Momentos da Verdade

O mistério da história não é completamente escuro, pois é um véu que oculta apenas parcialmente a atividade criadora e as forças espirituais e a operação das leis espirituais. É comum dizer que o sangue dos mártires é a semente da Igreja, mas o que estamos afirmando é simplesmente que os atos individuais de decisão espiritual dão frutos sociais... Pois as grandes mudanças culturais e revoluções históricas que decidem o destino das nações ou o caráter de uma época são o resultado cumulativo de uma série de decisões espirituais... a fé e o discernimento, ou a recusa e cegueira, dos indivíduos. Ninguém pode pôr o dedo no último ato espiritual que inclina o equilíbrio e faz com que a ordem externa da sociedade assuma uma nova forma... O mistério da história não é completamente escuro, pois é um véu que oculta apenas parcialmente a atividade criadora e as forças espirituais e a operação das leis espirituais. É comum dizer que o sangue dos mártires é a semente da Igreja, mas o que estamos afirmando é simplesmente que os atos individuais de decisão espiritual dão frutos sociais... Pois as grandes mudanças culturais e revoluções históricas que decidem o destino das nações ou o caráter de uma época são o resultado cumulativo de uma série de decisões espirituais... a fé e o discernimento, ou a recusa e cegueira, dos indivíduos. Ninguém pode pôr o dedo no último ato espiritual que inclina o equilíbrio e faz com que a ordem externa da sociedade assuma uma nova forma...

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Momentos da Verdade ínterim, o reformador, no silencioso retiro de sua paróquia de Lutterworth, estava trabalhando diligentemente para, dos papas contendores, dirigir os homens a Jesus, o Príncipe da paz. O cisma, com toda a contenda e corrupção que produziu, preparou o caminho para a Reforma, habilitando o povo a ver o que o papado realmente era. Num folheto que publicou -Sobre o Cisma dos Papas -Wycliffe apelou para o povo a fim de que considerasse se esses dois sacerdotes estavam a falar a verdade ao condenarem um ao outro como o anticristo. “Deus”, disse ele, “não mais quis consentir que o demônio reinasse em um único sacerdote tal, mas... fez divisão entre dois, de modo que os homens, em nome de Cristo, possam mais facilmente vencê-los a ambos.” -Vida e Opiniões de João Wycliffe, de Vaughan. Wycliffe, a exemplo de seu Mestre, pregou o evangelho aos pobres. Não contente com espalhar a luz nos lares humildes em sua própria paróquia de Lutterworth, concluiu que ela deveria ser levada a todas as partes da Inglaterra. Para realizar isto organizou um corpo de pregadores, homens simples e dedicados, que amavam a verdade e nada desejavam tanto como o propagá-la. Estes homens iam por toda parte, ensinando nas praças, nas ruas das grandes cidades e nos atalhos do interior. Procuravam os idosos, os doentes e os pobres, e desvendavam-lhes as alegres novas da graça de Deus. Como professor de teologia em Oxford, Wycliffe pregou a Palavra de Deus nos salões da universidade. Tão fielmente apresentava ele a verdade aos estudantes sob sua instrução, que recebeu o título de “Doutor do Evangelho”. Mas a maior obra da vida de Wycliffe deveria ser a tradução das Escrituras para a língua inglesa. Num livro -Sobre a Verdade e Sentido das Escrituras -exprimiu a intenção de traduzir a Bíblia, de maneira que todos na Inglaterra pudessem ler, na língua materna, as maravilhosas obras de Deus. Subitamente, porém, interromperam-se as suas atividades. Posto que não tivesse ainda sessenta anos de idade, o trabalho incessante, o estudo e os assaltos dos inimigos haviam posto à prova suas forças, tornando-o prematuramente velho. Foi atacado de perigosa enfermidade. A notícia disto proporcionou grande alegria aos frades. Pensavam então que se arrependeria amargamente do mal que tinha feito à igreja e precipitaram-se ao seu quarto para ouvir-lhe a confissão. Representantes das quatro ordens religiosas, com quatro oficiais civis, reuniram-se em redor do suposto moribundo. “Tendes a morte em vossos lábios”, diziam; “comovei-vos com as vossas faltas, e retratai em nossa presença tudo que dissestes para ofensa nossa.” O reformador ouviu em silêncio; mandou então seu assistente levantálo no leito e, olhando fixamente para eles enquanto permaneciam esperando a retratação, naquela voz firme e forte que tantas vezes os havia feito tremer, disse: “Não hei de morrer, mas viver, e novamente denunciar as más ações dos frades.” - D’Aubigné. Espantados e confundidos, saíram os monges apressadamente do quarto.

Momentos da Verdade Cumpriram-se as palavras de Wycliffe. Viveu a fim de colocar nas mãos de seus compatriotas a mais poderosa de todas as armas contra Roma, isto é, dar-lhes a Escritura Sagrada, o meio indicado pelo Céu para libertar, esclarecer e evangelizar o povo. Muitos e grandes obstáculos havia a vencer na realização dessa obra. Wycliffe achava-se sobrecarregado de enfermidades; sabia que apenas poucos anos lhe restavam para o trabalho; via a oposição que teria de enfrentar; mas, animado pelas promessas da Palavra de Deus, foi avante sem intimidar-se de coisa alguma. Quando em pleno vigor de suas capacidades intelectuais, rico em experiências, foi ele preservado e preparado por especial providência de Deus para esse trabalho -o maior por ele realizado. Enquanto a cristandade se envolvia em tumultos, o reformador em sua reitoria de Lutterworth, alheio à tempestade que fora esbravejava, dedicava-se à tarefa que escolhera. Concluiu-se, por fim, o trabalho: a primeira tradução inglesa que já se fizera da Escritura Sagrada. A Palavra de Deus estava aberta para a Inglaterra. O reformador não temia agora prisão ou fogueira. Colocara nas mãos do povo inglês uma luz que jamais se extinguiria. Dando a Bíblia aos seus compatriotas, fizera mais no sentido de quebrar os grilhões da ignorância e do vício, mais para libertar e enobrecer seu país, do que já se conseguira pelas mais brilhantes vitórias nos campos de batalha. Sendo ainda desconhecida a arte de imprimir, era unicamente por trabalho moroso e fatigante que se podiam multiplicar os exemplares da Escritura Sagrada. Tão grande era o interesse por se obter o Livro, que muitos voluntariamente se empenharam na obra de o transcrever; mas era com dificuldade que os copistas podiam atender aos pedidos. Alguns dos mais ricos compradores desejavam a Bíblia toda. Outros compravam apenas parte. Em muitos casos várias famílias se uniam para comprar um exemplar. Assim, a Bíblia de Wycliffe logo teve acesso aos lares do povo. O apelo para a razão despertou os homens de sua submissão passiva aos dogmas papais. Wycliffe ensinava agora doutrinas distintivas do protestantismo: salvação pela fé em Cristo, e a infalibilidade das Escrituras unicamente. Os pregadores que enviara disseminaram a Bíblia, juntamente com os escritos do reformador, e com êxito tal que a nova fé foi aceita por quase metade do povo da Inglaterra. O aparecimento das Escrituras produziu estupefação às autoridades da igreja. Tinham agora de enfrentar um fator mais poderoso do que Wycliffe, fator contra o qual suas armas pouco valeriam. Não havia nesta ocasião na Inglaterra lei alguma proibindo a Bíblia, pois nunca dantes fora ela publicada na língua do povo. Semelhantes leis foram depois feitas e rigorosamente executadas. Entretanto, apesar dos esforços dos padres, houve durante algum tempo oportunidade para a circulação da Palavra de Deus. Novamente os chefes papais conspiraram para fazer silenciar a voz do reformador. Perante três tribunais foi ele sucessivamente chamado a juízo, mas sem proveito. Primeiramente um sínodo de bispos declarou heréticos os seus escritos e, ganhando o

<strong>Momentos</strong> <strong>da</strong> Ver<strong>da</strong>de<br />

Cumpriram-se as palavras de Wycliffe. Viveu a fim de colocar nas mãos de seus<br />

compatriotas a mais poderosa de to<strong>da</strong>s as armas contra Roma, isto é, <strong>da</strong>r-lhes a Escritura<br />

Sagra<strong>da</strong>, o meio indicado pelo Céu para libertar, esclarecer e evangelizar o povo. Muitos<br />

e grandes obstáculos havia a vencer na realização dessa obra. Wycliffe achava-se<br />

sobrecarregado de enfermi<strong>da</strong>des; sabia que apenas poucos anos lhe restavam para o<br />

trabalho; via a oposição que teria de enfrentar; mas, animado pelas promessas <strong>da</strong> Palavra<br />

de Deus, foi avante sem intimi<strong>da</strong>r-se de coisa alguma. Quando em pleno vigor de suas<br />

capaci<strong>da</strong>des intelectuais, rico em experiências, foi ele preservado e preparado por<br />

especial providência de Deus para esse trabalho -o maior por ele realizado. Enquanto a<br />

cristan<strong>da</strong>de se envolvia em tumultos, o reformador em sua reitoria de Lutterworth, alheio<br />

à tempestade que fora esbravejava, dedicava-se à tarefa que escolhera.<br />

Concluiu-se, por fim, o trabalho: a primeira tradução inglesa que já se fizera <strong>da</strong><br />

Escritura Sagra<strong>da</strong>. A Palavra de Deus estava aberta para a Inglaterra. O reformador não<br />

temia agora prisão ou fogueira. Colocara nas mãos do povo inglês uma luz que jamais se<br />

extinguiria. Dando a Bíblia aos seus compatriotas, fizera mais no sentido de quebrar os<br />

grilhões <strong>da</strong> ignorância e do vício, mais para libertar e enobrecer seu país, do que já se<br />

conseguira pelas mais brilhantes vitórias nos campos de batalha. Sendo ain<strong>da</strong><br />

desconheci<strong>da</strong> a arte de imprimir, era unicamente por trabalho moroso e fatigante que se<br />

podiam multiplicar os exemplares <strong>da</strong> Escritura Sagra<strong>da</strong>. Tão grande era o interesse por se<br />

obter o Livro, que muitos voluntariamente se empenharam na obra de o transcrever; mas<br />

era com dificul<strong>da</strong>de que os copistas podiam atender aos pedidos. Alguns dos mais ricos<br />

compradores desejavam a Bíblia to<strong>da</strong>. Outros compravam apenas parte. Em muitos casos<br />

várias famílias se uniam para comprar um exemplar. Assim, a Bíblia de Wycliffe logo<br />

teve acesso aos lares do povo.<br />

O apelo para a razão despertou os homens de sua submissão passiva aos dogmas<br />

papais. Wycliffe ensinava agora doutrinas distintivas do protestantismo: salvação pela fé<br />

em Cristo, e a infalibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Escrituras unicamente. Os pregadores que enviara<br />

disseminaram a Bíblia, juntamente com os escritos do reformador, e com êxito tal que a<br />

nova fé foi aceita por quase metade do povo <strong>da</strong> Inglaterra. O aparecimento <strong>da</strong>s Escrituras<br />

produziu estupefação às autori<strong>da</strong>des <strong>da</strong> igreja. Tinham agora de enfrentar um fator mais<br />

poderoso do que Wycliffe, fator contra o qual suas armas pouco valeriam. Não havia<br />

nesta ocasião na Inglaterra lei alguma proibindo a Bíblia, pois nunca <strong>da</strong>ntes fora ela<br />

publica<strong>da</strong> na língua do povo. Semelhantes leis foram depois feitas e rigorosamente<br />

executa<strong>da</strong>s. Entretanto, apesar dos esforços dos padres, houve durante algum tempo<br />

oportuni<strong>da</strong>de para a circulação <strong>da</strong> Palavra de Deus.<br />

Novamente os chefes papais conspiraram para fazer silenciar a voz do reformador.<br />

Perante três tribunais foi ele sucessivamente chamado a juízo, mas sem proveito.<br />

Primeiramente um sínodo de bispos declarou heréticos os seus escritos e, ganhando o

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