Céus Meridionais
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VINÍCIUS ALMEIDA SILVA
OS CÉUS MERIDIONAIS
A ASTRONOMIA DE CULTURAS INDÍGENAS E ABORÍGENES
OS CÉUS MERIDIONAIS
A ASTRONOMIA DE CULTURAS INDÍGENAS E ABORÍGENES
Referências Bibliográficas
HAMACHER, Duane W. Observations of red giant
variable stars by Aboriginal Australians. The
Australian Journal of Anthropology, v. 29, n. 1, p.
89-107, 2018.
AFONSO, Germano Bruno. As constelações
indígenas brasileiras. Telescópios na Escola, Rio
de Janeiro, p. 1-11, 2013.
NORRIS, Ray P.; HAMACHER, Duane W. The
astronomy of aboriginal Australia. Proceedings of
the International Astronomical Union, v. 5, n.
S260, p. 39-47, 2009.
AFONSO, Germano. Mitos e estações no céu
tupi-guarani. Scientific American Brasil, v. 4, n. 45,
p. 46-55, 2006.
HAYNES, Roslynn D. Astronomy and the Dreaming:
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In: Astronomy Across Cultures. Springer, Dordrecht,
2000. p. 53-90.
DE SOUZA OLIVEIRA FILHO, Kepler. Estrelas
variáveis, IF-UFRGS, 2014.
Créditos de Imagem*
“Night at the Rockies” de Lauri Sten, CC BY-NC
2.0 (https://flic.kr/p/2m1ecWe)
“The Milky Way Appears”, de Luis Argerich, CC
BY-NC 2.0 (https://flic.kr/p/fq1BT5)
“Bark Painting from Groote Eylandt”, de Autor
Desconhecido e Mr Charles P. Mountford, State
Library of South Australia.
“Summer Milky Way - Island Point, Western
Australia” de Trevor Dobson, CC BY-NC-ND 2.0
(https://flic.kr/p/2cZ2HcD)
“Magellanic Clouds at Beverley, Western Australia”
de Trevor Dobson, CC BY-NC-ND 2.0
(https://flic.kr/p/2icNBxJ)
“Crux from Boddington, Western Australia” de
Trevor Dobson, CC BY-NC-ND 2.0
(https://flic.kr/p/2jhUDhV)
“The Magellan Clouds”, de Kulpidja e Mr Charles P.
Mountford, National Museum of Australia.
“Painting of the Southern Cross and Pointers”,
Autor Desconhecido e Mr Charles P. Mountford,
State Library of South Australia.
(https://collections.slsa.sa.gov.au/resource/PRG+1218/35/1470)
*Em ordem de aparição
VINÍCIUS ALMEIDA SILVA
OS CÉUS MERIDIONAIS
A ASTRONOMIA DE CULTURAS INDÍGENAS E ABORÍGENES
©2023, BELO HORIZONTE, BRASIL
OS CÉUS MERIDIONAIS
INTRODUÇÃO
Apesar de estarem separados por dois continentes, as etnias indígenas brasileiras e aborígenes
australianas têm muito em comum: ambas habitam o hemisfério sul e são extremamente
diversas, cada uma incluindo centenas de troncos linguísticos diferentes, grupos e uma
riqueza cultural enorme. Ambas também sofreram um processo de colonização e catequização
europeu, uma forte ameaça aos seus costumes e modos de viver e que foi responsável
pela erradicação de várias dessas culturas, além de perpetuar a ideia de que esses povos seriam
menos desenvolvidos, especialmente pelo seu estilo de vida “selvagem”. Isto é falso, e será
mostrado por meio da avançada astronomia à olho nu desses povos, sendo evidenciada
através de sua arte e cultura.
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A astronomia é algo muito importante para os povos indígenas e aborígenes. Os elementos
astronômicos não só são usados em questão da sobrevivência - permitindo a adaptação
as mudanças sazonais encontradas nas atividades de caça, pesca, coleta e lavoura – mas como
também servindo como um sistema para o entendimento do mundo e nosso lugar nele.
Uma grande diferença entre a astronomia ocidental e a indígena/aborígene é o status de
cocriadores do mundo que a última confere. O ser humano não é um observador distante e
separado daquilo que ele observa, mas sim um agente cujas ações impactam e são impactados
pelo objeto observado. Dessa forma, os objetos celestes passam a ter um impacto cultural
e social muito grande, através deles são estabelecidas a estrutura social, são criados e reforçados
os sistemas morais e é planejada a educação na tradição da tribo/grupo.
Algo interessante de se destacar são as explicações muito inventivas desses povos quanto
aos fenômenos naturais, desde fenômenos simples e evidentes como os dias e as noites, à
fenômenos complexos e sutis, tal como a variabilidade no brilho de certas estrelas. Tudo isso
se dá por meio de mitos envolvendo diversos personagens e cumprindo diversas funções
diferentes para as comunidades, e é isso que exploraremos.
MITOS DE ORIGEM
Para os tupis-guaranis, Nhanderu (Nosso pai) criou quatro deuses principais: Jakaira,
Karai, Nhamandu e Tupã. Juntos eles criaram a Terra. O zênite representa Nhanderu e cada
um dos outros deuses representa um ponto cardeal, na respectiva ordem: Norte, Leste, Sul
e Oeste. Jakaira é o deus da neblina vivificante e das brumas que abrandam o calor, origem
dos bons ventos; Karai é o deus do fogo e do ruído do crepitar das chamas sagradas; Nhamandu
é deus do Sol e das palavras, representando a origem do tempo-espaço primordial e
Tupã é o deus das águas, do mar e de suas extensões, das chuvas, dos relâmpagos e dos
trovões.
Na maior parte das culturas aborígenes australianas, a criação revolve em volta do
“Sonhar”. O termo é uma tentativa de tradução da palavra Alcheringa, do povo Aranda,
situado no Território do Norte do país. Alcheringa é uma derivação da palavra Aitjerri, que
representa o verbo sonhar em si. No começo, acredita-se que todo terreno era plano e
inexpressivo e o céu estava sempre escuro.
A ASTRONOMIA DE CULTURAS INDÍGENAS E ABORÍGENES
Porém, os Ancestrais, espíritos criadores, emergiram da terra ou do céu, tomando a
forma de humanos, animais e elementos inanimados, iniciando o Tempo do Sonho. Assim
foram criadas as diversas formas de relevo, os corpos celestes e todos seres vivos. Apesar do
nome, o “Sonhar” não é algo passado, mas sim algo constante que, através da presença dos
ancestrais, unifica e conecta tudo e todos contidos no Universo. Como o “Sonhar” é retratado
e quais são os espíritos criadores varia de povo a povo. Por exemplo, o povo Boorong do
Oeste de Vitória acreditava que Pupperimbul, um dos Nurrumbunguttias (espíritos ancestrais),
preparou um ovo de ema e o jogou no espaço, onde ele explodiu, criando Gnowee (o
Sol) e iluminando todo o céu e a terra, tirando a escuridão do mundo.
O SOL E A LUA
De forma geral, em ambos os grupos distintos, o Sol é o principal regulador da vida na Terra.
A determinação do gênero masculino para o Sol e feminino para a Lua não é uma norma. Na
maior parte dos povos aborígenes, é o contrário, com poucas exceções, enquanto que para
algumas culturas tupis-guaranis, ambos são irmãos. Estes denominam nossa estrela como
Kuaray no dia-a-dia, e Nhamandu, no contexto religioso, enquanto que Jaxi (a Lua) é seu
irmão mais novo. Para o povo Yolngu da Terra de Arnhem no norte da Austrália, Walu, a
mulher-Sol acende uma fogueira toda manhã em seu acampamento, ao leste. Ela se decora
com ocre vermelho e uma parte cai nas nuvens, lhes avermelhando, e depois atravessa o céu
com uma tocha de casca de árvore, criando a luz do dia. Ao chegar no Oeste, ela apaga sua
tocha e volta para seu acampamento através do subterrâneo. Paralelamente, esse mesmo
povo diz que o homem-Lua, Ngalindi, também atravessa o céu. Inicialmente ele era um
homem gordo e preguiçoso (lua cheia), porém suas esposas, como punição, o atacaram
usando machados, assim cortando partes de seu corpo (lua minguante). Ngalindi tentou
escalar uma árvore para seguir o Sol, contudo ficou ferido mortalmente e faleceu. Por três
dias ele ficou morto (lua nova), mas depois retornou, novamente ficando arredondado e
gordo (lua crescente e cheia), até que suas esposas o atacaram de novo, iniciando um ciclo
interminável. Assim, se explica tanto o movimento do Sol, como as fases mensais da Lua.
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Outros detalhes também são explicados, como as crateras lunares. O povo tupi-guarani
diz que Jaxi as obteve enquanto estava tateando o quarto de sua tia no escuro, com a intenção
fazer amor com ela. Esta, querendo saber quem a incomodava, encheu suas mãos de
resina e uma noite, enquanto a Lua a procurava, passou a mão em sua face, a sujando completamente.
Jaxi tentou se limpar com água no dia seguinte, mas apenas piorou a situação, se
sujando ainda mais. Esse mito ensina aos tupis a não cometerem incesto. Por outro lado, os
aborígenes do Sudeste da Tasmânia contam que Vena (mulher-Lua) estava viajando quando
parou na Bahia da Ostra (Nova Gales do Sul) e começou a assar abalone, quando seu marido,
o homem-Sol, chegou e a empurrou, fazendo ela cair na fogueira e rolar até o mar. As suas
marcas de queimadura foram retidas e podem ser vistas claramente.
Fenômenos também são explicados, a exemplo dos efeitos de maré causados pela Lua.
Para o povo Yirrkala, da Terra de Arnhem e Groote Eylandt (Figura 1), a Lua se torna cheia
devido às altas marés, que a enchem à medida que ela se nasce ou se põe. Após isso as marés
abaixam e a Lua inicia um processo de vazão, despejando a água no oceano novamente, até
se esvaziar completamente (Lua Nova). Após três dias as marés voltam a ficar altas e a Lua é
OS CÉUS MERIDIONAIS
enchida novamente. Apesar das mecânicas não
serem perfeitas, a história explica a relação da Lua
com as marés. Isso também foi percebido pelos
tupis-guaranis costeiros, que usam esse conhecimento
para fazerem pesca artesanal, pescando
Camarão entre fevereiro e abril na maré alta de Lua
Cheia, e Linguado no inverno, nas marés de quadratura
de Lua Crescente e Minguante.
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Os eclipses, embora mais raros, também têm
explicação. Geralmente, eles são eventos muito
dramáticos e que instauram muito medo. O povo
Aranda da Austrália Central diz que a causa é Arungquilta,
um espírito maligno que vem do Oeste e
busca fazer um acampamento no Sol, eliminando
sua luz, podendo ser expelido apenas com o uso de
magia, feita por curandeiros da tribo. Os tupis-guaranis
contam que o espírito da onça, xivi, representado
pelas estrelas Antares e Aldebaran, sempre
persegue os irmãos Sol e Lua, tentando caça-los e
Figura 1 - Pintura em casca de madeira de
Groote Eylandt mostrando a relação da Lua e
das marés. O círculo na parte superior
representa a lua cheia, pode-se perceber que
há linhas que se conectam à faixa horizontal,
ilustrando a vazão da água da Lua para o
mar. Na parte inferior encontra-se a lua nova,
aqui retratada como crescente. (Mountford
Collection, State Library of South Australia.)
devorá-los. Isso colocaria a Terra numa escuridão eterna, assim, durante um eclipse solar
(Kuaray onheama) ou um lunar (Jaxy onheama) rituais são feitos para afastar o animal. No
entanto, há exceções para essa visão apocalíptica dos eclipses. Os aborígenes Warlpiri explicam
que um eclipse solar acontece quando a mulher-Sol é escondida pelo homem-Sol
enquanto eles fazem amor, enquanto que um eclipse lunar ocorre quando a mulher-Sol
persegue o homem-Lua e eventualmente o alcança.
A VIA LÁCTEA
Apesar de que atualmente a poluição luminosa torna cada vez mais difícil sua visualização,
a Via Láctea se destaca no céu. Vista a olho nu principalmente como um rastro esbranquiçado,
ela é comumente retratada pelos aborígenes como um rio no Mundo do Céu, em que as
estrelas brilhantes são peixes e as estrelas menores são bulbos de lírio. A maioria dos grupos
tupis-guaranis a chamam de Tapi’i Rape, o Caminho da Anta ou também a Morada dos
Deuses.
Há vários mitos para sua criação. O povo aborígene de Queensland conta da história de
Purupriki, um herói tribal representado pela estrela Antares. Ele era famoso por suas habilidades
de caçador, por suas danças e principalmente por seus cantos, cujo ritmo fazia o povo
dançar tanto até que eles fossem ao chão por exaustão. Dizia-se que Purupruki poderia fazer
as estrelas dançarem se ele desejasse. Um dia ele saiu para fazer uma caçada e encontrou uma
árvore repleta de raposas-voadoras. Após matar o líder, as outras acordaram de seu sono, o
atacaram e o carregaram para o céu. Triste por sua partida, o povo começou a cantar e dançar
em seu ritmo, mas sem sucesso, até que dos céus veio sua voz em apoio. O canto ficou mais e
mais alto ao ponto de organizar as estrelas até então desordenadas, resultando na configuração
atual do céu. Essa história serve como um lembrete para que os heróis tribais sempre
sejam celebrados através do canto e da dança.
A ASTRONOMIA DE CULTURAS INDÍGENAS E ABORÍGENES
Via Láctea na estação de verão, sobre Island Points, Austrália do Oeste.
(”Summer Milky Way - Island Point, Western Australia” de Trevor
Dobson, CC BY-NC-ND 2.0)
OS CÉUS MERIDIONAIS
NUVENS DE MAGALHÃES
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Comumente, a primeira observação
desse par de galáxias anãs irregulares
que orbitam a Via Láctea é atribuída
a Fernão de Magalhães em 1520,
porém elas estão incorporadas em
mitos e histórias indígenas e aborígenes
há muito mais tempo. Os tupis-
-guaranis chamam a Grande Nuvem
de Tapi’i Huguá (Bebedouro da
Anta) e a Pequena Nuvem de Coxi
Huguá (Bebedouro do Porco-do-
-Mato). O povo aborígene Yirrkala
de Groote Eylandt retrata as duas
galáxias como um casal de idosos, os
Jukara (Figura 3). Cada um vive em
sua cabana, representadas pelas
galáxias, com o marido vivendo na
maior e a esposa vivendo na menor.
Devido à sua debilidade, eles não
conseguem buscar comida por si
mesmos, assim, o povo das estrelas os
auxiliam, trazendo peixes e bulbos de
lírio, cozinhados na fogueira entre as
duas tendas, representada pela estrela
Angnura (Archernar). Essa história
mostra sobre a atitude correta de se
ter compaixão e prestar auxílio aos
mais velhos.
Ao lado - As nuvens de Magalhães, sob os Lagos
Yenyening, Austrália Oeste. De baixo para cima:
Grande Nuvem de Magalhães e Pequena Nuvem
de Magalhães. (”Magellanic Clouds at Beverley,
Western Australia”, de Trevor Dobson, CC
BY-NC-ND 2.0)
O CRUZEIRO DO SUL
Essa constelação em forma de cruz é uma das mais proeminentes do hemisfério sul e é muito
presente em ambos os povos indígenas quanto aborígenes. Os tupis-guaranis a chamam de
Curuxu e ela é usada principalmente para determinar os pontos cardeais e as estações do ano.
Por estar muito próxima ao Polo Sul Celeste, ela fica visível na maioria dos meses, e serve
como um bom indicador. No outono ela se encontra deitada em direção à leste, no inverno
se encontra ereta em direção à sul, na primavera ela se deita novamente, mas agora em
direção à oeste e no verão ela fica em pé de novo, só que neste momento apontando para o
norte e escondida abaixo do horizonte.
A ASTRONOMIA DE CULTURAS INDÍGENAS E ABORÍGENES
Acima - O Cruzeiro do Sul, ao lado da Nebulosa do Saco de Carvão, em Boddington, Austrália Oeste.
(”Crux from Boddington, Western Australia”, por Trevor Dobson, CC BY-NC-ND 2.0)
O povo aborígene de Caledon Bay,
na costa leste da Terra de Arnhem diz
que a Cruz representa uma arraia sendo
perseguida por um tubarão, o qual é
ilustrado pelos ponteiros do Cruzeiro
(Figura 4). Enquanto isso, os habitantes
costeiros da ilha de Groote Eylandt, cuja
dieta têm o peixe como uma de suas
bases, contam que a constelação representa
os irmãos Wanamoumitja (Estrela
de Magalhães e Mimosa) e as fogueiras
de suas respectivas cabanas (Pálida e
Rubídea), nas quais eles cozinham um
grande peixe preto, Alakitja, representado
pela Nebulosa do Saco de Carvão.
Os ponteiros do Cruzeiro (Hadar e
Rigil Kentaurus) são dois amigos deles,
os Meirindilja, que estão retornando de
uma caçada.
(Acima) Figura 3 – Pintura em casca de madeira de Groote
Eylandt mostrando o casal Jukara (Nuvens de Magalhães). À
esquerda a cabana do marido, no meio a fogueira (Archernar)
e à direita a cabana da esposa. (Mountford Collection,
National Museum of Australia.)
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(À direita) Figura 4 – Pintura em casca de madeira
de Caledon Bay mostrando o Cruzeiro do Sul como
uma arraia e os ponteiros como um tubarão em
perseguição. (Mountford Collection, State Library of
South Australia.)
ÓRION E AS PLÊIADES
As Plêiades são frequentemente usadas para a construção de calendários e como forma de
acompanhar as estações e as mudanças vindas com elas. Os tupis-guaranis, que a chamam de
Eixu, usam-nas para determinar o início e o fim de seu ano. Em 5 de junho elas têm seu
nascimento helíaco, ou seja, elas aparecem no céu imediatamente antes do nascer do Sol pela
primeira vez, marcando o início de um ano novo e a chegada da época de chuvas ou de seca
invernal para os tembés do norte e para os guaranis do sul, respectivamente. Por outro lado,
OS CÉUS MERIDIONAIS
Rigel
Nyeeruna
(Órion)
Dingos
Betelgeuse
Kambugudha
(Híades)
Aldebaran
Yugarilya
(Plêiades)
Babba
(Zeta Tauri)
Figura 5 - Ilustração da região do céu contendo Órion (Nyeeruna), as Plêiades (Yugarilya) e as Híades (Kambugudha).
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para o povo Pitjantjatjara da região do Deserto do Oeste australiano, o nascer helíaco desse
aglomerado estelar anuncia o início da época anual de acasalamento dos dingos, os cães
selvagens do país. Por isso, as tribos fazem rituais de fertilidade e após algumas semanas
invadem as tocas, matam e se alimentam dos filhotes.
Em relação a mitos, os dos povos aborígenes, em geral, se assemelham muito ao mito
original grego, isto é, de um grupo de mulheres ou irmãs (Plêiades), fugindo dos avanços
sexuais de um ou mais homens ou figuras masculinas (Órion, mas às vezes também as estrelas
Aldebaran, Canopus ou raramente até o Cruzeiro do Sul). Isso acontece pois o movimento
das duas constelações dá a impressão de que há uma fuga constante, com as Plêiades
sempre à frente, escapando dos outros objetos celestes atrás.
Por exemplo, o povo Kokatha, do Grande Deserto de Vitória da Austrália do Sul, conta
a história de Nyeeruna (Órion), o caçador (Figura 5). Constantemente ele perseguia as irmãs
Yugarilya (Plêiades), tentando fazê-las serem suas esposas. No entanto, a irmã mais velha,
Kambugudha (aglomerado estelar de Híades), é protetora e desconfiada de Nyeeruna, ficando
em seu caminho e protegendo as outras. Isso enfurece grandemente o homem, que usa
magia para incendiar sua clava (estrela Betelgeuse) e atacar sua inimiga. Esta, buscando se
defender, também usa magia, mas para incendiar seu pé (Aldebaran) e chutar poeira na
direção do perseguidor. Isso faz com que a magia dele se apague, dando oportunidade à
Kambugudha de chamar um grupo de dingos para formar uma barreira (escudo de Órion)
e proteger tanto a si mesma, quanto o resto de sua família. Com o passar do tempo, Nyeeruna
consegue reacender sua clava, porém passa a ser atacado por Babba (Beta ou Zeta Tauri),
o dingo pai, convocado pela irmã mais velha. Enquanto o caçador é atacado, esta e as estrelas
ao redor zombam dele e o humilham, assim, o envergonhando e dissipando sua magia novamente.
Tal mito, em especial, é interessante pois retrata a mudança na luminosidade de
algumas estrelas variáveis (Betelgeuse e Aldebaran), muito antes da primeira observação e
então catalogação “oficial” desse tipo, por David Fabricius em 1596 e então por Seth Carlo
A ASTRONOMIA DE CULTURAS INDÍGENAS E ABORÍGENES
Chandler. Jr em 1888, respectivamente. Confirma-se isso pois as histórias aborígenes
sofrem pouca alteração à medida que passam de geração à geração e porque muitas outras
comunidades tem versões similares desse mito. O feito mostra bem a capacidade desses
povos de perceberem os detalhes sutis, como a cor e brilho periodicamente variável de
algumas estrelas. É um grande exemplo contra a ideia de que eles eram de alguma forma
menos avançados, ou “atrasados” cientificamente.
CONSTELAÇÕES SAZONAIS TUPI-GUARANI
Acrux
Plêiades
Rigil
Kentaurus
Híades
Aldebaran
Antares
Capella
Betelgeuse
EMA (GUIRÁ NHANDU)
Essa constelação surge totalmente à noite em de
junho, marcando o início do inverno para os índios
do sul e o da seca para os do norte. Segundo o mito
guarani, a cabeça da Ema é segurada pelo Cruzeiro
do Sul e caso o animal for solto, beberá toda a água
da Terra, matandotodos nós de sede.
HOMEM VELHO (TUYA’I)
O Homem Velho surge em dezembro, marcando
o início do verão para os índios do sul e o início das
chuvas para os do norte. Segundo o mito, o homem
foi morto por sua esposa, que cortou-lhe a perna na
altura do joelho. Isso se deu porque ele era velho, e
ela tinha interesse no cunhado mais novo. Os
deuses ficaram com pena do morto e o carregaram
para o céu.
Deneb
Gacrux
Alderamin
Caph
Schedar
Acrux
Carina
Miaplacidus
ANTA (TAPI’I)
A constelação da Anta é usada principalmente
pelos povos que habitam o norte do país, já que ao
sul ela fica muito próxima ao horizonte. Em setembro
ela surge completamente, indicando o início da
primavera. Ela fica inteiramente na Via Láctea, que
por sua vez, recebe o nome guarani de Caminho da
Anta, por este motivo.
VEADO
A constelação do Veado é usada principalmente
pelos povos que habitam o sul do país, visto que ao
norte ela fica muito próxima ao horizonte. Em março
ela surge completamente, indicando o início do
outono. Ela é formada pelas constelações ocidentais
Vela e Crux (Cruzeiro do Sul) e está ao lado da
constelação da Ema.