13.02.2023 Views

TALK 36

Edição 36 da TALK

Edição 36 da TALK

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

{ Belle Arti }

A viagem dos glitterati

ATRAVÉS DOS SÉCULOS A ITÁLIA EXERCEU UM FASCÍNIO LITERÁRIO INDESCRITÍVEL

PARA OS QUE AMAM A SANTA TRINDADE DE IGREJAS, RUÍNAS E CAFÉS

4 5

1

2 3

No inicio do Império Romano,

quando Roma era considerada “a

cidade das cidades”, ela atraía os

melhores escritores e artistas dos

tempos clássicos, que vinham em busca

de fama, fortuna e um rico mecenas.

Nada então muito diferente dos dias

de hoje, não é?

Séculos depois da queda do Império,

outro tipo de peregrino invadiu Roma,

fascinado pela cristandade e o papado,

e um intenso respeito pelos lugares de

culto. Mas, nos anos 1600, os peregrinos

religiosos se juntaram aos criativos e a

cidade passou a ser um must do grand

tour literário.

Um marco importante se encontra

na Piazza di Spagna no n° 26, um museu

dedicado aos poetas John Keats e Percy

Bysshe Shelley. Nesta morada, John

Keats passou os três últimos meses desesperados

de sua vida, e a casa abriga hoje

inúmeros manuscritos de outros escritores

ingleses e americanos do século XIX, como

os poetas Lord Byron e Lord Tennyson,

o autor teatral e novelista Oscar Wilde e

o ensaísta William Hazzlit. A biblioteca

toda de madeira escura possui 800 volumes,

textos manuscritos e memorabília

de todos esses intelectuais, e passar uma

tarde por aqui e mergulhar na vida desses

autores é um programa instigante.

1 A pintura de Renato

Guttuso retrata a

atmosfera caótica e

composta do Caffè Greco

de Roma, um dos maiores

símbolos dos anos

1970: política, negócios,

literatura, mundanismo,

imaginação, solidão,

personagens famosos e

turistas fizeram a fama

deste lugar de encontros,

onde Mr. Nobody pode

sentar-se ao seu lado

2 A casa romana dos

poetas John Keats e

Percy Bysshe Shelley,

que abriga hoje inúmeros

manuscritos de outros

escritores e poetas como

Lord Byron e Oscar Wilde

3 O Babington’s English

Tea Room nas escadarias

da Piazza di Spagna

data de 1700, e continua

oferecendo sua pedida

perfeita: um prato de

rosbife com legumes

e, depois, docinhos

com chá em meio ao

mobiliário de época e

assoalhos que rangem

Quando a fome bater, a poucos passos

daí, no n° 23, pode-se passar momentos

agradáveis no Babington’s Tea Room que

data de 1700, saboreando um café em

meio ao mobiliário de época de cores

sombrias e assoalhos que rangem.

Por toda parte nos arredores da

piazza, podemos mapear o roteiro dos

intelectuais: Scott e Zelda Fitzgerald,

que passaram o inverno de 1924 no n° 15,

e Lord Byron que começou a escrever

seu épico A Peregrinação de Childe Harold

no n° 66. Já no n° 86 encontra-se o famoso

Caffè Greco, onde por mais de dois

séculos uma multidão de escritores animados

fumou, bebeu e fofocou em seus

minúsculos ambientes. Nele poderíamos

encontrar Casanova, Goethe ou o russo

Nikolai Gogol, o americano Mark

Twain e os poetas ingleses Brownings

e Robert e Elizabeth Barrett.

Quando o escritor Stendhal chegou

em Florença, já nas primeiras horas saiu

em disparada para a Galleria Degli Uffizi

para admirar sua magnífica coleção

de pinturas e esculturas. Depois ainda

deu um pulo até o sublime Palazzo Pitti

onde se extasiou com Rafael, Ticiano e

Rubens. À noite ao chegar, sentiu-se mal

depois de jantar uma bisteca alla Fiorentina.

Mas passou tão mal que baixou ao hospital.

Foi examinado e nada foi encontrado.

Na manhã seguinte descobriu-se tratar

de uma doença causada pela observação

da extrema beleza em museus e até nas

próprias ruas. E esta doença passou a ser

conhecida como Síndrome de Stendhal.

E não bastasse tudo isto, os fiorentinos

também são fortíssimos em literatura.

Foi aqui, na Ponte Vecchio que Dante

Alighieri no Século XII escreveu sua A

Divina Comédia, que é um marco que

serviu para estabelecer o dialeto toscano

e a língua italiana. Foi aqui também

que o poeta e humanista Petrarca e

seu amigo íntimo Boccaccio, autor dos

contos do Decameron, que descrevem

brilhantemente a vida na Florença do

Século XIV. Esta tradição foi retomada

nos anos a vir por Maquiavel, Vassari

e outros.

Já Veneza deixa a sensação de termos

devorado uma caixa inteira de chocolates

recheados com licor de uma só

vez! Foi assim que o escritor americano

4 “Dante e Beatrice”

na Ponte Vecchio em

Florença, numa pintura

datada de 1884 do artista

Henry Holiday

5 Zelda e Scott

Fitzgerald com a filha

Frances num passeio à

tarde pelas ruas de Roma

nos anos 1920

6 O jovem Truman

Capote já freqüentava o

Harry’s Bar de Veneza

nos anos 1950: “Todos

os escritores – grandes

ou pequenos – são

bebedores compulsivos,

porque começam os seus

dias completamente em

branco, sem nada”

7 Ernest Hemingway e

o fundador e proprietário

do Harry’s Bar Giuseppe

Cipriani, com o barman

Ruggero Caumo

degustam, seus Bellinis

Truman Capote descreveu a sensação de

estar nesta cidade única, no nostálgico

pós-guerra onde os coquetéis no mítico

Harry’s Bar custavam apenas 25 centavos

de dólar e um suculento bife apenas um

pouquinho mais... Em 1956, em uma

de suas visitas quando se hospedava no

palazzo da mecenas Peggy Guggenheim

às margens do Grand Canal, enquanto

preparava um de seus romances, Capote

mais uma vez elegeu o Harry’s Bar sua

sala de estar. Outro fascinado por um

drink com álcool em altíssimos graus,

Ernest Hemingway confessou ao novelista

Anthony Burgess, “Veneza tornou-se

minha nova amante”.

6

7

No decorrer da história, Veneza transformou-se

num dos principais destinos

literários da Europa, e por paradoxal que

pareça, foram os escritores anglo-saxônicos

e não os italianos, como observou

James Morris no seu clássico Veneza: “Sua

história estranha, seu brilho tão particular e a

enorme melancolia de sua lagoa, cercada por um

mar revolto e esplendoroso, faz com que Veneza

seja até os nossos dias uma cidade única entre as

cidades.” E não podemos excluir William

Shakespeare, que ficou fascinado com a

reputação da cidade, dedicando duas de

suas peças, Otelo e O Mercador de Veneza,

sobre vida, morte e traição, a uma cidade

mítica onde nunca esteve.

48 |

| 49

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!