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A outra - Mary Kubica

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O que vejo são traços furiosos, incompletos. Há algo

desmembrado no papel; um corpo, presumo. Um objeto

redondo no fim da folha que considero uma cabeça; formas

compridas, como membros – braços e pernas. No alto do

desenho, há estrelas, uma lua crescente. Noite. Há outra

figura no papel, uma mulher, parece, pelos longos cabelos

desgrenhados, traços que sobressaem da cabeça circular. Na

mão, ela segura algo com uma ponta afiada que goteja com

outra coisa: sangue, só posso supor, embora o desenho seja

em preto e branco. Não há vermelho. Os olhos dessa figura

são loucos, enquanto a cabeça, ali perto, decapitada, chora

em grandes gotas sombrias de lágrimas que fazem um furo

no papel.

Respiro fundo. Sinto uma dor no peito, e meus braços e

pernas momentaneamente dormentes.

Vejo a mesma imagem replicada nas três folhas de papel.

Não há nada de diferente nelas, nada que eu possa notar.

Os desenhos são de Otto, penso a princípio, porque ele é o

artista da família. O único de nós que desenha.

Mas isso é primitivo demais, rudimentar demais para ser

de Otto. Ele sabe desenhar muito melhor que isso.

Tate é um menino feliz, um garoto obediente. Ele não

teria entrado no sótão se eu dissesse que não pode. Além

disso, Tate não desenha imagens violentas e assassinas. Ele

jamais poderia visualizar essas coisas, muito menos retratálas

no papel. Tate não sabe o que é assassinato. Ele não sabe

que as pessoas morrem.

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