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Sentinela Impresso

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Grande Entrevista

Fotografia: Revista Sábado

Portanto, a RTP era a minha

casa, e eu deixei a minha

casa. Deixei porque entendi

que essa casa já não me fazia

feliz. É quase como um

divórcio. A gente chega a um

momento em que por muito

que goste da pessoa que está

connosco, não consegue viver

com ela. Acreditei piamente

que o projeto para o qual

fui desafiada na Cofina, porque

eu fui convidada para ser

Directora-Geral Adjunta da

CMTV, diretora da Sábado e

do Correio da Manhã, era um

projeto que me permitiria de

certa forma, dar inputs de alteração

ao projeto que está em

marcha já há largos anos, com

o qual eu não me identifico,

mas que eu achei que poderia

ter com a função que me

foi atribuída, potencial para

mudar. Não aconteceu, portanto,

todas as ideias que eu

apresentei não vingaram, e eu

entendi que não poderia estar

num projeto que também me

fazia infeliz, porque não me

identifico com a linha editorial

vigente, e por isso mudei.

E hoje estou muito feliz.

O que é que diria à Sandra

Felgueiras de 21 anos

quando começou a fazer

jornalismo ?

Eu não sei se me dava algum

conselho para ser muito

honesta. Pode parecer alguma

presunção, mas eu acho que

todos nós temos que descobrir

o nosso caminho e os únicos

conselhos que podemos dar

são estes que eu acabei de

vos transmitir, que é o apego

à verdade e o apego ao interesse

público. O apego ao estudo

permanente, de forma a

que nós sejamos informados o

suficiente para que possamos

reportar com qualidade aquilo

que interessa às pessoas, e

não aquilo que apenas dá audiência.

Não é por isso que

eu me movo. De resto, todo

o processo é um processo de

descoberta individual. Há

muitos bons jornalistas a fazerem

coisas muito distintas.

O grande conselho

que eu dou a

qualquer jornalista

em início de profissão

é que se descubra

a si mesmo”

Este processo de descoberta

é fundamental para que

a pessoa, desde que tenha os

valores no sítio e que saiba

exatamente o que é que quer

da vida, possa vingar. O jornalismo

não é uma arte difícil.

O fazer perguntas, operar

uma câmara ou tirar fotografias

ou saber contar bem uma

história é algo que se aprende

com relativa facilidade. O

difícil é nós mantermo-nos

firmes. Firmes no sentido em

que não somos conspurcados

por fontes que nos utilizam

como armas de arremesso,

quando não conseguem fazer

provas do contrário na justiça.

Mantermo-nos firmes é, por

exemplo, saber mandar ao ar

uma história na qual já se investiram

muitos dias ou muitas

semanas, porque se chega

à conclusão de que não é verdade.

E esta firmeza de caráter

é fundamental para quem

quer ser um bom jornalista.

Se não fosse jornalista, o

que é que seria?

Quando me candidatei à

faculdade, a última opção

era dança na Universidade

de Motricidade Humana

aqui em Lisboa. Eu sempre

adorei dança e gostava de

ter sido bailarina. Mas nunca

tive oportunidade, quando era

criança, de fazer se quer ballet

porque não havia na altura,

em Felgueiras. Portanto, é

daquelas coisas que, sempre

que vejo bailados, tenho até

muitos amigos bailarinos e digo-lhes

com uma pontinha de

inveja “gostava de ser como

tu”, mas não tenho esse talento.

Talvez um dia quando tenha

mais tempo, algo que não

tive até hoje, aproveite para

aprender a dançar, porque é

algo que me faz muito feliz.

Existe alguém com quem já

trabalhou e não voltaria a

trabalhar?

Com quem já trabalhei

e não voltaria a trabalhar...

acho que não. Não me lembro

assim de ninguém. Existe

alguém com quem já trabalhei

e sonharia muito em

voltar a trabalhar, que é o

Luís Miguel Loureiro, que

abandonou a profissão para

ser professor universitário

de Ciências da Comunicação

na Universidade do Minho.

Eu não sou pessoa

de ódios”

Sou uma pessoa que consegue

trabalhar com relativa facilidade

com toda a gente e é

difícil vir-me à cabeça assim

alguém que, simplesmente,

eu fosse incapaz de trabalhar.

Quem é para si uma referência,

fora do jornalismo,

em termos nacionais? E

internacionais?

Referências... tenho muitas.

Podem não estar vivos?

(risos). Eu acho que tenho e

sempre tive uma grande referência

internacional que é

o Nelson Mandela. O Nelson

Mandela para mim significa

quase a perfeição humana.

Eu acho que se algo que nós

fazemos no mundo é deixar o

exemplo daquilo que inspira

os outros, do que leva os outros

a fazerem mais e melhor.

A nível nacional, eu tenho

uma referência que não será

muito óbvia para toda a gente,

e essa está viva. Talvez porque

o conheço pessoalmente,

sempre significou para mim

o exemplo da retidão, da lisura,

do sentido de estado, de

tudo aquilo que eu acho que

hoje falta em Portugal, que é

o Ramalho Eanes. É, sem dúvida

nenhuma, a pessoa que

eu conheço que se tivesse de

identificar como o estadista,

era ele. Ele fez demasiado por

Portugal, e Portugal, até hoje,

nunca lhe reconheceu aquilo

que ele efetivamente é, e

quem o conhece pessoalmente

sabe que, apesar de tudo

aquilo que ele vale, ele não se

vangloria de nada. Ele raramente

diz “eu” e essas pessoas

tem um valor inestimável.

Pessoas que não necessitam

de dizer quem são, de falar de

si próprias, que simplesmente

se limitaram a fazer o que

deviam ter feito no momento

certo e, portanto, sim, sem

dúvida, o Ramalho Eanes.

Se escrevesse um livro sobre

a sua vida, qual seria o

título?

Ui! Primeiro, nunca pensei

escrever um livro sobre mim,

depois, quer dizer, é assim

uma pergunta... de responsabilidade.

Não sei, tenho dificuldade

em responder a essa

pergunta assim de chofre.

Apanhaste-me um bocadinho

desprevenida, porque, na verdade,

eu acho que nunca vou

escrever um livro sobre mim.

Tenho muitos interesses na

vida, escrever um livro sobre

mim não é algo que me passe

sequer pela cabeça. Portanto,

apesar de toda a gente achar

que as pessoas da televisão

vivem muito a cultura do ego,

eu não a vivo. Digo sempre

à minha filha que tenho uma

profissão igual a todas as outras

pessoas, com diferença

de que apareço na televisão.

De resto, não me considero

mais nem menos do que ninguém,

e, portanto, não está de

todo nos meus planos escrever

um livro autobiográfico.

Talvez um dia, quando tiver

80 anos, se lá chegar, se Deus

me permitir, mas, para te ser

muito honesta, não há assim

nenhum título que me viesse

à cabeça porque não há sequer,

em mim, a vontade de

escrever um livro sobre mim.

Fotografia: Maria Andrade

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