Momentos da Verdade
O mistério da história não é completamente escuro, pois é um véu que oculta apenas parcialmente a atividade criadora e as forças espirituais e a operação das leis espirituais. É comum dizer que o sangue dos mártires é a semente da Igreja, mas o que estamos afirmando é simplesmente que os atos individuais de decisão espiritual dão frutos sociais... Pois as grandes mudanças culturais e revoluções históricas que decidem o destino das nações ou o caráter de uma época são o resultado cumulativo de uma série de decisões espirituais... a fé e o discernimento, ou a recusa e cegueira, dos indivíduos. Ninguém pode pôr o dedo no último ato espiritual que inclina o equilíbrio e faz com que a ordem externa da sociedade assuma uma nova forma... O mistério da história não é completamente escuro, pois é um véu que oculta apenas parcialmente a atividade criadora e as forças espirituais e a operação das leis espirituais. É comum dizer que o sangue dos mártires é a semente da Igreja, mas o que estamos afirmando é simplesmente que os atos individuais de decisão espiritual dão frutos sociais... Pois as grandes mudanças culturais e revoluções históricas que decidem o destino das nações ou o caráter de uma época são o resultado cumulativo de uma série de decisões espirituais... a fé e o discernimento, ou a recusa e cegueira, dos indivíduos. Ninguém pode pôr o dedo no último ato espiritual que inclina o equilíbrio e faz com que a ordem externa da sociedade assuma uma nova forma...
Momentos da Verdade se lhe exigiu optar entre o renunciar suas doutrinas ou sofrer a morte, aceitou a sorte de mártir. Susteve-o a graça de Deus. Durante as semanas de sofrimento por que passou antes de sua sentença final, a paz do Céu encheu-lhe a alma. “Escrevo esta carta”, dizia a um amigo, “na prisão e com as mãos algemadas, esperando a sentença de morte amanhã. ... Quando com o auxílio de Jesus Cristo, de novo nos encontrarmos na deliciosa paz da vida futura, sabereis quão misericordioso Deus Se mostrou para comigo, quão eficazmente me sustentou em meio de tentações e provas.” -Bonnechose. Na escuridão da masmorra previa o triunfo que teria a verdadeira fé. Volvendo em sonhos à capela de Praga, onde pregara o evangelho, viu o papa e seus bispos apagando as pinturas de Cristo que desenhara nas paredes. “Esta visão angustiou-o; mas no dia seguinte viu muitos pintores ocupados na restauração dessas figuras em maior número e cores mais vivas. Concluída que foi a tarefa dos pintores, que estavam rodeados de imensa multidão, exclamaram: ‘Venham agora os papas e os bispos; nunca mais as apagarão!’” Disse o reformador ao relatar o sonho: “Tenho isto como certo, que a imagem de Cristo nunca se apagará. Quiseram destruí-la, mas será pintada de novo em todos os corações por pregadores muito melhores do que eu.” -D’Aubigné. Pela última vez Huss foi levado perante o concílio. Era uma vasta e brilhante assembléia: o imperador, os príncipes do império, os delegados reais, os cardeais, bispos e padres, e uma vasta multidão que acorrera para presenciar os acontecimentos do dia. De todas as partes da cristandade se reuniram testemunhas deste primeiro grande sacrifício na prolongada luta pela qual se deveria conseguir a liberdade de consciência. Chamado à decisão final, Huss declarou recusar-se a renunciar e, fixando o olhar penetrante no imperador, cuja palavra empenhada fora tão vergonhosamente violada, declarou: “Decidi-me, de minha espontânea vontade, a comparecer perante este concílio, sob a pública proteção e fé do imperador aqui presente.” -Bonnechose. Intenso rubor avermelhou o rosto de Sigismundo quando o olhar de todos na assembléia para ele convergiu. Pronunciada a sentença, iniciou-se a cerimônia de degradação. Os bispos vestiram o preso em hábito sacerdotal, e, enquanto recebia as vestes de padre, disse: “Nosso Senhor Jesus Cristo estava, por escárnio, coberto com um manto branco, quando Herodes o mandou conduzir perante Pilatos.” -Bonnechose. Sendo de novo exortado a retratar-se, replicou, voltando-se para o povo: “Com que cara, pois, contemplaria eu os Céus? Como olharia para as multidões de homens a quem preguei o evangelho puro? Não! aprecio sua salvação mais do que este pobre corpo, ora destinado à morte.” As vestes foram removidas uma a uma, pronunciando cada bispo uma maldição ao realizar sua parte na cerimônia. Finalmente “puseram-lhe sobre a cabeça uma carapuça, ou mitra de papel em
Momentos da Verdade forma piramidal, em que estavam desenhadas horrendas figuras de demônios, com a palavra ‘Arqui-herege’ bem visível na frente. ‘Com muito prazer’, disse Huss, ‘levarei sobre a cabeça esta coroa de ignomínia por Teu amor, ó Jesus, que por mim levaste uma coroa de espinhos.’” Quando ficou assim trajado, “os prelados disseram: ‘Agora votamos tua alma ao diabo.’ ‘E eu’, disse João Huss, erguendo os olhos ao Céu, ‘entrego meu espírito em Tuas mãos, ó Senhor Jesus, pois Tu me remiste.’” -Wylie. Foi então entregue às autoridades seculares, e levado fora ao lugar de execução. Imenso séquito o acompanhou: centenas de homens em armas, padres e bispos em seus custosos trajes e os habitantes de Constança. Quando estava atado ao poste, e tudo pronto para acender-se o fogo, o mártir uma vez mais foi exortado a salvar-se renunciando aos seus erros. “A que erros”, diz Huss, “renunciarei eu? Não me julgo culpado de nenhum. Invoco a Deus para testemunhar que tudo que escrevi e preguei assim foi feito com o fim de livrar almas do pecado e perdição; e, portanto muito alegremente confirmarei com meu sangue a verdade que escrevi e preguei.” -Wylie. Quando as chamas começaram a envolvê-lo, pôs-se a cantar: “Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim”, e assim continuou até que sua voz silenciou para sempre. Mesmo os inimigos ficaram tocados com seu procedimento heróico. Um zeloso adepto de Roma, descrevendo o martírio de Huss, e de Jerônimo que morreu logo depois, disse: “Ambos se portaram com firmeza de ânimo quando se lhes aproximou a última hora. Prepararam-se para o fogo como se fosse a uma festa de casamento. Não soltaram nenhum grito de dor. Ao levantarem-se as chamas, começaram a cantar hinos, e mal podia a veemência do fogo fazer silenciar o seu canto.” -Wylie. Depois de completamente consumido o corpo de Huss, suas cinzas, e a terra em que repousavam, foram ajuntadas e lançadas no Reno, e assim levadas para além do oceano. Seus perseguidores em vão imaginavam ter desarraigado as verdades que pregara. Dificilmente se dariam conta de que as cinzas naquele dia levadas para o mar deveriam ser qual semente espalhada em todos os países da Terra; de que em terras ainda desconhecidas produziriam fruto abundante em testemunho da verdade. A voz que falara no recinto do concílio em Constança, despertara ecos que seriam ouvidos através de todas as eras vindouras. Huss já não mais existia, mas as verdades por que morrera, não pereceriam jamais. Seu exemplo de fé e constância animaria multidões a permanecerem firmes pela verdade, em face da tortura e da morte. Sua execução patenteou ao mundo inteiro a pérfida crueldade de Roma. Os inimigos da verdade, posto não o soubessem, haviam estado a adiantar a causa que eles em vão procuraram destruir. Contudo, outra fogueira deveria acender-se em Constança. O sangue de mais uma testemunha deveria testificar da verdade. Jerônimo, ao dizer adeus a Huss à partida para o concílio, exortou-o a que tivesse coragem e firmeza, declarando que, se caísse em algum
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<strong>Momentos</strong> <strong>da</strong> Ver<strong>da</strong>de<br />
se lhe exigiu optar entre o renunciar suas doutrinas ou sofrer a morte, aceitou a sorte de<br />
mártir.<br />
Susteve-o a graça de Deus. Durante as semanas de sofrimento por que passou antes de<br />
sua sentença final, a paz do Céu encheu-lhe a alma. “Escrevo esta carta”, dizia a um<br />
amigo, “na prisão e com as mãos algema<strong>da</strong>s, esperando a sentença de morte amanhã. ...<br />
Quando com o auxílio de Jesus Cristo, de novo nos encontrarmos na deliciosa paz <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
futura, sabereis quão misericordioso Deus Se mostrou para comigo, quão eficazmente me<br />
sustentou em meio de tentações e provas.” -Bonnechose.<br />
Na escuridão <strong>da</strong> masmorra previa o triunfo que teria a ver<strong>da</strong>deira fé. Volvendo em<br />
sonhos à capela de Praga, onde pregara o evangelho, viu o papa e seus bispos apagando<br />
as pinturas de Cristo que desenhara nas paredes. “Esta visão angustiou-o; mas no dia<br />
seguinte viu muitos pintores ocupados na restauração dessas figuras em maior número e<br />
cores mais vivas. Concluí<strong>da</strong> que foi a tarefa dos pintores, que estavam rodeados de<br />
imensa multidão, exclamaram: ‘Venham agora os papas e os bispos; nunca mais as<br />
apagarão!’” Disse o reformador ao relatar o sonho: “Tenho isto como certo, que a<br />
imagem de Cristo nunca se apagará. Quiseram destruí-la, mas será pinta<strong>da</strong> de novo em<br />
todos os corações por pregadores muito melhores do que eu.” -D’Aubigné.<br />
Pela última vez Huss foi levado perante o concílio. Era uma vasta e brilhante<br />
assembléia: o imperador, os príncipes do império, os delegados reais, os cardeais, bispos<br />
e padres, e uma vasta multidão que acorrera para presenciar os acontecimentos do dia. De<br />
to<strong>da</strong>s as partes <strong>da</strong> cristan<strong>da</strong>de se reuniram testemunhas deste primeiro grande sacrifício<br />
na prolonga<strong>da</strong> luta pela qual se deveria conseguir a liber<strong>da</strong>de de consciência. Chamado à<br />
decisão final, Huss declarou recusar-se a renunciar e, fixando o olhar penetrante no<br />
imperador, cuja palavra empenha<strong>da</strong> fora tão vergonhosamente viola<strong>da</strong>, declarou:<br />
“Decidi-me, de minha espontânea vontade, a comparecer perante este concílio, sob a<br />
pública proteção e fé do imperador aqui presente.” -Bonnechose. Intenso rubor<br />
avermelhou o rosto de Sigismundo quando o olhar de todos na assembléia para ele<br />
convergiu.<br />
Pronuncia<strong>da</strong> a sentença, iniciou-se a cerimônia de degra<strong>da</strong>ção. Os bispos vestiram o<br />
preso em hábito sacerdotal, e, enquanto recebia as vestes de padre, disse: “Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo estava, por escárnio, coberto com um manto branco, quando Herodes o<br />
mandou conduzir perante Pilatos.” -Bonnechose. Sendo de novo exortado a retratar-se,<br />
replicou, voltando-se para o povo: “Com que cara, pois, contemplaria eu os Céus? Como<br />
olharia para as multidões de homens a quem preguei o evangelho puro? Não! aprecio sua<br />
salvação mais do que este pobre corpo, ora destinado à morte.” As vestes foram<br />
removi<strong>da</strong>s uma a uma, pronunciando ca<strong>da</strong> bispo uma maldição ao realizar sua parte na<br />
cerimônia. Finalmente “puseram-lhe sobre a cabeça uma carapuça, ou mitra de papel em