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Sentinela Impresso

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Grande Entrevista

Partindo numa ordem

cronológica, ser jornalista…

é um sonho de criança?

Lembra-se do seu primeiro

contacto com a televisão?

É. Sem dúvida nenhuma, é

um sonho de criança. É algo

que eu sempre sonhei fazer.

Já dizia o meu tio Toneca, que

eu falo sempre dele, que era

o meu tio-avô, que eu ficava

pregada à televisão a perguntar

como é que é possível aparecerem

do outro lado, porque

me fazia muita confusão não

compreender como é que de

repente as pessoas apareciam

do lado de lá da televisão, e

eu gostava muito de escrever.

Portanto, o sonho de fazer

televisão existia, mas existia

sobretudo o sonho de contar

histórias, fossem elas na imprensa,

na rádio, na televisão.

Portanto, ainda miúda, para aí

com os meus doze anos, comecei

a fazer um programa de

rádio para crianças. Depois,

por volta dos dezasseis, fiz

um programa que era a Ferro

e Fogo, que era sobre música,

porque eu era viciada em

música rock. Depois, mais tarde,

quando vim para a faculdade,

fui para o Erasmus em

Barcelona. Comecei a minha

primeira experiência televisiva

na Barcelona Television,

onde fazia um programa chamado

Programa Informational

das Lenguas, que é uma

rubrica em Catalão, mas que

tem várias línguas de várias

comunidades representativas

estrangeiras: italianos, portugueses,

havia várias nacionalidades.

E depois vim para

Lisboa, voltei para Lisboa, e

cá fiquei, e adoro ser jornalista.

Acho que é uma paixão que

eu vou continuar a ter sempre,

que é de ser uma curiosa inata.

Com um percurso na

televisão tão recheado, qual

foi a entrevista que mais a

marcou?

É uma pergunta difícil. Já

fiz muitas entrevistas que me

marcaram por diferentes motivos

e por diferentes razões,

e todas elas muito distintas.

Mas, eventualmente, se tivesse

que escolher uma, talvez

as várias entrevistas que fiz

ao casal McCann, porque foram

todas elas muito intensas,

muito difíceis. Ter que estar na

posição de perguntar aos pais

se, eventualmente, tinham

estado envolvidos na morte

da própria filha, quando toda

a versão que eles passavam

à comunicação social era de

que, naturalmente ela estava

viva, e eles eram apenas uns

pais desesperados à procura

dela. Foi muito constrangedor

e muito difícil do ponto de

vista humano. Às vezes pergunto-me

se hoje sendo mãe,

que na altura não o era, teria

tido o sangue frio para fazer

as perguntas que fiz. Por isso

mesmo, por essa dificuldade,

eu considero-me bastante

emocional de colocar perguntas,

porque é muito fácil nós

falarmos sobre aquilo que

fazemos, mas no dia-a-dia é

muito difícil, às vezes executá-lo,

porque tem que se pôr as

emoções de lado e as emoções

estão lá. E por muito que nos

ensinem na faculdade, que a

objetividade é um caminho

e que essa subjetividade se

põe de lado, no final de cada

dia somos todos humanos de

pele e osso e temos todos coração.

Portanto essa talvez

tenha sido a mais difícil, ou

essas, porque foram várias.

O jornalismo de investigação

remete para os

espectadores um profundo

conhecimento do jornalista

sobre as diferentes matérias

abordadas, fruto claro

de uma alargada pesquisa

e rede de contactos. Posto

isto, quais os principais

obstáculos do jornalismo

de investigação? Acha que

em Portugal dá-se o devido

mérito a esta vertente jornalística?

Se se dá o devido mérito é

uma boa pergunta, mas não é

para ser colocada a mim. Eu

tenho uma visão muito romântica

sobre o jornalismo de

investigação. Acho que ele é

demasiado necessário para ser

abandonado, mas é demasiado

custoso. Implica muitos sacrifícios

pessoais, para que muita

gente o queira fazer, e essa

é a maior dificuldade que eu

enfrento, porque compreendo

perfeitamente aqueles que

dentro das várias equipas que

eu já fui tendo, me vão dizendo

com o sofrimento “eu não

aguento mais”. E o não aguentar

mais significa não aguentar

mais as pressões, não aguentar

mais os telefonemas hostis, as

ameaças, a dificuldade em ter

a certeza absoluta dos factos

quando muitos deles não são

fáceis de trilhar, e depois ter

a consciência de que os jornalistas

de investigação não

são polícias. Não têm acesso

a escutas, não são pessoas

que perseguem ou que podem

perseguir eventuais suspeitos.

Temos uma limitação de recursos

que nos obriga a circunscrevermos

às fontes abertas,

que nos dão informação

que nós consideramos credível,

e nas quais também temos

de confiar. E depois cruzar a

prova documental com a prova

testemunhal, e a partir daí,

construir aquilo que se chama

o caso. Agora, o jornalismo

de investigação é uma área

que, ou é devidamente apoiada

pelo estado de forma consistente,

ou então será muito

difícil de continuar a ser feito,

porque eu comparo-me

muitas vezes com aquilo que

é feito noutros países. O The

Guardian diz abertamente que

o leitor tem que te comparticipar,

e tem mesmo uma forma

de comparticipação para que

se continue a fazer jornalismo

de investigação. São montados

vários consórcios, como

o Consórcio Internacional de

Jornalistas, que faz o Panama

Papers, entre outros vários

documentários que foram surgindo,

mas todos eles são financiados,

exatamente porque

é muito difícil. Não é fazer

uma peça normal de televisão,

a chamada peça de dois minutos,

e está pronta e vai para o

ar no dia. Implica muitas horas

de estudo, de análise, de

verificação, de versatilidade,

porque os temas são todos

distintos. Uns mais voltados

para o direito, outros mais

voltados para o ambiente, e o

jornalista não estuda isso, não

é? Ninguém estuda isso. Nós

estudamos a contar histórias,

não estudamos as diferentes

áreas da sociedade ao ponto

de sermos tão polivalentes.

Fotografia: Divulgação / RTP

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