You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
1
06
Congresso Europeu de Adeptos ‘23
Football’s coming home!
09
nova época,
velhos problemas
12
HISTÓRIA DO MOVIMENTO
ORGANIZADO DE ADEPTOS
na turquia
24
janeiras: assim se ajuda
o clube... cantando
26
32
à conversa com
koala (ultras12)
memórias da bancada
46
resumo da bancada
2
56
expectativas para a bancada
60
rivalidades com história
the old firm
62
70
na terra de d10s
cucs 2023
72
ver de fora,
por dentro
76
NK Celje x Vitória sc
78
A lenta mas incessante evolução
de soccer para futebol
82
cultura de adepto
86
a voz do leitor
3
Edito
Estamos de volta com mais um
novo número, desta vez o 18º da Cultura de
Bancada.
Como no final de todas as épocas, o
ritual repete-se. Os clubes agitam o mercado
de jogadores, uns compram e outros vendem.
Os adeptos seguem atentamente as notícias,
e todos esperam o melhor plantel para atingir
as suas expectativas. A pré-época está a
começar e já se dão os primeiros toques na
bola. Surgem os primeiros treinos à porta
aberta e aproximam-se os primeiros jogos
não oficiais. Tudo parece começar a voltar
à normalidade no universo da bancada.
Normalidade, como quem diz... Na verdade,
temos total consciência que está para
chegar a última actualização à lei contra a
violência no desporto, só que, por mais que
as adversidades aumentem o volume, nós já
estamos habituados a tantas vergonhas que
já não estranhamos os ataques aos quais nos
sujeitam.
Há um ano comentávamos que
nem nas férias havia tempo para despir a
camisola. Nada mudou. Por toda a dedicação
e empenho é gratificante ver que, desde
então, conseguimos somar mais 6 números.
A Cultura de Bancada não é o projecto das
nossas vidas, mas é sem dúvida algo que se
tem solidificado como algo de muito valor.
À medida que o ciclo que se
fecha, nunca é demais lembrar que tal só foi
possível graças aos contributos das dezenas
de convidados. Sabemos que dizer obrigado
é pouco, mas é verdadeiro e sentido.
Na contracapa deste número deixamos
espelhada, em jeito de homenagem, a forma
como interpretamos a vossa colaboração
– vocês são os tijolos que formam esta
construção.
Em meu nome, como director,
também presto o meu reconhecimento e
gratidão aos meus companheiros de trabalho
que formam esta grande equipa. Para quem
está de fora, talvez não seja fácil de perceber
a pressão a que estamos sujeitos. A exigência
é enorme, e por isso cada tema, cada página,
é uma conquista que esconde uma batalha.
Assim, não é de estranhar o desgaste que
todos sentimos. Reforço tudo isso com o
4
Director
J. Lobo
Convidados
Martha Gens
Eupremio Scarpa
Koala
Redacção
L. Cruz
G. Mata
J. Sousa
Afonso C.
Frankin
Guido Bruno
rial2
facto de ninguém lucrar um cêntimo em troca
do que faz. Posso dizer mais: se tempo é
dinheiro, nós pagamos para que a Cultura de
Bancada exista. Obrigado malta!
Gostávamos de mencionar que o número
anterior teve estatísticas, no campo das
visualizações, que nos induzem a pensar
que continuamos a despertar o interesse
de alguns adeptos. As interpretações que
podemos tirar vão muito além da questão
do reconhecimento e sobre se são muitos
ou poucos os que nos seguem. Continuamos
a sentir que o mais importante é servir as
bancadas e ajudar a afirmar a condição de
adepto. Ajudem-nos a melhorar, façam chegar
os vossos contributos e as vossas sugestões.
Aproveitamos para deixar uma nota
importante sobre a saída da nossa revisora, A.
Pereira, que colaborou praticamente desde o
início da Cultura de Bancada e nos ajudou a
elevar significativamente o nível das nossas
páginas. Gostávamos de sublinhar que, sem
ela, não éramos a mesma coisa, e também
não temos dúvidas que, sem ela não tínhamos
a mesma qualidade. Assim, deixamos o nosso
reconhecimento e agradecimento por tudo
o quanto ela fez pelo projecto e, também,
por aquilo que nos ensinou sobre a língua
Portuguesa. Fecham-se umas portas, abremse
outras, e prometemos que faremos os
possíveis para colmatar esta saída. Neste
mesmo número, iremos acolher um novo
elemento que fará o seu melhor para cumprir
com a missão deixada pela A. Pereira. Bemvindo
J. Rocha.
É em tons de despedida que
fechamos o 3º ciclo da Cultura de Bancada,
mas nem tudo são más notícias. No próximo
número iremos comemorar o 3º aniversário
do projecto, e gostávamos de contar com
uma maior participação dos nossos leitores.
Sabemos que ainda são alguns! Será que
estamos a pedir muito? Será que em Portugal
queremos uma cultura de adeptos activos ou
vamos continuar na mesma passividade que
nos tem caracterizado? Cheguem-se à frente,
pois neste projecto vocês importam!
Pela bancada, pelos adeptos!
Design
S. Frias
M. Bondoso
Revisão
J. Rocha
Convidados
D. Carvalho
Lars Smit
P. Alves
5
CONGRESSO EUROPEU DE ADEPTOS ‘23
FOOTBALL’S COMING HOME!
6
“Football’s coming home, it’s coming home…”
– podia ter sido esta a banda sonora de
todos aqueles que nos dias 21 a 25 de junho
chegaram ao aeroporto de Manchester para
o European Football Fans Congress #23, coorganizado
pela Football Supporters Europe e
pela Football’s Supporters Association.
Foram cerca de 350 adeptos de todo o mundo
que se deslocaram a Manchester para este
evento – Brasil, Israel, Alemanha, Espanha,
Noruega, Suécia, Escócia, Irlanda, França...
Portugal. É sabido que este Congresso é
um momento ímpar de congregação à volta
de todos os assuntos que nos interessam.
Contudo, este foi, sem sombra de dúvida, o
Congresso mais concorrido de sempre.
Foram entrevistas, painéis,
workshops, discussões, convívio, cervejas
frescas num ambiente difícil de ilustrar e
no fim, sempre o sentimento de saudade, e
ainda o evento não terminou.
Este ano, este congresso foi
marcado pelo simbolismo de ter voltado a
Inglaterra, 15 anos depois, acabando por
marcar uma fase de mudança na Football
Supporters Europe.
No primeiro dia, Old Trafford, casa do
Manchester United, acolheu uma reunião
oficial de OLAs – Oficiais de Ligação de Adeptos
- uma vez que este é agora um dos pelouros
oficiais da Football Supporters Europe, em
virtude da fusão com a SD Europe. Foi uma
reunião na qual os participantes puderam
ilustrar o panorama nos seus clubes/países
e procurar soluções para os problemas
mais frequentes com que se deparam.
Lamentavelmente, nenhum representante
português esteve presente, o que é um claro
espelho da total falta de noção das nossas
instituições acerca da importância que este
tópico pode representar no trabalho, no
terreno, dos clubes com os seus adeptos.
De notar que, ao longo de todo o
evento, foram inúmeros os momentos em que
ficou visível que o panorama europeu para os
adeptos é visto como parte indispensável do
jogo, e que o próprio panorama inglês está
de boa saúde e a anos-luz do que se vive em
países como Portugal. Demonstra, sobretudo,
que o nosso caminho se prevê longo.
A presença do presidente da UEFA
foi um dos momentos que ilustrou o salto
qualitativo do lugar que neste momento é dos
adeptos – o presidente da UEFA, Aleksander
Čeferin, foi convidado para discursar na
abertura deste evento. As suas palavras
foram sóbrias e realistas. A única promessa
deixada foi a da existência de trabalho pela
frente, e que era mais oficial que nunca
que este trabalho tem de ser feito com os
adeptos sentados à mesa. Houve ainda lugar
a um momento simbólico, onde Aleksander
Čeferin pediu, em discurso directo, desculpa
aos adeptos por tudo o que se tem passado
e todos os atropelos aos seus mais básicos
direitos - numa clara referência à última
final da UEFA Champions League que teve
lugar no Stade de France, onde os adeptos
do Liverpool temeram assustadoramente (e
mais uma vez....) pela sua integridade física.
Seria até legítimo achar que
esta presença no congresso podia ser um
proforma, uma aparição sem seguimento, ou
uma simples presença num evento.
Pensemos - quantas vezes algum
dos nossos Governantes nos pediu desculpa,
e de seguida nos convidou para fazer parte de
Comités? Fica a reflexão. Só temos de dar os
parabéns a quem quer dar o bom exemplo,
porque ele vem, inevitavelmente, de cima. Já
se sabe o que se diz da mulher de César....
Para este painel inaugural, foi ainda
oradora Debbie Hewitt, a primeira mulher
presidente da Federação Inglesa de Futebol,
que nos brindou com um nível estrondoso
de conhecimento e empatia, que cativou
a plateia. Ronan Evain, CEO da FSE, e Kevin
Miles, CEO da FSA, compuseram este painel,
que acabou por ser o aperitivo chave para os
dias que se avizinhavam.
De assinalar ainda a presença
de diversas instituições relevantes – todas
elas enviaram delegados para se fazerem
representar no meio dos adeptos ao longo
dos dias – European Leagues, FIFPRO, UEFA e
diversas Federações de Futebol.
O primeiro plenário abordou o
projecto “Fans for Diversity”, em que foram
apresentados vários casos de sucesso,
onde os próprios adeptos se dedicam a
causas de enorme impacto social e fazem
efectivamente a diferença na vida de outros
– mais carenciados, mais desfavorecidos -
abandonados pelas instituições, e acolhidos e
integrados por adeptos.
Já os workshops que decorreram
ao longo do Congresso, denotam claramente
que o panorama dos adeptos é bem diferente
de país para país. Enquanto nós aqui ainda
tentamos que as instituições entendam
que a liberdade de expressão não deve ser
condicionada por vestirmos a camisola de um
clube, ou que não pode haver diferença de
tratamento dependendo do lugar onde nos
escolhemos sentar num estádio, há quem
comece a trabalhar temas como a ecologia e
sustentabilidade, os vários modelos de “fan
owned clubs” e casos de sucesso, o impacto
das transmissões televisivas nas bancadas,
sustentabilidade financeira (e os casos de
clubes em crise), ou os casos de detenção de
vários clubes por investidores (não fosse o
local do Congresso mesmo ao lado do Etihad
Stadium).
Igualmente interessante foi
também uma conversa com o antigo jogador
inglês Gary Neville, conhecido pelas suas
opiniões vincadas, e que foi uma das vozes
mais duras contra a Super Liga, e agora,
recentemente, contra a venda de jogadores
para clubes do Médio Oriente. O Ministro do
desporto inglês marcou também presença e
falou para os adeptos – algo que, em países
como o nosso, era provavelmente impossível
de acontecer.
Este Congresso foi ainda marcado
pela Assembleia Geral tanto da FSA como da
FSE – no caso da FSE, com direito a eleições
para o seu Conselho de Administração.
Este foi um dos momentos mais
emotivos e onde mais uma vez se sublinhou
o clima de mudança na FSE – Michael
Gabriel, adepto do Eintracht Frankfurt,
membro fundador da FSE e responsável
desde sempre pelas Fans Embassies, retirase
do seu cargo, e o mesmo acontece com
Kevin Miles, adepto do Newcastle, que por
sua vez não se recandidata, tornando a sua
saída deste órgão especialmente simbólica,
por acontecer no seu próprio país. Assim, são
eleitos três membros novos para o Conselho
de Administração: Joe White, adepto do
Arsenal; Katrina Law, do Totenham Hotspur; e
Trond Larsen, do clube norueguês Vålerenga.
A representação portuguesa manteve-se,
tendo ido igualmente a votos.
7
O último dia foi dedicado ao futebol
feminino, cuja notoriedade é actualmente
incontornável (especialmente em Inglaterra)
e, por esse motivo, também começa a
recolher as atenções da própria FSE, de
forma a que a organização seja capaz de
acompanhar o desenvolvimento do desporto
e da sua base de adeptos.
Por último, e muito marcante para a
APDA, foi ainda o workshop com Associações
Nacionais de Adeptos, onde foi apresentado
o Projecto “Kick Off”, promovido à data pela
SD Europe, agora FSE, no qual se trabalhou,
sobretudo, o criar ligações entre associações
de adeptos e as federações – especialmente
em países onde esta relação não existia e se
revelava particularmente problemática ou,
em outros casos, se mostrava necessária
outro tipo de abordagem.
Ao fim de 5 dias intensos, pouco
sono, muita informação, discussão e convívio,
é inevitável não chegar à conclusão que o
caminho que trilhamos é certo. Por outro
lado, é crucial transmitir-vos, com alegria, o
reconhecimento que é sempre feito por todas
as instituições e demais colegas ao trabalho
da APDA. O regresso a Portugal foi cheio de
certezas, energia e vontade de trabalhar. E
que chegue depressa o próximo congresso.
Por Martha Gens, Presidente da Associação
Portuguesa de Defesa do Adepto
8
NOVA ÉPOCA, VELHOS PROBLEMAS!
Os últimos anos têm sido férteis
em acções que prometem mudar o futebol
para melhor. Porém, à medida que os anos
passam, as promessas não se cumprem e
nada evolui positivamente, pelo contrário.
Os adeptos sentem na pele, como nunca, as
consequências dos vários passos escolhidos
por gente que pouco ou nada parece entender
sobre o fenómeno que é o futebol, e aquilo
que o mesmo significa para as pessoas.
Se no passado já existiam problemas,
que potenciavam o afastamento dos adeptos,
nos últimos anos o cenário complicou-se
ainda mais. Como se não bastassem os
fracos horários ditados pelas televisões,
a falta de qualidade do jogo, a corrupção,
uma generalizada falta de confiança na
verdade desportiva e as fracas condições nos
estádios, agora temos leis repressivas que
atentam contra vários direitos elementares
dos cidadãos, SAD’s que destroem os clubes,
políticos que fazem experimentos sociais
com os adeptos e instituições que tutelam
o futebol a ver os adeptos apenas como
consumidores... Tudo isto parece anunciar
uma morte lenta para o futebol português da
forma como o conhecemos e desejamos.
Hoje em dia virou moda tratar os
adeptos como clientes, meros consumidores
de uma experiência de entretenimento. Não
digo que não exista gente que se encaixa
nesse perfil, mas são uma minoria. A grande
maioria das pessoas que vai ao futebol e
participa na vida activa dos seus clubes fá-lo
por amor. É um forte sentimento que une as
pessoas aos clubes e não a vontade de viver
uma experiência associada a uma marca. É o
vínculo a uma identidade e não um negócio
de emoções.
Nos problemas descritos no
segundo parágrafo, não falei da violência de
forma propositada porque tinha intenção
de o fazer agora. Começo por dizer que a
Liga Portugal, que se apresenta na linha da
frente no combate à violência no desporto,
teve a sua credibilidade posta em causa com
a existência de suspeitas de tráfico humano
na Bsports, com incidência particular em
Mário Costa, que era nem mais nem menos
o presidente da mesa da Assembleia Geral
da Liga Portugal. Até agora, quero destacar a
demissão de Mário Costa, o facto de ninguém
da Liga saber da existência da Bsports e da sua
relação a Mário Costa e por fim, pasmem-se,
o voto de louvor à direcção da Liga Portugal.
Fica para a história mais um triste episódio,
que talvez seja a ponta do icebergue, de
um problema de violência extrema que é
noticiado há pelo menos uma década no
nosso país, mas que parece ter sido de algum
modo ignorado até agora. Pelo menos o
mediatismo serviu para que a classe política
respondesse à chamada com promessas de
apresentar medidas de combate ao tráfico
humano no desporto – mais uma vez, aquela
pronta resposta ao mediatismo, à velha
maneira política para mostrar trabalho.
Falando de outras coisas, em
julho, o Observador lançou uma excelente
notícia com dados referentes às assistências
no futebol português, e também em alguns
países europeus. Apesar desse artigo ser
muito positivo para uma melhor compreensão
do panorama, os resultados apresentados
9
10
são tudo menos animadores. André Maia,
autor do texto, começa por referir que, na
última época, a normalidade voltou, visto
ter sido a primeira sem as restrições da
Covid-19. Porém, não voltou com todos os
adeptos. Em comparação com a última época
antes do Covid, a 2018/2019, o número de
adeptos nos estádios portugueses diminuiu
ligeiramente. Ficou um alerta que, apesar de
a queda ser de pequena dimensão, não deixa
de ser um factor alarmante se fizermos uma
comparação com o que ocorre no resto da
Europa.
Ficou também demonstrado que a
Liga Portuguesa é aquela que tem pior taxa
de ocupação nos estádios entre as Top 10 da
UEFA. Este problema encontra-se patente
no Plano de Actividades e Orçamento para
2022/2023 da Liga Portugal que, mais uma
vez, não é atingido, ficando aquém das
previsões deste organismo. Pela sexta vez, a
Liga Portugal falhou nos seus objectivos no que
diz respeito às assistências. Por curiosidade, a
nossa Liga foi aquela com maior percentagem
de jogos após as 20h00, entre as top 20 da
UEFA. Em resposta, Pedro Proença anunciou
mudanças a nível dos horários dos jogos em
dias úteis. Assim, de agora em diante, se for
agendada apenas uma partida, terá de ser
realizada às 18h00 ou 20h15. No caso de
serem marcados dois jogos, no mesmo dia
útil, terão de ser realizados às 18h45 e 20h45.
Mais uma vez, a compreensão do problema é
curta e fica visível que vamos continuar a ter
dificuldade em estar presentes nos estádios,
uma vez que em dias úteis a grande maioria
dos adeptos trabalha. Querem verdadeiras
mudanças? Acabem com o futebol à segundafeira
e tenho a certeza que as estatísticas
serão diferentes.
A queda das assistências teve lugar
nas três competições a cargo da Liga. No
que diz respeito à Taça da Liga, a medida
apresentada para combater o problema
é uma redução do preço dos bilhetes até
50%. Porém, em novembro do ano passado,
soubemos da vontade em alterarem o
formato da competição, que seria jogada
apenas entre os quatro primeiros classificados
da época anterior, e em solo internacional.
Em maio deste ano, soubemos que afinal
passariam a ser oito as equipas em prova –
os primeiros seis classificados da 1ª Liga e os
primeiros dois da 2ª Liga. Isto acontece num
momento em que todos sabemos que os
calendários nacionais estarão mais apertados
por consequência da alteração do modelo
da Liga dos Campeões. Algumas ligas já
excluíram a Taça da Liga dos seus calendários,
numa tentativa de proteger os seus clubes e
as suas competições, mas por cá queremos
usar a Taça da Liga como montra do futebol
português no estrangeiro. A pensar na
centralização dos direitos televisivos, Pedro
Proença quer internacionalizar a Liga Portugal
para conseguir vender o seu “produto”, nem
que para isso tenha que tirar aos adeptos
portugueses a oportunidade de celebrar ao
vivo a vitória do seu clube. Nunca olhei com
bons olhos para a Taça da Liga, mas com as
alterações que trazem uma diminuição do
número de clubes em prova e com a vontade
de levarem a final para o fora do nosso país,
é talvez a gota de água que faltava para
ponderar a minha ausência nesta competição,
por tudo de errado que ela representa.
Será que as pérolas da Liga ficam
por aqui? Lamento, mas não ficam. Após
terem promovido a ideia que, durante este
mandato de Pedro Proença, querem colocar
o adepto como eixo central do espectáculo
desportivo, vieram a público as primeiras
linhas de como isso se irá desenvolver. Em
primeiro lugar, arranjaram um acordo de
naming sponsor com a Betclic, para aproximar
a Liga dos adeptos; e, em segundo lugar,
falaram da criação de uma bola, com design
próprio, que criará uma ligação afectiva com
os adeptos. O terceiro passo também já foi
adiantado: continuar a trabalhar com marcas
de referência que impulsionarão a relação
com os adeptos.
Está à vista que a nova época trará
um denominador comum para quem ama e
vive o futebol na bancada – mais problemas.
As instituições são feitas por pessoas e, por
isso, enquanto tivermos pessoas sem o
conhecimento e a criatividade necessária
para cumprir devidamente o seu propósito,
continuaremos na amargura que é viver o
futebol em Portugal. Querem mais provas?
Atentem nas seguintes declarações de Duarte
Gomes, antigo árbitro de futebol e membro
do Conselho Nacional de Desporto, na 2ª
Conferência Bola Branca sobre a segurança
no desporto: “sou adepto da democracia
musculada, e acho que neste aspecto
falhamos muito... é permitida demasiada
regalia, eu diria ao arguido, ao réu, através de
um conjunto de expedientes que lhe permite
adiar processos, adiar prazos, recorrer a
testemunha”. Por
sua vez, outro
participante, José
Sampaio Nora,
o Presidente
da Associação
Portuguesa de
Direito Desportivo,
corroborou dizendo
“essa celeridade não
pode ser à custa dos
direitos dos cidadãos,
mas se calhar, se
me questionar se
os cidadãos têm
muitos direitos,
nomeadamente estes
que fazem este tipo
de práticas nefastas,
tendo a concordar”.
Por ironia do destino, um mês depois, José
Nora participou na Conferência sobre ética
e integridade no desporto, organizada pelo
Desportivo das Aves, onde se falou acerca da
existência de casos em que os adeptos são
acusados e sancionados injustamente.
Perante tantos anos de
“iluminismo”, o desgaste sentido pelos
adeptos é enorme. Apenas o amor ao nosso
clube nos faz ter vontade para continuar a
entrar na bancada. Por isso, os clubes têm
de fazer mais na defesa dos seus adeptos
porque, a continuar assim, serão eles os
maiores prejudicados.
Por J. Lobo
11
12
Viajar é uma oportunidade para expandir horizontes territoriais e mentais. Voltamos a viajar até
muito longe, até uma cultura e realidade muito diferentes das portuguesas. Turquia é o destino!
Reza a lenda que o povo turco se foi formando com influências de povos do centro
asiático, persas, macedónios e romanos. Naquele território, situado no sudeste europeu e
sudoeste asiático, instalou-se a cúpula do Império Romano do Oriente, por volta de 330 d.C.
Mais tarde, seria a vez do Império Bizantino, que por ali se instalou durante mil anos, bem como
a do Império Otomano, que o fez por quase 500 anos, após a conquista em 1453. A localização
privilegiada sempre despertou elevado interesse, visto ser uma “ponte” entre continentes, na
qual nascem os rios Tigre e Eufrates, os maiores do Médio Oriente.
É no final do século XIX que britânicos começam a espalhar o perfume dos jogos de
Futebol pelo Império Otomano, principalmente em cidades portuárias, como Tessalónica (cidade
grega actualmente), na capital Constantinopla (actualmente denominada Istambul) e em Izmir.
A comunidade grega partilhava do gosto pela bola, e o interesse foi crescendo. Em contraste, o
império implementou uma época de repressão da cultura ocidental com o intuito de salvaguardar
os valores tradicionais. Nas medidas adoptadas incluiu-se a proibição a turcos de jogarem Futebol.
Contudo, em 1901, Fuat Kayacan, jovem estudante que dominava a língua inglesa, conseguiu
adquirir uma bola usada e acabou por criar a primeira equipa de muçulmanos, de seu nome Black
Stockings. O nome inglês surge numa tentativa de mascarar a composição da equipa, algo que
não resultou, visto que os espiões do regime prenderam Kayacan após o primeiro jogo da equipa,
no qual marcou o único golo dos seus. A “sorte” do jovem sonhador foi que o seu pai era um
reconhecido militar, tendo “somente” sido condenado a uma leve punição em tribunal militar.
13
14
As equipas de gregos e de ingleses criaram o campeonato de Constantinopla, cidadeberço
dos primeiros clubes de Futebol de nativos, que surgiram com a motivação de afirmar
o nacionalismo turco, sendo eles o Galatasaray (1905) e o Fenerbahce (1907). Istambul está
dividida pelo Estreito de Bósforo que, além de mexer com a sexta cidade mais populosa do
mundo, une o Mar Negro ao Mar de Mármara, sendo um ponto de passagem fundamental no
tráfego marítimo mundial. Revelador da sua importância estratégica é o facto de ter sido palco de
diversas batalhas ao longo da História. Na margem europeia do estreito surgiram Galatasaray e
Besiktas, e na margem asiática surgiu o Fenerbahce, os três clubes mais populares do país. Cada
clube é originário de um bairro/distrito, implementando-se um forte sentimento de pertença
e rivalidade, uma vez que dentro da mesma cidade há consideráveis diferenças identitárias. A
História conta que a comunidade arménia apoia o Besiktas, que a judaica apoia o Gala, e que o
Fener é o clube da comunidade grega, sendo o Besiktas considerado o clube do povo.
A Revolução dos Jovens Turcos, movimento surgido em 1908, foi o ponto de partida para
uma profunda mudança política. Anos depois haveria já permissão para haver um campeonato
jogado por muçulmanos, sendo um desiderato dos jovens revolucionários a formação de muitas
equipas de nativos. Nos entretantos, o sofrimento foi prolongado com a Primeira Guerra Mundial,
a Guerra Greco-Turca e a Guerra da Independência. No meio de toda a angústia, um motivo
de orgulho eram as vitórias das três principais equipas de Istambul em jogos contra as forças
armadas britânicas, aquando da ocupação dos Aliados.
A 1 de Novembro de 1922, começaram novos tempos, festejando-se a independência
turca e a instauração da república. No ano seguinte, o nacionalista Mostafa Kemal chegou
oficialmente ao poder, tendo liderado a ditadura até 1938. Durante a primeira década de poder
de Kemal foram estabelecidos campeonatos nas principais cidades do país, que levariam os
campeões regionais a uma fase final. Na década de 30 surgiu a primeira liga de pontos corridos,
disputada por clubes das três principais metrópoles, Ancara (capital da era actual), Izmir e
Istambul. Foi neste período que o país islâmico trocou a escrita árabe pelo alfabeto romano, uma
das medidas para ocidentalizar este belíssimo e místico país, a par da separação do Estado da
Igreja.
Um marco foi a inauguração do estádio Inonu, com capacidade para receber 16 000
adeptos, em 1947. Desde aí, este recinto assumiu o estatuto de estádio nacional até à década de
80’, sendo o único no mundo onde se poderia mirar dois continentes.
Nos anos 50 o Futebol começou a assumir-se como peça fundamental da sociedade,
especialmente quando houve um êxodo do povo rural para as cidades. Muita gente encontrou no
jogo da bola um escape e uma forma de se entrosar com a comunidade local.
O primeiro campeonato oficial dá-se em 1959, e a partir daí o governo incentivou a
fusão de clubes do interior do país, de forma a unirem esforços para serem mais competitivos. Em
1967, o Bursaspor consegue atingir a primeira divisão pela primeira vez, e a onda de entusiasmo
contribuiu para a fundação do grupo de apoio Teksas, que este ano completa 56 anos de atividade.
Nos anos 70 o “mapa” da liga expande-se mais pelo território e o Trabzonspor assume-se como
uma real ameaça ao tridente de Istambul. Em nove anos levou seis títulos para uma cidade de 800
000 habitantes, menos de 10% da população de Istambul. Este clube é a única força do interior a
conseguir bater-se com os maiores, e representa uma significativa quantidade de clubes que têm
o sufixo “spor” no seu nome, que surgiram pela supracitada iniciativa de fusão de clubes locais.
15
16
No caso particular deste clube, as duas forças da cidade não se entenderam com facilidade, o que
arrastou o processo de fusão ao longo de cinco anos. Após um ultimato da federação em deixar
a cidade sem algum clube nos principais campeonatos e alguma casmurrice, o “entendimento”
entre rivais foi conseguido, e assim surgiu esta força que se conseguiu potencializar.
O mítico estádio Inonu passou a ser a casa do Besiktas, clube que fez parte da
inauguração. Contudo, teve que dividir o estádio com os dois rivais em períodos em que os seus
estádios estavam em obras. Daí floresceu a “guerra de Inonu”, na qual os adeptos do Besiktas
pretendiam manter os rivais fora das bancadas centrais, uma das quais se tornou o sector do
Carsi. Acontecia que cerca de 200 adeptos dos alvinegros dormiam dentro e à volta do recinto
nas noites antecedentes aos jogos, municiados de facas, paus, pedras e outros artefactos,
defendendo o seu território. Importa referir que o uso de faca no dia-a-dia do comum cidadão
turco é tradição, sendo uma arma branca amplamente disponível para venda, inclusive em
lojas de ourivesaria. Aliás, uma pessoa não “pode” passar uma faca para a mão de outra, de
forma a evitar negatividade no futuro. Portanto, cada um tem a sua. Mas, voltando às batalhas
territoriais, as mesmas deixaram de acontecer com o golpe militar de 1980. Foi imposto um
recolher obrigatório até às cinco da manhã e, portanto, só a partir dessa hora é que os adeptos
se organizavam, mas os confrontos continuaram a escalar gravemente. Começaram a ser usadas
armas de fogo, espadas e cocktails molotov, numa guerra que se alastrou a todos os dias da
semana e a que ninguém escapou totalmente ileso.
Como já dissemos, a importante cidade de Izmir foi um dos berços do futebol turco,
e alberga uma das mais intensas rivalidades do país. Exemplo disso foi a assistência de 80 000
adeptos no jogo entre Karsiyaka e Goztepe, a contar para a segunda divisão, em 1981. Mas aí os
militares, liderados pelo general Kebab Evren, já tinham assaltado o poder, e instituíram um regime
militar nacionalista durante três anos, tendo o seu líder manipulado a Taça da Turquia de forma
a promover uma equipa da capital Ancara ao principal campeonato nacional. No seguimento
da linhagem, o presidente seguinte, Turgut Ozal, fez o mesmo na segunda divisão, subindo por
decreto duas equipas a meio da temporada. Este político chegou a restabelecer a terceira divisão
nacional, uma iniciativa que levou o Futebol a todo o país, ficando a competição conhecida por
“liga política”. Mas, para nós, estes não foram os acontecimentos mais importantes no ambiente
futebolístico dos 80’...
Além do país ser conhecido pela sua beleza natural e riqueza arquitetónica, pela
shisha, kebabs ou tradicional uso de facas no dia-a-dia, tem nos seus bazares mais um elemento
característico. Quem diz “bazares” fala de grandes mercados, que há séculos se compõem de
centenas de lojas que dispõem dos mais diversos tipos de produtos e serviços. “Çarşi” traduz-se
em mercado, local onde um grupo informal de amigos se reunia habitualmente, sendo aquele o
ponto de partida nas viagens para apoiarem o Besiktas. Assim, em 1982, surgiu o Carsi, o grupo
afecto ao Besiktas, que foi um dos colectivos juvenis que se formaram após o fim da ditadura,
numa altura em que os jovens procuravam independência dos clubes e das mais tradicionais
falanges de apoio, com uma identidade que é descrita no poema “O que é Carsi?”:
“Çarşi está na pergunta “Quanto está o jogo?”, a primeira coisa dita por um homem resgatado de
um deslizamento de terra na mina Zonguldak...
São as pessoas nas bancadas: um médico, um trabalhador, um empresário, um menino
sem abrigo analfabeto, um professor.
São os de esquerda, os de direita, o ateu, o peregrino, o muçulmano, o arménio, o
17
18
judeu, o cristão, que saltam para cima e para baixo, lado a lado, com lágrimas nos olhos, cantando
a plenos pulmões: “Meu Beşiktaş , meu primeiro e único amor!”.
O espetáculo de bancada começou a intensificar-se com o uso de panos a cobrir as
bancadas e com a evolução do apoio vocal, que se tornou infernal a par das monumentais
assobiadelas a adversários. Algo muito próprio da Turquia é o momento que acontece muito
próximo do apito inicial, no qual um adepto vai até ao centro do campo e inicia um cântico que é
acompanhado por todo o estádio. Nos últimos anos é usual ver os grupos de apoio organizado a
mobilizarem-se na chegada como na apresentação de novos reforços, mas os grupos constituem
muito mais do que isto e o expoente máximo do que afirmamos são os Carsi. No apoio vocal
ultrapassaram a barreira dos 130 decibéis, um ruído equivalente a ouvirmos a descolagem de
um jato à distância de 100 metros, mas a sua “voz” social vai muito além disto. “Ninguém” sabe
quantificar o tamanho do grupo, como se torna membro… Todos são chamados de “amigos”,
e não têm hierarquia. Não se consideram uma associação ou uma organização, mas sim um
espírito rebelde compartilhado. Ao longo dos anos estenderam a sua acção para fora das
bancadas, sendo activos socialmente com iniciativas solidárias em hospitais pediátricos, em lares
de idosos, em contexto de doação de sangue ou de dinheiro para a florestação da floresta de
Antalya, gravemente afetada por incêndios florestais. Após o enorme contributo, as autoridades
nomearam o património natural de “Floresta Carsi”. Uma prova do reconhecimento do trabalho
social dos Carsi é o facto da Greenpeace ter pedido a colaboração do grupo em algumas ocasiões,
e é também possível ler e ouvir as opiniões do grupo na comunicação social, bem como no
parlamento e em comícios políticos, uma vez que se organizam para defender a posição dos
adeptos em relação a legislação criada para este âmbito.
A violência era levada ao extremo nos confrontos entre grupos rivais, provocando,
infelizmente, várias dezenas de mortos e um número incontável de feridos graves ao longo dos
anos. Após a morte por espancamento de um adepto do Besiktas às mãos dos adeptos do Gala,
foi marcada uma reunião no Parque Abbasaga entre adeptos dos três maiores clubes de Istambul,
em que apareceram ao encontro mais de 60 pessoas com armas de fogo. Contudo, a trégua
foi acordada, alcançando o fim dos tiroteios, os ataques aquando da companhia de familiares,
emboscadas e as dormidas no estádio. Reflexo das consequências de tanto extremismo é que 15
fundadores dos Carsi estavam mortos, mas apenas cinco tinham morrido por causas naturais. O
ambiente no geral era demasiado agressivo, e variadas vezes treinadores e jogadores sofreram
na pele, fosse com ataques na rua com tiros à mistura, ou com invasões à própria casa... Exemplo
da influência violenta no seio dos adeptos é o grupo KFY do Fenerbahce, fundado em 1996.
Traduzido para português, o nome do grupo corresponde a “Matar Por Ti”.
Três anos antes começou a relação de conflito entre adeptos turcos e ingleses, por ocasião de
um Galatasaray vs Manchester United. Após confrontos e, mesmo antes do jogo, cerca de 170
ingleses foram detidos e deportados.
Um dos episódios que melhor caracteriza a rivalidade entre Galatasaray e Fenerbahçe
começou em 1996. Jogou-se a final da Taça da Turquia no reduto do Fener, na qual os visitantes
atingiram a vitória. De modo a festejar a conquista da taça, o treinador inglês Graeme Suness
correu até ao centro do campo com uma bandeira do Gala e “plantou-a”. A reacção foi
intempestiva e o inglês teve de fugir do relvado e ser muito bem protegido à saída do estádio.
A resposta dos feners viria a ser dada no primeiro jogo oficial do Galatasaray na época 97/98,
quando “Rambo” Okan, fanático do Fenerbahce, dormiu no estádio rival e ficou horas e horas
19
20
escondido num placard publicitário. Aquando do apito inicial, perante 25 000 “inimigos”, Okan
entrou em campo munido duma faca e duma bandeira do Fener. Conseguiu cumprir a sua missão
de colocar a bandeira do seu clube no centro do campo, sendo um ídolo para os seus pares.
Só num contexto destes é que é possível verificar que o McDonald’s mudou as cores da sua marca
na publicidade do restaurante situado perto do estádio de Inonu, passando a utilizar as cores do
Besiktas. Anteriormente usavam as cores originais, que são as mesmas do Galatasaray, e por esse
motivo a comunidade daquela zona estava insatisfeita.
Outros casos muito mediáticos aconteceram na época 1999/2000, também com os
hools ingleses à mistura. O Galatasaray recebia o Leeds, em jogo a contar para a meia-final da
Taça UEFA. Como sempre, as turmas inglesas reuniram-se e conviveram nos dias anteriores à
partida, fazendo das suas, e os turcos não acharam piada nenhuma e começaram a reagir. A
tensão subiu e, alegadamente, houve quem limpasse o cu à bandeira turca, sucedendo-se graves
confrontos que resultaram na morte à facada de dois ingleses. O ambiente continuou a piorar e,
no dia seguinte, aconteceram mais incidentes. Houve jogo na mesma e, apesar do comunicado
do Galatasaray a lamentar o sucedido, não se fez um minuto de silêncio em honra aos falecidos.
A partir daí, os ingleses pediram que a Turquia não fosse aceite na União Europeia e que o clube
turco fosse castigado, mas a verdade é que o Galatasaray continuou o seu caminho para a glória,
carimbando o passaporte para a final disputada em Copenhaga. O adversário era outro clube
inglês, o Arsenal. Fora do campo, mais quatro ingleses esfaqueados. Dentro do campo, vitória
turca. Por essa altura, o Galatasaray garantiu a presença na Liga dos Campeões, feito festejado
com o uso de armas de fogo. Infelizmente, houve a lamentar mais uma morte e quatro feridos.
Se já matar rivais é muito mau, o que dizer de matar pessoas do mesmo clube, algo que não
acontece só no Galatasaray.
Os adeptos do Gala puderam continuar a desfrutar da glória na Europa, a qual nunca
tinham provado, e meses mais tarde venceram a Supertaça Europeia. Na sequência desta senda
de vitórias, pequenos grupos de apoio compreenderam que precisavam de se unir e serem mais
organizados para fazerem algo maior. São assim formados os UltrAslan, no ano de 2001, um nome
que junta as palavras “ultras” e “leão”. Rapidamente tornou-se uma imagem de marca do clube,
apoiando intensamente o mesmo, e em poucos anos acabou também por se afirmar enquanto
marca, arrecadando grandes quantias financeiras com a venda de merchandising. Contribuíram
para a salvação do clube da bancarrota em 2003, com uma grande doação de dinheiro.
Em 2007, os Carsi comemoraram o seu 25º aniversário de actividade. No ano seguinte, o
impacto do grupo foi difundido em forma de documentário televisivo, de nome “Asi Ruh” (Espírito
Rebelde). Esta foi uma abordagem de como o grupo vive o dia de jogo, a sua mentalidade antisistema,
a sua criatividade e mensagem que passa em cânticos e faixas, com paixão demonstrada
em forma poética, com solidariedade, consciência social, rebeldia e sarcasmo, comprovado
com a atitude do grupo de apoio assumir ser contra si próprio numa faixa. Alguns adeptos
consideravam que o Carsi estava a “roubar o protagonismo” ou a tornar-se maior que o Besiktas.
Na apresentação do documentário, o mais destacado membro do grupo declarou que os Carsi
se auto-suspenderam. Curioso que, embora todo o contexto, parece-nos que os grupos turcos
lidam com proximidade das autoridades, da comunicação social e dos políticos, sendo exemplos
disso os factos de um dos mais conhecidos membros dos Carsi declarar na TV a suspensão da
actividade do grupo, de a polícia viajar dentro dos autocarros dos grupos nas deslocações, e de
um comissário representar a polícia na festa do 50º aniversário do Teksas do Bursaspor.
21
Voltando à realidade do Besiktas, as bancadas ressentiram-se bastante da falta do
Carsi, e toda a gente percebeu a importância do mesmo na vida activa do clube. Contudo, a
missão deste colectivo não acabou. O seu legado perdura até hoje, legado esse com mais um
episódio marcante em 2013. Devido à intenção do governo abater 600 árvores do emblemático
Parque Taskim Gezi, em Istambul, para a reconstrução de um emblemático quartel militar e a
construção de um centro comercial, cerca de 50 ambientalistas mobilizaram-se para protestar. O
actual Presidente da República, Erdogan, no poder desde 2002, lidera um “regime” autoritário,
conservador e religioso, que ordenou o ataque da polícia aos manifestantes. O povo mobilizouse,
e milhões de turcos saíram à rua contra a repressão e as políticas de Erdogan, com graves
conflitos entre protestantes e polícia a alastrarem para diversas cidades do país, principalmente
as maiores. Nesta jornada, os Carsi mobilizaram-se em força, estando firmemente na rua a lutar
pelo seu povo, eles que deram bastante força à “rebelião”, algo que é reconhecido por todos.
Em 2017 as autoridades criaram o Passolig, uma espécie de cartão do adepto. Desde
aí, para poder ir à bola, é necessário adquirir um cartão, do género de um de cartão de débito/
crédito, no qual constam os dados pessoais, sendo obrigatório para jogos da primeira e segunda
liga, bem como da taça nacional e competições europeias. Esta é uma suposta medida de combate
ao hooliganismo, a qual é defendida por supostamente conseguir diminuir os incidentes, embora
eles continuem a acontecer (e com alguma gravidade). Naturalmente, isto afectou os grupos de
apoio. Com esta medida só é possível obter bilhetes eletrónicos, o que também contribuiu para
menores assistências nos estádios do país.
Por L. Cruz
22
23
Nos nossos artigos, sempre
tentamos encontrar estórias que mostrem
uma outra face do nosso jogo preferido: as
ligações improváveis que o futebol tem com
a realidade que a rodeia, reforçando a ideia
que nós sempre tivemos: que o futebol é
muito mais do que correr atrás de uma bola!
Ora esta! As Janeiras (cantar as Janeiras) é
uma tradição em Portugal, que consiste no
cantar de músicas pelas ruas, por grupos de
pessoas anunciando o nascimento de Jesus e
desejando um feliz ano novo. Contudo, houve
quem aproveitasse esta tradição para outros
nobres fins. Vamos contar duas bonitas
estórias sobre a ligação das janeiras com o
futebol!
CANTAR POR UMA BOLA: Estamos
em 1911. Um grupo de três amigos que
tinham entre 10 e 13 anos e que moravam na
Cidade Invicta - Joaninha, Jorginho e Medina
- resolveram fundar um clube de futebol; a
rapaziada reunia-se junto do candeeiro 1047,
entre as ruas da Constituição e Particular
de Salgueiros, na freguesia de Cedofeita. É
aqui que nasce o místico e popular Sport
Grupo e Salgueiros (depois Sport Comércio
e Salgueiros). Como todos os clubes recémnascidos,
o Salgueiros tinha pouquíssimos
recursos. Assim, jogava-se com uma bola de
farrapos feita com desperdícios de algodão
da fábrica de Salgueiros, mas que já não eram
suficientes para os jogadores, ansiosos por
poder ter uma “verdadeira” de couro! As
tentativas de angariar dinheiro não tiveram
grande sucesso, até que a Joaninha se
lembrou que, estando em período natalício,
podia-se ir cantar as janeiras nas ruas e
arrecadar uns trocos; entre ele, o Jorginho e
o Médina, alguém fez os versos e desceram
as ruas do Porto batendo de porta em porta,
a cantar «Somos homens do Porto, somos
homens de talento, tudo quanto estiver torto,
endireitamos com cimento». Resultado?
Tiveram 2800 reis de receita, que permitiram
comprar o equipamento e a primeira desejada
bola!
A veia poética de sócios e
simpatizantes foi sempre estimulada como
podemos ver nos boletins do clube das
décadas 50:
“Ser forte na adversidade/ e aceitar
cada conquista/ com ardor mas sem vaidade/
isto é a alma salgueirista!
E ainda “A minha “alma” aprofunda/
uma coisa verdadeira/ somos enormes na
“Segunda”/ seremos grandes na “primeira”.
AS JANEIRAS DO VIANENSE: o Sport
Clube Vianense é um dos clubes portugueses
mais antigos ainda em atividade. Fundado
no dia 13 de março de 1898, só começou a
prática do futebol nos anos 20, mas deste
clube queremos contar uma estória que já se
renova todos os anos (pelo menos nos últimos
25-30): no início do ano e renovando uma
tradição tipicamente portuguesa, o “GRUPO
DE JANEIRAS DO SPORT CLUBE VIANENSE”
enche as ruas e as festas com quadras sobre
24
o amado emblema!!! As janeiras cantadas
pelo grupo têm todas como protagonista
o Vianense!! A tradição é tão enraizada e
apoiada que as quadras são editadas em
brochuras à disposição de todos!
“Vianense, Vianense/ mais um
ano aqui a cantar/ Vianense, Vianense/ boas
festas vos vem desejar”
“ó Senhor do Alto Minho/ ó
Santinho, não digas não/ ensina-nos o
caminho/ p´ra subir de divisão”
E assim, centenas e centenas de
rimas criadas pelo Grupo: uma maneira
diferente e criativa de apoiar o próprio clube
do coração!
Uma dica para os ultras?
Por Eupremio Scarpa
25
À CONVERSA COM
KOALA (ULTRAS 12)
26
Começo por dizer que o teu projecto foi uma
abertura de portas a pessoas que, no fundo,
falavam ou queriam falar a mesma língua que
nós. Não era tudo igual ao que conhecemos
hoje, eram tempos diferentes e por isso teve
importância pela contribuição na construção
de uma comunicação própria do movimento
Ultra, dentro dos meios digitais. Nesta
conversa vamos tentar regressar ao passado
e passar à malta aquilo que foi o Ultras 12, o
que significou para ti e também a percepção
que tinhas do que significava para outros.
Acho que vai ser interessante para a malta
que viveu aquilo durante alguns anos.
Ainda hoje se fala bastante do tempo do
Ultras 12, ficaste com a ideia de que foi algo
marcante?
Acho que sim, do meu ponto de vista. Não
tinha a isenção total, mas procurei ter
alguma. Acabou por aparecer alguém a falar
sobre o mundo ultra, tentando ser o mais
isento possível.
O que podes contar sobre a tua motivação
para criares este projecto?
Eu acho que há dois grandes ângulos para ver
o mundo ultra, sem ser necessariamente o
bom e o mau. Um é de dentro para dentro.
Com alguma excepção estes casos são,
essencialmente, intra-claque, intra-grupo,
intra-firma, intra-colectivo de pessoas, uma
organização. Tipicamente é uma vida muito
própria, é única. Pode haver uma rotina, a
mesma forma de fazer. Pode haver alguma
modificação lá dentro, uma maneira diferente
de se fazer. Existe uma própria vida dentro
dela própria.
Depois há outro ângulo, que é de dentro para
fora. A visibilidade perante uma coreografia,
um movimento social ou, na maior parte das
vezes, devido a alguma coisa má - um problema
como, por exemplo, a violência. Aí passa para
a sociedade uma imagem maioritariamente
negativa, que pode corresponder, ou não, à
verdade. O projecto Ultras 12 nasceu assente
numa lógica de procurar dar voz aos grupos,
dar voz às pessoas, dar voz a quem vive isto
de forma muito intensa todos os dias. Só
quem vive desta forma é que sabe como é a
sua vida, como são os fins de semana, o que
se prescinde para fazer esta vida. Contudo,
não havia facilidade de acesso entre grupos.
Naqueles anos já havia internet, mas estamos
a falar antes de existirem blogs ou chats
incorporados. Todos os dias, à volta de 350
dias por ano, tinha de publicar sozinho e em
código as fotografias e textos que chegavam
das mais diversas formas. Tinha de ser em
código, não havia nada que pudesse ajudar a
nível tecnológico. Para quem não conheceu,
o Ultras 12 chegou a ser um álbum de
fotografia online, porque chegou a ter entre
70 a 80% das fotografias do movimento de
Portugal.
Quando lançaste o Ultras 12, quem era o
Koala? Eras adepto, ultra?
Vou falar um pouco sobre mim, no âmbito do
futebol, obviamente. Desde miúdo gostava
dos grupos de apoio. Tive nos Dragões Azuis,
que a maior parte das pessoas já nem deve
saber o que é. Quando tinha 14/15 anos
andava pelo Estádio das Antas (sou adepto
do Porto desde sempre), e durante alguns
anos passei a ir de uma forma menos regular
ou deixei de ir. A dada altura integrei o
Colectivo, talvez em 1998 ou em 1997. Era do
Grupo Nortada, que depois passou para os
Super, e continuei de forma activa até 2004
(tenho dúvidas). Durante uns anos, de 1998
a 2004, além de ser muito activo no grupo
em si, maioritariamente nos Super Dragões,
também tentei conduzir informação para
era uma grande projecção no
movimento ultra, mas não só.
todos. E aí havia duas coisas... Uma é que essa
informação, acerca de todos os grupos, era
minimamente neutra, dando voz aos próprios.
O que faziam, o que eram, fotografias, mas
não só, também com relatos, experiências,
narrativas, viagens e por aí fora... Portanto,
uma voz própria, com muitas vozes. Por outro
lado, em paralelo com isso, havia uma ideia de
não limitar o acesso a grupos organizados. Há
quem pense de forma diferente, não precisa
que seja de uma claque. Há quem não siga
situações definidas, que não siga um código,
mas que consiga conviver em grupo, que
viva situações diferentes, que aja de forma
diferente e que vê que nós não estamos
errados. Essa normalização passa em parte
por muita informação, com a partilha das
coisas boas, pela luta quando é preciso lutar,
pela cooperação quando é preciso cooperar,
algo que não é fácil de fazer dentro dos
grupos, mas que é possível. Tanto é possível
que acontece em algumas coisas. Expandiuse
também porque não havia muita coisa
on-line, não só dos grupos em particular, mas
em geral. Ainda não estávamos na era dos
telemóveis, era tudo através do computador
e tínhamos alguns milhares de leitores
diários. Diria que é uma coisa inédita, tendo
em conta que estamos a falar de há 23 anos
atrás, ter 1000, 1500, 2000 pessoas por dia
Por curiosidade, tens noção de
quando fundaste exatamente
o Ultras 12?
Não tenho, confesso. Foi por
altura de 2000. Inicialmente
era para focar mais nas
claques maiores, porque eram
aquelas que produziam mais.
Tinham fotógrafos dentro do
relvado, entre outras coisas,
como estarem centradas nas
maiores polémicas. Aliás,
quem conheceu o Ultras 12
sabe que foi um site que
trouxe muitas polémicas para
dentro da discussão, sobretudo nos grupos
mais fechados, como os No Name, e outros
que eram e ainda o são. Não gostavam
que se expusessem publicamente e alguns
membros desses grupos entenderam que
deviam partilhar, pois achavam que era
positivo para os grupos que algumas coisas
se soubessem, apesar do grupo discordar
disso. Essas situações traziam alguns temas
para a discussão, com aspectos positivos e
negativos. Havia à volta uma energia muito
grande para ver o que ia acontecer, que era
uma das grandes energias daquele espaço.
Aconteceu com vários grupos, e praticamente
todas as claques com alguma dimensão
tiveram ali temas polémicos.
Em alguns momentos tive de me comportar,
a nível da dedicação ao projecto, de forma
mais contida. Para mim era mais difícil porque
se tivesse de analisar, por exemplo, o Grupo
Nortada que chegou a ter 500 membros nos
Super Dragões, devo dizer que é sempre
crítico estar tudo centrado numa pessoa. Na
realidade, têm de colaborar muitas. Eu fui
fundador, mas nunca tirei fotografias para o
meu blog. Em tudo o que aparecia, tentava
encontrar colaboração, seja com adeptos,
fotógrafos, jornalistas, às vezes a Portugal
Ultras. As pessoas é que acrescentaram
27
28
valor. Eu tive a ideia, mas ao longo do tempo
centenas de pessoas acrescentaram valor
por acreditarem no projecto e partilharem
coisas sobre elas próprias e sobre os grupos,
sobre postura, as preocupações em relação
ao mundo ultra, como podem estar no seio
de um grupo sabendo que podem haver
situações de risco com outros grupos, como
se podem comportar sem nunca pôr em
causa valores, a segurança e também a lei...
No meio de tanta coisa, tentei procurar tocar
em algo, que espero ter sido valioso.
Tocando agora no tema das fanzines, o
Ultras 12 foi uma inovação. Permitia uma
comunicação muito mais instantânea, ao
contrário do que estávamos habituados, pois
tínhamos de esperar pelo lançamento das
fanzines. Houve alguma competitividade ou
rivalidade entre projectos?
Não, de todo. Na altura as pessoas desses
projectos eram as que mais colaboravam
com o Ultras 12. Normalmente numa zine,
a informação chega mais tarde, mas chega
de outra forma, com outro ângulo. Eu diria
que há um entrosamento entre fanzines
internacionais e o Ultras 12. Naquele tempo,
sobretudo uma italiana, mas não só. Se não
me engano, noutros países começaram a
consumir informação ali, coisa que não é fácil
visto que escrevíamos em português. Não
vivíamos o mundo de hoje e tínhamos muita
troca de informação entre regiões. À volta de
15% dos leitores era malta internacional que
liam, obviamente, sobre o que se passava cá,
como também sobre ultras, casuals e outros
grupos de pessoas, que gostavam muito de
saber e descobrir mais, de ver outras formas
de pensar, de ver coreografias e cânticos,
porque havia espaço para muita coisa.
Portanto, não havia competição, bem pelo
contrário. Havia cordialidade.
Voltando atrás e falando de alguns
fenómenos que o fórum desenvolveu, o
que nos podes dizer sobre o surgimento
do fenómeno “ultras net”? É engraçado,
porque eu lembro-me do termo ser usado
com maior dimensão e hoje vejo que já não é
utilizado, porque o contexto está banalizado.
Se calhar, naquela altura, evidenciava-se
essencialmente como algo negativo por estar
associado a alguém que se quer mostrar e
provar algo. O que te lembras disso?
Eu acho que, a dada altura, como em
todas as mudanças e evoluções, as claques
começaram a receber muitas pessoas que
não tinham o perfil típico das claques e
vinham muito por causa do fenómeno
da internet. Ou seja, vinham muito pela
vontade de inclusão que tinham naquele
tipo de ideias, como criar coreografias, com
vontade de participar naquele fenómeno.
Num primeiro momento, isso criou algum
tipo de desconforto ou estranheza a pessoas
que estavam dentro dos grupos há já algum
tempo e, ao mesmo tempo, gerou alguma
diferença em como se viam e abordavam
as coisas. Há sempre uma visão diferente
das coisas, o que é válido. É natural que,
ao entrar muita gente nova, viessem com
uma forma de ver menos promíscua, que
era a mais próxima da visão da sociedade,
mas eu acho que foi fundamental para a
sociedade se aproximar. Isso foi parcialmente
conseguido, mas continuaram a tocar as
mesmas teclas do piano sobre os grupos. Não
houve vontade e capacidade de entender,
comentavam sem fazerem a mínima ideia de
como verdadeiramente funcionam, dando
umas pinceladas que as pessoas gostam de
ver. Perdeu-se uma oportunidade, eu acho,
mas ajudamos a trazer alguma normalização
ao processo e provavelmente alguns puristas
dos grupos ultras mais radicais podem
discordar. Em vez de optar por esse caminho
podíamos preferir ser poucos, bons, únicos,
fiéis, lealdade infinita... É evidente que essa
é uma discussão sem resposta certa, cada
um de nós tem a sua vida. Acho que o facto
de o site aparecer num momento em que as
pessoas não conseguiam ir todo o dia aos
canais de informação, foi um convite a que
as pessoas estivessem juntas em sessões e,
em alguns casos, não conseguiam conversar,
tendo aquelas discussões quase patéticas,
fazendo lembrar dois cães a ladrar um com
o outro. Aconteceu naquele período e hoje
ainda acontece um bocadinho. Acho que
a entrada da internet no movimento, com
alguma democratização, ajuda um bocadinho
na normalização de algumas coisas. Os mais
leais, os mais puristas, continuaram na sua
postura, se calhar com alguns momentos
mais tensos, mas no global funcionou.
E agora, fazendo a ponte do Ultras 12 para
o Grupo Nortada, que liderava nos Super
Dragões, 80% dos membros eram estudantes
universitários ou licenciados. Na altura não
eram todos pessoas que conhecia, meus
amigos, e simplesmente começaram a
descobrir através de meios digitais uma forma
mais normalizada de entrarem num grupo
e assumirem uma forma de estar diferente,
mas com a sua maneira, de apoiar, de pensar
e de dar tudo. Para dar tudo, cada um dá
de forma diferente. Às vezes metemo-nos
numa luta de “eu sou melhor que tu, eu sou
mais do que tu”, e acho que estamos a ver
a vida do lado errado, independentemente
de ser numa claque (na minha perspectiva).
Portanto, respeito muito mais as pessoas que
dão tudo sem querer aparecer forçadamente
e ofuscar os outros.
Queres contar algumas memórias positivas
e negativas dentro da experiência do Ultras
12?
É assim, memórias muito positivas foram
todas aquelas que ficaram por trazerem algo
diferente para melhor nas vidas das claques
e até nas relações entre claques e clubes.
Isso foi muito visível em dois ou três casos e,
para mim, foi muito positivo, assim como foi
positivo passado uma semana de estarmos
on-line as pessoas já andarem a falar sobre
o projecto. Descobriram por si, num tempo
em que não havia como fazer publicidade
on-line, de tornar o site conhecido. Muito
rapidamente se espalhou boca a boca e essa
sensação foi boa. Também foi muito boa a
sensação de estarmos a criar alguma coisa
que está a ser valorizada.
As memórias menos positivas... Obviamente,
devo sublinhar o facto que alguns membros
ou algumas claques não viam com bons
olhos todo o tipo de exposição e relação. Isso
gerou sempre alguma tensão em cima da
plataforma em si. Em relação a mim, nunca
tive problemas ou ameaças. Sinceramente,
acho que consegui fazer com que não
me criassem alguma dificuldade pessoal,
mas havia pessoas de grupos que tiveram
dificuldades. Isso é o que eu acho menos
positivo. Olhando para trás, penso que foi
uma experiência positiva e que me trouxe
muitos momentos de orgulho pessoal e
sentimento de conseguir criar uma coisa que
teve valor. Há outro ângulo, do qual digo que,
durante anos, todos os dias dedicava cerca
de cinco horas para criar uma coisa de que
não tinha a certeza de que teria tanto valor.
É relativo, é como um copo meio cheio/meio
vazio mas, como estava muito centrado em
mim, toda a parte de coordenação e a parte
técnica, requereu muito esforço na minha
vida pessoal. Pessoalmente fez-me crescer,
evoluir e viver.
Tenho ideia que o projecto terminou por volta
de 2005/2006. Por que é que acabaram?
Sim, é provável que tenha sido em 2005
ou 2006. Foi um projecto que nunca quis
sponsors, que nunca quis tocar a parte
comercial. Na realidade, de uma forma muito
directa, eu acho que o Ultras 12 apareceu
29
30
antes do tempo. Portanto, não havia forma
de o rentabilizar para poder fazer uma equipa
e não depender de mim. No modelo em
que estava feito, não era possível torná-lo
um projecto construído e entregá-lo como
entreguei o Grupo Nortada a outras pessoas
e dizer “agora vou à minha vida e apareço de
vez em quando”. De certa forma, isso não
dava para fazer com o Ultras 12, porque na
altura dependia muito da minha capacidade
técnica. Depois, tinha que fazer outras coisas
na minha vida, não podia dedicar cinco horas
por dia, e acho que deixei de estar on-line
algures na época 2004/2005.
Desde que o projecto acabou nunca mais
existiu um fórum público do género com
a mesma dimensão do Ultras 12. Por que
é que achas que nunca mais se replicou o
mesmo estilo de projecto? Deixo claro que
existiram alguns projectos, inclusive de troca
de materiais, mas nunca atingiram a mesma
dimensão.
Olha, eu acho que é preciso três coisas
fundamentais para um projecto assim.
Primeiro é preciso querer muito, depois
é preciso saber fazer e depois é preciso
saber resistir, que é o mais difícil. Resistir a
várias coisas. Resistir às tentações, resistir à
preguiça, resistir a muita coisa. Isto dá muito
trabalho e conseguir conjugar estas três coisa
é difícil. Desde logo é preciso querer muito.
Portanto, fazer isto é extremamente difícil.
Fazer de forma não comercial, como fiz,
implica várias coisas. Implica ir com calma,
implica ganhar a credibilidade das pessoas
e dos grupos para cederem colaboração, o
que demora anos a conseguir. Se o fizeres
pelo lado comercial, a maioria dos grupos e
claques por natureza vão resistir - pelo seu
ADN vão resistir a isto. É complexo fazer
isto, acho muito normal que não tenha
acontecido um projecto com tanta explosão.
É improvável que venha a acontecer, a menos
que aconteça com uma dimensão comercial,
que acrescente valor e que, de alguma forma,
consiga pagar o trabalho de anos a fio em
cima do corpo. Atenção que, no fundo, como
eu sei, tu e muitas pessoas fazem trabalho
não remunerado em prol dos seus grupos, em
prol dos seus clubes, e isso acontece de uma
forma mais ou menos estruturada, e até diria
que de forma mais ou menos desconhecida na
nossa vida, nos nossos núcleos, pais… Enfim,
por todo o lado. No contexto de projectos
intra-grupo, apesar de tudo, é menos difícil
concretizar (depende dos grupos), sobretudo
quando a informação constante aparece
mais facilmente. Hoje vivemos de explosão
instantânea, portanto um projecto tipo Ultras
12 teria de viver de uma colaboração que
não seja à la Twitter, precisa de automações
com valor acrescentado. Há projectos activos
sobre os clubes, há projectos activos de
algumas claques, há outros projectos activos,
mas de facto nenhum teve a dimensão do
Ultras 12. É improvável que estas coisas todas
voltem a conjungar-se, é só isso.
Que projectos de comunicação ultra
conheces em actividade actualmente,
quer no panorama ultras nacional, quer
internacional?
Em primeiro lugar não sigo muitos projectos,
e não tenho a certeza se é porque não há
muitos bons. ou se é porque eu não tenho
dedicado tanto tempo a isso. Sinceramente
não tenho a certeza. A minha perspectiva
é a de que a informação está polvorizada,
portanto, nos últimos anos, nunca encontrei
uma referência de um sítio onde eu possa ver
as várias coisas juntas. Como também tenho
amigos aqui e ali e vão-me mandando coisas,
links e assim, eu vou fazendo perguntas como
outsider. Não faço um consumo diário e não
tenho bem a noção. Acho que não há uma
referência assim fantástica, mas é meramente
opinativo. Se calhar até há e eu não conheço.
Sentes alguma mágoa em relação ao tempo
do teu projecto e à filosofia de internet que
se vive hoje em dia nos grupos em Portugal e
no resto do mundo?
Acho é que se perdem oportunidades de
utilizar o melhor das coisas na nossa vida.
Competir e rivalizar faz parte da nossa vida,
e tudo que seja vivido nas claques é muito
útil para a nossa vida em sociedade. As
pessoas não fazem ideia do quão importante
é falar com pessoas diferentes, saber estar
em ambientes ligeiramente ameaçadores
e conseguir conviver com todo o tipo de
pessoas, muitas vezes competir contra claques
adversárias e procurar agir da forma correcta
e sair melhor que os outros. A competição
nas nossas vidas não tem mal absolutamente
nenhum, até nos treina. Portanto, não temos
de nos tratar mal por aqui. Não tenho uma
visão romântica, e acho infantil na realidade,
mas acho que temos de saber quando e
como agir. Muitas vezes, quando estamos em
grupos (e agora não tem a ver com claques,
tem a ver com grupos militares, clãs, todos os
tipos de grupos mais fechados), as pessoas
tendem a ter comportamentos padrão e a
questionar menos. Digamos que maximizam
a experiência do poder da inclusão, porque o
poder da inclusão faz-nos sentir que fazemos
parte dum grupo, que há ali uma força maior
do que nós e do que os outros, o que transmite
uma energia fortíssima... E essa energia não
é negativa, nós é que a associamos a algo
negativo, e isso deixa-me alguma mágoa, mas
é algo que não tem a ver com claques, tem a
ver com a vida, tem a ver com a forma como
as pessoas que lideram os grupos têm ou não
a capacidade de explicarem isso às outras
pessoas. As pessoas que às vezes lideram são
mais fortes em assuntos primários do que no
raciocínio. Atenção que isto que estou a dizer
não tem a ver com claques, não me levem a
mal, tem a ver com todos os grupos fechados
do que quer que seja. Tem a ver com a sua
conduta, com os seus valores, com a forma de
cada grupo. A mim o que me atrai nos grupos
de apoio é sobretudo a capacidade de autosuperação,
essa tem de ser muito grande.
É um bocadinho ao estilo “nobody likes us,
we don’t care” e que traz uma vontade de
superar e continuar a ser fiel àquilo que
somos. E acho que as pessoas na sociedade
não fazem ideia que há muita gente que tem
valores muito bons, que são absolutamente
leais, leais às outras pessoas, leais aos seus
grupos e clubes, e que põem esses valores
à frente de muitas outras coisas, às vezes
erradamente à frente das suas próprias
famílias. Não é dado valor.
Sem fazer juízos de valor, cada um sabe de
si. Tenho mágoa por ninguém ter conseguido
passar isso para a sociedade de uma forma
suficientemente madura. Um projecto, para
conseguir fazer isso, não pode ser um projecto
só do mundo ultra, e esse é um tema que é
crucial entender. Os projectos que ficam só
dentro movimento ultra, que não extravasam
fronteiras e que não são consumidos pela
sociedade, vão ser importantes para manter
uma certa união, manter certos valores, para
disputar, para lutar, para recordar as partidas,
recordar as viagens, para muita coisa boa,
mas não ajudam a transformar a visão que a
sociedade tem. Essa é a minha única mágoa
e isso está por conseguir, embora ache que
seja possível, mesmo sabendo que é difícil.
É preciso muito contributo e é preciso dar
outros meios para levar coisas positivas aos
desconhecedores e não só os “highlights” de
algumas coisas menos positivas.
Em nome da equipa da Cultura de Bancada,
agradecemos teres aceite o convite para
participar no nosso projecto com esta
conversa sobre algo que tem quase 20 anos.
É certamente um registo que irá ajudar a
enriquecer as nossas páginas
Para terminar, queria dar um enorme abraço
a todos que fizeram o mundo ultra ao longo
dos últimos 40 anos. Gostava de dar um
abraço a todos, independentemente dos seus
clubes, das suas formas e de concordarem ou
não comigo. Àqueles que continuam até hoje,
queria dar outro abraço, porque é merecido.
31
MEMÓRIAS Da BANCADA
ALFINETADAS - PARTE 2
No último número da revista, na rubrica “Memórias de Bancada”, dedicamos
algumas páginas a alguns dos mais belos espetáculos que os adeptos portugueses
foram proporcionando nas bancadas ao longo de várias décadas.
Devido à repressão, que se foi agravando com o passar dos anos, esse tipo de
espetáculos começou a ser cada vez mais raro, em muitos sítios até mesmo inexistente.
Dado que as nossas instituições legisladoras (e, consequentemente, as nossas leis) não
sabem distinguir o insulto gratuito e ofensivo das picardias inteligentes e humorísticas,
todos fomos privados de assistir e proporcionar estes jogos de palavras que foram
marcando as bancadas.
O desporto é competição. Os grupos, imbuídos no espírito competitivo dos
clubes que apoiam, também tentam competir dentro dos seus sectores. Seja através
de cânticos, tifos ou do diverso material que ostentam, todos os grupos tentam-se
superiorizar aos seus rivais, da mesma forma que as equipas que apoiam se tentam
superiorizar aos seus adversários. Todos os grupos querem ser o grupo que apoia
mais, todos querem fazer uma coreografia mais impactante, ou ter o material mais
bonito. Nessa senda, as frases em tom de picardia e provocação era algo que os grupos
também usavam para se superiorizar, mostrando inteligência e/ou capacidade crítica
para se superiorizarem aos rivais.
Desengane-se quem pensa que existe algum tipo de piada ou mérito no
insulto gratuito ou na provocação vazia. As mais belas alfinetadas a que pudemos
assistir foram aquelas que cumpriam um certo número de factores, nomeadamente
aquelas que mostraram sentido de oportunidade, espírito crítico, humor ácido, ironia
ou sagacidade, utilizando esses atributos para fazerem corar de vergonha os rivais que
as liam.
O intuito com este texto não é referir nenhuma alfinetada em específico,
uma vez que podem ver as mesmas no número anterior da Cultura de Bancada, ou
poderão ver aquelas que iremos publicar no futuro. Quem sabe algum dia não iremos
contextualizar as mesmas em artigos próprios, uma vez que muitos dos leitores podem
desconhecer o contexto de muitas dessas frases, o que faz com que as mesmas percam
o sentido. O que queremos com este texto é recordar um tempo de liberdade, não
muito longínquo, em que os adeptos podiam dar asas à sua criatividade para contribuir
para o espectáculo e enriquecer o mesmo. Infelizmente este tipo de expressão foi-nos
retirado e, enquanto essa liberdade não volta, resta-nos recordar todas as guerras de
palavras que foram travadas nas nossas bancadas, e esperar que um dia (de preferência
breve) o bom senso impere no seio de quem é responsável pela nossa legislação,
uma vez que o impedimento deste tipo de actividades em nada contribui para o bom
ambiente nas nossas bancadas. Pelo contrário, só o empobrece.
Por J. Rocha
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
Dois meses que intercalam entre o final de uma temporada, em que existem as habituais finais
e decisões das competições, e o início de uma nova época, com as apresentações de plantéis,
jogos de pré-época e mesmo os primeiros oficiais a serem os principais registos. Aqui deixamos
mais um Resumo de Bancada!
CF Estrela da Amadora x CS Marítimo | 03-
06-2023
Primeira mão do play-off para decidir quem
fica com o lugar no primeiro escalão. O
recinto esteve muito bem composto, com
quase 7 mil espectadores presentes. Entre
eles, há que destacar as várias centenas de
maritimistas presentes, que praticamente
lotaram o sector visitante. Estamos a falar
do maior número de apoiantes forasteiros
no Estádio José Gomes desta época, e uma
das maiores deslocações de sempre de uma
formação insular em Portugal.
Ainda antes do jogo, que se realizou
à noite, houve já muita gente nas
imediações do reduto, confraternizando em
estabelecimentos comerciais e até numa ‘fan
zone’ criada para o efeito.
O encontro teve um bom ambiente de parte
a parte, com os simpatizantes dos dois
conjuntos a fazer-se ouvir. Houve, pelo meio,
um susto, quando um elemento da Magia
Tricolor caiu da bancada, interrompendo
momentaneamente a partida, mas nada de
grave aconteceu.
Dentro de campo também foi animado,
com os da casa a terem estado por cima e o
guarda-redes do Marítimo a ter sido o melhor
em campo, mas acabando por ficar “apenas”
2-1 a favor do Estrela.
46
Lusitânia de Lourosa FC x SC Salgueiros | 04-
06-2023
Muita gente em Lourosa numa tarde de
Domingo para assistir à última jornada da
fase de subida do Campeonato de Portugal,
com mais de sete mil espectadores presentes,
entre eles várias centenas de salgueiristas.
Convém referir que esta partida foi realizada
ao mesmo tempo do Amarante contra o
Vianense (que também teve uma excelente
assistência nas bancadas, com cerca de
quatro mil presentes), sendo que qualquer
uma das quatro equipas poderia ainda ficar
nos primeiros dois lugares, que davam acesso
à subida.
Naquela localidade nortenha do distrito de
Aveiro, houve um excelente ambiente, com
os vários golos a animarem ambas as partes.
Do lado da casa, o apoio era comandado
pela tradicional bancada onde fica a claque
Armada Lusitana, enquanto o histórico
emblema portuense era incentivado, como
habitualmente, pela Alma Salgueirista.
O final foi dramático, com um golo nos
instantes finais da formação de Lourosa,
provocando uma grande festa entre os de
amarelo e preto, contrastando com a tristeza
presente no sector visitante, por mais um
ano sem conseguir a promoção ao terceiro
escalão nacional.
FC Porto x SC Braga | 04-06-2023
Final da Taça de Portugal realizada, como é
habitual, no Jamor. Houve a tradicional festa
e convívio nas imediações do recinto, com
algumas queixas de parte a parte acerca da
falta de condições. Também a organização
que dava acesso ao interior do estádio
provocou várias reclamações, principalmente
pelo tempo de demora, que causou grandes
filas nos vários acessos.
Relativamente ao ambiente durante a
partida, houve apoio audível de parte a parte,
principalmente feito pelos ultras de ambos os
conjuntos. Pelo meio, nota para uma tochada
feita pelos Casuals Porto.
Os azuis e brancos venceram e a festa foi
47
grande, acabando naturalmente por serem os
mais audíveis na parte final. Houve também
uma extensa comemoração entre equipa e
público portista, já com o troféu entregue.
Hóquei em Patins: SL Benfica x Sporting CP
Final do play-off do campeonato, com quatro
dérbis realizados (com dois jogos realizados
em cada terreno, de forma intercalada) e
o Benfica a conquistar o título fora de casa.
Nota para os bons ambientes nos pavilhões
- que estiveram muito bem compostos,
diga-se - com os vários grupos leoninos e
também o registo de apoio organizado dos
encarnados, mais concretamente dos Diabos
Vermelhos, que são habituais seguidores
desta modalidade.
Futsal: Sporting CP x SL Benfica
À imagem do registo anterior, também aqui
aconteceu a final da liga, realizado também
em quatro partidas, mas a acabar de forma
inversa, sendo o Sporting a sagrar-se campeão
no Pavilhão da Luz. Os redutos estiveram a
abarrotar, com ambientes extraordinários.
Houve bastante apoio de parte a parte,
provocações e registos lindíssimos de
pirotecnia. Praticamente todos os grupos
estiveram presentes.
Nota apenas para o facto de ter havido
problemas com o acesso a bilhetes para
muitos ultras sportinguistas no último jogo,
como visitantes, em que acusaram mesmo
a direcção do seu próprio clube de querer
seleccionar à sua vontade quem tinha direito
aos mesmos.
Aniversário do Sporting CP | 01-07-2023
O Sporting cumpriu o seu 117º aniversário
e, como não poderia deixar de ser, os seus
adeptos decidiram comemorar mais um ano
de vida. Entre vários registos, em maior ou
menor número, nota para para os festejos do
Directivo Ultras XXI, que junto ao seu estádio
criaram um belo espectáculo pirotécnico,
com muitas tochas e fogo de artifício.
48
Apresentação de Di María | 06-07-2023
Foi confirmado o regresso do astro argentino
ao Benfica, depois de algumas semanas de
fortes rumores sobre esse acontecimento.
Depois de chegar, foi imediatamente
apresentado ao final da tarde do próprio
dia, no exterior do Estádio do Sport Lisboa
e Benfica, perante mais de mil adeptos
presentes, algo muito pouco habitual no
nosso país. O jogador de 35 anos foi recebido
com muitos cânticos, fumos e pirotecnia,
numa multidão que contou com vários
elementos dos grupos encarnados.
Festa de aniversário do Colectivo 95 | 08-07-
2023
O Colectivo cumpriu o seu 28º aniversário
dois dias antes, no dia 6 de Julho, mas foi no
Sábado que decidiu comemorar mais um ano
do grupo. Como já é habitual, conviveram
durante largas horas, com um torneio de
futebol e, posteriormente, concentrando-se
no seu sector para os festejos, com pirotecnia,
música e muitos cânticos.
Adeptos do Freamunde nas Sebastianas | 10-
07-2023
As Sebastianas são umas festas realizadas
anualmente na cidade de Freamunde, umas
das mais conhecidas do Norte do país, que
este ano se realizaram entre os dias 5 a
11 de Julho. Atraem sempre milhares de
visitantes, sendo conhecidas pelo bairrismo
da população local, em que, por exemplo, se
vê muita gente a envergar orgulhosamente
artefactos do clube da terra. O registo vai
para o penúltimo dia, numa 2ª feira, em que
decorreu a Marcha Alegórica com a sessão
do fogo de artificio. A Turma 1933, claque
do Freamunde, concentrou-se nesse dia,
dando sequência a uma belíssima sessão de
pirotecnia, com muitos cânticos à mistura,
levando a belíssimas imagens.
49
AD Fafe x Vitória SC | 12-07-2023
Jogo de pré-época entre dois vizinhos, com
direito a uma excelente moldura humana
no Estádio Municipal de Fafe. Uma central
composta quase na totalidade por sócios do
Fafe, para além do apoio presente na outra
bancada por parte dos grupos de ambos os
conjuntos, animaram um final de tarde de
Verão de uma 4ª feira.
Leixões SC x CD Nacional | 15-07-2023
Encontro de futebol de praia, a contar para
o campeonato, realizado na cidade do Porto,
no estádio montado para esse efeito junto à
marginal local, que contou com a presença
de muitos adeptos leixonenses, como já
vem sendo habitual sempre que lá joga o
seu conjunto. Para além do constante apoio,
nota significativa para a grande e simples
coreografia feita pelos ultras do Leixões,
que cobriu grande parte da sua bancada. A
presença dos mesmos foi brindada com uma
vitória por 5-2, seguindo em boa forma no
principal escalão nacional.
No dia seguinte, o emblema do Mar voltou
a jogar nesse reduto, mas dessa feita para a
Taça contra o Caxinas, contando novamente
com presença de incentivo e com uma vitória
(por 3-2).
Rio Ave FC x Vitória SC | 15-07-2023
Jogo de apresentação dos vila-condenses aos
seus sócios que contou, para além da natural
presença do público da casa, da presença de
vários adeptos do Vitória, com destaque para
o apoio dado pelos White Angels e Insane.
FC Basel x SL Benfica | 16-07-2023
Jogos do Benfica em território suíço são
sinónimos de enchentes, e este não foi
excepção. Mais de 15 mil benfiquistas
estiveram presentes no St. Jakob-Park, um
estádio com capacidade para cerca de 42 mil
pessoas. A larga maioria eram naturalmente
emigrantes, que aproveitaram para assistir
a um encontro do seu clube, com alguns
grupos organizados de apoio presentes, que
50
se fizeram ouvir e contagiar quem estava
espalhado por todo o estádio.
Nota para o registo de ataques de ultras da
casa a alguns adeptos no final da partida, já
no exterior do reduto.
Apresentação do Vizela | 19-07-2023
Os vizelenses apresentaram os plantéis das
suas equipas na noite de 4ª feira e contaram
com centenas de adeptos. O destaque vai
para o espectáculo protagonizado pela Força
Azul, que realizou um bom espectáculo
pirotécnico, para além dos cânticos, de
maneira a criar os primeiros incentivos aos
seus jogadores, em pleno centro da cidade.
Apresentação do Vitória SC | 20-07-2023
O clube vimaranense decidiu apresentar o seu
plantel no Largo do Toural, o centro da cidade.
Milhares de simpatizantes encheram aquela
zona e criaram imagens impressionantes para
darem um dos primeiros incentivos à sua
equipa. Houve muitos cânticos e pirotecnia,
registando-se imagens de relevo, numa
“simples” noite de 5ª feira.
Varzim SC x Vitória SC | 23-07-2023
Durante este fim-de-semana realizou-se o
Torneio da Póvoa de Varzim, contando com
quatro equipas. Depois de não terem passado
à final da competição amigável, Varzim e
Vitória defrontaram-se no Domingo entre si,
no encontro que melhor ambiente e moldura
humana teve do fim-de-semana.
O Varzim, que jogava em casa, contou
naturalmente com muita gente, com
destaque para o o grupo Os De 1915, que
ainda realizaram uma boa fumarada e
abertura de pirotecnia. Por outro lado, os
vimaranenses, que estiveram espalhados por
mais do que uma bancada, deram um bom
recital de apoio, com as claques presentes. Os
Insane estiveram presentes nas duas partidas
(esta e a da véspera, contra o Tondela).
A partida terminou com algumas desavenças
dentro das quatro linhas e com a vitória da
formação poveira, após desempate por
grandes penalidades.
51
CF “Os Belenenses” x FC Famalicão | 23-07-
2023
Mais de mil belenenses estiveram presentes
no Restelo, compondo uma boa parte da sua
bancada central, neste primeiro jogo oficial,
após o tão desejado regresso às competições
profissionais. Este encontro, que contou para
a Taça da Liga, teve logicamente um bom
ambiente, com apoio de parte a parte, pois
os Fama Boys também se fizeram representar
com cerca de três dezenas de elementos,
proporcionado também com um desafio de
vários golos e que culminou na passagem dos
de Belém, graças a um golo aos 90+12’, que
fez o 3-2 final, para grande festa do público
da casa.
SL Benfica x Burnley FC | 25-07-2023
Amigável realizado no Restelo, que contou
com uma óptima moldura humana, em que
as cores encarnadas preencheram mais de
metade da lotação daquele belo estádio.
Para além do registo da grande assistência,
há que destacar o entusiasmo vivido pela
partida realizada num terreno diferente da
capital, contando com a presença dos grupos
organizados do clube que deram voz e muita
cor, com fumos e pirotecnia.
NK Celje x Vitória SC | 27-07-2023
Mais de três dezenas de vitorianos deslocaramse
até Celje, na Eslovénia, para apoiar a sua
equipa na primeira mão da segunda préeliminatória
da Liga Conferência. Os seus
ultras, dos diferentes grupos, chegaram
a fazer-se ouvir em vários momentos do
encontro, que por sinal foi bastante animado,
com os de Guimarães a levarem a melhor por
3-4. No final, os jogadores foram agradecer
ao sector visitante.
52
CD Trofense x Al-Hazem SC | 29-07-2023
Jogo particular em que os Ultras Trofa
aproveitaram para comemorar o seu 17º
aniversário. Houve espaço para uma pequena
coreografia, fumo vermelho e azul, tochas
e ainda uma tarja à frente do sector com a
seguinte mensagem: “Desde 01/08/2006 -
Ultras - pelo Trofense tudo”
FC Porto x Rayo Vallecano | 29-07-2023
Último particular dos azuis e brancos, servindo
também de apresentação aos seus sócios.
Cerca de 40 mil espectadores estiveram
presentes no Dragão e, para melhorar o
ambiente fora das quatro linhas, teve como
adversário um clube espanhol que conta com
um dos grupos mais activos actualmente no
seu país. Os Bukaneros fizeram questão de
marcar presença, com uma turma de cerca
de 80 elementos, tendo havido registo de
incidentes com alguns portistas antes da
partida.
O encontro foi, portanto, mais animado do
que o habitual para um de pré-temporada,
com cânticos dos vários grupos no interior do
recinto. Nota, ainda, para uma tarja da claque
espanhola contra a repressão em Portugal:
“Seja onde for, liberdade para os adeptos”
SC Braga x OGC Nice | 29-07-2023
Encontro que serviu para a apresentação
da equipa do Braga aos seus sócios. Foram
muitos os adeptos presentes, em mais uma
iniciativa denominada “Braga Day” criada
pelo próprio clube. Nota para o apoio dos
seus ultras ao longo da partida e para a
tochada protagonizada pelos Red Boys.
GD Estoril Praia x CF “Os Belenenses” | 29-
07-2023
Encontro da Taça da Liga, num Sábado à noite,
entre duas formações não muito distantes
entre si, o que motivou desde logo uma boa
deslocação de apoiantes belenenses, com
várias centenas a estarem presentes no sector
visitante. Apesar de não ter faltado incentivo
aos azuis, a verdade é que os estorilistas
acabaram por vencer de forma convincente
por 5-1, empolgando o público da casa que
lá esteve.
53
UD Leiria x CD Nacional | 30-07-2023
Oficialmente, 6.121 espectadores estiveram
a assistir a este encontro da 2ª eliminatória
da Taça da Liga, num Domingo matinal.
Um registo impressionante numa fase tão
precoce desta competição, ainda por cima
numa partida que envolveu dois conjuntos
do segundo escalão nacional. Ficou também
provado que esta continuação de política de
bilhetes gratuitos em Leiria promete voltar a
levar muita gente esta época ao Estádio Dr.
Magalhães Pessoa.
Quem foi teve direito a muita animação
dentro das quatro linhas, com um empate
a três bolas, tendo os madeirenses levado a
melhor nas grandes penalidades decisivas.
Aniversário do Boavista | 01-08-2023
O Boavista FC cumpriu o seu 120º aniversário,
um número relevante para o panorama
nacional. Os seus simpatizantes, mais
concretamente os Panteras Negras, não
quiseram obviamente ficar sem comemorar
esse facto, e organizaram uma série de acções.
A vários dias da data, começaram a espalhar
pela cidade portuense uma frase diferente
a cada dia, algo que se chegou também a
alastrar à localidade escocesa de Aberdeen,
cujos adeptos do maior clube local têm uma
conhecida amizade com os boavisteiros.
O maior destaque vai para um espectáculo
pirotécnico criado no interior do Estádio
do Bessa, que saiu publicamente nas redes
sociais do próprio Boavista, em forma de
vídeo. Também no exterior houve registo de
uma grande tochada, para festejar mais um
aniversário axadrezado.
Apresentação da equipa do Vitória FC | 02-
08-2023
Numa noite de 4ª feira, na Feira de
Santiago, em Setúbal, houve espaço para a
apresentação do plantel do Vitória, perante
uma extraordinária moldura com cerca de
mil pessoas. Houve muito apoio, material
verde e branco e pirotecnia para darem um
incentivo inicial à sua equipa, mostrando que
54
a descida ao Campeonato de Portugal não
apagou em nada a paixão dos seus adeptos
pelo emblema sadino.
Vitória SC x NK Celje | 03-08-2023
Mais de 18 mil espectadores estiveram
presentes no recinto vimaranense para
tentarem embalar a sua equipa para a 3ª
pré-eliminatória da Liga Conferência. O
público estava empolgado neste primeiro
jogo oficial da época em sua casa, havendo,
como habitualmente, um forte apoio inicial.
Porém, aquilo que se poderia pensar ser
uma confirmação de passagem tornou-se
num pesadelo, com o Celje a vencer por 0-1
no tempo regulamentar e, posteriormente,
a levar a melhor no desempate por grandes
penalidades.
O ambiente foi-se deteriorando à medida
que os minutos passavam, tendo já o
prolongamento sido mais de suspense do
que outra coisa. Depois da confirmação da
passagem dos eslovenos, houve um misto
de desilusão com tensão, principalmente
na bancada nascente, havendo o registo de
várias cadeiras lançadas para o relvado.
55
EXPECTATIVAS PARA A BANCADA 23/24
Está aí à porta o início de uma
nova temporada, a de 2023/24. Nos últimos
anos, por razões diferentes, a vida dos
adeptos portugueses tem sido tudo menos
fácil. Tudo tem acontecido, desde a criação
de uma autoridade específica de vigilância
contra os mesmos, mudanças na legislação
sempre com um acentuar da repressão,
aumentos repentinos de interdições, criações
de sectores segregadores em recintos
desportivos e até, pelo meio, imensas
restrições públicas que envolveu um longo
período de tempo de jogos à porta fechada.
Nas bancadas, de alguma forma, vai-se
tentando resistir. Este ano promete ser mais
um de sequência ao que tem acontecido,
ou seja, sem o brilho das coreografias e
grandes faixas de outrora, mas certamente
com presenças, protestos e tempo
para espetáculos mais ou menos legais.
Atendendo ao que se passou, nestes últimos
tempos, será interessante ver como será o
desempenho dos aglomerados mais fanáticos
de variadíssimas equipas do nosso país.
se para o último anel, tendo aproveitado para
fazer regularmente boas tochadas. Ainda
assim, tem sido possível também reparar
em algum apoio minimamente organizado
na parte inferior, onde está oficialmente
uma das Zonas com Condições Especiais de
Acesso e Permanência (ZCEAP), precisamente
onde se reuniam antes em conjunto todos
os elementos dos NN. Para além disso, o
grupo benfiquista tem sido assolado com
vários processos judiciais, deixando sempre
algum suspense no ar sobre a forma como
vão responder a médio e longo prazo em
termos de força e união. Relativamente aos
Diabos Vermelhos, têm dado algum “ar da
sua graça” com recepções interessantes,
mensagens originais contra a repressão e
pirotecnia em encontros mais importantes e
especiais. Será curioso verificar se vão manter
esse registo, ou até melhorar, apesar de, em
termos numéricos, serem muitas vezes quase
uma mera “gota” na Luz, mas que se fazem
obviamente notar.
Passando para os rivais portistas,
o Dragão tem sido um exemplo de maneiras
diferentes de lidar com a legislação
repressora. Por esse motivo, vai ser
interessante ver a evolução e a resistência
dos grupos que permanecem fora dos
sectores nominais. O Colectivo, que continua
com boas iniciativas em datas especiais
56
Começando pelo Benfica, importa
referir que o seu apoio é um dos que mais
ficou alterado, precisamente pelas recentes
alterações legislativas que envolveram a
obrigação de sectores nominais. Uma boa
parte do apoio nuclear do topo sul, mais
concretamente dos No Name Boys, deslocou-
(como aniversários do clube ou da claque),
tem perdido naturalmente a oportunidade de
organizar e expor coreografias, algo pelo qual
era sobejamente conhecido. Já os Casuals
Porto têm-se imposto num sector da bancada
sul (fora da ZCEAP) e criado bons registos
visuais com algumas tochadas.
Analisando o que pode ser a
temporada sportinguista, fora das quatro
linhas, pode-se dizer que é um dos assuntos
mais intrigantes. Dos três clubes com mais
adeptos, é aquele que tem tido o apoio mais
dividido e mais segregações, contando com
mais grupos, mas com menos elementos no
geral em cada um deles. Tem havido apelos
e comunicados nas redes sociais sobre o
assunto, no geral com o objectivo de voltar
a agregar a maioria dos ultras na curva sul.
Porém, o Directivo Ultras XXI já anunciou a
sua continuidade na bancada norte, local
onde regressou nesta última época.
Falando do movimento em Braga,
pode-se dizer que tem crescido e mantido uma
regularidade interventiva em várias acções,
com os protestos contra vários problemas a
serem claramente o seu registo predilecto.
Será curioso verificar o desempenho da
sua equipa, tanto internamente como nas
competições europeias, também para saber
até onde podem viajar os braguistas.
Logo ao lado, em Guimarães,
convém referir que o clube vai para o segundo
ano consecutivo disputar as competições
europeias, algo que já não acontecia há muito
tempo. Será importante para os vimaranenses
terem mais alguma animação, dependendo
também do percurso da própria equipa.
Não há grandes coisas a referir quanto à
prestação nas bancadas, uma vez que o seu
nível se mantém elevado, tendo registado
coreografias e espectáculos pirotécnicos de
louvar. A recente concentração no Largo do
Toural, aquando da apresentação da equipa,
deixa garantias na motivação dos adeptos
vitorianos.
Os boavisteiros registaram
algumas boas deslocações, e resta saber
se elevam o nível para algo mais constante,
apesar de alguma repressão e divisão que
também existe no Bessa. Os vizelenses têm
oportunidade de se afirmar novamente num
nível acima da média do primeiro escalão, a
mesma coisa que os famalicenses, embora
estes já somem mais algum tempo seguido
na liga.
57
De realçar a subida do Farense,
que vai trazer mais uma massa associativa
apaixonante entre os melhores. É curioso
lembrar que o Farense esteve recentemente
uma época no primeiro escalão, mas foi em
2021/22, a época em que todas as partidas
foram feitas à porta fechada. Têm agora
o repentino reerguer e o facto de estarem
constantemente no topo da classificação
para ganhar um novo ânimo e criarem boas
deslocações.
A segunda liga vê-se reforçada.
Para além destes últimos dois exemplos,
sobem dois históricos, vindos da Liga 3: Leiria
e Belenenses. Os leirienses têm-nos vindo a
habituar a sucessivos recordes de assistências,
que incluem estar entre os melhores
nacionais, muito graças à política de bilhetes
58
a merecida oportunidade de se mostrar
e de fazer do São Luís um inferno para os
visitantes, sobretudo com o apoio organizado
pelos South Side Boys.
Em sentido inverso, o Marítimo
desceu de divisão. A partir de dado momento,
as suas assistências estavam constantemente
entre os 9 mil e os 10 mil espectadores.
Resta esperar para ver se este fervor se vai
manter, pelo menos num nível aproximado,
no segundo escalão.
Também o Paços de Ferreira não
conseguiu a manutenção. Embora não fossem
dos mais conhecidos pelo entusiasmo do seu
público, a verdade é que há cinco anos atrás
aconteceu-lhes o mesmo e aproveitaram
gratuitos (e de outros entretenimentos prépartida)
que o presidente já garantiu que é
para continuar. Resta verificar se, numa divisão
acima, estas molduras humanas também se
efectivarão. Já os de Belém garantiram o tão
desejado regresso aos escalões profissionais
de futebol, fazendo prometer bons registos
por parte dos mesmos.
Quem fica a perder provavelmente
será a Liga 3, que viu a descida do histórico
Vitória FC ao Campeonato de Portugal.
Ainda assim, clubes históricos como o Fafe,
Varzim e Académica lá ficarão e, dependendo
também do que for um pouco o rumo dos
acontecimentos dentro de campo, vários
campos terão hipóteses de obter bons
ambientes ao longo da época.
Outros históricos estarão presentes
pelo Campeonato de Portugal e distritais.
Será expectável que muitos se mantenham
ao seu nível, criando espectáculos superiores
ao que estamos habituados, fruto da mistura
do seu sentimento com uma maior liberdade
de o fazer, fugindo à repressão a que se está
habituado nas divisões maiores.
Alguns nomes de clubes não
foram citados ao longo do texto. Mais do
que esquecimento, convém referir que,
no panorama futebolístico, Portugal vive
momentos conturbados sobre os papéis das
sociedades desportivas. Vários adeptos, seja
de forma organizada ou individualmente,
estão actualmente afastados de apoiarem
as equipas de futebol do seu próprio clube.
Vários motivos são referidos, como o facto
de não se reverem, seja pelo desligamento
existente entre ambas as partes, pelo papel
excessivo de uma entidade externa na gestão
ou até por causa de “franchisings”. Será
curioso ver as reacções, protestos e presenças
de cada grupo em que os seus clubes possam
estar envolvidos nestes episódios.
Este texto não poderia ficar sem
uma palavra para as restantes modalidades.
Têm existido bons registos e boas molduras
humanas, como no caso dos clássicos em
várias situações, do Braga no futsal, do
Leixões no voleibol, do Óquei de Barcelos
no hóquei em patins ou até da Ovarense no
basquetebol. Resta esperar por ver se haverá
surpresas neste aspecto e algum crescimento
do fervor dentro de pavilhões.
Em suma, pode-se dizer que os
factores externos negativos causadas pela
repressão legislativa e policial vão apenas
permitindo que os adeptos portugueses
tentem o possível. Será, portanto, importante
assistir a novos protestos, que geralmente são
organizados pela Associação Portuguesa de
Defesa do Adepto (APDA), de maneira a fazer
o máximo de esforço possível para reverter o
estado actual negativo das coisas e, no fundo,
reconquistar a liberdade para apoiar!
Por G. Mata
59
“The Old Firm” é o nome atribuído
a uma das mais icónicas rivalidades do
cenário futebolístico mundial, que opõem
os dois gigantes de Glasgow, a maior
cidade da Escócia: Celtic e Rangers. Estes
dois emblemas dominam em absoluto o
futebol escocês e, para que se tenha noção
do quão avassalador é este domínio, basta
perceber que, em conjunto, somam mais de
cem campeonatos nacionais, e a rivalidade
conta com a realização de mais de quatro
centenas de dérbis desde a primeira disputa,
que aconteceu ainda no século XIX. Apesar
destes registos assombrosos, o que torna
esta rivalidade verdadeiramente ímpar são
questões que se estendem muito para lá
das quatro linhas, nomeadamente disputas
políticas e religiosas.
Para compreendermos com alguma
amplitude a forma como esta rivalidade
se formou, temos de “viajar” até à Irlanda
dos meados do século XIX, país que foi
afectado por um terrível cataclismo que
ficou conhecido como “A Grande Fome”,
que vitimou mais de um milhão de pessoas
e forçou um milhão a emigrar e procurar
melhores condições de vida noutras paragens.
Parte dessa diáspora haveria de se radicar em
Glasgow, e é no seio dessa comunidade que,
a 6 de Novembro de 1887, na Igreja de St.
Mary, nasce o Celtic Football Club. Fundado
por Andrew Kerins, conhecido como Brother
Walfrid, o Celtic foi criado com o intuito de
combater o miserabilismo a que estavam
sujeitos os irlandeses por aquelas paragens,
que eram profundamente discriminados
essencialmente por serem católicos num país
de maioria protestante. A oposição ao Reino
Unido e o apoio à reunificação da Irlanda são
ainda hoje marcas bem presentes no seio dos
The Boys.
Do outro lado da barricada
encontra-se o Rangers Football Club, fundado
14 anos antes, a 1 de Março de 1872, pelos
irmãos Moses e Peter McNeil, Peter Campbell
e William McBeath. Ao contrário dos rivais, os
The Bears são maioritariamente protestantes,
unionistas e leais à coroa britânica. O
sectarismo que assolava a comunidade
de Glasgow nos finais do século XIX ficou
gravado no ADN do Rangers, e prova disso é
que, durante muito tempo, o clube barrou a
entrada de jogadores católicos, medida que
vigorou durante longas décadas. Ainda que as
fontes consultadas sejam contraditórias em
relação ao início da proibição, sabemos que a
mesma só terminou em 1989, com a polémica
contratação do ex-Celtic Mo Johnston,
situação que gerou muita contestação, em
que o jogador viria mesmo a ser alvo de
várias ameaças que vieram dos dois lados da
barricada.
Esta rivalidade viria a ser baptizada
de “The Old Firm”, fruto dos acontecimentos
caricatos registados durante a disputa da final
da taça escocesa no ano de 1909. Depois de
o primeiro jogo ter acabado empatado a zero,
realizou-se um segundo jogo de desempate,
que acabaria por ser interrompido devido
a confrontos entre adeptos e polícia, após
60
se ter disseminado o boato de que teria
sido acordado entre as formações que
este segundo jogo acabasse novamente
empatado, forçando assim a realização duma
terceira partida de forma a aumentar o
dinheiro arrecadado pelas duas direcções na
venda de ingressos.
Este é o primeiro registo que
encontrei de violência em grande escala nos
jogos realizados entre os dois vizinhos, mas
a partir daqui muitos outros episódios se
seguiram, e há inclusivamente relatos dum
aumento exponencial de entrada de utentes
nos hospitais de Glasgow nas horas seguintes
aos dérbis disputados durante a década de
1990.
A rivalidade dentro das quatros
linhas é igualmente titânica e, apesar de
periódicos domínios de uma ou outra
formação, o equilíbrio registado pelos
números é absolutamente revelador do
quanto nenhum dos lados quer perder para
o outro. O primeiro dérbi disputou-se a 25 de
Maio de 1888 e o Celtic acabaria por vencêlo
por 5-2. Realizaram-se no total 436 jogos
entre os rivais, com o Rangers a levar de
vencidos 169, o Celtic 165, e o registo de 102
empates. E se em matéria de campeonatos o
Rangers está igualmente na frente (55 contra
53), o Celtic destaca-se pelo maior número de
taças vencidas (41 contra 34). Os dois clubes
alcançaram também a glória europeia com
um título para cada lado. O Celtic venceu a
maior competição de clubes da uefa, a Taça
dos Clubes Campeões Europeus, em 1967, no
Estádio do Jamor, e o vizinho Rangers venceu
a Taça das Taças apenas cinco anos depois,
em 1972, num período que curiosamente até
foi negro em matéria de conquistas internas,
tendo o Celtic vencido nove campeonatos
consecutivos entre as épocas 65/66 e 73/74,
feito que o Rangers viria a igualar mais tarde,
entre 1989 e 1997.
Apesar de ter sido relativamente
amenizada pelo tempo, a rivalidade políticoreligiosa
está hoje bem viva, com especial
fervor no seio dos grupos ultra locais. Se
os Green Brigade do Celtic são conhecidos
pelas posições progressistas, de apoio à
causa palestiniana e por entoarem cânticos
associados ao IRA, os Union Bears alinham
numa tradição unionista de lealdade à
coroa britânica. Ainda recentemente, logo
após o falecimento da rainha Elizabeth II,
pudemos perceber o quão contrastantes são
as posições dos dois grupos e respectivas
massas adeptas. Os Union Bears prepararam
um bonito mosaico que preencheu toda a
bancada, com as cores da bandeira britânica
e a rainha ao centro. Por seu turno, a Green
Brigade arranjou uma forma criativa de
contornar o minuto de silêncio em memória
da monarca, substituído por um minuto de
aplausos precisamente por se esperar já
alguma acção de boicote. Ora os Ultras do
Celtic, que jogou na condição de visitante no
campo do St. Mirren, hastearam uma frase
em que se lia “If you hate the royal family clap
your hands” entoando um cântico com essa
mesma letra, episódio que se tornou viral na
internet.
Toda esta envolvência torna
este dérbi verdadeiramente especial, e
confere-lhe uma projecção mediática que
vai muito para além da parca dimensão do
futebol escocês. Fica mais uma vez latente
a correlação entre clubes, comunidade e
tradição local, mostrando que a importância
do futebol em muito transcende a do mero
jogo que decorre dentro das quatro linhas.
Por J. Sousa
61
NA TERRA DE D10S
62
9h53
Aterramos em Ezeiza, Buenos
Aires, após um voo de cerca de 13 horas,
proveniente de Madrid. Entre voos de
ligação, atrasos e afins, a jornada já rondaria,
seguramente, 17 horas.
Uma vez em solo argentino, o
entusiasmo vencia, de goleada, o cansaço.
A “ilusión” motivada pela chegada ao “País
das Pampas” ajudava a elevar os níveis de
energia.
Dirigimo-nos ao hotel e, na
impossibilidade de entrarmos de imediato,
sentámo-nos no tasco mais próximo. Pedimos
a famosa Quilmes, mas foi-nos aconselhado
que trocássemos por uma 1890. Dizem
os locais que a aquisição da Quilmes por
parte dos brasileiros da Brahma acabou por
“estragar” a cerveja.
No “dia 0”, sem futebol jogado,
tínhamos um compromisso às 17 horas no
famoso bairro de La Boca e com a promessa
de uma receção à altura da ocasião. As
melhores expectativas cumpriram-se. Saímos
do Uber, esperámos uns minutos e, pouco
tempo depois, aí estava o nosso simpático
anfitrião, disposto a apresentar-nos o clube
por dentro.
Rapidamente sentimos uma
diferença atroz no trato. “El barrio es de
la gente”. E o clube também. Ainda que o
acesso ao estádio fosse exclusivo a sócios, o
nosso anfitrião rapidamente conseguiu fazer
com que entrássemos numa das “canchas”
mais importantes da história do futebol
mundial e sem que pagássemos um único
peso argentino.
Subimos ao relvado e começámos a
contemplar um palco mítico, no qual a tantas
coisas espetaculares assistimos a quilómetros
e quilómetros de distância durante anos.
Estávamos na casa de Diego Armando da
Maradona. Também de Juan Román Riquelme
ou Martín Palermo, apenas algumas das mais
mediáticas figuras de uma história riquíssima,
preenchida por craques.
Enquanto o nosso anfitrião se
sentava para desfrutar do seu mate (que,
mais tarde, provaríamos), contemplávamos
todos os recantos da caixa de bombons mais
conhecida do mundo. A mítica bancada da 12,
as grades típicas da “cancha” sul-americana
e, claro, a peculiar bancada que está sempre
de frente para a transmissão televisiva, com
a “box” em homenagem a Diego Armando
Maradona para sempre reservada. A maior
surpresa, em virtude da impossibilidade
de verificá-lo através da TV foi, com toda
a certeza, a curta distância entre a central
(sem qualquer proteção) e o terreno de jogo.
Vazio, é absolutamente impactante. Cheio,
com toda a certeza a experiência de uma vida
para qualquer adepto de futebol.
Após as fotos da praxe (e não
foram poucas), percorremos os corredores
do estádio, preenchidos por estátuas e
troféus conquistados pelo clube. O nosso
“guia” falava-nos, orgulhosamente, da
história do clube. Para além das Libertadores
conquistadas, os factos que mais destacava
estavam naturalmente relacionados com
a Intercontinental, uma obsessão para
qualquer clube sul-americano. Para além
desse sucesso, outro facto amplamente
destacado tinha a ver com o facto de o Boca
já ter vencido o Real Madrid em quatro
continentes diferentes.
Uma vez terminada a visita à
Bombonera, seguimos para o principal
campo adjacente, utilizado pelos escalões de
formação e pela equipa feminina. “Duas de
letra” com o segurança e estávamos dentro
do recinto, sem qualquer problema. Tempo
ainda para visitar La Bombonerita, pavilhão
do clube no qual, por essa hora, se treinava a
equipa de basquetebol.
A caminho de La Bombonerita, o
nosso anfitrião alerta-nos para a existência
de um edifício alguns metros à frente, para
o qual tínhamos pouca visibilidade. De que
se tratava? De uma espécie de Pavilhão com
espaço para descansar um pouco e duches
para os adeptos, pensado para as pessoas
que fazem centenas de quilómetros até
Buenos Aires para assistirem a um jogo do
seu clube. Ali perto, um centro médico, com
os sócios do Boca a poderem usufruir dos
serviços ali prestados sem qualquer custo.
Para além de tudo isso, uma das escolas
do bairro foi construída precisamente pelo
clube. A responsabilidade social diz muito de
um clube e, nesse campo, o Boca vence de
goleada. Outra realidade. É sobretudo por
aqui que se fomenta a paixão, que se garante
a renovação e a passagem de testemunho. De
pai para filho. De geração em geração.
Finda a visita, regressámos “al
club” para que nos encontrássemos com
um dos representantes dos sócios do clube,
bem como com um dos secretários da
direção. Uma vez mais, fomos recebidos
como família. Honra seja feita ao Fer, que
nos merece uma menção dada a abnegação
que denota ao desempenhar o seu papel,
sem qualquer outro interesse que não o de
tornar a comunicação entre sócios e clube
melhor, e sempre empenhado em resolver
os problemas dos seus consócios. Não é um
assalariado do clube: é um tipo apaixonado,
daqueles que faz 1000 km a uma sexta para
ir ver a equipa de basket a La Plata ou que
atravessa os sinuosos Andes no inverno para
ir ver o Boca para a Libertadores.
No país em que Asado, Fernet
y Fútbol são os 3 mandamentos (não
necessariamente por esta ordem), tomámos
o primeiro “Fernesito” precisamente na
Bombonera. Tivemos o privilégio de visitar
os escritórios decorados a rigor, fomos
apresentados aos funcionários como “amigos
de Portugal” e, inclusivamente, pudemos ver
a Bombonera de noite, a partir da bancada.
Há receber e receber, e esta gente sabe como
fazê-lo melhor que ninguém.
63
Finda a visita, dirigimo-nos ao La
Madrid, bar que está imediatamente após
o famoso ringue com a inscrição “República
de La Boca” - escusado será dizer que, à
hora, estava repleto de futuros craques.
Empanadillas, uns litros de Stella (e não
Quilmes) e, sentados connosco à mesa,
diversos temas: futebol, sociedade, política,
economia, geografia e uma certeza: a
República de La Boca existe. Vive nas suas
gentes. É uma forma de estar, pensar e viver.
E quem vai por bem, será sempre recebido
com um sorriso.
A noite há muito que tinha caído,
mas a nossa não terminaria ali. Após um
ride até ao famoso Caminito, acabámos
num “Conventillo”, espaço no qual os
genoveses, que outrora chegaram a La Boca
por via marítima, habitavam. Como sempre,
recebidos “de puta madre”. Muito Boca, muita
cerveja, alegria, música e ainda houve tempo
para escutar o famoso êxito do Mundial 2022,
a nosso pedido. No entanto, ficou o alerta:
“uma coisa, é a República de La Boca. Outra,
a Argentina”. Ambas se confundem quando
joga “La Sele”. Mas a República de La Boca é e
sempre será “otra cosa”. A aventura estava só
a começar…
Rumámos à Ciudad de Lanús, no sul
da grande Buenos Aires, para assistirmos ao
Lanús – Sarmiento de Junín, no Néstor Díaz
Pérez.
Sabíamos ao que íamos mas,
mesmo que não soubéssemos, rapidamente
nos daríamos conta de que era dia de jogo,
atendendo ao número de camisolas grená
pelas ruas dos humildes bairros de Lanús.
Assadores em cada esquina, muito
fernet e uma extensa “procissão” até ao
Néstor Díaz Pérez.
Bem “à portuguesa”, entrámos em
cima da hora, aquando da subida das equipas
ao relvado. Tivemos a felicidade de adquirir
ingressos para a Tribuna Popular – bancada
da “Barra Brava” do Lanús, “La 14” – e a nossa
chegada ao Néstor Díaz Pérez não poderia ter
sido mais impactante: naquele momento, se
nos filmassem, qualquer semelhança com os
olhos de uma criança a olhar para uma loja de
doces seria mera coincidência.
Lanús – Sarmiento de Junín
Quis o destino que o primeiro jogo
em solo argentino fosse o último para o
qual adquirimos bilhete, de forma simples e
célere, no site oficial do Lanús.
64
Contemplávamos, embevecidos,
tudo o que ia acontecendo à nossa volta,
que não era pouco... Sem surpresas, o maior
espetáculo ao qual assistiríamos naquela
tarde seria, definitivamente, nas bancadas.
Naquele momento, tudo era alegria,
alegria essa partilhada entre velhos, novos,
mulheres, homens, todos empenhados no
mesmo: apoiar o Lanús. E se mais nada for,
que o futebol continue a ser esse espaço
no qual, durante 90 minutos, mesmo sendo
diferentes, remamos todos para o mesmo
lado.
Entre ritmos mais ou menos
conhecidos, assistimos, extasiados, a
um apoio sem intervalo, sem pausa,
absolutamente frenético, capaz de contagiar
as restantes bancadas do estádio. Ao mesmo
tempo, acontecia algo típico na Argentina:
as crianças, movidas pelo sonho de um dia
estarem no relvado do Néstor Díaz Pérez,
iam jogando (e bem) na parte mais baixa da
bancada.
No relvado, o Lanús, de Cristian
Lema (ex-Benfica), venceu por duas bolas a
uma. O Sarmiento de Junín, que regressou a
casa de “mãos a abanar”, ainda contou com
o contributo de Lisandro López, avançado
com passagem pelo Porto que, aos 40 anos,
continua a fazer golos no país de origem.
Terminado que estava o primeiro
encontro, a expectativa só tinha aumentado.
Estava por vir aquele que seria, com toda a
certeza, um dos dias mais emocionantes na
nossa vida enquanto adeptos de futebol.
Um dia, dois clássicos
Antes de partirmos com destino à
Argentina, tudo foi preparado ao detalhe.
Entre pesquisas e contactos com
os clubes, ficámos a par de tudo o que seria
necessário fazer para termos acesso aos
jogos aos quais queríamos acorrer – tudo
dependeria de datas e horários.
Neste processo, fizemo-nos sócios
de vários clubes por forma a não vermos
qualquer possibilidade gorada. O Rosário
Central e o River Plate foram dois deles,
sendo que aguardávamos ansiosamente as
datas, já que o Rosário defrontaria o Boca no
famoso Gigante de Arroyito, e o River Plate
mediria forças com o Independiente nessa
jornada. Dois grandes “clássicos”, portanto.
Assim que as datas foram reveladas,
cerca de dez dias antes, percebemos que
tínhamos um problema em mãos… o Rosário
defrontaria o Boca às 15h30 de domingo,
23 de abril, ao passo que o River Plate
defrontaria o Independiente a partir das
20h30 do mesmo dia.
299 km (e 3h16 de carro, segundo
o Google Maps) separam Rosário e Buenos
Aires. Estivemos a ponto de abdicar de um dos
desafios, até que descobrimos que, através
de dois voos das Aerolíneas Argentinas, a
aventura seria “fazível”.
Saímos de Buenos Aires bem cedo,
com destino a Rosário. Em menos de uma
hora, aterrámos no Aeropuerto Internacional
Rosario “Islas Malvinas”.
Apanhámos um táxi (que nos
garantiu termos tido sorte por se tratar de
um domingo de manhã tão cedo) que nos
levaria para o centro da cidade, coisa que
acabou por não acontecer quando dei conta
de que, à nossa direita, estava nada mais
nada menos que o estádio Marcelo Alberto
Bielsa, casa do Newell’s Old Boys. Pedimos
para sair precisamente ali (ainda que não
soubéssemos a quanto tempo estávamos
do centro), de forma a visitarmos mais
65
uma “cancha”. O portão do estádio estava
fechado, mas o segurança de serviço, após
lhe dizermos que vínhamos de Portugal, teve
a amabilidade de nos abrir o estádio para
que o pudéssemos visitar. Assim fizemos. Um
estádio “à antiga”, daqueles que conserva
uma aura rara, distinta. Diríamos que o
estádio Marcelo Bielsa está “descuidado” de
forma bonita, quase romântica, destacandose
pela autenticidade.
um clima de autêntica final.
O ambiente nas ruas já permitia
perspetivar o que se passaria dentro do
Gigante de Arroyito, sendo certo que já
tínhamos sido informados de que nos
esperava um dos melhores ambientes do
futebol sul-americano – à “posteriori”, posso
ir mais longe e afirmar que é, com toda a
certeza, um dos melhores ambientes do
futebol mundial.
Após as fotos da praxe, seguimos
para o centro do Rosário, com destaque
para o imponente Monumento Nacional a
la Bandera, à beira-rio. As cores do Rosario
começavam a surgir nas ruas e, enquanto a
hora não chegava, contemplávamos as várias
homenagens a Lionel Messi e Ángel Di María,
dois “filhos de Rosário”, eternizados nas
paredes da cidade.
A hora aproximava-se e, para viver
o pré-jogo, aproximamo-nos do Gigante
de Arroyito, até porque era esse o local
designado para recolhermos os nossos
cartões de sócios internacionais do Rosario
Central, garantia de entrada gratuita (!) nesse
e em outros dois jogos do nosso interesse dos
“Canalla”.
Entre ruas e avenidas cortadas,
o nosso motorista lá conseguiu deixar-nos
relativamente perto do estádio. Chegados
ali, percebemos exatamente o porquê das
alterações ao trânsito: um mar de gente
invadia as ruas adjacentes ao estádio com
cânticos, pirotecnia, muito fernet, assado, e
Todo o pré-jogo foi um caos bonito
que culminou, inesperadamente, com
uma “avalanche” de adeptos que corriam,
desenfreadamente, para uma outra porta
depois de a polícia ter encerrado uma das
entradas. O facto de vários adeptos terem
tentado forçar a entrada motivou esse
acontecimento, mas não impediu que o
estádio estivesse claramente sobrelotado. No
país em que poucas coisas estarão acima do
futebol, vale (mesmo) quase tudo, até trepar
uma rede com uma altura considerável e
66
arame farpado no topo para poder estar na
Tribuna Popular.
A partir do momento em que as
equipas subiram ao relvado, assistimos ao
maior espetáculo de bancada das nossas
vidas. Um estádio em pé durante 90 e muitos
minutos, um apoio incessante em todas as
bancadas e muita, muita pirotecnia, inclusive
foguetes, com o jogo em pleno decurso. Quem
gosta de futebol, quem gosta de espetáculos
de bancada, tem que ter obrigatoriamente o
Gigante de Arroyito na sua “bucket list”.
“Para ser un Canalla si necesita un
poco de locura”, cantavam, em uníssono, as
bancadas de um estádio completamente a
abarrotar.
O Rosario esteve por duas vezes na
frente e só não levou as bancadas ao êxtase
total porque realmente nunca deixaram de
estar ao longo de todo o encontro, mas o
Boca conseguiu fazer o empate no décimo
minuto de compensação.
Sem grande tempo para lamentar
o empate (que realmente lamentámos
por aquelas gentes), apanhámos o nosso
Remis – serviço em tudo idêntico ao de táxi
– e partirmos novamente com destino ao
aeroporto, desejando que não houvesse
grande atraso na saída para Buenos Aires de
forma a chegarmos ao Monumental Nuñez a
tempo.
Uma vez aterrados no Aeroparque,
que fica precisamente na avenida do
Monumental Nuñez, faltava cerca de meia
hora para o jogo. Apressámo-nos a encontrar
um táxi que nos levasse até casa dos “Millo”
e corremos desenfreadamente cerca de 1
quilómetro até ao controlo mais próximo.
Desde logo se notou a diferença do River no
panorama argentino: bem mais organizado
e rigoroso em termos de segurança, de tal
forma que tivemos que exibir os nossos
cartões de sócio à segurança e, só chegados
ao torniquete, pudemos usar os cartões
(supostamente não transmissíveis) dos
detentores dos lugares no Monumental.
Entrámos com o encontro a ponto
de começar, o estádio completamente cheio
e em apoteose para o “clássico” com o
Independiente. Com um ambiente menos
“familiar” que o Gigante de Arroyito mas
igualmente frenético, o Monumental é
tudo aquilo de que nos apercebemos: uma
“selva”, no bom sentido, a “céu aberto”. A
grandiosidade de um dos maiores palcos
do futebol argentino é difícil de descrever
e ainda mais impactante se tornou tendo
em conta que já tínhamos visitado o estádio
no dia anterior, com as bancadas despidas.
As novas bancadas, mais perto do relvado,
vieram aumentar ainda mais a pressão
exercida sobre quem sobe ao relvado do
Monumental. Nessa noite, que o digam os
67
68
jogadores do Independiente, que saíram
derrotados por duas bolas a zero e foram
totalmente dominados ao longo dos 90
minutos, enquanto os comandados de Martin
Demíchelis iam dominando e controlando ao
ritmo marcado pelos famosos “Borrachos
del Tablón”, Barra Brava do River. Apesar de
termos ficado na bancada contrária, nota
para a presença de vários grupos no nosso
sector, que também não pouparam esforços
no apoio àquela que era, de longe, a melhor
equipa que tínhamos visto jogar desde a
chegada à Argentina.
Estava terminado um domingo de sonho.
Na nossa lista faltavam dois jogos:
Barracas Central – Defensa y Justicia e Racing
– Atlético Tucumán.
Antes de viajar, Monumental
e Bombonera à parte, a realidade é que
o famoso “Cilindo de Avellaneda” do
Racing Club era mesmo o palco que maior
curiosidade me despertava.
A primeira (e provavelmente única)
surpresa negativa que vivemos na Argentina
aconteceu, imagine-se, em Barracas.
Encaminhámo-nos para o bairro de Barracas
cerca de uma hora antes do início do Barracas
Central – Defensa y Justicia sem bilhetes e
com a esperança de que os conseguiríamos
ali, já que se tratava de uma segunda-feira às
15h30.
Antes disso, a nossa pesquisa não
nos tinha dado grandes luzes em relação
a como conseguir entradas para jogos do
Barracas, até porque a sua presença no
escalão principal era recente – ainda assim,
tinha lido um adepto inglês que assegurava
que o Barracas não vendia bilhetes.
Depois de termos passados pelo
Tomás Adolfo Ducó, casa do Huracán,
encaminhamo-nos para o Claudio Tapia, casa
do Barracas. Rapidamente nos deparámos
com limitações à circulação do trânsito e,
aproveitando a presença de um segurança,
questionámo-lo quanto à localização da
bilheteira. Indicou-nos que deveríamos descer
a avenida e assim fizemos, até que chegámos
a um beco sem saída no qual nos garantiram
que ali não existia nenhuma bilheteira, e nos
deram indicações que iam dar… ao estádio
do Huracán. Voltámos ao mesmo sítio,
perguntámos a um outro segurança (que ia
apontando que carros passavam) e que nos
soltou, de forma “simpática”, “Barracas no
vende entradas”.
Ao que nos foi possível perceber
posteriormente, as entradas para os jogos do
Barracas Central são distribuídas às gentes do
Bairro e não existe bilheteira física.
Posto isto, decidimos avançar
nos planos. Cientes do quão próximos são
os estádios de Racing e Independiente,
seguimos para a zona de Avellaneda.
Começámos por visitar o
Libertadores de América, casa do
Independiente, mas infelizmente o estádio
estava encerrado. Tivemos que nos contentar
em “matar o tempo” no bar do estádio, já
que faltavam algumas horas para o encontro
seguinte, entre Racing e Tucumán.
Mudámos de “poiso” e deslocamonos
para mais perto do estádio Presidente
Perón, vulgarmente conhecido como
“Cilindro de Avellaneda”. Lá como cá, a hora
(19h de uma segunda-feira) não permitiu
que o estádio enchesse, exceção feita à
zona da Barra Brava, uma das melhores da
Argentina. Mais uma vez, mesmo com as
bancadas algo despidas, o espetáculo fora
de campo superou largamente aquilo que se
verificou dentro das quatro linhas. É também
no Cilindro de Avellaneda que está um dos
“campos exteriores” mais famosos do futebol
argentino, com várias crianças a privilegiarem
debaterem-se nas bancadas ao invés de
estarem atentas ao rumo dos acontecimentos
no relvado: houve até um momento em
que uma dessas bolas, pontapeada por um
potencial futuro jogador, entrou no relvado.
À nossa frente, uma imagem forte, típica do
futebol argentino: um pai, com o seu filho
bem pequeno, a “alentar” o seu Racing,
porque dizer o nome do clube que ama será
tão importante como “papá” ou “mamá”.
Se, por um lado, a vontade de partilhar a
experiência era tremenda, não é menos
verdade que a intensidade e autenticidade
daquilo que vivemos torna exigente a missão
de colocar por palavras tudo aquilo que ali
sentimos. Pessoalmente, a certeza é só uma:
a de que voltarei.
Por Afonso C.
69
70
CUCS 2023: o encontro anual de
coleccionismo ultra na Espanha.
Com um jogo de palavras referente
a um dos ícones do movimento ultra,
iniciamos este artigo para contar o que
aconteceu no mês de junho às margens do
rio Ebro, especificamente em Cabañas de
Ebro (Zaragoza), onde um bom número de
colecionadores de diferentes lugares de
Espanha se reuniu, representando cerca de
quinze clubes. Devo ressaltar que, nos últimos
anos, a média de participantes tem sido de
cerca de 20 pessoas. Na CUCS 2023, foram
exibidas grandes coleções de fotomontagens,
autocolantes e livros, que mais uma
vez impressionaram os participantes. A
gastronomia também desempenhou um
papel importante no evento e, este ano, foi
apreciado um almoço típico da região de
Aragão, o qual não decepcionou ninguém.
Nada é por acaso e, por isso, para
contextualizar os leitores, o embrião desta
reunião já foi formalizado em Zaragoza há
cerca de 10 anos. Após essa foram feitas
mais algumas, mas foi apenas há 3 anos,
em Badaran (La Rioja), que dedicamos um
fim de semana inteiro ao evento numa
casa rural e o batizamos como “Cueva Ultra
Coleccionismo Supremo”. Para o evento, foi
feita uma garrafa de vinho comemorativa
entregue aos participantes. Sem dúvida,
foi um sucesso em termos de número de
participantes, exposições, palestras sobre
cachecóis e outros materiais, organização e,
é claro, o bom ambiente predominante, fruto
de muitas amizades cultivadas nos anos 90,
quando começamos a trocar material.
Depois de Badaran veio Mérida e foi
numa casa rural romana que decorreu a CUCS
2022, onde rostos conhecidos se reuniram
com novas adições. Essas reuniões são, e
continuarão a ser, privadas e apenas aqueles
que forem convidados pela organização do
evento poderão participar. Na CUCS 2023 o
testemunho foi passado na forma de uma
bandeira, com o logótipo da organização,
para a próxima sede que terá lugar em 2024.
Se tivéssemos que resumir o evento
numa palavra, essa palavra seria “amizade”.
Acima de tudo, porque é a amizade que
nos leva a viver grandes momentos como
os deste fim de semana e, é claro, muito
material ultra, que é o que nos uniu a todos.
Agora, só nos resta esperar mais um ano para
nos encontrarmos, enquanto continuamos
a enviar e receber materiais para tornar a
espera até à CUCS 2024 mais agradável.
Por Frankin CUCS 2023
71
VER DE FORA, POR DENTRO
72
Comparação entre movimentos
Ultra: O ponto de vista dum italiano que vive
em Portugal.
A minha aventura nas bancadas
dos estádios portugueses começa em 2018.
Tudo aconteceu como sempre acontece,
entre jogos em horários improváveis,
cervejas, viagens e amizades, representando
a verdadeira essência do tifo, do grupo de
ultras.
Este artigo sobre as semelhanças
e diferenças do movimento Ultras na Itália
e em Portugal nasceu da amizade e da troca
de impressões e pontos de vista em muitas
conversas com dois grandes amigos, o Lino
e o Lorenzo. Claro que este não será uma
análise académica ou uma teoria pretensiosa
sobre as dinâmicas do fenómeno ultra, é
simplesmente o fruto da experiência de
quem vive o grupo nas bancadas, com uma
paixão genuína.
Como é sabido em toda a parte, o
futebol italiano influenciou o mundo, assim
como o inglês, e em Portugal também se
transmitiu a sua influência para vários grupos,
seja em termos estéticos, coreográficos, de
estilo ou de organização. Basta pensar no
Colectivo 95, nos Diabos Vermelhos ou Red
Boys, para citar alguns exemplos. Há também
outras influências em solo lusitano, como
a sul-americana - por exemplo, presente
nos Super Dragões - ou estilos emergentes
adotados pelos diversos grupos “Casuals”,
que seguem o modelo do leste europeu,
com foco principalmente em artes marciais
e confrontos em florestas, embora esse caso
seja minoritário e ainda em fase embrionária
no cenário português. Por fim, há o caso
peculiar dos No Name Boys, que há algum
tempo rejeitam a associação ao mundo dos
Ultras - uma realidade que não possui um
caso análogo em Itália - mas que, apesar de
sua posição incomum, ainda faz parte da
história dos Ultras portugueses.
Uma característica que se
destaca no movimento Ultra em Portugal
é a centralização do apoio nos chamados
“três grandes”: Porto, Sporting e Benfica.
A influência derivada da manifesta
superioridade desportiva e financeira desses
três grandes clubes não somente na adesão
dos adeptos em geral, mas
também no número de grupos
ultras históricos e com tradição.
Salvas as devidas exceções em
alguns casos, como o Braga, Vitória
e Boavista, o poder dos “três
grandes” em termos de números
e participação é evidente. Um
aspecto negativo do panorama
português é essa disparidade, que
acaba por relegar as pequenas
realidades em crescimento à penumbra da
hegemonia dos “três grandes”, tornando-se
assim difícil conseguirem afirmar-se.
Em Itália, embora haja uma situação
semelhante com os três grandes clubes:
Juventus, Inter e Milan, que têm um maior
número de adeptos, de um modo geral,
do ponto de vista dos ultras, a verdadeira
força do movimento italiano está em todos
os clubes históricos e chamados “clubes
provinciais”. No primeiro caso, Lazio, Roma,
Cagliari, Napoli e Verona, e no segundo,
Catania, Lecce e Salernitana, para citar alguns
exemplos.
Estreitamente ligada à disparidade
de representação entre clubes “grandes” e
“pequenos” está a falta de uma verdadeira
ligação com o clube da cidade para o
movimento Ultra português. Isto é notado
pela pouca relevância, em muitos casos
nenhuma, que a maioria dos encontros do
calendário a contar para o campeonato
nacional tem para os ultras, com exceção
dos clássicos e dos dérbis, que sempre
proporcionam uma atmosfera fascinante
nas bancadas, com coreografias, cânticos
e provocações, e que certamente estarão
entre os melhores espetáculos ultras a nível
europeu.
O lema “Apoia o clube da tua terra”
aparenta não ter grande sucesso em Portugal,
pelo menos por enquanto. Já em Itália,
essa especificidade representa um ponto
muito forte, pois em qualquer deslocação,
mesmo nas divisões menores, há perigos
e desafios devido à presença generalizada
de grupos ultras de clubes que jogam tanto
nas principais como nas divisões inferiores.
Assim, de Trento a Agrigento, é sempre
possível encontrar encontros interessantes.
De qualquer forma, para os
grupos ultras portugueses, o que supre a
falta de relevância e tensão nos jogos do
campeonato nacional é a dimensão europeia.
A participação dos clubes portugueses
nas competições europeias proporciona
dinamismo e intensidade diferentes. Nos
jogos europeus, é extremamente importante
o apoio e a presença dos ultras, inclusive
dos núcleos radicados fora de Portugal.
Isso deve-se ao fenómeno dos emigrantes
portugueses e das numerosas comunidades
portuguesas no estrangeiro, coisa que é um
aspecto interessante e que difere claramente
do movimento italiano nos últimos anos.
O grande denominador comum
entre os ultras portugueses e italianos é a
presença constante da faixa do grupo em
qualquer lugar, sendo extremamente raro
não ver as insígnias do grupo em qualquer
viagem.
Outra diferença entre estas duas
realidades é a escassa solidariedade entre
os ultras. Além das cores e das rivalidades,
em relação a esta matéria parece não haver
sintonia entre Itália e Portugal, excepto em
alguns casos incomuns. Apesar da acérrima
rivalidade inerente à realidade italiana,
existe uma espécie de respeito e código
de conduta que é observado. Por outras
palavras, pode dizer-se que existe um modelo
de comportamento uniforme, bastando
73
lembrar o caso enigmático que acontecera
após o assassinato de Gabriele Sandri e de
como ele é lembrado até hoje por toda a
gente, independentemente do clube. Já em
Portugal, é difícil superar o obstáculo da
rivalidade em prol de causas coletivas ou
contra a repressão, havendo geralmente uma
falta de respeito entre os vários grupos ultras
que muitas vezes aplaudem as “desgraças
alheias”.
Espero pessoalmente que esta
mentalidade mude, e, é claro, olhando
positivamente para o futuro, deixo um elogio
para iniciativas valorosas que ultrapassam
as cores, como a luta contra o “Cartão do
Adepto” da “Associação Portuguesa de
Defesa do Adepto”.
Uma outra característica única
dos grupos Ultras portugueses é a presença
e participação noutras modalidades
desportivas dos seus clubes, como andebol,
hóquei, voleibol, basquetebol e futsal.
Esta peculiaridade é possível graças à
especificidade dos clubes portugueses,
que são bastante ecléticos, algo incomum
para nós italianos, exceto em casos raros
e pontuais que, por certo, não alcançam as
proporções do fenómeno português.
Por fim, não podemos deixar de
constatar o apoio e uma certa simpatia dos
adeptos portugueses em relação aos grupos
Ultras. De maneira geral, o arquétipo do
adepto médio oriunda socialmente de um
estrato popular, pouco “chique” e “social”, ao
contrário do que, infelizmente, temos vindo a
assistir cada vez mais nos estádios italianos.
74
É um fenómeno social global, que
não se limita apenas ao futebol,
mas para aqueles que, como
nós, vêem o futebol com paixão
e com uma inegável dose de
romantismo, nunca se consignará
numa atmosfera artificial,
semelhante a um cinema, que
o futebol moderno tenta impor
indiscriminadamente em todos
os estádios.
Além do modelo uniformizado
e politicamente correcto imposto pelas
instituições de futebol europeias e
mundiais, nos últimos tempos, tivemos que
enfrentar uma pandemia que fez com que
o “espetáculo” fosse realizado em estádios
vazios. Não podemos esquecer também
todas as tentativas de controlo e repressão
contra os Ultras adotadas tanto na Itália,
como a “tessera del tifoso”, viagens proibidas
e interdições em massa, como em Portugal,
com o “cartão do adepto” e o controle policial
exacerbado, similar a um estado de guerra
presente em todos os estádios, mesmo em
jogos sem qualquer tipo de risco ou tensão.
O que traz esperança, apesar das
semelhanças e diferenças entre as duas
realidades, é a vitalidade e o dinamismo
que os Ultras demonstram, com um grande
potencial de crescimento em Portugal e um
inesperado ressurgimento no último ano na
Itália, após vários anos em crise.
Por Guido Bruno
75
ON TOUR
NK CELJE X VITÓRIA SC
76
Mais uma temporada prestes a
começar e novamente com direito a entrar
nas competições europeias pelo segundo
ano consecutivo. Sorte no sorteio, quanto
mais não seja por sair diretamente uma
equipa que nos permite marcar viagem, ao
invés de um jogo ainda por realizar em que
teríamos de esperar mais duas semanas para
ficar a conhecer o nosso adversário. Celje, na
Eslovénia, seria o nosso destino, mas não a
próxima paragem. Os voos de Portugal para a
Eslovénia estavam proibitivos, e começou-se
então a ver qual seria a melhor forma de lá
chegar, dentro da opção mais económica.
Viajámos então do Porto para
Bergamo, onde alugámos carro para fazer
inversão do trajeto e apanhar mais um
elemento que aterrava em Milão. Como
estávamos numa das maiores e mais
conhecidas cidades italianas, aproveitamos
para comer e beber qualquer coisa - uma
das refeições ficou pelo preço quase total das
que se seguiriam, é o que dá parecer turista
- antes de ir ao mítico estádio dividido pelos
dois clubes da cidade, Milan e Inter.
San Siro ou Giuseppe Meazza, como
preferirem, é de facto um estádio imponente,
com “pegadas” a toda a sua volta: se do lado
da curva sud só há espaço para o vermelho e
preto, do lado oposto, na nord, o azul e preto
tem o mesmo destaque. Não sei se haverá
pacto de “não agressão”, mas a verdade é
que quer fossem rabiscos ou graffítis mais
elaborados, todos eles se encontravam
imaculados.
Arrancámos de Milão, desta vez
rumo a Vicenza onde ficámos a pernoitar,
chegando lá já perto das 4h da manhã e com
o check-out agendado para as 10h.
Custou a acordar, mas ainda faltavam cerca
de 4h de viagem e lá nos fizemos à estrada.
Antes de entrarmos no país esloveno ainda
fomos dar um saltinho a Veneza para termos
uma pequena noção de como seria aquela
cidade tão própria. Foi só mesmo o tempo
de deixar o carro mal-estacionado e, em
menos de uma hora, percorrer o máximo que
conseguíssemos a pé.
Voltámos à estrada e só paramos
de novo em solo esloveno para abastecer
o carro, almoçar e provar a cerveja típica
do país, ainda em Ljubljana. Depois, com
combustível e cerveja suficiente, seguimos
até Celje, onde chegamos já a faltar só 1h30
para o jogo e, devido ao trânsito que nos
fez atrasar, não conseguimos traçar o plano
delineado. Estacionámos o carro e juntámonos
aos restantes adeptos Vitorianos,
presentes no pub combinado, aparecendo
quase de imediato vários carros da polícia
com intenções de nos levar em cortejo até
ao estádio, a cerca de 3km. Pelo caminho
tudo tranquilo, sendo poucas as pessoas
que estavam na rua. Rapidamente se chegou
ao estádio, onde já estavam mais alguns
vitorianos, sendo cerca de 30 na bancada.
O Celje é um clube que não
aparentou ter uma forte presença social,
num estádio com quase 14.000 lugares. Uma
das bancadas centrais estava fechada e a
outra tinha um preenchimento de cerca de
50%. Havia um grupo Ultra no topo oposto
ao visitante, com cerca de 50 elementos, que
iam tentando empurrar a sua equipa, mas
sem os restantes sócios a acompanhar.
Os Insane Guys e os White Angels
fizeram-se representar, mas com tarefa
complicada devido ao número reduzido de
elementos. Num jogo de futebol que contou
com vários golos (3- 4 para o Vitória) o
apoio, apesar de contínuo, não tinha grande
força. Aqui, destaque negativo para todo o
ambiente do estádio. Em sentido inverso,
destaque positivo para o facto de haver
cerveja com álcool dentro do estádio, como já
vem sendo hábito por muitos estádios nestas
tours europeias.
No final da partida, uma zona
relvada antes do perímetro de jogo foi
invadida por dois adeptos, com intervenção
dos seguranças. Gerou-se um pequeno
momento de tensão, que foi rapidamente
sanado. Sem muita demora, a polícia voltou
a encaminhar-nos para a zona onde tínhamos
os carros e foi à sua vida.
Quanto a nós, novamente corremos
atrás do tempo e, mal acabamos de jantar,
seguimos viagem novamente com destino a
Bergamo, onde um dos nossos tinha voo logo
às 6h da manhã. O desgaste era visível, e a
viagem noturna de regresso obrigou-nos a
trocar de condutor.
Depois de deixarmos o nosso
companheiro no aeroporto, ainda sobravam
algumas horas para aproveitar a cidade
italiana. Foi tempo de irmos visitar o estádio
Atleti Azzurri, da Atalanta, que está a sofrer
algumas renovações. Neste momento, o
estádio encontra-se dividido por uma zona já
totalmente renovada, ao estilo de um estádio
moderno, mas ao contornarmos o estádio
deparamo-nos com as fachadas antigas e
características dos estádios italianos, que me
fizeram lembrar o estilo do Artemio Franchi,
da Fiorentina. Em todo o redor do estádio,
muitos rabiscos anti diversos clubes do país,
mas sem nenhum grafíti imponente como
tínhamos encontrado em Milão. Já agora,
em jeito de comparação, para quem gosta de
se deslocar na aventura, acho que Bergamo
é mais hostil de chegar sem se ser notado,
devido aos poucos acessos que tem.
Depois de uma curta viagem de
carro pelo centro de Bergamo, só para
ficarmos com uma pequena ideia de como
a cidade era, seguimos para Milão onde
acabámos por gastar os últimos cartuchos
das poucas horas que restavam da viagem.
Fomos de encontro ao Duomo, e por ali
ficámos antes de seguir para o aeroporto, já
em modo zombie.
Com mais de 1200km só de carro,
em que pouco descansámos, infelizmente
não conseguimos aproveitar para conhecer
mais do país onde o jogo se realizou. Fica
para a história mais uma presença europeia,
com algumas peripécias e muitas lembranças
de uma viagem que teve um pouco de tudo,
mas em que no final o sentimento de dever
cumprido continua a ser o mais importante.
Que a caminhada europeia não fique por
aqui, e em breve possamos acrescentar novos
destinos e presenças ao nosso percurso
enquanto adeptos
Por D. Carvalho
77
A LENTA MAS INCESSANTE EVOLUÇÃO
DE SOCCER PARA FUTEBOL
78
Desde que me lembro, a (falta de)
cultura do futebol norte-amerciano tem
sido um assunto (im)permanente entre os
adeptos, com a recente transferência de
Lionel Messi para a MLS a ressuscitar as mais
diversas discussões. A Internet está repleta
de vídeos de adeptos norte-americanos
a tentarem imitar os ultras europeus ou
mesmo os barra bravas sul-americanos. As
secções de comentários são implacáveis. Os
adeptos americanos são alvo de chacota da
comunidade de adeptos do futebol. Mas, por
detrás de todos estes vídeos “engraçados”,
fora da vista do resto do mundo, a cultura
dos adeptos nos Estados Unidos está, na
verdade, a desenvolver-se. O primeiro lugar
desta evolução é tomado pela Costa Leste,
onde os adeptos da Bay Area e de Los
Angeles estão a exibir o enorme potencial
deste país gigantesco. Tive a oportunidade de
experimentar todo este desenvolvimento em
primeira mão quando me juntei aos San Jose
Ultras, para o California Clasico, no embate
contra o LA Galaxy, e aos District 9 Ultras,
adeptos fervorosos do Los Angels FC, para o
El Tráfico (assim é conhecido o derby de LA),
tendo como oponente, mais uma vez, o LA
Galaxy.
Uma das primeiras coisas que se
nota quando se vai a estes jogos é que não
é por acaso que esta zona da Costa Leste é
a “escolhida” como líder do novo mundo
dos adeptos por aqui. Trata-se simplesmente
de uma consequência lógica do elevado
número de imigrantes provenientes da
América Central e do Sul. Los Angeles é
especialmente conhecida como uma cidade
com um elevado afluxo de latinos. A atual
cultura de adeptos na América parece
depender quase exclusivamente deste
tipo de influências externas. Os dirigentes
dos District 9 que conheci eram todos
mexicanos que também apoiavam, na sua
maioria, o Chivas de Guadalajara. Já o líder
dos Ultras de San José emigrou a partir da
Roménia, tendo recebido a sua “formação”
nas bancadas do Steaua Bucuresti. Olhando
para as bancadas e, sobretudo, para os
grupos ultra, a percentagem de imigrantes
é extraordinariamente alta. Países como
o México, El Salvador e as Filipinas estão
bastante representados.
Estas influências latino-americanas
e sul-americanas são cruciais para moldar
a configuração da cultura do adepto nos
Estados Unidos da América. Tudo o que se
vê é uma reminiscência do futebol mexicano,
argentino ou colombiano. As canções são
muitas vezes cantadas inclusivamente
em castelhano. Muitos dos ritmos são
retirados das bancadas de La Bombonera
e El Monumental. O conjunto festivo nas
bancadas é ritmado por vários tambores e
outros instrumentos, tais como trompetes.
Especialmente no LAFC, este alinhamento
com a cultura futebolística latino-americana
é bastante visível. Se olharmos para os vídeos
desse jogo, podemos pensar que foram
gravados nas bancadas do Monterrey ou do
Club Atlas. O facto de os cânticos desse jogo
terem saído de milhares de gargantas, num
Rose Bowl muito bem composto, com cerca
de 80.000 pessoas, mostra todo o potencial
que o futebol desfruta hoje pelos Estados
Unidos.
Há, no entanto, várias curiosidades
no que respeita à cultura ultra prevalecente
nos EUA. Algumas positivas, outras nem por
isso. Uma delas é a relação entre o ultra
americano e o seu clube. Enquanto na Europa
os ultras estão, de forma quase constante, em
desacordo total ou parcial com a direção do
clube que amam, a relação nos EUA parece
muito semelhante à de um pai com o seu
filho. Em vários casos, é o clube que dá todo
o apoio financeiro aos ultras. Talvez por isto,
os Ultras de San Jose procuram diferenciarse
ao mostrarem o seu orgulho ao nunca
receberem dinheiro do clube. A importância
deste princípio é compreendida pela
quantidade de vezes que os seus membros
mencionam esse facto durante a minha
visita ao California Clasico. Sem nomear
ninguém, é evidente que se estão a referir
aos (dois) rivais de Los Angeles. Algo que, em
bom rigor, acabam por apontar, mais tarde,
durante o jogo a que assisti, com várias faixas
destinadas à aparente falta de princípios dos
seus homólogos do lado de lá.
Esse é um dos temas quentes entre
os grupos de adeptos, talvez inevitável num
mundo que está a começar a ganhar forma.
Para alguns, só se pode ser ultra se se mantiver
uma certa distância em relação ao clube, para
assim se poder criticar tanto quanto apoiar
quando necessário. Para outros, uma relação
estreita com o clube abre novos caminhos e
possibilidades para o desenvolvimento da
cultura dos adeptos e é, portanto, algo a que
se deve aspirar. No entanto, o simples facto
de se estar a discutir o assunto já diz, por
si só, muito sobre a melhoria do estado do
mundo dos adeptos norte-americanos.
Outra curiosidade, embora talvez
não o devesse ser, é a abertura das bancadas
americanas a pessoas de todos os quadrantes.
Não só o variado número de etnias presentes,
mas também a quantidade de mulheres nas
bancadas e as referências a movimentos civis
como os da comunidade LGBT mostram que
todos são bem-vindos. A cultura dos adeptos
norte-americanos parece encontrar o seu
lugar na cena “alternativa”, contrastando
com o que geralmente observamos em
praticamente toda a Europa. De certa forma,
as bancadas do LAFC fazem lembrar as do
célebre clube alemão FC Sankt Pauli, com
muitas referências às cores do arco-íris e a um
tipo de adepto “diferente” em comparação
com a maioria das bancadas a que estamos
habituados. Ao manter os preços dos bilhetes
relativamente baixos para os padrões
americanos, o futebol também é por aqui
capaz de acomodar muitos mais adeptos com
baixos rendimentos do que, por exemplo,
o basquetebol. Esta é uma das razões que
encontro para justificar a evidência que o
mundo dos adeptos mais fanáticos está a
crescer tão rapidamente por esta zona do
globo.
Um último aspeto a referir é a
forma como os jogos são encarados pelos
americanos. Ao contrário do que acontece
79
80
na Europa, os actuais 90 minutos de futebol
são apenas uma pequeníssima parte da
experiência completa️ do jogo em si. Os
jogos são muitas vezes encarados como mais
um dia de passeio, um evento apreciado por
toda a família, com entretenimento antes,
durante e depois do espetáculo desportivo
propriamente dito. Isto pode dar origem,
quanto a nós, a coisas aterradoras, tais como
kisscams durante o jogo, mascotes a correr
desenfreadas e paraquedistas a aterrar
no relvado. Imagens que fazem com que
o comum adepto europeu acorde a meio
da noite, encharcado em suor. No outro
extremo do espetro está o tailgate. A tradição
desportiva americana de se juntarem antes
de um jogo e grelharem muita carne na
parte de trás do carro transpõe-se muito
bem para o futebol. Esta tradição dá mesmo
origem a vários cortejos espontâneos e a
um sentimento de união entre os adeptos,
já para não falar da qualidade ridiculamente
boa da comida (muitas vezes mexicana).
Mas, então, será que nos Estados
Unidos da América é tudo sol e brilho? Claro
que não. A cultura do futebol norte-americano
está muito longe de estar onde precisa - e
quer - estar. São muitos os problemas que os
adeptos enfrentam no seu percurso para se
tornarem um ator sério no mundo do futebol.
Em primeiro lugar, há uma tremenda
falta de conhecimento da cultura futebolística
em todas as diretrizes administrativas.
Desde o funcionário da alfândega que me
perguntou se eu queria dizer “soccer” em
vez de “futebol” como motivo da minha
visita ao país, até ao comissário de bordo
que me perguntou quantos minutos duraria
a segunda parte do dérbi de Los Angeles. É
evidente que o público em geral ainda tem
muito pouco conhecimento do futebol e da
cultura vibrante que o acompanha. Isto tornase
ainda mais evidente quando se convive com
os ultras. Os xerifes locais não sabem como
lidar com um ajuntamento de adeptos que
cantam a plenos pulmões, acendem engenhos
pirotécnicos e marcham desenfreados pelas
ruas da cidade. Já o resto dos adeptos no
estádio tem um olhar que mais se assemelha
ao de um típico ultra europeu ao entrar numa
convenção de Dungeons & Dragons. Algo
entre o divertimento, a surpresa e a pena.
No entanto, educar o público em geral sobre
a cultura dos adeptos é uma tarefa que os
ultras estão dispostos a assumir. “Não há duas
maneiras de o fazer. Está na altura de eles
aprenderem”, é assim que o líder dos ultras
do District 9 nos descreve o seu sentimento.
Outro problema é a cultura do
estrelato que acaba por infectar todos os
desportos. A MLS é, em muitos aspectos,
apenas uma emulação da NBA, onde
cada “franchise” - como os clubes são
carinhosamente chamados - é sinónimo de
uma estrela que define a equipa. Em parte,
os jogos não são os Golden State Warriors
contra os LA Lakers, mas Steph Curry contra
LeBron James. Luka Doncic contra Nikola
Jokic. Ou Karl-Anthony Towns contra Jamal
Murray. O clássico amante do desporto
americano precisa de equipas repletas de
estrelas, nomes mundialmente reconhecidos
e narrativas baseadas em jogadores para
conseguir desfrutar de um jogo. Os clubes
da Major League Soccer não se importam
de obedecer a esta lógica. Esse tipo de amor
pelo desporto pode funcionar na NBA e na
NFL, lugares onde os clubes americanos
são capazes de acumular todo o talento do
mundo, fazendo com que haja um equilíbrio
entre qualidade e reputação. No entanto,
no futebol, isso acaba por resultar na
compra de lendas que são depois levadas a
desfilar pelo país como se fossem animais
de circo. Isto atrai um certo tipo de adepto
- aquele que vem ver uma estrela em vez
de uma equipa. Este tipo de adepto está tão
afastado da mentalidade dos ultras como
Portugal está geograficamente da Coreia do
Sul. Por exemplo, quando Lionel Messi foi
substituído aos 75 minutos no seu segundo
jogo pelo Inter Miami, centenas de pessoas
abandonaram imediatamente o estádio. Para
elas, isso fazia sentido. O motivo que os levou
a visitar o estádio tinha desaparecido, não é
verdade?
Os adeptos norte-americanos são
também vítimas da dimensão gigantesca do
país onde residem. Nos EUA, as deslocações
não são se resumem a uma questão de
horas a “perder”, mas sim de dias. Em países
onde existe uma longa e intensa história
de apoio ao clube de futebol local, isto
pode não constituir necessariamente um
problema inultrapassável. Mas os Estados
Unidos simplesmente não estão, e talvez
nunca venham a estar, ao nível de um país
como a Indonésia, onde milhares de adeptos
se juntam alegremente em viagens de
autocarro de 30 horas ou mais para seguirem
cegamente o seu clube. Embora os ultras do
LAFC estejam a tentar resolver este problema,
ao organizarem viagens fora de casa com
a maior frequência possível, a perspetiva
de uma cultura adepta que viva fora da sua
habitual casa parece tão distante como a
chegada de vida extraterrestre à Terra.
Em suma, há certamente muitas
colinas a subir para as boas pessoas dos
EUA que tentam construir uma cultura
futebolística vibrante e real. Mas, sem
que muitos europeus o saibam, graças aos
esforços dessas mesmas pessoas, a cultura do
futebol por estes lados tem vindo a melhorar
a passos largos na última década. O facto de
estas pessoas estarem a fazer tudo o que
está ao seu alcance para mudar a cultura
prevalecente, para grande divertimento
dos guerreiros dos teclados espalhados por
todo o mundo, não merece senão o nosso
respeito. Ir contra a corrente puramente por
amor à cultura ultra é louvável. E está a dar
os seus frutos. Do meu ponto de vista, os
ultras do LAFC estão a liderar esta nova era
da cultura do futebol nos Estados Unidos,
quer as pessoas se apercebam disso ou não.
Podemos não saber qual é a meta de todo
este empreendimento, mas, por agora, uma
coisa é certa: o único caminho possível é
prosseguir a subida.
Por Lars Smit (colaborador do In de Hekken,
projeto digital de adeptos com projeção
nos Países Baixos e na Bélgica). Tradução de
Daniel Santos
81
CULTURA
DE ADEPTO
Por P. Alves
82
Vi som är fran Göteborg
Internacional
Vi som är fran Göteborg
Autor: Vários
Equipa: Göteborg
Ano: 2014
Páginas: 353
Preço: N/A
A Suécia tem sido testemunha de
um forte crescimento da mentalidade Ultra
nas duas últimas épocas. Um dos grandes
responsáveis por tal têm sido os Ultras do
Göteborg. Reconhecidos pela militância na
bancada e cada vez mais temidos na rua, os
seus grupos têm forjado um pouco o rumo
que o movimento tem assumido nos países
nórdicos.
Para celebrar esta ascensão é
produzido este livro que mostra a forma
como têm evoluído e se afirmado na cena
Ultra Sueca.
Ao longo de mais de 300 páginas
em sueco, mas bem recheado a nível de
fotografias e digitalizações, o leitor pode
acompanhar as várias incidências desde a
génese nos finais dos anos 70 até aos dias de
hoje.
São mais de 15 capítulos que
contam um pouco de tudo, desde os principais
acontecimentos desportivos, as melhores
prestações nas bancadas ou os principais
acontecimentos nas ruas de Gotemburgo.
83
Tifo Visionärerna I Hammarby
Internacional
Tifo Visionärerna I Hammarby
Autor: Per Cornell
Equipa: Hammarby
Ano: 2023
Páginas: 215
Preço: 40€
A equipa verde e branca do
Hammarby pode não ser reconhecida pelos
seus méritos desportivos a nível internacional,
no entanto os seus Ultras são actualmente
uma das maiores referências a nível mundial
do que a Tifos diz respeito. É precisamente
a capacidade de improvisar, inovar e
surpreender que levou o autor a documentar
o dia a dia dos Ultras do Hammarby na
preparação das suas grandiosas coreografias.
Ao longo de 2 centenas de páginas
temos a possibilidade de nos colocar no seio
do grupo mais restrito do Hammarby, onde
se equaciona e prepara os grandes Tifos que
recebem esta equipa Sueca.
É como uma lufada de ar fresco
que podemos observar in loco a forma como
estes ultras trabalham, em contra-ciclo
com as mais recentes tendências dos ultras
do futebol moderno. Os lençóis, as faixas,
bandeiras entre outros materiais, todos feitos
à mão, fazem-nos acreditar que a norte da
Europa ainda se respeitam os valores mais
sagrados do Movimento.
Este é sem sombra de dúvidas um
livro para todos aqueles que gostam de tifar.
84
Vi som är fran Göteborg
Tifo Visionärerna I Hammarby
85
86
Lusitânia x Salgueiros
Mais uma jornada, a última da
fase de subida à Liga 3, onde qualquer uma
das quatro equipas podia sonhar até ao tal
derradeiro encontro. Pelas redes sociais das
equipas já se esperava um forte apoio, mas
também muita pressão.
Infelizmente cheguei tarde ao
estádio. Ainda andei à procura da bilheteira
e da melhor opção para ver o encontro, pois
soube que os preços não eram minimamente
agradáveis. Acabei por comprar um bilhete
mais barato para a bancada visitante, que
custou 7 euros. Já rolava a bola há 20 minutos
quando fui ter à porta que correspondia ao
meu bilhete. Enquanto me revistavam fiquei
mais entusiasmado, pois tinha sido golo
do Salgueiros (0-1). Entrei com uma festa
enorme na bancada visitante e uma moldura
humana incrível dentro do estádio. Pensei
logo para mim: isto tem tudo para ser um
grande jogo.
Ao intervalo o jogo estava
empatado 1-1. Nesse período surge a
equipa de futebol feminino e uma equipa
da formação para serem homenageados
pelas bancadas, por causa dos recentes
títulos conquistados. No sector do grupo de
apoio do Lusitânia abriram uma frase onde
se podia ler “Obrigado meninos e meninas
pelas conquistas históricas”. Os adeptos do
Salgueiros, numa demonstração de fair play,
também homenagearam os atletas com um
aplauso.
Durante o encontro tivemos 4
golos, muito fervor misturado com amor nas
bancadas, muito apoio de parte a parte e
algumas provocações. A GNR teve de intervir
em algumas situações para acalmar os
ânimos. Nenhum dos grupos de apoio deixou
de apoiar o seu clube.
No lado do Lusitânia havia sempre
aquela esperança de um adepto, um golo que
daria um empate, mas que com a vitória do
Vianense seria possível a subida.
Nas bancadas muitos estavam a ouvir pelo
relato ou através do canal 11 como estava
o jogo do Amarante, que comunicavam ao
resto da bancada o resultado do jogo, algo
bonito de se ver.
Nos descontos, ao minuto 92,
houve uma explosão nas bancadas do
estádio do Lusitânia. O Lusitânia marca
e assim estava qualificado para a subida.
Houve quem não resistisse, não suportasse a
euforia, e foi abraçar o guarda redes da sua
equipa - ainda havia 9 minutos para se jogar.
Nas bancadas do outro lado, onde estavam
situados os adeptos do Salgueiros, as forças
policiais também tiveram de intervir com as
provocações a aumentarem.
Quando se deu o apito final
ocorreu uma invasão de campo por parte
dos adeptos do Lusitânia, onde as forças
policias tiveram de fazer uma linha no centro
do campo para evitar confrontos. Outros
agentes asseguravam também a bancada
onde era a separação dos adeptos das duas
equipas, visto que depois os adeptos do
Salgueiros invadiram também o campo para
confraternizar com os jogadores e também
dar alguns “puxões de orelhas” a alguns
jogadores e staff. No regresso ao carro vim
a pensar em como tinha assistido a um
jogo que valeu mais do que muitos jogos da
primeira liga.
Estiveram presentes 7500 pessoas
no estádio do Lusitânia, algo incomum no
futebol português, é caso para dizer: e se
fosse sempre assim? Acabo o texto com
uma frase de uma adepta do Salgueiros,
já de alguma idade. As palavras dela eram
para o seu filho e são as seguintes: “Que
bom ser do Salgueiros, apoiamos sempre o
clube da terra, para o ano estamos lá outra
vez como sempre tivemos, isto na verdade é
Alma e será sempre”. Palavras que ao mesmo
tempo que as dizia eram acompanhadas por
lágrimas, o filho não se conteve e abraçou-a
quase a chorar e disse-lhe “obrigado”. Aquele
momento significou bastante aos olhos de
quem assistiu.
É isto o verdadeiro futebol!
Por R. Laranjeiro
87
88