Momentos da Verdade
O mistério da história não é completamente escuro, pois é um véu que oculta apenas parcialmente a atividade criadora e as forças espirituais e a operação das leis espirituais. É comum dizer que o sangue dos mártires é a semente da Igreja, mas o que estamos afirmando é simplesmente que os atos individuais de decisão espiritual dão frutos sociais... Pois as grandes mudanças culturais e revoluções históricas que decidem o destino das nações ou o caráter de uma época são o resultado cumulativo de uma série de decisões espirituais... a fé e o discernimento, ou a recusa e cegueira, dos indivíduos. Ninguém pode pôr o dedo no último ato espiritual que inclina o equilíbrio e faz com que a ordem externa da sociedade assuma uma nova forma... O mistério da história não é completamente escuro, pois é um véu que oculta apenas parcialmente a atividade criadora e as forças espirituais e a operação das leis espirituais. É comum dizer que o sangue dos mártires é a semente da Igreja, mas o que estamos afirmando é simplesmente que os atos individuais de decisão espiritual dão frutos sociais... Pois as grandes mudanças culturais e revoluções históricas que decidem o destino das nações ou o caráter de uma época são o resultado cumulativo de uma série de decisões espirituais... a fé e o discernimento, ou a recusa e cegueira, dos indivíduos. Ninguém pode pôr o dedo no último ato espiritual que inclina o equilíbrio e faz com que a ordem externa da sociedade assuma uma nova forma...
Momentos da Verdade jovem rei Ricardo II para o seu lado, obtiveram um decreto real sentenciando à prisão todos os que professassem as doutrinas condenadas. Wycliffe apelou do sínodo para o Parlamento; destemidamente acusou a hierarquia perante o conselho nacional e pediu uma reforma dos enormes abusos sancionados pela igreja. Com poder convincente, descreveu as usurpações e corrupções da sé papal. Seus inimigos ficaram confusos. Os que eram amigos de Wycliffe e o apoiavam, tinham sido obrigados a ceder, e houvera a confiante ex- pectativa de que o próprio reformador, em sua avançada idade, só e sem amigos, curvar-se-ia ante a autoridade combinada da coroa e da tiara. Mas, em vez disso, os adeptos de Roma viram-se derrotados. O Parlamento, despertado pelos estimuladores apelos de Wycliffe, repeliu o edito perseguidor e o reformador foi novamente posto em liberdade. Pela terceira vez foi ele chamado a julgamento, e agora perante o mais elevado tribunal eclesiástico do reino. Ali não se mostraria favor algum para com a heresia. Ali, finalmente, Roma triunfaria e a obra do reformador seria detida. Assim pensavam os romanistas. Se tão-somente cumprissem seu propósito, Wycliffe seria obrigado a renunciar suas doutrinas, ou sairia da corte diretamente para as chamas. Wycliffe, porém, não se retratou; não usou de dissimulação. Destemidamente sustentou seus ensinos e repeliu as acusações de seus perseguidores. Perdendo de vista a si próprio, sua posição e o momento, citou os ouvintes perante o tribunal divino, e pesou seus sofismas e enganos na balança da verdade eterna. Sentiu-se o poder do Espírito Santo na sala do concílio. Os ouvintes ficaram como que fascinados. Pareciam não ter forças para deixar o local. Como setas da aljava do Senhor, as palavras do reformador penetravam-lhes a alma. A acusação da heresia que contra ele haviam formulado, com poder convincente reverteu contra eles mesmos. Por que, perguntava ele, ousavam espalhar seus erros? Por amor do lucro, para da graça de Deus fazerem mercadoria? “Com quem”, disse finalmente, “julgais estar a contender? com um ancião às bordas da sepultura? Não! com a Verdade -Verdade que é mais forte do que vós, e vos vencerá.” -Wylie. Assim dizendo, retirou-se da assembléia e nenhum de seus adversários tentou impedi-lo. A obra de Wycliffe estava quase terminada; a bandeira da verdade que durante tanto tempo empunhara, logo lhe deveria cair da mão; mas, uma vez mais, deveria ele dar testemunho do evangelho. A verdade devia ser proclamada do próprio reduto do reino do erro. Wycliffe foi chamado a julgamento perante o tribunal papal em Roma, o qual tantas vezes derramara o sangue dos santos. Não ignorava o perigo que o ameaçava; contudo, teria atendido à chamada se um ataque de paralisia lhe não houvesse tornado impossível efetuar a viagem. Mas, se bem que sua voz não devesse ser ouvida em Roma, poderia falar por carta, e isto se decidiu a fazer. De sua reitoria o reformador escreveu ao papa uma carta que, conquanto respeitosa nas expressões e cristã no espírito, era incisiva censura à pompa e orgulho da sé papal.
Momentos da Verdade “Em verdade me regozijo”, disse, “por manifestar e declarar a todo homem a fé que mantenho, e especialmente ao bispo de Roma, o qual, como suponho ser íntegro e verdadeiro, de mui boa vontade confirmará minha dita fé, ou, se é ela errônea, corrigi-laá. “Em primeiro lugar, creio que o evangelho de Cristo é o corpo todo da lei de Deus. ... Declaro e sustento que o bispo de Roma, desde que se considera o vigário de Cristo aqui na Terra, está obrigado, mais do que todos os outros homens, à lei do evangelho. Pois a grandeza entre os discípulos de Cristo não consistia na dignidade e honras mundanas, mas em seguir rigorosamente, e de perto, a Cristo em Sua vida e maneiras. ... Jesus, durante o tempo de Sua peregrinação na Terra, foi homem paupérrimo, desdenhando e lançando de Si todo o domínio e honra mundanos. ... “Nenhum homem fiel deveria seguir quer ao próprio papa, quer a qualquer dos santos, a não ser nos pontos em que seguirem ao Senhor Jesus Cristo; pois Pedro e os filhos de Zebedeu, desejando honras mundanas, contrárias ao seguimento dos passos de Cristo, erraram, e portanto nestes erros não devem ser seguidos. ... “O papa deve deixar ao poder secular todo o domínio e governo temporal, e neste sentido exortar e persuadir eficazmente todo o clero; pois assim fez Cristo, e especialmente por Seus apóstolos. Por conseguinte, se errei em qualquer destes pontos, submeter-me-ei muito humildemente à correção, mesmo pela morte, se assim for necessário; e se eu pudesse agir segundo minha vontade ou desejo, certamente me apresentaria em pessoa perante o bispo de Roma; mas o Senhor determinou o contrário, e ensinou-me a obedecer antes a Deus do que aos homens.” Finalizando, disse: “Oremos a nosso Deus para que Ele de tal maneira influencie nosso papa Urbano VI, conforme já começou a fazer, que juntamente com o clero possa seguir ao Senhor Jesus Cristo na vida e nos costumes, e com eficácia ensinar o povo, e que eles de igual maneira, fielmente os sigam nisso.” -Atos e Monumentos, de Foxe. Assim Wycliffe apresentou ao papa e aos cardeais a mansidão e humildade de Cristo, mostrando não somente a eles mesmos, mas a toda a cristandade, o contraste entre eles e o Mestre, a quem professavam representar. Wycliffe esperava plenamente que sua vida seria o preço de sua fidelidade. O rei, o papa e os bispos estavam unidos para leválo a ruína, e parecia certo que, quando muito, em poucos meses o levariam à fogueira. Mas sua coragem não se abalou. “Por que falais em procurar longe a coroa do martírio?” dizia. “Pregai o evangelho de Cristo aos altivos prelados e o martírio não vos faltará. Quê! viveria eu e estaria silencioso? ... Nunca! Venha o golpe, eu o estou aguardando.” - D’Aubigné. Mas Deus, em Sua providência, ainda escudou a Seu servo. O homem que durante toda a vida permanecera ousadamente na defesa da verdade, diariamente em perigo de vida, não deveria cair vítima do ódio de seus adversários. Wycliffe nunca procurara
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<strong>Momentos</strong> <strong>da</strong> Ver<strong>da</strong>de<br />
jovem rei Ricardo II para o seu lado, obtiveram um decreto real sentenciando à prisão<br />
todos os que professassem as doutrinas condena<strong>da</strong>s. Wycliffe apelou do sínodo para o<br />
Parlamento; destemi<strong>da</strong>mente acusou a hierarquia perante o conselho nacional e pediu<br />
uma reforma dos enormes abusos sancionados pela igreja. Com poder convincente,<br />
descreveu as usurpações e corrupções <strong>da</strong> sé papal. Seus inimigos ficaram confusos. Os<br />
que eram amigos de Wycliffe e o apoiavam, tinham sido obrigados a ceder, e houvera a<br />
confiante ex- pectativa de que o próprio reformador, em sua avança<strong>da</strong> i<strong>da</strong>de, só e sem<br />
amigos, curvar-se-ia ante a autori<strong>da</strong>de combina<strong>da</strong> <strong>da</strong> coroa e <strong>da</strong> tiara. Mas, em vez disso,<br />
os adeptos de Roma viram-se derrotados. O Parlamento, despertado pelos estimuladores<br />
apelos de Wycliffe, repeliu o edito perseguidor e o reformador foi novamente posto em<br />
liber<strong>da</strong>de.<br />
Pela terceira vez foi ele chamado a julgamento, e agora perante o mais elevado<br />
tribunal eclesiástico do reino. Ali não se mostraria favor algum para com a heresia. Ali,<br />
finalmente, Roma triunfaria e a obra do reformador seria deti<strong>da</strong>. Assim pensavam os<br />
romanistas. Se tão-somente cumprissem seu propósito, Wycliffe seria obrigado a<br />
renunciar suas doutrinas, ou sairia <strong>da</strong> corte diretamente para as chamas.<br />
Wycliffe, porém, não se retratou; não usou de dissimulação. Destemi<strong>da</strong>mente<br />
sustentou seus ensinos e repeliu as acusações de seus perseguidores. Perdendo de vista a<br />
si próprio, sua posição e o momento, citou os ouvintes perante o tribunal divino, e pesou<br />
seus sofismas e enganos na balança <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de eterna. Sentiu-se o poder do Espírito<br />
Santo na sala do concílio. Os ouvintes ficaram como que fascinados. Pareciam não ter<br />
forças para deixar o local. Como setas <strong>da</strong> aljava do Senhor, as palavras do reformador<br />
penetravam-lhes a alma. A acusação <strong>da</strong> heresia que contra ele haviam formulado, com<br />
poder convincente reverteu contra eles mesmos. Por que, perguntava ele, ousavam<br />
espalhar seus erros? Por amor do lucro, para <strong>da</strong> graça de Deus fazerem mercadoria?<br />
“Com quem”, disse finalmente, “julgais estar a contender? com um ancião às bor<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong> sepultura? Não! com a Ver<strong>da</strong>de -Ver<strong>da</strong>de que é mais forte do que vós, e vos vencerá.”<br />
-Wylie. Assim dizendo, retirou-se <strong>da</strong> assembléia e nenhum de seus adversários tentou<br />
impedi-lo. A obra de Wycliffe estava quase termina<strong>da</strong>; a bandeira <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de que durante<br />
tanto tempo empunhara, logo lhe deveria cair <strong>da</strong> mão; mas, uma vez mais, deveria ele <strong>da</strong>r<br />
testemunho do evangelho. A ver<strong>da</strong>de devia ser proclama<strong>da</strong> do próprio reduto do reino do<br />
erro. Wycliffe foi chamado a julgamento perante o tribunal papal em Roma, o qual tantas<br />
vezes derramara o sangue dos santos. Não ignorava o perigo que o ameaçava; contudo,<br />
teria atendido à chama<strong>da</strong> se um ataque de paralisia lhe não houvesse tornado impossível<br />
efetuar a viagem. Mas, se bem que sua voz não devesse ser ouvi<strong>da</strong> em Roma, poderia<br />
falar por carta, e isto se decidiu a fazer. De sua reitoria o reformador escreveu ao papa<br />
uma carta que, conquanto respeitosa nas expressões e cristã no espírito, era incisiva<br />
censura à pompa e orgulho <strong>da</strong> sé papal.