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Grande Reportagem

Cultura

A sociedade como obstáculo

Aos olhos da sociedade, as

pessoas com deficiência são

totalmente dependentes dos

outros e com pouca margem

de independência. A verdade

é que a realidade aponta para

uma direção distinta, sendo

Aureliano Moreira, avô de Camila,

um bom exemplo disso:

“Quando a minha avó era

viva, era ele que lhe ligava

o fogão, era que ele que lhe

ligava a água do banho, era

ele que lhe dava os comprimidos

para tomar. A minha

avó era mais dependente do

meu avô, do que o meu avô

da minha avó, o que eu acho

super interessante”, salienta

a jovem de 19 anos. Apesar

disso, Camila refere que há

pequenas tarefas diárias em

que tem que prestar auxílio

como “ir levantar dinheiro”

ou “selecionar os diferentes

produtos no supermercado”.

Posto isto, o desconhecimento

(gerado muitas vezes

pelo próprio desinteresse) é,

na visão de Paula Costa, o

principal motivo por não haver

uma plena integração desta

minoria dentro do contexto

social. A presidente da ACA-

PO do Porto dá a conhecer

algumas situações que comprovam

esta perspetiva: “Por

exemplo, estou numa conversa,

e está aqui a doutora

Sara, que por acaso vê, e as

pessoas para me fazerem

uma pergunta a mim, fazem

a ela como se eu precisasse

de um mensageiro. É como

as pessoas nos chamarem

invisuais. Nós não somos invisuais.

Invisual é uma coisa

que não se vê. Somos pessoas

com deficiência visual

ou baixa visão”. Paula Costa

retrata ainda a forma como as

pessoas tentam ajudar, mas

muitas vezes de maneira errada,

fruto desta respetiva falta

de conhecimento: “Se chegarem

ao pé de mim, que estou

com uma bengala, e perguntarem

se preciso de ajuda,

muitas das vezes digo que

sim. O problema é que às

vezes eu estou na rua, e subitamente

pegam-me num

braço e atravessam-me para

o lado de lá, sem sequer me

perguntar se eu queria atravessar”.

Independentemente

de tudo isto, para a presidente

da ACAPO, o maior sinal de

falta de noções básicas por

parte da população acontece

quando são vistos como doentes,

havendo pessoas que

se “afastam com medo que

se pegue”. Em muitos casos,

a nossa sabedoria sobre determinado

assunto está puramente

associada ao contacto

que temos com essa realidade.

A sociedade tem o vício

moralmente incorreto de tratar

as pessoas com deficiência

como incapacitadas, ou

seja, sem quaisquer atributos

para desenvolver as diferentes

tarefas diárias: “Temos

exemplos, que também não

são positivos, de tratar esta

população como os coitadinhos.

Eles não são coitadinhos.

Eles são capazes do

que são capazes, e devem

fazer o que conseguem.

A partir daí temos que os

apoiar”, afirma Sónia Catarino,

diretora técnica de uma

das unidades da APPACDM.

O constante desrespeito

para com as pessoas com condições

distintas, movidas pela

falta de empatia da sociedade,

leva, segundo Sónia Catarino,

“a um sofrimento desgastante

e pontual”. Com esta

normalização de comportamentos

repudiáveis, estas minorias

não se apercebem que

podiam “ter uma vida melhor”

e “que os seus direitos

podiam ser exercidos”,

algo bastante preocupante

no entender da psicóloga.

“ Nós temos um

papel que nos permite

estacionar, só

que esse papel não

nos vale de nada se

não temos estacionamento.

As pessoas

não respeitam”

Kelita Antunes

Associação Portuguesa de Deficientes (APD)

A APD – Associação Portuguesa de Deficientes – foi fundada no ano de 1972, é uma

instituição de utilidade pública sem fins lucrativos e conta com 25 delegações.

A instituição dispõe de um Centro de Atendimento/Acompanhamento e Animação, que

desenvolve vários setores de serviços de apoio e atividades culturais, recreativas e desportivas.

O Centro de Atividades Ocupacionais é também uma regalia da APD, que

consiste numa resposta social a pessoas com deficiência mental moderada, com idade

igual ou superior a 16 anos, cujas capacidades não permitam, temporariamente

ou permanentemente, a sua integração no mercado normal de trabalho. Para além

das atividades e programas de inserção que a instituição tem, a APD oferece ainda

Lares Residenciais que se destinam a pessoas com deficiência/incapacidade intelectual,

a partir dos 16 anos, que se encontrem impedidas de residir no meio familiar.

Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPA-

CDM)

Fotografias: Maria Andrade

A APPACDM – Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental – difere-se

das outras instituições, sendo direcionada apenas para pessoas com deficiência mental.

Nasceu no Porto, em 1969, e é uma associação sem fins lucrativos, de solidariedade

social e da iniciativa voluntária de particulares, que apoia pessoas com atraso

de desenvolvimento, deficiência intelectual ou incapacidade, de todas as idades.

À semelhança da APD, a APPACDM dispõe também de Lares Residenciais.

Sónia Catarina, psicóloga de formação e diretora técnica da unidade CACI de Monte

Alegre, admite que a maior frustração que estas pessoas enfrentam é, sem dúvida,

em termos sociais: “Há situações pontuais em que o desconhecimento ou o receio,

às vezes até a falta de empatia da sociedade, os faz sofrer pontualmente. Mas, de uma

forma geral, para mim, o mais preocupante é quando esta população nem se apercebe

que podia ter uma vida melhor, que os seus direitos podiam ser exercidos e não são”.

A associação pretende ajudar na elaboração de uma sociedade

de todos, para todos e, desta forma, apoiar e capacitar pessoas

com estas condições para que conquistem uma melhor qualidade de vida.

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