pessoa que guarda
tudo, como é exemplo a argola de puxar a
minha primeira tocha, o megafone utilizado
pela última vez pelo nosso capo antes da sua
morte, as famosas fanzines Super Hincha e
Super Tifo dos anos 90, as famosas montagens
fotográficas e os bilhetes dos jogos. Tenho
várias peças e se ganhasse o Euromilhões
fazia um museu Ultra. É um sonho.
problema dos italianos é que ou são careiros
ou querem só material dos anos 80 e 90.
Então, depois de três dias a tentar convencer
o napolitano, tive que jogar o meu trunfo do
Maradona, visto ser o Deus sagrado deles,
e enviei uma foto de uma folha A4 com
autocolantes do Maradona. Eficácia total e
lá acordamos a troca. Espanto meu quando
recebi, não um envelope, mas uma caixa.
Trazia os autocolantes, uma faca e um cartão
dum hostel, caso fosse a Nápoles ver um
jogo. É o hostel onde ficam os amigos dos
napolitanos quando visitam Nápoles.
Outro episódio foi com um português que
queria trocar dez autocolantes por dez. Ao fim
Conte-nos algo mais sobre o seu colecionismo
(podem ser episódios de trocas, pessoas que
falham, amizades que se criam, etc).
O colecionismo é também uma amostra de
respeito pelos nossos rivais. O admitir que
o cachecol ou a t-shirt está bonita e tentar
ter algo deles é uma amostra de respeito.
Falo por mim e por muitos Ultras como eu, o
colecionismo é algo que nos traz algo muito
além do Futebol. Com o passar dos anos
crias amizades de uma vida. Conheci e fiz
amigos que, hoje, são como familiares. No
meu casamento tive convidados do Sporting,
Braga, Porto, Guimarães e Académica - se
não fosse o colecionismo certamente não
estavam lá.
O pior disto é a malta que falha ou que
são “chatos” para trocar meia dúzia de
autocolantes. Tenho vários episódios nas
trocas. Há uns dois anos vi uns autocolantes
do Nápoles e falei com o colecionador. O
de uma semana, já com os autocolantes no
envelope, pediu para juntá-los uns aos outros
e medir, e não aceitou a troca porque ficava
a ganhar cinco centímetros em autocolantes.
Sei que era da Nazaré, e disse-lhe para se
atirar às ondas de 30 metros da Nazaré.
Depois, um russo do CSKA trocou comigo
um cachecol e uma t-shirt que aparecia num
filme de hooligans. Mandei a minha parte
e, durante seis meses, ele não enviou nada.
Pensei que tinha sido enganado, até que
recebo uma caixa com DVD’s, cachecóis,
a famosa t-shirt, autocolantes, pins e um
pedido de desculpa - tinha andado à pancada
com malta do Dínamo Moscovo e foi preso
seis meses. Todo orgulhoso contou-me que
lhe partiram os dentes e o nariz na prisão.
Ao fim de tantos anos, o que significa para si
ser um colecionador?
Acho que, depois do teu clube te dar as
31
alegrias dos títulos, das melhores coisas que
tens no movimento Ultra e no Futebol, como
já disse, são as amizades de uma vida e um
bichinho que nem todos têm. É um vício bom,
dentro dos limites, claro. Nunca dou mais de
20 euros por um cachecol, nem nunca vou
dar 15 euros por um autocolante.
De que forma vê a Associação Portuguesa
de Defesa do Adepto? Na Bélgica existe algo
semelhante?
Vejo com bons olhos. Vi nascer esta
associação. Uma vénia a quem se entrega de
corpo e alma a esta causa. É pena a maioria
da malta que se diz Ultra não aderir, nem
perder um pouco de tempo para lutar, pois
afinal é uma luta de todos. Infelizmente, há
uma minoria que está à espera de aproveitar
o trabalho dos outros. Se um dia ganharmos a
luta, certamente vão aparecer os tais a gritar
“vitória” sem lutarem ao lado de quem mais
deu de si.
Aqui na Bélgica não temos associação, mas
já há uma união dos grupos que se sentam
à mesa com os ministros e federação para
avançarem em conjunto quando as coisas
estão menos boas, e os progressos têm sito
positivos nesse sentido. A discussão cá não
é sobre meter a faixa ou ter uma bandeira
grande, sendo a pirotecnia e a violência no
desporto os principais debates.
Como vê o panorama ultra português nas
últimas duas décadas, e na actualidade em
particular?
Vejo com uma certa tristeza, como qualquer
Ultra. Então nos últimos dez anos nem se fala.
O que me custa mais é ver um jogo já de si
com pouca assistência, mas pior ainda é a falta
de material nas bancadas, da faixa na rede,
do som do tambor, do capo de megafone na
mão, do colorido das bandeiras. A falta disto
ainda assombrou mais o nosso futebol. Em
Portugal temos falta de cultura desportiva,
os clubes preferem fazer a vida negra uns aos
outros, os grupos Ultras não se unem. “Está
32
tudo bem com o meu clube ou o meu grupo,
que se lixem os outros”… é um pouco nisto
que temos que olhar para os exemplos lá fora
e fazer igual. Alemanha é um exemplo nisso,
tal como os Ultras franceses, que têm vencido
algumas batalhas, tal como os italianos. Sei
que há outros países e movimentos menos
falados que têm feito grande progressos.
aprendemos tanto!
Acreditem que há muita coisa boa para ler.
Quer deixar uma mensagem final aos nossos
leitores?
Antes de mais, obrigado pelo convite, foi
uma honra. Abraço para quem trabalha neste
bom projecto, alguns deles meus conhecidos.
Um abraço Ultra aos verdadeiros Ultras que
sabem o que é ser Ultra e aos meus amigos
colecionadores também.
Ultra até morrer.
Qual a opinião que tem da Cultura de
Bancada?
Só tenho a dizer bem. Parabéns a quem
trabalha diariamente para que o projecto
siga de pé. Muita malta não tem noção,
mas ler é das melhores coisas que podemos
fazer. Como velhote nisto do colecionismo,
o conselho que dou aos mais novos é para
colecionarem fanzines e revistas antigas -
33
MEMÓRIAS Da BANCADA
ARTIGOS HISTÓRICOS
Numa altura em que o acesso à informação era restrito, o acesso a conteúdos
sobre o mundo ultra era ainda mais difícil. Haviam umas zines e algumas revistas
estrangeiras começavam a chegar a Portugal. Nessa altura “consumia-se” tudo onde se
falasse das claques, desde as famosas VHS até às páginas dos jornais e revistas. É nesse
contexto que qualquer reportagem das revistas generalistas da época era cobiçada por
todos.
Nos anos 80 encontramos, acima de tudo, reportagens sobre o aparecimento
das claques, com principal ênfase ao colorido que as mesmas traziam às bancadas
através de tarjas e bandeiras, camisolas, cachecóis e caras pintadas.
No início dos anos 90 surgem reportagens sobre as “novas” formas de apoiar (com
recurso, por exemplo, a material marítimo - os famosos potes de fumo) e os elevados
custos que daí advinham mas também começam a surgir as primeiras reportagens
onde foco principal era a violência provocada por esses grupos.
Em meados de 90 aparece aquela que, até hoje, julgamos ser a mais “completa”
reportagem sobre as claques nacionais, e não só, publicada em Portugal. Referimo-nos
à revista Edição Especial da A Bola, n⁰7481 de 10 de outubro de 1993, intitulada “Gritos
de Guerra”.Ao longo de 16 páginas, totalmente a cores e profundamente ilustradas,
“todos” os temas do “momento” são abordados.
Relativamente ao final dos anos 90 surgem também algumas reportagens
onde jornalistas acompanham as claques, principalmente dos três maiores clubes
portugueses, em deslocações, umas vezes em Portugal outras ao estrangeiro,
escrevendo sobre tudo aquilo que observam e, por vezes, vivenciam, de positivo e
negativo.
Assim iremos mostrar as capas mais famosas de revistas com reportagens
sobre as claques nos anos 90 (pena o foco essencial da maioria delas ser o lado negativo
das claques), esperando que com isto desperte a curiosidade dos nossos leitores na
procuro de tais relíquias, acreditem que vale a pena!
Por Raúl Rodrigues
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
Dois meses que representam o início dos vários campeonatos nacionais e ainda vários jogos das
competições europeias para quem lá se encontra. Apesar das adversidades que se vivem para
os adeptos em Portugal, a verdade é que é notório que os mesmos regressaram aos estádios em
força, com assistências a superarem muitas expectativas e com vários clubes a terem registos
no começo como há muito não tinham. Aqui deixamos mais um Resumo da Bancada.
SC Braga x TSC Bačka Topola | 08-08-2023
Primeira mão da 3ª pré-eliminatória de
qualificação da Liga dos Campeões e o
Braga teve a felicidade de apanhar um dos
adversários mais acessíveis possível. Porém,
era preciso passar da teoria à prática, e nada
melhor para isso do que ter o apoio dos
seus adeptos, que marcaram uma óptima
presença, com mais de 22 mil presentes. O
ambiente em plena noite de Verão a meio da
semana foi bom, empolgado também pela
vitória que se consumou tranquila, com um
3-0 final.
SL Benfica x FC Porto | 09-08-2023
Mais uma Supertaça realizada no Estádio
Municipal de Aveiro, num clássico que teve
naturalmente casa cheia. Muito apoio de
parte a parte, com vários focos de pirotecnia,
e ambos os lados foram audíveis em diversos
momentos do encontro, terminando com
festa encarnada após uma vitória por 2-0.
De salientar que um dos golos deu azo
a uma excelente tochada espalhada por
praticamente toda a bancada atrás de uma
das balizas.
SC Braga x FC Famalicão | 11-08-2023
Partida inaugural do campeonato português,
com quase 20 mil espectadores presentes.
O público da casa estava naturalmente
entusiasmado neste arranque, pois ainda por
cima tinham acabado de vencer os sérvios
do Bačka Topola dias antes. Houve, por isso,
um bom e constante incentivo dos ultras do
emblema bracarense.
Ainda assim, foram os famalicenses a vencer,
surpreendendo com uma reviravolta por
1-2, tendo o último golo sido marcado nos
instantes finais, para gáudio dos adeptos
que se encontravam no sector visitante, que
também não passaram despercebidos no
apoio vocal.
CD Nacional x CS Marítimo | 12-08-2023
Ditou o sorteio que o Marítimo começasse
a sua caminhada de tentativa de regresso
ao principal escalão nacional na casa do seu
vizinho e maior rival, o Nacional. Num início
de tarde de Sábado, os verde-rubros disseram
presente e compuseram praticamente a
totalidade do sector que lhes tinha sido
destinado.
A Choupana esteve muito bem composta,
com mais de 4 mil espectadores, sendo que o
jogo também teve vários mistos de emoções.
O Nacional iniciou a partida a ganhar, com
um golo aos 4 minutos, mas os visitantes
deram a volta e provocaram o delírio entre as
hostes maritimistas, que no final tiveram um
bom momento de comunhão entre equipa e
adeptos.
Sporting CP x FC Vizela | 12-08-2023
Logo na primeira jornada estiveram mais de
37 mil pessoas em Alvalade, o que significa
um registo bastante melhor do que a
grande maioria dos encontros lá realizados
na temporada passada. Significa, portanto,
que os adeptos leoninos estão com uma
confiança renovada e decididos em apoiar
a sua equipa na luta pelos seus objectivos.
Para além do número de presentes, nota
também para um ambiente melhor do que
aquele que se foi vivendo ao longo dos
últimos meses, principalmente na bancada
sul, onde se localiza, na sua maioria, a claque
da Juventude Leonina.
51
Se em campo foi frenético, a ser decidido
com um 3-2 em que o último golo foi feito
no 8º minuto depois dos 90, fora das quatro
linhas também não ficou atrás, com um
bom ambiente criado pelos vários grupos
espalhados pelos diferentes sectores, com
uma palavra final também para os vizelenses,
que se tentaram fazer ouvir em inúmeras
ocasiões, através dos cânticos comandados
pela Força Azul.
SC Vianense x Varzim SC | 13-08-2023
Segunda jornada da Liga 3, com direito a um
encontro com uma assistência muito boa
num Domingo à tarde, no Estádio Municipal
Manuela Machado, recinto temporariamente
emprestado ao Vianense. Ambiente de relevo
de parte a parte, com destaque para o bom e
numeroso apoio varzinista, que foi premiado
com uma vitória por parte da sua equipa.
CF Estrela da Amadora x Vitória SC | 13-08-
2023
Destaque para a deslocação de apoiantes
do clube vimaranense até à Reboleira, que
compuseram praticamente todo o sector
habitualmente destinado aos visitantes,
empurrando os seus jogadores para uma
vitória na sua abertura do campeonato.
Demonstraram que continuam motivados em
seguir a sua equipa, não desmoronando com
a desilusão recente frente ao Celje, nas préeliminatórias
de acesso à Liga Conferência.
52
Boavista FC x SL Benfica | 14-08-2023
Oficialmente estiveram 21.320 espectadores
no Bessa, um dos melhores registos dos
últimos anos, neste jogo a fechar a jornada
inaugural do campeonato. Houve muito
incentivo de parte a parte e pirotecnia nas
falanges de apoio de ambos os conjuntos,
sendo também um encontro bastante
emocionante dentro de campo, com o
Boavista a alcançar uma reviravolta nos
momentos finais, conseguindo vencer por
3-2 contra todas as expectativas iniciais, para
explosão de alegria do público da casa, que
teve um grande momento de sintonia com a
sua equipa no término da partida.
TSC Bačka Topola x SC Braga | 15-08-2023
Com o conjunto bracarense com “um pé e
meio” no play-off da Liga dos Campeões,
faltava a segunda mão, em território sérvio.
Destaque, portanto, para a presença de
alguns adeptos do Braga em Bačka Topola,
que ainda se fizeram ouvir em alguns
momentos da partida onde, dentro de campo,
voltaram a levar confortavelmente a melhor,
desta vez com uma vitória por 1-4. É uma das
deslocações cujo relato mais pormenorizado
pode ser lido num artigo específico deste
número da fanzine.
Casa Pia AC x Sporting CP | 18-08-2023
Embate que aconteceu numa 6ª feira ao
início da noite, em Rio Maior, local em
que o Casa Pia tem feito os seus jogos esta
época. A procura aos bilhetes por parte dos
sportinguistas foi intensa, não demorando
muito a esgotar, sendo que a grande maioria
dos 7 mil presentes eram simpatizantes do
emblema leonino. Uma multidão verde e
branca juntara-se relativamente cedo nas
imediações do estádio, aproveitando para
conviver entre si antes da partida. Não foi
então de espantar que lá dentro as hostes
sportinguistas estivessem bastante animadas
no apoio, empolgados também pelo resultado
favorável.
CD Tondela x Académico de Viseu FC | 19-
08-2023
Dérbi do distrito viseense, com mais de 3.600
espectadores presentes, entre eles uma
boa falange afecta ao Académico. Encontro
animado dentro e fora do relvado, com um
empate a duas bolas e muito apoio e trocas
de cânticos de parte a parte.
53
Portimonense SC x Boavista FC | 19-08-2023
Deslocações a terras algarvias em pleno
Verão acabam por ser o desejo de muitos
adeptos, sendo que os boavisteiros tiveram
essa felicidade, com o sorteio a ditar que
a sua primeira viagem da época fosse até
Portimão. Sem surpresa, uma boa falange
de apoio axadrezada esteve lá presente e foi
brindada com uma excelente vitória por 1-4.
FC Porto x SC Farense | 20-08-2023
Casa quase cheia no Dragão, com cerca de
48 mil presentes neste que foi o primeiro
encontro dos portistas para o campeonato.
Um jogo que muitos poderiam prever
tranquilo, mas que se tornou complicadíssimo
para os da casa, tendo o triunfo sido alcançado
com um golo no 10º minuto depois dos 90,
para alívio dos muitos presentes. Houve
espaço para uma mensagem de despedida a
Otávio, por parte dos Super Dragões, e ainda
uma dos Casuals dirigida a um elemento seu
que falecera na madrugada anterior.
Do lado farense, nota para a primeira
deslocação para assistir a uma partida do
campeonato ao fim de muitos anos (recordese
que o período em que o Farense esteve
recentemente no primeiro escalão foi na
temporada que se disputou à porta fechada).
Houve, por isso, uma deslocação digna de
registo por parte dos South Side Boys e
restantes simpatizantes do emblema de Faro,
que se fizeram ouvir em várias ocasiões e
tiveram um apoio em crescendo, motivados
pela esperança de um resultado positivo.
FC Famalicão x Moreirense FC | 21-08-2023
Dia de jogo naquele na data que assinalava
o 92º aniversário do Famalicão. Mais de
4.600 espectadores estiveram presentes,
com destaque para o fogo de artifício
proporcionado pelos Fama Boys na entrada
dos jogadores em campo.
Nota ainda para a presença dos Green Devils e
restantes adeptos cónegos, que preencheram
grande parte do sector visitante, apoiando e
fazendo-se ouvir durante a maioria dos 90
54
minutos, empolgados pelo sinal mais da sua
equipa em campo, pese embora o resultado
ter terminado sem qualquer golo.
SC Braga x Panathinaikos AO | 23-08-2023
Mais de 23 mil espectadores estiveram
presentes neste regresso do hino da Liga
dos Campeões à Pedreira. Com um mosaico
com as cores vermelhas e brancas em listas
horizontais, as equipas entraram em campo
para uma primeira mão do play-off de
grandes decisões, e talvez por isso se explique
o facto de o ambiente durante a partida ter
sido muitas vezes de expectativa, apesar de
os ultras braguistas se terem esforçado para
apoiar o seu conjunto.
O Braga venceu por 2-1, tendo os dois golos
da formação portuguesa sido os pontos altos
de “explosão” do estádio. O golo dos gregos
aconteceu nos instantes finais, equilibrando o
marcador e deixando tudo em aberto para a
segunda mão, sendo esse o maior momento
de alegria (e de alívio) dos quase 300 adeptos
do PAO que se deslocaram até ao nosso país.
Varzim SC x Lusitânia de Lourosa FC | 25-08-
2023
Embate à porta fechada por castigo de
uma “inscrição indevida” de um treinador
na temporada passada. Algo surreal, mas
Portugal já nos vem habituando a decisões
em que os adeptos sejam os mais afectados
(e afastados). Ainda assim, o Varzim fez
questão de montar um ecrã gigante junto do
seu estádio, onde cerca de 300 simpatizantes
do emblema poveiro se juntaram e apoiaram
do exterior o seu conjunto. No final, após a
vitória por 3-0, os jogadores deslocaram-se
de imediato até ao local e fizeram questão de
festejar com quem lá se encontrava.
Nota também para o facto de alguns
simpatizantes do Lourosa, através da claque
Armada Lusitana, terem incentivado os seus
jogadores na partida do autocarro, podendo
ver-se uma fumarada amarela e a mensagem:
“Entram onze mas... jogamos todos”
55
Gil Vicente FC x SL Benfica | 26-08-2023
Estádio Cidade de Barcelos cheio, com quase
12 mil espectadores presentes, em que
a sua grande maioria eram simpatizantes
benfiquistas. Não foi de estranhar que aquele
terreno se tenha tornado uma pequena
Luz, com muito apoio dos seus grupos, não
faltando pirotecnia para dar ainda mais cor.
Houve incerteza até ao fim, provocando
alguns momentos de expectativa nas
bancadas na parte final, mas o Benfica venceu
mesmo por 2-3.
Real SC x Vitória FC | 27-08-2023
Destaque para a deslocação vitoriana até
Massamá. Foram muitos os simpatizantes
sadinos que preencheram grande parte da
bancada onde ficam os adeptos visitantes,
apoiando durante grande parte da partida e
tendo sido brindados com uma reviravolta
épica de 2-0 para 2-3, tendo os últimos dois
golos sido apontados com menos um jogador
em campo, e com o último tento a ter sido
marcado aos 90+5’, provocando momentos
de rejubilo entre equipa e público forasteiro,
demonstrando que nem a recente queda
para o quarto escalão nacional abalou a fé
dos vitorianos.
FC Oliveira do Hospital x Académica de
Coimbra | 27-08-2023
Muitos academistas fizeram a curta
deslocação até ao Estádio Municipal da
Tábua, preenchendo grande parte daquele
sector visitante e dando um ambiente muito
acima da média para este encontro da Liga 3.
56
Vitória SC x FC Vizela | 27-08-2023
Cerca de 18 mil espectadores estiveram
presentes neste dérbi minhoto. Bom
ambiente proporcionado pelos apoiantes
de ambas as equipas, tendo os da casa sido
mais felizes com uma vitória por 2-0 e uma
boa sintonia entre o público e os jogadores,
conquistando a terceira vitória em três jogos.
Os de Vizela ainda se conseguiram fazer ouvir
em alguns momentos, em mais uma boa
presença no estádio vimaranense.
Panathinaikos AO x SC Braga | 29-08-2023
Destaque para mais uma presença europeia
dos adeptos do Braga. Cerca de quatro
dezenas de simpatizantes do emblema
bracarense marcaram presença, com
destaque para o material dos dois grupos
ultras, em especial da Bracara Legion. Perante
um imponente ambiente no Estádio Olímpico
de Atenas, que contou com mais de 61 mil
apoiantes do Panathinaikos, era praticamente
tarefa impossível para os visitantes fazeremse
ali sentir. Ainda assim, nota para a explosão
de alegria no golo que ditou o 0-1 e respectiva
passagem do Braga à fase de grupos da Liga
dos Campeões.
No dia seguinte, muitos bracarenses
concentraram-se no aeroporto para receber a
sua equipa, e proporcionaram novamente um
excelente ambiente na chegada do autocarro
a Braga.
SL Benfica x Sporting CP | 01-09-2023
Casa cheia em Sines para se assistir à
Supertaça de futsal, com mais um ambiente
digno de registo de parte a parte. Presença
dos grupos ultras sportinguistas e também de
uma turma bastante numerosa de apoio aos
encarnados. Muitos cânticos de parte a parte,
num jogo emocionante em que a vitória
sorriu aos benfiquistas, com um resultado
favorável de 5-4.
FC Famalicão x SC Farense | 02-09-2023
Mais de 4 mil espectadores estiveram
presentes no Municipal de Famalicão, num
Sábado à tarde, para este encontro do
primeiro escalão do nosso futebol, sendo que
o destaque vai para o apoio dado pelos dois
grupos. Do lado da casa estiveram presentes,
como habitual, os Fama Boys, e do lado
forasteiro destaque para a muito boa presença
de farenses, com cerca de uma centena de
simpatizantes a terem atravessado Portugal
de uma ponta à outra para incentivarem a sua
equipa e a fazerem-se a ouvir durante grande
parte da partida. O resultado foi desfavorável
para os algarvios, mas isso não fez demover
em nada os incentivos dados à sua formação.
57
SL Benfica x Vitória SC | 02-09-2023
Mais de 60 mil espectadores no Estádio do
Sport Lisboa e Benfica, o que representa uma
casa quase cheia. O público vibrou com uma
vitória confortável por 4-0, mas o destaque
vai para a exibição dos adeptos... vitorianos.
Com uma desvantagem de quatro golos
durante praticamente toda a segunda parte,
fizeram-se ouvir por diversas ocasiões e
foram, várias vezes, o centro das atenções de
quem se encontrava no estádio.
SC Braga x Sporting CP | 03-09-2023
Maior jogo da 4ª jornada do campeonato,
com mais de 23 mil espectadores presentes.
No seio sportinguista, mais uma ocasião de
intensa procura de ingressos, que esgotaram
rapidamente e até provocaram algumas
situações mais tensas em Alvalade, quando
os mesmos foram postos à venda.
Como era de esperar, grande ambiente
neste encontro que decorreu num Domingo
à noite, com os adeptos sportinguistas a
organizaram um cortejo na cidade bracarense
e deslocando-se já com as gargantas bem
afinadas para o interior do estádio, onde se
fizeram ouvir muito bem.
A partida terminou empatada a um golo,
provocando um sabor agridoce aos apoiantes
de ambos os conjuntos.
Académica de Coimbra x União 1919 | 09-09-
2023
39 anos depois, quis o sorteio da Taça ditar que
se voltasse a realizar o maior dérbi da cidade
de Coimbra. Houve, naturalmente, muita
adesão de parte a parte, proporcionando
uma boa assistência no Estádio Cidade de
Coimbra, que contou com falanges de apoio
dos dois lados.
Destaque para uma coreografia feita pela
Mancha Negra, acompanhada pela tarja: “Há
38 anos à vossa procura”. Houve tempo para
mais duas mensagens do grupo academista:
“Acorda Coimbra. Clubes da cidade merecem
mais respeito e visibilidade!” e “Passar de
geração em geração o clubismo e o bairrismo.
58
Diz não ao estarolismo”.
Esta partida conta também com um artigo
especial neste mesmo número da fanzine.
Moreirense FC x SC Braga | 09-09-2023
Durante a paragem para os compromissos das
selecções esta foi a única partida realizada
para o nosso campeonato. Oficialmente
estiveram 2.875 espectadores presentes,
sendo que se pode dizer que, destes, mais
de mil eram certamente apoiantes do Braga,
que praticamente lotaram a bancada atrás da
baliza. Muito incentivo ao longo do encontro
para os forasteiros, que foi brindado com um
momento de êxtase para os braguistas, após
um golo que ditou o 2-3 final aos 90+6’!
SC Farense x SC Braga | 16-09-2023
Grande final de tarde que se viveu num
Sábado ao final da tarde no Estádio São
Luís, em Faro. Cerca de cinco mil pessoas
estiveram presentes, com os dois grupos de
apoio a terem contribuído para um belíssimo
ambiente. De um lado os South Side Boys, com
o seu habitual apoio, ajudados pelo restante
público farense e empolgados com uma
exibição e um resultado que se verificaram
bastante positivos, pois venceram por 3-1; do
outro os ultras braguistas, que fizeram uma
deslocação em muito bom número até à outra
ponta do país, incentivando a sua equipa,
inclusive durante e depois da confirmação da
derrota em campo.
FK Shakhtar x FC Porto | 19-09-2023
Jogo na cidade alemã de Hamburgo,
mais concretamente no estádio onde
habitualmente joga o HSV, pelo facto de a
Ucrânia se encontrar em guerra. Milhares de
portistas deslocaram-se de vários cantos da
Europa e acabaram por fazer uma deslocação
digna de relevo, pintando as ruas locais a azul
e branco.
Estavam quase 47 mil presentes, numa
mistura de vários países, em que os alemães
e os ucranianos iam apoiando, na sua grande
maioria, a formação originária de Donetsk.
59
Ainda assim, as claques do Porto iam fazendo
valer a sua voz, empolgados também pelo
próprio resultado, que acabou por lhes ser
favorável em 1-3, para serem audíveis na
maior parte da partida.
SC Braga x SSC Napoli | 20-09-2023
Dez anos depois, a fase de grupos da Liga dos
Campeões voltou a Braga. Os seus adeptos
tiveram logo a oportunidade de receber
uma equipa com adeptos tão famosos
como os do Nápoles, elevando também a
própria expectativa fora das quatro linhas.
Novamente uma assistência bem acima dos
dois terços de lotação do estádio, com um
ambiente a não defraudar aquilo que esta
competição consegue proporcionar.
Muitos cânticos de parte a parte, num
encontro que também foi repartido e que
acabou por cair para o lado napolitano
já nos momentos finais. A festa foi, por
isso, visitante, mas ainda assim os ultras e
restantes adeptos bracarenses aplaudiram o
esforço dos seus jogadores.
SL Benfica x Red Bull Salzburg | 20-09-2023
Cerca de 61 mil presentes, o que significa
praticamente casa cheia, no primeiro embate
do Benfica desta época na maior prova
europeia. O ambiente inicial mais explosivo foi
caindo com um resultado inesperadamente
negativo (ficou 0-2). Ainda assim, nota para a
homenagem dos No Name Boys aos 29 anos
do acontecimento que envolveu a morte dos
seus três elementos - Gullit, Tino e Rita.
60
SK Sturm Graz x Sporting CP | 21-09-2023
Primeira jornada da Liga Europa, sob um
belíssimo ambiente na Merkur Arena, na
cidade austríaca de Graz. Não é um recinto
propriamente enorme, mas os ultras da casa
são conhecidos pelo apoio que proporcionam.
Mesmo assim, os sportinguistas presentes
também foram destaque e fizeram-se notar.
Durante a entrada das equipas, era possível
ver no sector visitante várias tochas ao
mesmo tempo que expunham a seguinte
mensagem: “12 finais até Dublin, façam-nos
acreditar”.
A partida foi vencida pelos leões, conseguindo
uma reviravolta por 1-2 para delírio dos
simpatizantes verdes e brancos presentes,
que acabaram a serem os mais ouvidos na
transmissão televisiva, empolgados pelo
marcador.
De salientar, ainda, a queda da bancada de
um adepto do Sporting, que gerou alguma
preocupação e obrigou a receber tratamento
hospitalar.
Apresentação das equipas do Olímpico do
Montijo | 22-09-2023
Centenas de pessoas estiveram presentes na
apresentação das várias equipas da formação
do Olímpico do Montijo, que decorreu no
centro da sua cidade. Com muitos cânticos
e pirotecnia, proporcionada pelo grupo
Orgulho Aldeano, viveram-se momentos de
grande festa numa 6ª feira nocturna.
SL Benfica x FC Porto | 29-09-2023
Estádio cheio para receber o primeiro grande
clássico português do campeonato. Ambiente
tradicional para este tipo de encontros, com
os azuis e brancos a fazerem mais um cortejo
bastante numeroso antes da partida.
No início da partida, nota para um espetáculo
pirotécnico dos grupos encarnados, que
aproveitaram um momento de show de luzes
para criar belas imagens com tochas abertas.
No final o Benfica venceu por 1-0, para delírio
do público da casa. Ainda assim, os portistas
presentes não pararam de apoiar, e tiveram
um bom momento de sintonia final com a sua
equipa, incentivando e mostrando que estão
com jogadores e staff para o que aí vem.
61
Seixal 1925 x FC Barreirense “B” | 30-09-
2023
Encontro que os Seixal Boys, grupo
do conjunto da casa, aproveitou para
comemorar o seu sétimo aniversário. Com
uma fumarada com as cores azuis, pretas e
vermelhas, tochas e a seguinte mensagem “7
anos sempre por ti”, deram cor a esta partida
da segunda divisão da distrital setubalense.
SC Farense x Sporting CP | 30-09-2023
Primeiro encontro do Farense no São Luís
contra um chamado “grande” do futebol
nacional neste regresso ao primeiro
escalão. Oficialmente 6020 presentes, o que
representa, naturalmente, a melhor casa da
época até ao momento, com uma autêntica
invasão sportinguista, que deu muita cor à
bancada nascente, a contribuir para isso.
A partida teve um ambiente frenético dentro
e fora das quatro linhas, com os South Side
Boys a não se deixarem afectar e a criarem
um bom espetáculo vocal no apoio ao seu
conjunto.
Houve vários golos, com o Sporting a ser mais
feliz no fim, vencendo por 2-3, para felicidade
dos visitantes. Ainda assim, o público caseiro
fez questão de também aplaudir o esforço
dos seus jogadores.
62
63
O Hino Avante p´lo Benfica: quando as
papoilas ainda não eram saltitantes.
Ser Benfiquista
É ter na alma a chama imensa
Que nos conquista
E leva à palma a luz intensa
Do sol que lá no céu
Risonho vem beijar
Com orgulho muito seu
As camisolas berrantes
Que nos campos a vibrar
São papoilas saltitantes…
64
Há muitos anos que este refrão,
estas palavras, se ouvem cantadas a uma só
voz pelos adeptos do Sport Lisboa e Benfica
em cada jogo realizado no Estádio da Luz. “Ser
Benfiquista”, interpretado por Luís Piçarra,
é considerado unanimemente o hino do
clube. E se vos contarmos que nem sempre
foi assim? Que o Benfica tinha um outro hino
que, por motivos extra-futebol, foi obrigado a
mudar? Vamos lá a ver o que aconteceu.
O hino dos clubes é realmente algo
que permite, aos adeptos e simpatizantes,
sentir emocionalmente a sua pertença; cantar
o hino do clube torna-se quase um momento
de catarse e de união coletiva.
No seu trabalho sobre os hinos,
criados ao longo da centenária história do
clube encarnado, Pedro S. Amorim conta
que o Benfica tinha uma sua música. O “Hino
Vermelho”, do qual não chegou até nós a
melodia, apenas a sua letra, era entoado e
tocado desde 1929 nos aniversários e outras
ocasiões especiais, e o texto foi escrito por
Carlos Beato, dirigente e antigo jogador.
Dois anos depois surgiu um novo
hino que iria marcar profundamente o clube:
com a letra de Félix Bermudes, figura mítica
dos primórdios (ainda como Sport Lisboa)
e músicas do grande Maestro Alves Coelho,
“Avante p´lo Benfica” é uma composição
particularmente faustosa, com um coro
intenso e impactante, que torna esta música
cativante e ao mesmo tempo solene. A letra
também quer passar a ideia de um clube
cheio de tradição e história...
…Avante, avante p’lo Benfica,
Que uma aura triunfante glorifica!
E vós, ó rapazes, com fogo sagrado,
Honrai agora os ases
Que nos honraram o passado!...
...mas infelizmente, Portugal já não era um
país livre e democrático. As forças fascistas
tomaram o controlo do Estado, do país, dos
portugueses e, como se pode imaginar, uma
música que tem no texto a palavra “Avante”
(logo conotada como Comunista, devido ao
jornal) e uma equipa que todos chamavam
“os Vermelhos” não iria ter vida fácil.
Os Vermelhos foram substituídos
com o menos comprometido “Encarnados”
e o “Avante p´lo Benfica” foi empurrado
devagarinho para fora das festas e
celebrações.
Talvez a necessidade de ter um
hino que possa ser tocado, sem problemas,
deu origem ao “Ser Benfiquista” que nós
todos conhecemos. Foi apresentado pela
primeira vez em abril de 1953, num sarau de
angariação de fundos para a construção do
Estádio da Luz, no Pavilhão dos Desportos em
Lisboa.
As papoilas começaram a saltitar,
mas não apagaram a memória do “Avante
p´lo Benfica”, hino “oficial” do Sport Lisboa
e Benfica. A memória histórica de um clube
também se preserva com estes testemunhos
escritos e sonoros.
Por Eupremio Scarpa
65
AAC X UNIÃO 1919
Quis o destino que o sorteio da
Taça de Portugal ditasse logo, numa fase
prematura da prova, o encontro entre dois
velhos rivais da mesma cidade. Académica
e União De Coimbra tinham-se encontrado,
pela última vez, a 6 de maio de 1984, em
jogo a contar para a então II Divisão Nacional.
Curiosamente, a Académica denominavase
na altura Clube Académico de Coimbra
e os “futricas” detinham ainda o seu nome
original de União de Coimbra (algo que viria
a mudar).
Os dois emblemas da cidade têm
raízes e massas adeptas distintas: a Briosa
tem as suas raízes ligadas à universidade e
movimentos estudantis, e o União, que tem
a sua implantação na baixa da cidade, era
por norma mais ligado a atividades como
comércio e indústria.
Posto isto, a expectativa para este
jogo era alta para ambas as partes. De um
lado a Académica, que não está habituada
a entrar numa fase tão precoce da prova, e
do outro o União 1919, mais conhecido por
União de Coimbra (nome do clube antes do
processo de insolvência), que está de regresso
aos campeonatos nacionais esta temporada.
Coimbra aguardava ansiosamente
por esta partida. A data e hora eram apelativas
(sábado às 17h30), a meteorologia também,
e a verdade é que as pessoas compareceram,
embora um derby de uma cidade peça mais
(na minha opinião).
Ainda a várias horas do jogo já se
faziam notar adeptos de ambos os clubes
nas esplanadas das imediações do estádio, a
almoçar ou a beber os seus finos para afinar
as gargantas.
Da nossa parte (Mancha Negra) foi
uma semana à moda antiga, com preparativos
66
de coreografia e frases para a partida.
Decidimos que a coreografia seria num tom
algo provocatório para o outro lado, e foi
elaborado e exibido um Mancha com uma
lupa, por cima de um panal com a colina da
cidade, acompanhado da frase “Há 38 anos à
vossa procura “.
O jogo foi marcado por algum
ativismo de bancada, com o público em geral
como alvo das mensagens. O objetivo era
sensibilizar as pessoas para a importância
de apoiar o clube da cidade, seja ele qual
for. Coimbra, a sua população e as suas
instâncias devem entender esta necessidade
e sobretudo perceber que apoiar um dos
clubes locais não é um capricho. Entendemos
que qualquer grupo ultra tem de remar contra
esta maré do imperialismo dos denominados
Três Grandes nacionais e é urgente captar as
pessoas, chamá-las à importância de apoiar
o clube local e do sentimento de bairrismo,
sendo que a Mancha Negra luta e lutará
sempre em prol dessa causa.
A nível do apoio em si foi um jogo
forte, com cerca de 700 Ultras a ocupar o
setor MN e a fazer da nossa casa um reduto
difícil para o adversário. Recordamos que
mesmo sem borlas e apesar de ser um jogo
“especial”, a MN e a Académica continuam a
possuir esta forte capacidade de mobilização
que queremos, e acreditamos que nos levará
rumo ao topo outra vez!
Do outro lado, boa presença
dos adeptos do União, que com cerca de
1500 adeptos no topo sul se fizeram ouvir
a espaços. Pena que tal mobilização não
se verifique durante a vida diária do clube,
mas acerca disso já me tinha que debruçar
sobre a falta de mentalidade futebolística e
desportiva que existe no nosso país.
Quanto ao jogo, vitória merecida
por 3-0, mas só após prolongamento, num
jogo marcado por muito desperdício.
Sem surpresas, Coimbra é negra e
continuará a ser.
Por Francisco Sobral
67
UM ADEPTO INESPERADO
68
O Sport Lisboa e Benfica é um dos
maiores e mais apoiados clubes desportivos
do mundo. O clube tem milhões de adeptos
em Portugal Continental e nos territórios
insulares da Madeira e dos Açores, que
apoiam o clube em estádios por todo o país e
que, muitas vezes, ultrapassam os adeptos do
clube da casa em muitos desses estádios. O
Benfica tem uma presença internacional em
países para onde os portugueses emigraram,
como os EUA, Canadá, Reino Unido, França,
Suíça, e nas antigas colónias portuguesas,
como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau
e Cabo Verde. Muitas pessoas seguem o
Benfica para se sentirem ligadas a Portugal
e à sua história familiar. O clube ajuda-os
a manterem-se em contacto com as suas
raízes e sentem orgulho em fazer parte deste
grande clube.
A minha vida como adepto do
Benfica é um pouco diferente da história
habitual. Chamo-me Ross Browne e sou
um adepto do Benfica da cidade de Cork,
na Irlanda. Não sou português, não tenho
família portuguesa, nunca vivi em Portugal,
mas sou um adepto apaixonado e dedicado
do Benfica. A minha paixão por este clube
começou em 2010, quando fui de férias para
o Algarve com a minha família. Desde muito
novo que sempre fui um grande adepto de
futebol, seguindo o Liverpool na Premier
League e o meu clube local, o Cork City FC.
Quando chegámos a Portugal, o Benfica tinha
acabado de ganhar o seu 32.º título da Liga
portuguesa com uma equipa incrível que
incluía Angel Di Maria, David Luiz, Ramires,
Luisão, Óscar Cardoso, Javier Saviola, Pablo
Aimar e Nuno Gomes. Os adeptos do Benfica
na vila de Alvor festejaram com alegria o
primeiro título do clube em 5 anos e o seu
amor e entusiasmo pelo clube foi muito
claro para mim. Devido à minha paixão pelo
futebol, os meus pais ofereceram-se para
me comprar uma camisola como recordação
das férias. Deram-me a escolher entre a
camisola do Benfica, do Sporting, do Porto ou
da Seleção Portuguesa. A escolha foi simples
para mim. Escolhi a camisola vermelha do
Benfica devido ao entusiasmo dos adeptos
que conheci e ao facto de o vermelho e o
branco serem as cores da bandeira da minha
cidade natal, Cork, na Irlanda. Decidi usar a
minha camisola para jantar fora e passear
pela cidade durante as minhas férias e as
pessoas estavam sempre a elogiar-me, a falar
comigo e a contar-me tudo sobre o seu clube,
os seus jogadores preferidos e os troféus que
o clube tinha ganho. Fiquei espantado com
isto e o meu interesse e amor pelo clube
cresceu a partir daí.
Quando regressei à Irlanda, comecei
a pesquisar tudo sobre o clube e a sua história.
Aprendi sobre a fundação do clube em 1904
como Sport Lisboa, a fusão com o Grupo
Sport Benfica em 1908, as grandes equipas
dos anos 60 com o Rei Eusébio, Coluna,
Águas, Augusto, Germano e Simões, os anos
70 e 80 com Chalana, Carlos Manuel, Bento
e Humberto Coelho, o aparecimento de Rui
Costa nos anos 90 ao lado de João Pinto,
Isaías, António Veloso, Vítor Paneira e Stefan
Schwarz. Li também sobre os tempos difíceis
do final dos anos 90 e início dos anos 00,
conhecidos como Vietname, e a alegria que
os Benfiquistas sentiram quando finalmente
voltámos a ganhar a Liga em 2005, depois de
uma década inimaginável sem títulos.
A história deste clube transformoume
de adepto interessado em fanático e
comecei a ver todos os jogos e a seguir
avidamente a Liga Portuguesa. Comecei a
ler artigos de A Bola, Record e O Jogo e a
ver vídeos no youtube. Comecei também
a ouvir podcasts incríveis em inglês como o
BenficaAfter90 liderado por Mário Mota, Alex
Melo, Luís Sequeira e Joe de Mello e o The
Benfica Podcast de Alfredo Fumas e Cristiano
Oliveira. Estes podcasts ajudaram-me a
interagir com adeptos de todo o mundo e a
ouvir as suas histórias sobre o clube e a forma
como apoiam a equipa.
Como qualquer Benfiquista sabe,
é essencial viajar até Lisboa para visitar a
Luz. Visitei-a pela primeira vez com a minha
namorada Niamh, em 2015, e fiquei viciado. A
Luz é um dos melhores estádios da Europa e o
dia de jogo aqui é algo que todos os adeptos
de futebol devem experimentar. O voo da
águia, o hino do clube antes do pontapé de
saída e a atmosfera criada pelas claques,
tudo isto contribui para uma experiência
incrivelmente comovente. Quando estiver
na Luz, não pode deixar de visitar o Museu
Cosme Damião que, na minha opinião, é um
dos melhores museus de futebol do mundo.
O pormenor das exposições e a apresentação
da nossa história são inigualáveis. Aprendi
muito na minha visita, especialmente sobre
as nossas outras equipas em desportos
como futsal, hóquei, basquetebol, voleibol e
atletismo.
A minha paixão por este clube só
cresce de ano para ano e comecei a construir
uma coleção de recordações do Benfica
que julgo ser a maior da Irlanda. Comecei a
colecionar camisolas, casacos e cachecóis
do Benfica e tenho agora mais de 100
camisolas e casacos e mais de 50 cachecóis
na minha coleção. A coleção também inclui
livros, programas, galhardetes, cartões e
até tatuagens. Tenho quatro tatuagens do
Benfica! Tenho o símbolo do clube, uma águia
e os retratos de Cosme Damião e Eusébio!
Entre as peças preferidas da minha
coleção estão um programa original da final
da Taça dos Campeões Europeus de 1962
e um trading card assinado pelo ícone do
clube, Eusébio. O colecionismo tornou-se
uma das melhores formas que encontrei
para me relacionar com outros Benfiquistas.
Criei os meus próprios autocolantes “Cork
City Benfiquistas”, cachecóis e bandeiras que
troco com outros adeptos de todo o mundo.
Através destas trocas construí uma coleção
de mais de 500 autocolantes diferentes do
Benfica, e é muito fixe ver autocolantes de
todas as partes de Portugal e do mundo.
Através do colecionismo, fiz amigos como
o Afonso, do Fundão, que me ajudou a
encontrar diferentes artigos do Benfica, a
arranjar bilhetes para os jogos e, de um modo
geral, a aprender mais sobre o clube que, de
outro modo, teria sido impossível a partir da
Irlanda.
O Sport Lisboa e Benfica é um dos
maiores clubes da Terra e os seus adeptos são
os melhores do planeta. Acho que o facto de
um adepto da Irlanda poder ser sócio, pagar
as quotas, votar nas eleições e sentir-se tão
ligado ao clube mostra o quanto o Benfica
é um clube especial. Espero um dia receber
o meu pin badge de sócio de 25 anos e até
50 anos, porque serei um adepto para toda
a vida e apoiarei este clube até ao fim! Viva o
Benfica!
Por Ross Browne
69
Temos de recuar até ao final dos
anos 80 para ver as primeiras tochas no antigo
estádio municipal de Mérida, tochas essas
que foram acesas pelos primeiros grupos
ultras, a Scuadra Blanquinegra e os Tankes, o
primeiro com um carácter mais ultra e radical,
seguindo as pegadas dos grandes grupos, e
o segundo um grupo mais animado, como
se declaravam. Ambos os grupos ocupavam
bancadas diferentes no estádio, embora em
alguns jogos se juntassem para animar os
adeptos. Estamos a falar de uma equipa da
terceira divisão com 2 grupos, algo de que
ainda hoje nos orgulhamos.
Deixando os anos 80, passamos
ao início dos anos 90, com o Mérida a ser
promovido várias vezes e com o aparecimento
de novos grupos, como o Centuria Romana,
o Scóthis Sur, os Ultrasmarinos ou os Piratas
Romanos. Todos estes grupos conviviam nas
bancadas do estádio municipal, tempos de
novos grupos e de novas bancadas que, pouco
a pouco, foram crescendo para satisfazer
as necessidades de uma massa adepta em
ascensão e que, no final da temporada 91/92,
veria a equipa subir à segunda divisão.
No verão de 1992, algo começou
a acontecer em Mérida e, depois de muitas
reuniões, nasceu a Legiones Sur, fruto da
união de todos os grupos existentes. O início
foi difícil, mas também emocionante. Difícil
porque os grupos continuavam a funcionar
como grupos, e Legiones Sur era apenas
uma bandeira, mas pouco a pouco isso foi
mudando e apareceu um material que, tal
como o Legionzine, começou a ser o nexo
de união nas bancadas. Ao mesmo tempo,
continuaram a publicar-se os fanzines Scuadra
Blanquinegra e Tankes.
As viagens por Espanha também
começaram com a equipa na segunda
divisão e em quinta marcha para a primeira:
Marbella, Valladolid, Badajoz, Ourense,
Madrid, Burgos, entre outros, seriam locais
visitados pelos ultras blanquinegros. Em casa,
a mítica Curva Sur viveria os seus melhores
dias, com as bancadas a rebentar pelas
costuras e tornando-nos célebres em duas
ocasiões consecutivas, quando se partiu o
gradeamento que nos separava da pista de
70
atletismo. Com o grupo no seu melhor e com
as novas gerações de ultras a chegarem ao
estádio, o Mérida subiria à primeira divisão,
a primeira equipa da Estremadura a chegar
à categoria máxima do futebol espanhol, e a
partir daí tudo o que estava a subir começaria
a descer. Embora ainda tenha havido um
par de boas temporadas com muitos sócios,
novas secções, material e novas viagens,
também houve incidentes em épocas em
que tudo era bastante espontâneo e, claro,
amizades, sendo as mais importantes com a
Frente Atlético ou os Komandos Verdes, sem
deixar os dias de amizade com os ultras de
Marbella e Getafe.
Os anos 90 terminaram de uma
forma muito diferente de como começaram,
e o grupo, devido a problemas internos e de
lugares que prejudicaram todos os grupos,
já que o recheio optava por ver o futebol de
forma mais cómoda e os mais veteranos se
afastavam das bancadas ou iam para outras
bancadas, deixou o grupo praticamente à
beira do desaparecimento.
Chegamos ao ano 2000, e se o
grupo estava numa situação complicada para
enfrentar o facto de estar na segunda divisão
com garantias, foi ainda pior para o clube,
que “desapareceu” do futebol profissional
nesse verão por questões económicas e
se refundou na filial, começando assim
na terceira divisão, a quarta categoria do
futebol espanhol. Foi um banho de água
fria que, com o tempo, avaliámos de forma
muito positiva. O grupo fortaleceu-se e,
mais importante, amadureceu em muitos
aspetos. De 2000 a 2010 o clube sofreu 2
desaparecimentos por motivos alheios à
vontade dos adeptos, e estes foram talvez
os anos mais difíceis, com o grupo a recolher
dinheiro até para pagar a gasolina dos
jogadores, que mal recebiam. Houve também
subidas, tanto da equipa como do número
de sócios. Formámos um núcleo muito ativo
e estivemos muito empenhados em todos
os tipos de protestos a favor do movimento
ultra, especialmente após a prisão de Santos
Mirasierra. Também sofremos repressão
sob a forma de multas por uma série de
incidentes que, longe de diminuir o grupo,
nos fortaleceram para os anos seguintes.
Em termos de material também demos um
grande salto de qualidade, e transformámolo
numa das principais referências do grupo.
As amizades dos anos 90 também ficaram
para trás, principalmente por questões
71
72
geracionais, mas dariam lugar a algumas das
amizades mais fortes que temos, os ultras de
Cáceres, com quem os contactos começaram
em 1998, e que com o nosso percurso pela
terceira e segunda B se tornaram mais fortes
por coincidirmos muito mais. Depois veio o
Orgullo Isleño, do CD San Fernando, com o
qual se selou a geminação em 2001 e que,
apesar de se ter decidido oficialmente não
continuar com ela, ainda se mantém uma boa
amizade. No início de 2000, após um jogo
Benfica – V. Guimarães no Jamor, a convite
do Grupo Manks, iniciou-se uma amizade
que ainda hoje perdura e que por inércia nos
uniu também aos Diabos Vermelhos. Um dos
pontos fortes do grupo nestes anos foram
as deslocações, fazendo o pleno ou quase
pleno em muitas épocas da terceira divisão, e
recebendo com grande alegria as deslocações
para fora da Estremadura. Passámos de jogar
no Bernabéu a jogar em campos de terra
batida pela região e isso, claro, teve os seus
aspectos positivos.
Depois da primeira década
dos anos 2000, o clube conseguiu uma
estabilidade importante e a cidade começou
a recuperar o entusiasmo pela equipa, fruto
de um bom trabalho a nível institucional. O
grupo também estava a atravessar um bom
período, e foi nas épocas 2013-14 e 14-15
que voltámos a registar um “boom” ultra
na cidade, atingindo 400 e 500 pessoas nas
bancadas em muitos jogos, com alguns préjogos
escandalosos na Cibeles, um ponto de
encontro histórico que fechou recentemente
por razões alheias à nossa vontade e que foi
a nossa casa durante quase 30 anos, tanto
para o bem como para o mal. Nesses anos, o
grupo ultrapassou os 250 sócios com cartão,
algo que não era conseguido desde os anos
da primeira divisão. Também tínhamos os
melhores tifos jamais feitos em Mérida, fruto
de um grupo de tifos que, ao longo dos anos,
se foi consolidando. Era a terceira divisão e
estávamos no centro das atenções de toda a
Espanha, o que não era normal, mas com o
tempo o nível foi baixando, apesar de termos
vivido os melhores anos do grupo.
Atualmente a equipa está na 1ª
RFEF, antiga Segunda B, que foi modificada
com a pandemia. O grupo completou 30 anos
com promoções e despromoções atrás de nós,
mas sempre com a equipa, quer estivéssemos
10 ou 500 nas bancadas, a bandeira estava
sempre pendurada. Atualmente o grupo
tem cerca de 150 membros e continuamos
a tentar fazer o máximo possível, embora
haja cada vez mais obstáculos por parte da
federação e da polícia.
Temos uma média de idades
bastante elevada nas bancadas, o que significa
que não somos tão bons como éramos há 10
anos noutros aspectos, como as viagens. No
entanto, nos últimos anos, recebemos muitos
jovens, agrupados sob a designação de
“Nova Geração 1992”. Além disso, algumas
secções importantes tornaram-se grupos
independentes, mas continuam a partilhar e
a contribuir para as bancadas, como é o caso
da “Legio Nova Invicta”, “Tankes 1987” ou
“Cani Sciolti-Núcleo Histórico”.
Um dos mais recentes esforços para
promover o movimento ultra e os valores do
grupo foi o regresso da “LEGIONZINE”, agora
na sua terceira temporada consecutiva.
Tentámos resumir 35 anos da melhor forma
possível, embora não tenha sido fácil e não
deixem de surgir muitas questões por parte
dos leitores. Por outro lado, gostaríamos
de vos dizer que, em breve, lançaremos
um livro a cores, com 416 páginas, no qual
registaremos toda a nossa história.
Entretanto, deixamos-vos com isto!
Por Scubi 92
73
TOUR ITÁLIA
O verão está lentamente a chegar
ao fim na Alemanha. Se é que se pode
realmente chamar-lhe verão. Por isso, chegou
a altura de eu e a minha mulher termos umas
merecidas férias. Itália é o destino deste ano.
Vamos de carro.
A expectativa dos calendários dos
jogos de cada uma das ligas era pelo menos
tão grande como a expectativa da praia e do
mar. Por isso, foi ainda mais agradável o facto
de a Série B nos ter dado uma semana cheia
de jogos para a nossa viagem. Houve alguns
bem interessantes.
Como x Lecco, Pisa x Parma e
Sampdoria x Veneza. Quando as datas foram
fixadas, as férias foram remarcadas sem
cerimónias e foi reservada uma escala em
Génova.
não fosse a federação italiana... Para mim,
que sou alemão, a única palavra que me
vem à cabeça é inacreditável. O campeonato
começa e nem sequer se sabe ao certo quais
os clubes que nele vão participar. O Lecco
teve problemas com a sua licença devido ao
seu estádio e agora teme que tenha de jogar
na Série D porque não pediu uma pré-licença
para a Série C após a sua promoção para a
Série B (pode parecer confuso mas os clubes
italianos têm algumas regras a cumprir todas
as épocas e preencher requisitos para todas
as divisões mesmo que não seja aquela para
que vai jogar).
74
Como x Lecco na terça-feira e
Sampdoria x Veneza na quarta-feira, as férias
não podiam ter começado melhor. Isto se
Assim, o jogo de terça-feira à noite
não aconteceu. Para manter a informação
actualizada, o Lecco obteve a licença para a
Série B no dia seguinte.
Mesmo assim, parti para sul com
a minha mulher na terça-feira de manhã.
Após 12 horas de viagem e paisagens cénicas
na Suíça, chegámos a Como. O hotel estava
finalmente reservado e, secretamente, ainda
havia esperança de que o jogo se pudesse
realizar num curto espaço de tempo. No
entanto, depois da longa viagem, decidimos ir
para a cama a uma hora razoável e continuar
a nossa viagem no dia seguinte bem cedo.
A viagem de Como a Génova passou
como num sono. Talvez porque estávamos
distraídos com a paisagem pitoresca, até que,
de repente, um estrondo forte chamou a
nossa atenção para o carro. Oh merda, era o
pneu? Felizmente não e o volante continuava
a andar suavemente. Também não vi nada
no espelho retrovisor. Paragem rápida, todos
os pneus estavam intactos. Respirar fundo
e acalmar de novo o pulso. Em todo o caso,
estávamos bem acordados a partir de agora e
deslizamos pelas montanhas.
Em Génova, tivemos uma receção
calorosa no hotel. Para não vos sobrecarregar
repetidamente com esta experiência, serei
breve e mostro apenas gratidão pelo que
passei. Foi inacreditável a forma como
cuidaram de nós durante a nossa estadia.
Sentimo-nos tão confortáveis como se
fizéssemos parte deles. Depois de um breve
check-in no hotel, dirigimo-nos ao bar da Fieri
Fossato. Estavam ocupados a preparar o dia
do jogo e cumprimentaram-nos com uma
cerveja.
Pouco depois, fomos para o estádio.
Ao contrário do que acontece na Alemanha,
o tifo é levado para o estádio com horas de
antecedência. À entrada, tivemos de entregar
os nossos documentos de identificação
à polícia. Há algo de mágico em ter a
oportunidade de estar neste enorme estádio
com apenas algumas pessoas, à minha volta,
ocupadas a preparar bandeiras e a colocar
estandartes... E depois há o casal alemão.
De alguma forma totalmente deslocado,
mas de alguma forma pertencente. Foi uma
sensação muito intensa, apesar de termos o
mesmo no nosso quotidiano em dia de jogo.
Aproveitámos para ver todas as pinturas
em frente à Gradinata Sud, são obras muito
bonitas que podem ser vistas. Algo assim
valoriza cada canto.
Após colocarem o material,
os grupos da Sud deixaram o estádio e
recolheram os seus documentos. De novo,
foram gentilmente filmados pela polícia e
dividiram-se pelos bares das redondezas.
Pode dizer-se que o ambiente foi subindo
de cerveja em cerveja e que se cantaram
as primeiras canções. Passámos o tempo
a conversar e, quando demos por isso,
estávamos a regressar ao estádio. Depois de
passarmos a entrada, dirigimo-nos para os
nossos lugares.
O que é que há para escrever sobre
esta curva? Pessoalmente, sou um grande fã.
Mas se tentarmos realmente encontrar as
palavras certas, eu diria: Eles são o original
(Ultra) e nós, na Alemanha, somos a cópia
(por vezes melhor, por vezes pior). Para além
disso, como é óbvio, era um jogo à noite e
o ambiente sob os holofotes era ainda mais
especial.
A força que emanava das pessoas
era enorme. Não importava se era jovem
ou velho, fossem mulheres ou homens. É
simplesmente inacreditável. Sempre que
a equipa tinha a mais pequena hipótese de
marcar, a multidão fazia mais. O número de
bandeiras que estão constantemente a ser
utilizadas, é incrível. Mesmo sem sabermos
falar italiano, tentamos participar no apoio o
melhor que pudemos. Simplesmente porque
queríamos fazer parte, foi assim que nos
deixámos levar.
O jogo em si é contado rapidamente.
Numa primeira parte pouco espetacular com
uma ligeira vantagem para a Doria, esta
passou para a frente no início da segunda
parte. A celebração do golo foi fenomenal.
Porém, no final, o Veneza foi a equipa mais
composta e conseguiu mesmo roubar três
pontos à Samp nos minutos finais.
Infelizmente, não posso dizer muito
sobre os visitantes. Apenas as bandeiras eram
visíveis.
Depois do jogo, despedimo-nos
de todos e fomos para o hotel. Já era meianoite
e tínhamos de seguir viagem na manhã
seguinte. Como estava planeado, dirigimonos
para a nossa casa de férias na Toscana.
Ao meio-dia, já estávamos a caminho
de Florença. No caminho, apreciámos a
paisagem da Toscana e começámos a escrever
as nossas primeiras palavras aqui - enquanto
as memórias estava fresca.
Chegados à azáfama dos turistas,
75
deslocamo-nos rapidamente ao hotel
para arrumar a bagagem. Pelo caminho,
avistámos vários autocolantes de adeptos
do Rapid, mas de resto havia poucos sinais
de futebol. Do hotel, fomos a pé para o
Estádio Artemio Franchi. Aqui, a cor púrpura
estava claramente misturada com as roupas
das pessoas. Demorámos uma boa meia
hora a entrar. Os estádios em Itália têm
simplesmente o seu próprio encanto. A
grande superfície redonda. Nada é coberto
e tudo é um pouco antiquado. O sector dos
visitantes já estava bem cheio. Para além dos
Ultras de Nuremberga, havia também uma
bandeira dos nossos amigos de Veneza. No
dia anterior não havia nenhuma bandeira que
indicasse os visitantes vienenses pelas ruas.
Além disso, traziam na bagagem todo o tifo
“Anti Viola”. Enquanto o sector dos visitantes
já estava a aquecer meia hora antes do
pontapé de saída, os grupos da equipa da
casa só entraram no estádio 20 minutos antes
do início do jogo. Os outros lugares também
se encheram pouco antes do pontapé de
saída. Para o início, houve uma coreografia de
pequenas bandeiras no sector dos visitantes.
Do lado dos donos da casa, foram utilizadas
bandeiras e pirotecnia esporádica. No
primeiro tempo só jogou a equipa de
Florença. O Rapid estava ansioso por
defender a vantagem de 1:0 da primeira
mão. No entanto, acabou por ser demasiado
inofensivo nos momentos decisivos e a
Fiorentina não conseguiu recompensar a
sua vontade com um golo. Contudo, isso
não afectou muito as duas curvas. O sector
dos visitantes estava unido no seu apoio e
continuava a provocar os fiorentinos com
cânticos “Anti Viola”. Por outro lado, os
visitantes também estavam num bom dia e
o público aplaudiu a equipa. Pouco antes do
intervalo, o sector dos visitantes ergueu mais
três faixas. Estávamos à espera que fizessem
uma tochada agora que o sol se tinha posto,
mas era apenas imaginação nossa.
Para a segunda parte, houve outra
ação dos vienenses. Desta vez eram bandeiras
maiores, acompanhadas acusticamente
pelo conhecido cântico “Vês que temos as
bandeiras hasteadas”. A Fiorentina continuou
onde tinha parado no intervalo. De vez em
quando, uma luz de tocha ou fumo. Tudo foi
um pouco caótico e não tão “planeado”, mas
até isso foi agradável.
Depois de as bandeiras no sector
dos visitantes terem parado de tremular,
76
chegou a altura de se despirem. Sem camisa
e com as t-shirts a abanar, continuaram
unidos no apoio. Pouco depois, porém, a
Fiorentina marcou 1-0, o que fez explodir o
estádio, e isso não se deveu apenas aos dois
“La Bomba’s” que rebentaram... Pessoas
da “Curva Ferrovia” correram para a zona
de proteção do sector visitante e trocaram
cumprimentos com os vienenses. Agora
tínhamos um jogo “a sério”. Não só os ultras
da Fiorentina, mas também o resto do estádio
parecia finalmente acordado e juntou-se aos
cânticos. No final, uma das faixas que tinha
sido erguida ao intervalo ia ser novamente
utilizada no sector dos visitantes. Vai ser
agora, pensava eu, e não ficámos desiludidos.
Quando, mais tarde, vimos todos os rostos
encapuçados, sabíamos o que estava prestes
a acontecer. Com umas boas 15 luzes de
tochas e fogo de artifício vermelho e verde
disparado para o céu, deu-se início ao
“Quarto de Hora à Rapid”. Uma ação muito
bonita. No entanto, os adeptos não foram
recompensados pelos seus esforços, antes
pelo contrário. Esperavam o prolongamento
e um possível desempate por grandes
penalidades, até que houve um penálti. Este
foi convertido aos 90 minutos e os fiorentinos
conseguiram dar a volta à desvantagem da
primeira mão. As pessoas abraçaram-se
umas às outras. Mas o sector visitante não
se deixou impressionar pela desvantagem e
prosseguiu o seu programa até ao apito final.
E assim foi, Florença passou à fase de grupos
da Liga da Conferência e nós regressámos ao
hotel. Em todo o caso, independentemente
do que se pensa da “construção” da Liga das
Conferências, quer se precise dela ou não,
ofereceu-nos uma bela noite de futebol com
duas curvas bem animadas. No regresso a
casa, já bastantes cansados, parámos para
comer uma pizza antes de nos deitarmos.
A sexta-feira começou com
um pequeno-almoço reforçado. Afinal,
queríamos explorar um pouco mais a cidade
e precisávamos do corpo forte para isso.
No entanto, rapidamente a azáfama das
multidões se tornou demasiado grande
e agitada para nós e decidimos ter uma
visão geral a partir de cima. Fomos ao Forte
di Belverde, onde a entrada é gratuita, e
apreciámos a vista da cidade.
Depois, apanhámos o comboio de
volta ao apartamento para nos refrescarmos,
porque à noite teria lugar o último jogo desta
reportagem.
Um jogo que era claramente
diferente dos anteriores. Tínhamos de decidir
com antecedência. Carrarese contra Fermana
ou Lucchese contra Perugia. A escolha recaiu
sobre o Lucca. Para variar, fomos de carro até
Lucca, a uns bons 25 km de distância. Não
houve tempo para visitar a cidade, mas talvez
o voltemos a fazer durante o resto das nossas
férias. Estacionámos em frente às muralhas
do centro histórico da cidade e percorremos
os últimos metros até ao estádio. Em frente
ao estádio, já podíamos ver os primeiros
graffitis. Quando chegámos às bancadas, os
nossos olhos desviaram-se imediatamente
para as curvas. No lado da equipa da casa já
estava bastante cheio, enquanto no sector
dos visitantes havia apenas alguns adeptos.
Como ainda tínhamos tempo, começámos
por explorar a situação e organizámos algo
77
para beber num “bar”. Na Alemanha, todos
os clubes da Kreisliga estão provavelmente
melhor equipados. Depois voltámos à
bancada. O primeiro grupo a entrar no sector
dos visitantes foi a Brigata.
Pouco antes do pontapé de saída,
chegaram os restantes grupos de Grifoni pelo
que, no final, estavam cerca de 150 Ultras no
sector dos visitantes.
A curva da casa abriu o jogo com
uma grande faixa, “PER L’ONORE Di LUCCA”,
que foi acompanhada por strobs e algumas
bandeiras.
Mesmo durante o jogo, houve
momentos pirotécnicos de ambos os
lados. Como era de esperar, o jogo não foi
nada agradável. Afinal era a Série C. Por
isso, não foi surpreendente que as duas
equipas tenham partilhado os pontos com
um resultado de 0-0. O Lucca estava em
vantagem, mas acabou por não conseguir
marcar devido a uma bola à trave ou à sua
incapacidade para marcar. O que se passou
nas bancadas foi completamente diferente.
Ambos concordámos que foi melhor do que
no dia anterior. Provavelmente porque era
simplesmente o que se gosta de ver em Itália.
Um estádio envelhecido, mau futebol, mas
tudo de alguma forma tão “real”. Ambas as
curvas deram tudo por tudo. Houve sempre
pirotecnia e, claro, gritos. Um final muito
agradável e certamente uma boa decisão
de assistir a este jogo. Os próximos dias
serão passados de forma mais descontraída
e, esperemos, com o melhor tempo e boa
comida à beira-mar.
Por Patrick T.
78
Depois de um final de época algo
decepcionante para nós (bracarenses),
devido à derrota na Final da Taça de Portugal
disputada no Jamor e à eliminação da equipa
de futsal no dia seguinte, nas meias-finais
do campeonato nacional da modalidade,
não houve muito tempo para lamentações,
uma vez que a equipa principal de futebol
preparava-se para disputar, em Agosto, as
eliminatórias de acesso à Liga dos Campeões.
Para além destes importantes jogos, havia
também um outro acontecimento que se
avizinhava e que fazia fervilhar os Ultras
Bracara Legion 2003, a comemoração do 20º
aniversário do grupo, um número redondo
que exigia uma celebração e uma entrada
na época condizentes com a importância da
data.
Os preparativos para o arranque
da época começaram logo em Junho, apenas
interrompidos pela realização do torneio de
futsal e convívio de final de época. Depois de
tratadas as habituais questões logísticas, era
hora de preparar a tochada de aniversário,
para a qual se discutiram várias sugestões
e possibilidades, tendo-se optado por
desenhar com tochas um 2003 que ocupava
toda a bancada poente inferior do Estádio
Municipal, com o símbolo do 20º aniversário
a descer ao centro do varandim da bancada
superior, ladeado de piscas, e com esse
mesmo varandim a ser preenchido por mais
tochas que iluminavam o material que o
grupo foi ostentando ao longo destas duas
décadas, bem como mais uma “corda” de
tochas nas duas laterais da bancada inferior.
Para complementar o espetáculo lançaramse,
da pala da bancada poente, várias caixas de
fogo de artificio e projectaram-se tochas com
paraquedas. Este foi o tiro de partida, dado
na madrugada de 07 de Agosto, mas o dia de
aniversário viria a ser preenchido também
79
com uma celebração na sede do grupo, com o
habitual corte de bolo e a presença de perto
de uma centena de membros, entre os quais,
várias dezenas de fundadores.
Para o dia seguinte estava marcado o
primeiro jogo oficial da época, a primeira mão
da 3ª pré-eliminatória da Liga dos Campeões,
disputada em casa diante dos sérvios do
Backa Topola. Para a tarde do encontro estava
marcada uma concentração num café que se
localiza nas imediações do estádio, e a tarde
foi-se fazendo entre conversas e cerveja. À
hora marcada para o arranque do cortejo já
estava uma boa moldura de Ultras da Bracara
Legion, que seguiram entre cânticos até ao
estádio. Do jogo propriamente dito pode-
-se falar num apoio bastante interessante e
contínuo, na linha das melhores prestações
em casa dos últimos anos. Nota para o mini-
-tifo com o símbolo do 20º aniversário aberto
ao minuto 20, acompanhado de vários potes
de fumo (RDG’s) vermelhos. Das cerca de
duas dezenas de sérvios presentes no sector
visitante não há nada digno de nota a relatar,
e o jogo acabou com uma vitória por 3-0, com
a equipa da casa a avançar para a 2ª mão com
uma vantagem confortável.
porque não havia tempo a perder. Tomar
banho, jantar, pegar nas trouxas e logo
nos voltamos a juntar, 16 companheiros,
que em duas carrinhas arrancamos rumo à
Sérvia. O grupo era bastante heterogéneo,
com a presença de dois fundadores, vários
elementos com muitos quilómetros nestas
andanças, mas também vários rapazes que
partiam na sua primeira aventura desta
dimensão. A noite de sexta e o dia e noite
de sábado, foram basicamente aproveitados
para “comer” quilómetros, parando apenas
esporadicamente e por pouco tempo, com
excepção duma paragem ligeiramente maior
em San Remo, norte de Itália, onde durante
cerca de duas horas tivemos bons momentos
de diversão na movida local.
80
Sem grande tempo de descanso,
avanço três dias até dia 11, sexta-feira na
qual voltamos a jogar, desta vez em partida
a contar para o campeonato nacional,
diante do Famalicão. Depois de um apoio
razoavelmente bom, e de um balde de água
fria com o golo da derrota a surgir já perto
dos minutos finais, apressamo-nos a ir para
casa, não por desgosto ou vergonha, mas
O ritmo a que se avançou foi de
tal forma bom que no domingo de manhã
já estávamos na Croácia, mais propriamente
em Rijeka, cidade costeira do norte do país
balcânico. Aproveitamos para visitar o antigo
estádio do clube local e para desfrutar da
praia que, apesar de não ter areal, contava
com uma temperatura da água bastante
agradável. Depois de muitos mergulhos e
copos, aproveitamos o final da tarde para nos
dirigirmos ao apartamento onde pernoitamos,
para tomar um banho e descansar. O jantar
foi bem regado, e a noite acabou por sair
furada porque a cidade não tinha nada para
oferecer em matéria de diversão nocturna a
um domingo à noite. De manhã voltaríamos
à praia para nos despedirmos da costa croata,
e a seguir ao almoço seguimos em direcção
à capital Zagreb, para uma noite bem mais
agitada do que a anterior. Chegamos a Zagreb
a meio da tarde de segunda-feira e sabíamos
que, se em circunstâncias normais a cidade já
não era para brincadeiras, face às condições
mais cuidado seria necessário. Quando
chegamos à cidade desde logo se percebeu
muita tensão no ar, sendo sucessivos os
grupos de polícia de intervenção na zona
central, e os “sentinelas” iam-se sucedendo,
o que não era caso para menos pois, no dia
seguinte, disputar-se-ia o jogo entre Dínamo
Zagreb e o AEK. Depois dos incidentes da
1ª mão, a probabilidade de aparecerem
visitantes era relativamente baixa, mas parece
que nem polícia nem Ultras locais estavam
na disposição de arriscar. Durante a noite
fomos interpelados tanto por polícia como
por locais por diversas vezes, mas os focos
de tensão foram-se aliviando e a verdade é
que acabamos por desfrutar da noite passada
na capital croata sem mais nada a registar do
que copos e diversão.
Na manhã do dia de jogo partimos
rumo a Osijek, localidade perto da fronteira
aonde iríamos pernoitar e em que deixamos
as malas para depois avançarmos rumo
à Sérvia. Pelo caminho até à fronteira
encontramos alguns quilómetros de estrada
por asfaltar e um cenário desolador, com
muito pouca população e muitas construções
degradadas, coisa que se repetiria no lado
sérvio da fronteira. O controlo em ambos
os postos fronteiriços foi apertado, com
especial ênfase para os guardas sérvios, que
não queriam deixar passar um companheiro
alegando que havia um qualquer problema
com o seu cartão de cidadão, situação que
só se resolveria com a promessa da entrega
duma camisola de jogo do SC Braga aquando
do regresso.
Feito o trajecto de cerca de uma
hora em solo sérvio, dirigimo-nos ao encontro
dos companheiros dos Red Boys, que
viajaram pela Hungria, e juntos avançamos
para o estádio. A chegada foi absolutamente
pacífica, mas as coisas viriam a piorar com a
proibição da entrada do material de apoio
(faixa e panos), que motivaria uma discussão
muito demorada e aonde se equacionou
inclusive abandonar o estádio antes do jogo
começar. A permanência só foi decidida
depois da polícia aceder a que o material
entrasse na parte interior da bancada,
onde ficou à guarda de dois elementos do
nosso grupo, que se iam revezando a cada
10 minutos. Dos Ultras locais pouco há a
81
82
relatar, cerca de 120 elementos, com uma
prestação vocal fraca, o que nos permitiu
fazermo-nos ouvir durante quase todo o
encontro, facto que despertou a atenção dos
restantes adeptos locais, que demonstravam
mais interesse na nossa prestação do que
em apoiar a sua equipa ou em acompanhar
as incidências dentro das quatro linhas. A
presença de apenas duas dezenas de adeptos
do SC Braga, bem como a proximidade de
stewards e polícia, impediu que abríssemos a
pirotecnia com a qual entramos no estádio. No
final do jogo regressamos à Croácia, mas não
sem que antes os guardas fronteiriços sérvios
nos “obrigassem” a cumprir a promessa e
a deixar uma camisola de jogo com eles.
Quando entramos em solo croata e voltamos
a ter acesso aos dados móveis, acabamos por
parar e ficar a ver os penáltis do jogo entre
Marselha e Panathinaikos, com a vitória dos
gregos a causar uma onda de euforia entre
nós, porque para além de não querermos
voltar a Marselha (aonde já estivemos por
duas vezes nos últimos anos), Atenas era
um desejo antigo para muitos, sendo mais
um sonho que poderíamos riscar da lista. A
noite seria de festa, e com mais peripécias,
nomeadamente à meia-noite local, que
marcava a data de aniversário de um dos
“caçulas” do grupo, que viria a ser alvo de
uma brincadeira por parte dos restantes. Da
viagem de regresso nada de muito relevante,
para além das habituais peripécias neste tipo
de viagem.
A chegada a casa aconteceu
na noite de quinta-feira, mas o descanso
foi praticamente nulo fruto de uns
constrangimentos pessoais e dum casamento
em que viria a marcar presença no dia de
sexta-feira. Sem tempo para lamentações,
sábado deslocamo-nos a Chaves, em mais
um bom dia de bola, recheado de convívio,
com uma boa presença da massa associativa
bracarense, com a BL a marcar também
presença com bons números e a ter uma
prestação interessante na bancada, que
ajudou a empurrar a equipa para a vitória.
Na quarta-feira seguinte (dia 23)
recebemos em casa o Panathinaikos, no
último obstáculo antes da tão ambicionada
fase de grupos da Liga dos Campeões,
competição na qual não participávamos há
uma década. A circunstância exigia um apoio
à altura, até porque recebíamos um dos
grupos mais afamados da Europa pela sua
capacidade vocal. Porém, a transferta dos
gregos não foi tão forte quanto esperávamos,
deslocando-se ao Municipal talvez uns 200
adeptos adversários, com o Gate 13 a ser
representado apenas por membros radicados
no Reino Unido e sem apresentarem faixa
principal. Praticamente não se fizeram ouvir, e
nós aproveitamos para voltar a dar um apoio
positivo, com nota para alguma pirotecnia
aberta no segundo tempo por parte dos
grupos bracarenses. A vitória, ainda que pela
margem mínima, dava-nos esperança, e foi
com muitas expectativas (a todos os níveis)
que avançamos para a segunda mão.
As viagens de avião de ida e
regresso de Atenas foram marcadas ainda na
carrinha, enquanto regressávamos da Sérvia.
A verdade é que, nove dias depois do regresso
de uma super transferta, já nos dirigíamos
para outra. Saímos na noite de sábado (dia
26) de carro rumo a Bilbau, cujo aeroporto
nos oferecia a opção mais económica para
a viagem. Foi graças à solidariedade de
quatro companheiros que se prontificaram
a levar-nos até ao País Basco e a trazer os
carros de volta até Braga que esta opção se
tornou mais confortável e económica, uma
vez que os voos de regresso far-se-iam pelo
aeroporto do Porto. Também desta forma se
mostra militância e amor pela causa, uma vez
que, mesmo não podendo estar presentes, o
voluntarismo deles foi essencial para que as
coisas corressem da melhor maneira.
O voo era directo, mas logo no
embarque surgiu o primeiro contratempo,
com um companheiro a ficar de fora devido
à inenarrável prática das companhias aéreas
apelidada de “overbooking”. Ainda assim
seguimos viagem, e o companheiro que ficou
pelo caminho viria a viajar por outra rota e
chegaria a Atenas ainda no domingo. Depois
de devidamente instalados, partimos para
jantar na noite de domingo, e entre mais uma
refeição bem regada demos por nós num
clube junto à praia. Depois de uma noite bem
passada, o dia seguinte seria aproveitado
para conhecer alguns dos muitos pontos
de interesse que a extraordinária cidade de
Atenas tem para oferecer, nomeadamente o
decrépito, mas encantador, Estádio Apóstolos
Nikolaídis, recheado de inúmeros murais
do Gate 13 e com uma grande carga de
mística. O insuportável calor que se fazia
sentir dificultava a tarefa, mas depois de
mais um bom jantar na noite de segunda,
a manhã de terça-feira e dia de jogo foi
aproveitada para conhecer a Acrópole, ponto
mais emblemático da cidade, e aquele que
podemos apelidar de berço da civilização
ocidental. O museu da Acrópole, que se
encontra na zona baixa da cidade, é também
muito bom e merece cada cêntimo gasto no
bilhete. Embora as viagens de bola não sejam
muito propícias a este género de programas
culturais, a verdade é que já me permitiram
conhecer muitos locais de interesse a que
provavelmente de outra forma não iria.
Depois da chegada de alguns
elementos do grupo que viajaram por
outras rotas, perfazíamos um total de 17
Ultras da Bracara Legion, quase metade dos
adeptos do clube presentes em Atenas. O
jogo disputar-se-ia no Estádio Olímpico de
Atenas, que tem capacidade para mais de 70
000 espectadores, ao contrário do velhinho
estádio do Pana que não consegue albergar
sequer 20 000. Chegámos ao estádio mais de
duas horas antes do início do encontro, e já
muitos milhares de pessoas iam preenchendo
as bancadas. O sector do Gate 13 rapidamente
83
encheu, e os cânticos iam-se seguindo, bem
como alguma pirotecnia ia sendo aberta
esporadicamente. O nervosismo era grande
face à importância do jogo, mas o que
realmente prendia o olhar eram as bancadas.
Quando o jogo se aprontava para começar
e todo o estádio entoa o horto magiko de
forma ensurdecedora, senti a pele arrepiada
e senti que mais um sonho estava cumprido.
Ainda assim fomos lá enquanto Ultras,
para dignificar o nosso símbolo e apoiar a
equipa, portanto não havia espaço para mais
contemplações. Ainda que sabendo ser uma
tarefa difícil, fizemos tudo para nos fazermos
ouvir e cantamos durante todo o encontro.
Depois do “tesão” inicial, a montanha
acabaria por parir um rato, e o apoio vocal
dos gregos mostrar-se-ia verdadeiramente
desapontante. Minutos e minutos sucessivos
sem se fazerem ouvir e, quando arrancavam
com um cântico, faziam-no com força, mas
apenas durante alguns segundos. Posso
dizer que foi, sem sombra de dúvida, a maior
desilusão da minha vida, e a prestação dos
locais foi demasiado fraca para se comparar,
por exemplo, com aquilo a que assisti dos
Delije no Marakana de Belgrado.
O golo que garantiu o apuramento
foi marcado já nos minutos finais, o que
provocou uma onda de euforia entre nós, e
uma épica descida da bancada, ainda que os
locais arremessassem inúmeras garrafas e
outros objectos da bancada superior, facto
que viria a originar um golpe na cabeça de
uma rapariga da Cruz Vermelha presente
na bancada. Entre festejos e “trocas de
galhardetes”, deu-se um sururu com um
elemento do Panathinaikos que, pelo porte e
pela pinta, deixava transparecer que género
de ligações teria, elemento esse que contou
com o auxílio de alguns stewards com quem
também escalou a tensão. A situação viria a
acalmar-se sem a intervenção dos polícias
presentes, que em nenhum momento se
preocuparam com o sucedido.
Finalizado o jogo, a preocupação
era só uma: trazer a faixa de volta para
casa. A saída acabaria por se dar sem
problemas de maior, e eu, junto com vários
outros companheiros regressaríamos nessa
mesma madrugada, com escala feita em
Colónia, não sem um sobressalto causado
pela polícia que queria reter um dos nossos
membros porque o seu cartão de cidadão
não estava em situação regular (o mesmo da
fronteira entre a Croácia e a Sérvia). Depois
de muita conversa a situação lá se resolveu,
e os restantes companheiros voariam no dia
seguinte, chegando ao mesmo tempo que
a equipa, que foi recebida no Aeroporto
Francisco Sá Carneiro por centenas de
bracarenses em festa, festa essa que se
prolongaria na chegada a Braga.
Tantas e tantas vezes as pessoas
que me rodeiam e que comigo se vão
cruzando perguntam-me o que me/nos leva
a fazer tantos sacrifícios, a abdicar de tanto,
a despender de tanto dinheiro e tanto tempo
em prol de um clube e de um grupo. Pensando
no assunto, e olhando em retrospectiva, com
estes dias que foram de verdadeira azáfama
e correria, com tanto sacrifício e tão pouco
descanso, dou por mim a perguntar o mesmo
a mim próprio, se não é já hora de acalmar
e dosear o “ímpeto”. Só que a resposta que
vem de dentro é invariavelmente a mesma: é
isto que me motiva a levantar da cama todos
os dias e é isto que me faz genuinamente
feliz. As peripécias, os contratempos, o
sacrifício, o companheirismo e a crença
de que lutamos por algo maior do que nós
próprios motiva-me, todos os dias, a seguir
em frente. Exausto, de carteira vazia, mas
absolutamente realizado. Assim se vive Ultrà!
Por J. Sousa
84
OS REGRESSOS DO FARENSE
Após a subida de divisão
devidamente festejada por todos os
Farenses, coisa que não aconteceu em 2020
por estarmos em pleno confinamento devido
à pandemia, ditou o sorteio que na 2ª jornada
o Farense se deslocasse ao Dragão para
defrontar o FCP. Este jogo era muito especial
para todos os Ultras de Faro, essencialmente
porque os South Side nunca tinham prestado
o seu apoio no reduto dos dragões, seja nas
Antas ou no Dragão, e também porque, na
última passagem do Farense pelo mais alto
escalão de futebol profissional, nos vimos
privados do apoio nos estádios, devido à
já referida pandemia. Foi uma época difícil
para todos os que vibram ao vivo com as
suas equipas, e ainda mais para nós porque
nos retiraram o prémio de quase 20 anos de
espera.
Corria o ano de 2020 e, na altura,
ditou o calendário que na primeira jornada
nos deslocássemos a Moreira de Cónegos
para defrontar a equipa local. A sede de estar
presente neste importante marco fez com que
uma dezena de Ultras se fizessem à estrada,
não para ver o jogo (que era à porta fechada)
mas apenas para apoiar a nossa equipa
nos 10 a 15 (?!) segundos de passagem do
autocarro Farense aquando da chegada ao
estádio do Moreirense. Missão cumprida,
e, após 7 horas de viagem, aqueles breves
segundos deixaram um sabor agridoce, pois
esperavam-nos mais 7 horas de regresso,
mas ao mesmo tempo partíamos com um
sentimento de satisfação por termos estado
presentes naquela data histórica para o nosso
clube!
Voltando ao Dragão, foi muito bom
ver o interesse de toda uma Velha Guarda
adormecida com os seus afazeres familiares/
profissionais/etc em querer estar presente,
juntamente com todo o sangue novo que
agora lidera os Ultras de Faro. Formou-se uma
boa equipa com um excelente foco em apoiar
o nosso Clube do início ao fim da partida,
e assim foi! Juntamente com os restantes
adeptos Farenses, conseguiu-se gritar e
apoiar até que a voz já não o permitisse.
Após os 90min + 20 de descontos todos
saímos exaustos, e nem mesmo o golo tardio
da equipa adversária nos fez esmorecer…
Naquele dia, escreveu-se mais uma página de
glória na história dos South Side Boys, Ultras
do Farense! Estamos de volta!
Por J. Araújo
85
BORDÉUS X CONCARNEAU
86
Realizar um guia de visita a uma
cidade leva-me sempre a procurar por
pontos de interesse e eventos relacionados
com futebol. E assim foi, mais uma vez, na
visita planeada para este verão à cidade de
Bordéus. Mundialmente conhecida pelos seus
vinhos, a capital da região francesa de Nova
Aquitânia tem visto o seu clube de futebol, o
Girondins de Bordeaux, perder protagonismo
no panorama do futebol francês. O histórico
emblema, por onde passaram, entre outros,
os portugueses Chalana e Pauleta, foi
relegado para a 2ª divisão em 2021/22 e
esteve à beira de uma descida administrativa
para os campeonatos não profissionais
devido a problemas financeiros. O que se
mantém forte é a paixão dos seus adeptos
que, independentemente da situação da sua
equipa, marcam forte presença e fazem sentir
o seu apoio incondicional em cada jogo.
O clube luta para voltar rapidamente
ao topo do futebol francês, mas não tem
sido fácil. O final da temporada 2022/23 foi
bastante atribulado, e a subida acabou por
fugir nas 2 últimas jornadas do campeonato.
Para agravar toda a situação, no último jogo
contra o Rodez, após o golo do adversário,
um adepto invadiu o relvado e entra em
contacto com o jogador autor do golo. O
árbitro ordenou que as equipas recolhessem
aos balneários e estas já não voltaram. A
Federação Francesa teve mão pesada: derrota
no jogo com o Rodez, um ponto subtraído na
época seguinte e interdição da Virage Sud –
sector dos Ultramarines - por 2 jogos.
Este era o contexto para a partida
com o Union Sportive Concarneau, clube
da região da Bretanha, que disputa a Ligue
2 pela primeira vez. A relativa facilidade na
aquisição do bilhete nas semanas anteriores
fazia antever que o estádio não iria ter casa
cheia. O elevado número de autocolantes
colocados no mobiliário urbano indicava
que me estava a aproximar do moderno
estádio René Gallice, antiga lenda do clube
e da cidade, cujo nome foi votado e adotado
pela Virage Sud em alternativa ao nome
mais comercial oficialmente utilizado. Este
moderno estádio, construído para o Euro
2016, tornou-se a casa do Bordéus depois
de o clube ter abandonado o mítico Estádio
Lescure. Situado fora do centro da cidade,
também recebe com regularidade concertos
e jogos de rugby, daí que existam apenas
alguns elementos discretos com identificação
alusiva ao Girondins de Bordeaux. Ao redor
do recinto, vários grupos de adeptos de
todas as idades reuniam-se junto aos bares
ou das portas do estádio, num ambiente
relativamente calmo que só seria perturbado
pela chegada do cortejo do novo grupo
North Gate, resultado de uma cisão nos
Ultramarines no final da temporada passada,
que durante o cortejo acenderam várias
tochas perante o olhar passivo da polícia
francesa, que pouco se faz notar em redor
do estádio. À passagem do cortejo, junto
da entrada dos Ultramarines, percebeu-se
a existência de alguma tensão entre os 2
grupos, confirmada dentro do estádio com
um incidente entre membros dos 2 grupos,
situação também vista recentemente entre
grupos do Saint Étienne e Marselha.
Ultramarines logicamente mais concorrida
para o pagamento de quotas de membros
e compra de material. Junto do seu setor,
membros mais jovens do grupo distribuíam
a fanzine do grupo a todos os que por lá
passavam. Recolhi-a entusiasmado por ver
que ainda existem grupos a apostar nos meios
clássicos para transmitirem informações aos
Uma avaria nos torniquetes na
entrada que me estava destinada viria a
gerar um cenário semelhante ao de muitos
jogos da Liga Portuguesa, com uma grande
aglomeração de pessoas cada vez mais
impacientes à medida que a hora do jogo
se ia aproximando. A situação viria a ser
ultrapassada através do clássico método
de leitura dos bilhetes pelos olhos dos
assistentes de recinto. Lá dentro, um
enorme vazio na Virage Sud e as faixas dos
Ultramarines transferidas para o 2º piso de
uma das bancadas laterais. A livre circulação
à volta do estádio permitiu-me visitar as
bancas de material dos 2 grupos, sendo a dos
seus membros. Os acessos aos vários sectores
do estádio, depois do incidente da temporada
passada, passaram a ser controlados e só
acessíveis a portadores de bilhete para o
respetivo sector. O estádio foi-se compondo
e na entrada das equipas, os sectores dos
grupos coloriram-se com bandeiras e uma
enorme faixa com a inscrição “Allez Bordeaux”
por parte dos Ultramarines, enquanto do
outro lado os North Gate exibiram a frase
“Pela Nossa Cidade” acompanhada por
algumas tochas e bandeiras. O Concarneau
contaria com o apoio de cerca de 30 adeptos,
que se posicionaram de forma discreta
no sector visitante. O apoio por parte dos
87
Ultramarines foi forte e acompanhado por
todo o estádio regularmente, prova de que
a dinâmica do grupo não foi muito afetada
pelo impedimento de ocuparem o seu
habitual setor. Nota para a ocupação massiva,
por parte dos adeptos, de uma varanda
posicionada entre o piso superior e inferior do
estádio e que funcionaria como uma espécie
de safe standing improvisada. No decorrer da
1ª parte foi exibida uma frase de homenagem
a um ultra dos Boys Parma - grupo que tem
amizade com os Ultramarines - recentemente
falecido.
A segunda-parte arranca e os
Ultramarines fazem uma vez mais notar-se
com um lençol de protesto contra os jogos
à 2ª feira. Á 2ª jornada, este seria o 2º jogo
disputado pelo Bordéus a uma 2ª feira, talvez
um dos motivos para que o estádio não
estivesse na máxima capacidade permitida.
Com os minutos a passarem e a impaciência
a apoderar-se das bancadas, o apoio não
cessou nem por um minuto e os adeptos
locais viriam a ser premiados com um golo
no último minuto através de uma grande
penalidade. Uma enorme explosão de alegria
dentro e fora das 4 linhas com os jogadores a
dirigirem-se prontamente para o sector mais
animado do estádio. Depois das desilusões
da época anterior e da derrota no arranque
nesta nova época, esta vitória voltou a
colocar um sorriso na face dos adeptos do
Bordéus, mas ainda longe de lhes devolver a
ilusão de regressar à Ligue 1. Veremos daqui
a uns meses…
Por M. Soares
88
89
CULTURA
DE ADEPTO
Por M. Bondoso
90
Quando saremo tutti nella nord
Internacional
Quando saremo tutti nella nord
Autor: Michele Spampinato
Equipa: Catania
Ano: 2015
Páginas: 216
Preço: 15eur
O autor leva-nos ao verão de 1993,
ao problema de exclusão do Catania na Serie
C1 e ao recomeço nos distritais. A partir daqui
é desenrolada acção com base na vida ultra
de Spampinato e na liderança da Falange
d’Assalto, seguida da fundação dos Decisi até
chegar ao grupo principal A Sostegno di una
Fede.
Pelo meio ficam as recordações das
deslocações pelos campos da 3ª e 4ª divisão
italiana, bem como as cisões entre os grupos
e os seus momentos mais conturbados.
É uma visão bem crua do que se passou sem
grandes folclores, assumindo sempre que
umas vezes se ganha e outras se perde. Não
há outra forma de ser nesta vida.
O relato das reuniões semanais do grupo
sobre a mentalidade a incutir e sobre as
decisões das coreografias e material a
realizar-se é também de boa leitura.
O final do livro é composto por uma
foto galeria desde 93 até 2006 onde o grupo
A Sostegno di una Fede chegou ao seu auge.
91
Nem melhores nem piores…
apenas diferentes
Nacional
Nem melhores nem piores… apenas
diferentes Ultras Máfia Vermelha
Autor: Máfia Vermelha
Equipa: Leixões S.C.
Ano: 2023
Páginas: 150
Preço: 5eur
O mais recente livro nacional
chegou este verão com alguma expectativa
visto a MV03 estar suspensa há já algum
tempo.
O livro apresenta-se num formato
A5 com capa de papel plastificada e num
preço bastante acessível.
É um conjunto de relatos de vários
membros do grupo ao longo destes cerca de
20 anos de actividade, em conjunto com uma
narrativa sobre as várias acções do Grupo
desde coreografias e deslocações marcantes.
O livro está composto por 8 capitulos que
abordam as várias fases da Máfia e do seu
Leixões, enriquecido por uma extensa galeria
fotográfica que suporta muito bem e prende
o leitor ao longo da obra. Sempre com jogos,
preparação de coreografias e um forte teor
identitário próprio das suas gentes e sempre
com um tributo ao mar e aos pescadores,
pilar social do LSC.
Termina com o comunicado da
auto suspensão e não deixamos de sentir um
amargo de boca e sentir como se do nosso
grupo se tratasse.
Uma pequena nota para a falta
de ficha técnica por decisão dos autores e
sentido unitário da obra pelo Grupo.
92
Quando saremo tutti nella nord
Nem melhores nem piores… apenas diferentes!
93
ERA UMA VEZ
FOTOS DA CURVA
Quem é o Pedro “Blue”?
Um eterno apaixonado pela forma que os
adeptos, via bancadas, contribuem para
o espectáculo que é o futebol! Um ULTRA
camuflado que, bem cedo, começou a
acompanhar o seu clube do coração. Agora
eterniza os movimentos da curva através das
imagens que capta e divulga.
Qual o teu percurso nos grupos ultra do FC
Porto?
O percurso é longo. Aos 12 anos (estou perto
dos 48) ingressei nos SUPER DRAGÕES, logo
após a conquista da Taça dos Campeões
Europeus em Viena de Áustria (1987). Dos
jogos que foram realizados em Portugal, vi
todos ao vivo.
Em 1995, tive uma fugaz passagem pela
fundação do MOVIMENTO PORTUENSE e,
alguns tempos depois, pelo C95. Em ambos
os casos foram tempos curtos. Em nada me
arrependo, na altura houve um misto de falta
de vontade e desacordo com algumas coisas
em que não me revia nos SD. Rapidamente
voltei, pois era lá que eu pertencia.
Cheguei a ser o sócio número 9 dos SD,
há mais de 30 anos. Hoje sinto-me, com
propriedade (alguns podem não concordar),
parte da história dos SD.
Quando começaste a tirar fotos nasceu
logo o FotosDaCurva ou a ideia foi-se
desenvolvendo com o tempo?
Foi mesmo uma casualidade. Tinha um
amigo que me desafiou para o acompanhar,
que ainda hoje aparece de vez em quando,
e que me abriu as portas para o mundo da
fotografia desportiva. Foi crescendo a paixão
e a dedicação, nunca tirando o foco dos ideais
que eram os adeptos.
Quais os teus objectivos e motivações?
Essencialmente a motivação veio “de dentro”
e vibro muito, ainda hoje, com uma curva
a cantar e a causar espetáculo dentro do
estádio.
O objectivo não é descabido, dar voz a
quem sustenta o Futebol - os adeptos.
Essencialmente os ULTRAS, que viajam o
mundo inteiro para acompanhar e apoiar
a sua equipa e mostrar o quão importantes
são, demonstrando a falta que fariam se lá
não estivessem.
As claques não são criminosas! As pessoas é
que podem ser, em qualquer canto do estádio
ou fora dele, desportivamente falando ou
não.
Que tipo de fotografia gostas mais: tifos,
braços, cachecoladas ou bandeiras?
Adorava cachecoladas, algo menos visto nos
dias de hoje. Na realidade gosto de todas
essas vertentes, desde que bem feitas e
sincronizadas, o que cada vez se torna mais
difícil, pois requer muito tempo a formar
94
a muita gente nova que existe. Às vezes
também parece que alguns só se lembram
do dia de jogo. Dia a dia é preciso colaborar
para que no fim de semana tudo corra como
esperado, especialmente em alguns jogos.
Quantos jogos tens fotografados?
Ora, 50/60 eventos por ano multiplicados por
21 anos, dá aproximadamente 1100 jogos.
Qual o teu top 3 de fotografias favoritas ou
memoráveis?
Esqueçam lá isso, gosto de tantas e algumas
não gosto nada. O tifo de Sevilha, onde se
podia ler “mais uma página de glória no livro
da nossa história” marcou-me. Uma parceria
SD/C95.
Vendes as tuas fotos?
Particularmente não, institucionalmente sim,
algumas têm dono. Ao longo dos tempos fuime
tornando agente/colaborador/prestador
de serviços/freelancer de alguns órgãos de
comunicação social.
Nunca podes falhar um jogo, mas, se falhares,
como tens as fotos?
Verdade, nunca posso falhar. Se falhar é
porque, muito raramente, algum clube decide
vedar o meu acesso, mas só um ou outro o
fazem. Nunca faltam as fotos, tantos amigos
fotógrafos (alguns até de outras cores) estão
sempre prontos a cobrir-me as costas… E elas
aparecem sempre.
Já te sentiste pressionado em jogos fora?
Tens problemas na acreditação por saberem
que és focado apenas nos adeptos do Porto?
A verdade é que não sou pressionável.
Depois, sou quase sempre bem recebido em
qualquer campo.
Conhecem-me, sabem bem que é o
FOTOSDACURVA, respeitam e eu respeito.
Não estou ali para envergonhar o clube que
me acolhe mas sim para registar o que há de
bom nas nossas deslocações.
Os membros das outras claques não se
“atiram”, ainda bem, porque aí eu teria de
tirar cá de dentro a minha essência. Respeito e
têm de me respeitar, o que até hoje acontece.
Sentes que as pessoas valorizam o projecto?
Que reconhecimento sentes ter?
Sim e, sinceramente, uma das coisas que me
mantém é saber da importância do projeto.
Não consigo ver ninguém com vontade/
capacidade/habilidade social para aguentar
tantos anos nisto. Não é mesmo nada fácil.
Acabo por ser reconhecido pelo trabalho
apresentado, se calhar não tanto como
desejava, mas tudo bem. De resto, às vezes,
até parece que jogo de chuteiras. Não posso
ir a lado nenhum que não apareça alguém
a chamar: “oh bluuueee!“. Até autógrafos já
dei, hiper forçado.
O projecto desgasta?
Muito, estou a tratar da sucessão pois quero
voltar à curva aos 50/51.
Vês-te a fazer isto por muitos mais anos?
Não, mas há quem não se acredite e pensa
que jamais deixarei isto.
Uma mensagem final para os nossos leitores
Foram muitos anos e muitas histórias. Deixo
aqui um lamento: tenho muita pena que as
autoridades deste país e instituições ligadas
ao fenómeno não me requisitem para
APRENDEREM a lidar com as mais diversas
ocorrências do mundo ultra em Portugal.
Teriam muito a aprender. Sei mais a dormir
sobre claques do que eles com mil livros
à frente. Salvo meritórias excepções, não
percebem, absolutamente nada, de como
lidar com massas desportivas.
95
Defender, Honrar e Ser Sporting Clube de
Braga
96
Nesta vida que a imensa paixão
pelo clube local nos proporciona, vivenciam-
-se e sentem-se as mais variadas emoções,
ocasiões e momentos de companheirismo
que acabam por ser o que se leva deste
mundo.
Numa realidade em que cada
vez mais se verifica a modernização e
transformação do quotidiano, infelizmente,
o futebol não foge à regra. Nos últimos
anos, em Portugal, tem-se verificado uma
deturpação do desporto-rei que todos os
ultras amam. São muitas as causas que
influenciam e alteram a realidade desportiva
em Portugal, desde o panorama social no
qual os media tradicionais moldam a opinião
da sociedade conforme lhes dá jeito, até
ao panorama político, com leis mascaradas
como “boas causas”. Temos diversos
exemplos de manobras políticas desse
género, mas a mais recente foi a alteração da
Lei nº 39/2009, que levava como prioridade
“o combate ao racismo, à xenofobia e à
intolerância nos espetáculos desportivos” e
que teve como finalidade oprimir os adeptos
que se organizam, que ao fim ao cabo são a
última defesa que resta na luta pelo futebol
do povo.
No que toca ao meu clube, o
Sporting Clube de Braga, dada a sua grandeza,
são muitas as histórias que existem em todas
as modalidades, mas principalmente no
futebol. Uma parte dessas histórias foramme
relatadas por familiares e pessoas que
acabei por conhecer. Visto a minha tenra
idade, com muita pena minha, não tive a
oportunidade de acompanhar o SCB pré
Euro 2004, ou seja, não vivi a grande e mítica
atmosfera que se verificava no 1º de Maio
(o verdadeiro futebol popular bracarense).
A minha realidade, no que toca ao futebol,
sempre foi ir ao Municipal, fosse com o meu
pai ou com o meu primo, sempre perto
dos antigos setores ultras separados, o que
certamente colaborou para a minha fervorosa
paixão desde cedo. Após o tempo que
estivemos enclausurados nas nossas casas
durante a pandemia, a paixão e a vontade
de ser o 12º jogador vieram ao de cima e
decidi seguir os passos da família, embora
por outro caminho. Com a independência da
idade e com o dinheiro angariado durante
as férias, fiz-me à estrada e, para além dos
jogos em casa, aventurei-me nas deslocações
“sozinho”. Apesar de desafiador, sem dúvida
alguma que vai continuar a ajudar a moldarme
no homem que quero ser. Contudo, fiquei
a conhecer o que de facto acontece pelos
estádios portugueses, e como se é tratado
pelas autoridades, que ajudam em tudo
menos a zelar pela segurança dos cidadãos.
Passei a verificar toda a repressão ridícula
que existe, e por muito que se cumpra a lei,
a dita autoridade abusa do poder que tem e
pode simplesmente negar a entrada de todo
o tipo de material, mesmo que venham a
perder a razão em tribunal.
Tendo em conta os tempos de ouro
que vive o SCB, é normal que a felicidade dos
associados seja notória. No entanto, há que
analisar o que está por debaixo do tapete.
A grande maioria da geração mais nova vê
com bons olhos todo o sucesso desportivo e
contratações que o clube possa vir a ter e a
fazer, e não procura informar-se sobre o que
se passa no capital da SAD. Ao acompanhar a
Bracara Legion, que desempenha um papel
fundamental em informar os associados
com participações notórias nas Assembleias
Gerais, tertúlias, protestos, etc., podemos
concluir que é parte fulcral do que é o SC
Braga. Uma questão imprescindível, que
tem sido referida e mantida sempre como
discussão dentro do seio bracarense, é a
divisão da SAD e o facto do SC Braga não
ter maioria percentual dentro da mesma,
os famosos “50+1”. Nos últimos anos, as
mudanças na detenção de percentagem
que se pode aferir, são no mínimo curiosas,
mas particularmente questionáveis e
preocupantes. Aquando da criação da SAD,
a Câmara Municipal de Braga fez questão de
adquirir 17.14%, o que custou aos cofres do
município 1 milhão de euros (200 mil ações,
5 euros/ação) devido à importância do clube
como embaixador da cidade. Quase 20
anos depois, a Câmara decidiu vender essa
mesma percentagem por 200 mil euros no
total, (o que gerou um prejuízo de 4 euros
por cada ação) e que acabaria por chegar às
mãos da “Sundown Investments Limited”,
uma sociedade de investimento sediada no
Reino Unido. O SC Braga deixou escapar uma
oportunidade única de recuperar a maioria
da SAD por uns meros 200 mil euros, ainda
que um ano antes dessa venda, António
Salvador tenha dito que iria propor uma AG
extraordinária para que os sócios pudessem
aprovar a compra dessas ações, algo que
nunca se veio a realizar, talvez pelo interesse
do presidente que, ao que se veio a saber,
está “alegadamente” envolvido com essa
sociedade.
Algo que se pode afirmar é a falta
de transparência do atual presidente do SC
Braga e todas as partes envolvidas nestas
trafulhices, com contradições do “homem
do leme” que, num espaço de apenas 3
meses, passou de “Não vamos fazer parceria
nenhuma com o PSG” para se verificar de
facto a entrada da QSI (dona do PSG) na SAD
minhota e a deixar cair por terra o objetivo
de se ser “independente de tudo e todos”.
Gostaria também de referir a quantidade
de tempo que estas ações agora referentes
à QSI pertenceram à “Olivedesportos SGPS,
SA”, que em nada contribuiu para a SAD
97
98
do clube, bem pelo contrário, em que só
associaram Joaquim de Oliveira, dono da
Olivedesportos, conhecido vigarista em
Portugal e um dos grandes responsáveis
pela destruição do futebol popular, à grande
instituição que é o Sporting Clube de Braga.
O que é factual é que, nos dias de
hoje, o clube minhoto sujeita-se a ser mais
um caso infeliz como os incalculáveis que
têm vindo a ocorrer nos últimos anos (Os
Belenenses, Olhanense, CD Aves, Leixões,
Beira-Mar, etc…). São infindáveis os clubes
em Portugal que foram traídos por não
terem a maioria da SAD. Posto isto, à Bracara
Legion move-nos o amor ao Sporting Clube
de Braga, e sempre nos mantivemos firmes
na luta por um futebol associativo e popular.
São inúmeros os manifestos de insatisfação
e inconformidade com o que se passa em
torno do SCB, como toda a batalha que foi
travada contra o Cartão do Adepto, ser voz
ativa contra o desrespeito pelos adeptos
e contra o que sucede dentro da SAD no
que diz respeito à temática dos “50+1”
e o quão importante isso é, por todos os
motivos que já escrevi anteriormente neste
artigo. A nossa posição é bastante clara: não
queremos que aconteça ao clube que tanto
amamos o que aconteceu a tantos outros,
e queremos manter sempre o que deve
ser o SC Braga, os valores, a tradição e a
comunidade. Por muito que a dissociação a
esses sustentos financeiros possa causar uma
queda do rendimento desportivo, queremos
manter-nos fiéis à identidade do clube e
aos seus princípios. Embora pareça valer
tudo no futebol atual, principalmente no
futebol português, o que interessa é ganhar
independentemente de como se ganha,
e assim sendo fica a questão: Deve valer
tudo desde que exista mais competitividade
desportiva?
Dito isto, avizinham-se novos
tempos com a mudança das modalidades
para o novo pavilhão localizado ao lado
do estádio, e resta-nos aguardar pelos
momentos e histórias que lá possam ser
escritas. Que o futuro seja risonho, tanto a
nível desportivo, como na tentativa de obter
a maioria da SAD, tal e qual na bancada e
fora dela. Enquanto houver uma batalha
para travar, por muito que pareça não ter
fim à vista, cá estaremos a resistir, porque a
nossa paixão não tem preço. Viva o Sporting
Clube de Braga e liberdade para apoiar hoje
e sempre! Liberdade aos ultras!
Por T. Costa
99
100