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Terça-feira / 10 de Janeiro de 2023
Política
Retrospetiva: Orçamento
de Estado 2023
// pág. 11 a 13
Economia
Metro do Porto: um
ajuste orçamental necessário
// pág. 17 a 18
Inovação
Porto, a cidade que não anda porque não
quer ver // pág.2 a 9
SANDRA FELGUEIRAS // pág. 26 a 33
“Eu sou uma mulher que só sabe viver feliz”
A cara do jornalismo de investigação em Portugal: é assim que é descrita Sandra Felgueiras. À conversa com o jornal Sentinela,
a jornalista conta como é que o gosto pelo jornalismo surgiu na sua vida e os principais desafios da carreira, bem como os
momentos mais marcantes do seu crescimento pessoal.
NotEggo: ovo 100%
vegetal que substitui
tradicional
// pág. 39 a 40
Desporto
Um mundial para os
livros de história
// pág. 11 a 13
Sociedade
Cultura
Um olhar sobre a guerra // pág. 22 a 23
Entrevista a Marco Horácio e António Raminhos
// pág. 44 a 45
PRETO NO BRANCO
Fotografia: Maria Andrade
Porto, a cidade que não anda porque
não quer ver
Grande Reportagem
A falta de acessos, autonomia, cuidados e oportunidades,
para pessoas que fogem da “norma”, é um problema enraizado
na sociedade. A mudança é urgente. Para ajudar no combate
a essas dificuldades, há associações que desenvolvem o trabalho
de apoio necessário, por todo o país. O Porto não é uma
exceção. O jornal Sentinela foi conhecer a vida de quatro pessoas,
que lidam diariamente com os desafios que a sua condição
lhes impõe, e quatro instituições com delegações pela Invicta.
Grande Reportagem
Conheça as testemunhas
António Almeida, 76 anos
António Almeida é chefe de serviço da delegação da Associação Portuguesa de Deficientes do Porto,
cidade onde fez a sua educação António tem deficiência motora, com uma incapacidade de 70%.
Aureliano Moreira, 84 anos
Aureliano Moreira cresceu numa pequena vila em Viseu, tendo perdido a visão aos 2 anos de
idade, devido à varíola. Em 1948, mudou-se para o Porto, para estudar no Instituto de Cegos
de São Manuel. Ao longo da sua vida, trabalhou sempre no Porto, reformando-se em
2001. A participação na Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) tornou
a sua adaptação mais fácil e, hoje em dia, conhece bem a cidade e vive com normalidade.
Catarina Oliveira, 33 anos
Catarina ficou paraplégica aos 27 anos, após descobrir, durante uma viagem ao Brasil,
que tinha uma mielite transversa, uma inflamação na medula espinal. A doença colocou-
-a numa cadeira de rodas, mas, apesar disso, a portuense arranjou motivação para desconstruir
preconceitos contra pessoas com deficiência, através da sua página de Instagram
“Espécie rara sobre rodas”, que já conta com cerca de 40 mil seguidores. A luta pela
acessibilidade tem sido um dos motes que regem a respetiva rede social, onde partilha as
suas experiências de uma forma humorística, sem nunca desfazer a seriedade da situação.
Kelita Antunes, 24 anos
Desde que ficou paraplégica aos 8 anos, Kelita mudou-se para Portugal, para realizar o devido
tratamento. Já viveu em Lisboa, e encontra-se atualmente a residir no Porto. Depois de
ter passado por diferentes empregos que, devido à sua condição, acabaram por não resultar,
encontra-se agora a trabalhar no apoio ao cliente, uma área que lhe agrada e a faz sentir útil.
Paula Costa, 56 anos
Paula Costa perdeu 95% da visão há 17 anos. Começou por ser sócia da Associação dos Cegos e Amblíopes
de Portugal (ACAPO), enquanto fazia a reabilitação para tratar da sua condição. Fez duas
formações, constituídas por um estágio, e é agora Presidente da Direção da Delegação do Porto.
Ocupa este cargo há 9 anos, lutando sempre pela plenitude de direitos para pessoas com deficiência.
4
Grande Reportagem
As barreiras do desenvolvimento
Faltam ovos em casa.
Saímos para apanhar
o autocarro em direção
ao supermercado. Antes
das compras, passamos pelo
multibanco para ir levantar dinheiro.
Na hora de voltar para
casa, o autocarro nunca mais
chega, por isso decidimos ir
a pé. Esta é a nossa realidade,
sem obstáculos. Mas nem
para todos é assim tão fácil.
Todas as pessoas, independentemente
da condição que
possuem, têm a liberdade de
se movimentar. É um direito
que se prende a todos os cidadãos
e que deve ser respeitado
por órgãos privados e públicos.
Contudo, os obstáculos
para as pessoas com deficiência
estão presentes em toda a
parte na sua vida quotidiana.
Camila Teixeira tem 19
anos e, para ela, a realidade
destas minorias não é
uma novidade, dado que
cresceu com o exemplo do
avô, Aureliano Moreira.
Para Camila, uma das principais
dificuldades que o seu
avô tem que enfrentar diariamente,
passa pelos constantes
obstáculos que vão aparecendo
sem aviso prévio,
e que colocam à prova a sua
capacidade de orientação. O
estacionamento imprudente
de trotinetes e carros leva
a um cuidado redobrado.
No que toca à pavimentação
dos próprios passeios, a
cidade prevalece como um
inimigo. Segundo Kelita Antunes,
“os paralelos não são
a coisa mais fácil de andar”,
tendo já caído “imensas vezes
neles”, muito por culpa
da sua irregularidade. Garante
ainda que ruas pavimentadas
com alcatrão facilitam
muito mais o seu trabalho
em termos de deslocação.
O autocarro é o meio de
transporte mais utilizado por
Kelita. Apesar disso, a jovem
de 24 anos salienta que nem
todos os veículos estão destinados
a pessoas com cadeira
de rodas, dando o exemplo
do período em que viveu na
Maia, onde se deslocava num
“autocarro antigo, em que
a rampa era de trás e às vezes
não saía”. Kelita admite
que este inconveniente a faz
muitas vezes optar pelo serviço
de transporte privado,
que traz à tona um novo conjunto
de preocupações: “Eu
estou sempre dependente
de Ubers e tenho de esperar
imenso tempo porque nem
todos os carros são adaptados.
Esses carros demoram
sempre mais ou são sempre
um bocadinho mais caros.”
Na cidade do Porto, a acessibilidade
aos diferentes estabelecimentos
está longe de ser
a mais favorável. Kelita dá o
exemplo dos cafés, afirmando
que “o facto do parapeito
ser um bocado elevado”, já a
impossibilita de ir sozinha aos
diferentes estabelecimentos,
porque não consegue fazer
“o cavalinho com a cadeira
de rodas alto suficiente
para conseguir entrar”.
“ Para uma pessoa
que consegue
ver, é muito fácil
desviar-se, mas
para outra que
não tem visão e
que está habituada
a um certo caminho,
pode ser um
bocado difícil e
frustrante”
Fotografias: Maria Andrade
5
Grande Reportagem
Cultura
A sociedade como obstáculo
Aos olhos da sociedade, as
pessoas com deficiência são
totalmente dependentes dos
outros e com pouca margem
de independência. A verdade
é que a realidade aponta para
uma direção distinta, sendo
Aureliano Moreira, avô de Camila,
um bom exemplo disso:
“Quando a minha avó era
viva, era ele que lhe ligava
o fogão, era que ele que lhe
ligava a água do banho, era
ele que lhe dava os comprimidos
para tomar. A minha
avó era mais dependente do
meu avô, do que o meu avô
da minha avó, o que eu acho
super interessante”, salienta
a jovem de 19 anos. Apesar
disso, Camila refere que há
pequenas tarefas diárias em
que tem que prestar auxílio
como “ir levantar dinheiro”
ou “selecionar os diferentes
produtos no supermercado”.
Posto isto, o desconhecimento
(gerado muitas vezes
pelo próprio desinteresse) é,
na visão de Paula Costa, o
principal motivo por não haver
uma plena integração desta
minoria dentro do contexto
social. A presidente da ACA-
PO do Porto dá a conhecer
algumas situações que comprovam
esta perspetiva: “Por
exemplo, estou numa conversa,
e está aqui a doutora
Sara, que por acaso vê, e as
pessoas para me fazerem
uma pergunta a mim, fazem
a ela como se eu precisasse
de um mensageiro. É como
as pessoas nos chamarem
invisuais. Nós não somos invisuais.
Invisual é uma coisa
que não se vê. Somos pessoas
com deficiência visual
ou baixa visão”. Paula Costa
retrata ainda a forma como as
pessoas tentam ajudar, mas
muitas vezes de maneira errada,
fruto desta respetiva falta
de conhecimento: “Se chegarem
ao pé de mim, que estou
com uma bengala, e perguntarem
se preciso de ajuda,
muitas das vezes digo que
sim. O problema é que às
vezes eu estou na rua, e subitamente
pegam-me num
braço e atravessam-me para
o lado de lá, sem sequer me
perguntar se eu queria atravessar”.
Independentemente
de tudo isto, para a presidente
da ACAPO, o maior sinal de
falta de noções básicas por
parte da população acontece
quando são vistos como doentes,
havendo pessoas que
se “afastam com medo que
se pegue”. Em muitos casos,
a nossa sabedoria sobre determinado
assunto está puramente
associada ao contacto
que temos com essa realidade.
A sociedade tem o vício
moralmente incorreto de tratar
as pessoas com deficiência
como incapacitadas, ou
seja, sem quaisquer atributos
para desenvolver as diferentes
tarefas diárias: “Temos
exemplos, que também não
são positivos, de tratar esta
população como os coitadinhos.
Eles não são coitadinhos.
Eles são capazes do
que são capazes, e devem
fazer o que conseguem.
A partir daí temos que os
apoiar”, afirma Sónia Catarino,
diretora técnica de uma
das unidades da APPACDM.
O constante desrespeito
para com as pessoas com condições
distintas, movidas pela
falta de empatia da sociedade,
leva, segundo Sónia Catarino,
“a um sofrimento desgastante
e pontual”. Com esta
normalização de comportamentos
repudiáveis, estas minorias
não se apercebem que
podiam “ter uma vida melhor”
e “que os seus direitos
podiam ser exercidos”,
algo bastante preocupante
no entender da psicóloga.
“ Nós temos um
papel que nos permite
estacionar, só
que esse papel não
nos vale de nada se
não temos estacionamento.
As pessoas
não respeitam”
Kelita Antunes
Associação Portuguesa de Deficientes (APD)
A APD – Associação Portuguesa de Deficientes – foi fundada no ano de 1972, é uma
instituição de utilidade pública sem fins lucrativos e conta com 25 delegações.
A instituição dispõe de um Centro de Atendimento/Acompanhamento e Animação, que
desenvolve vários setores de serviços de apoio e atividades culturais, recreativas e desportivas.
O Centro de Atividades Ocupacionais é também uma regalia da APD, que
consiste numa resposta social a pessoas com deficiência mental moderada, com idade
igual ou superior a 16 anos, cujas capacidades não permitam, temporariamente
ou permanentemente, a sua integração no mercado normal de trabalho. Para além
das atividades e programas de inserção que a instituição tem, a APD oferece ainda
Lares Residenciais que se destinam a pessoas com deficiência/incapacidade intelectual,
a partir dos 16 anos, que se encontrem impedidas de residir no meio familiar.
Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPA-
CDM)
Fotografias: Maria Andrade
A APPACDM – Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental – difere-se
das outras instituições, sendo direcionada apenas para pessoas com deficiência mental.
Nasceu no Porto, em 1969, e é uma associação sem fins lucrativos, de solidariedade
social e da iniciativa voluntária de particulares, que apoia pessoas com atraso
de desenvolvimento, deficiência intelectual ou incapacidade, de todas as idades.
À semelhança da APD, a APPACDM dispõe também de Lares Residenciais.
Sónia Catarina, psicóloga de formação e diretora técnica da unidade CACI de Monte
Alegre, admite que a maior frustração que estas pessoas enfrentam é, sem dúvida,
em termos sociais: “Há situações pontuais em que o desconhecimento ou o receio,
às vezes até a falta de empatia da sociedade, os faz sofrer pontualmente. Mas, de uma
forma geral, para mim, o mais preocupante é quando esta população nem se apercebe
que podia ter uma vida melhor, que os seus direitos podiam ser exercidos e não são”.
A associação pretende ajudar na elaboração de uma sociedade
de todos, para todos e, desta forma, apoiar e capacitar pessoas
com estas condições para que conquistem uma melhor qualidade de vida.
6
Grande Reportagem
Duas perspectivas, uma realidade
Para alguém cuja sua
normalidade é vista como
anormal para os restantes,
a família torna-se um fator
essencial no processo de
descobrimento individual.
Camila sempre encarou
a situação do avô como algo
normal, mas, infelizmente,
tem a consciência de que essa
mentalidade não abrange toda
a gente, considerando, por
isso, importante a “sensibilização
sobre as pessoas com
deficiência ou mobilidade
reduzida”. Há uns anos,
“um ceguinho era um coitadinho”,
mas, na perspetiva
da neta de Aureliano, essa
mentalidade mudou e agora
“as pessoas cegas são olhadas
como pessoas normais,
há mais compreensão.”
As pessoas com deficiência
visual são, muitas vezes,
negligenciadas quanto às suas
capacidades de realizar as tarefas
do quotidiano. Camila
Teixeira acredita que o mesmo
ideal se aplica ao contexto
destas minorias: “Muitas vezes
perguntam-me como é
que o meu avô vai à casa de
banho, como é que toma banho,
como é que vai ao médico,
e por vezes sinto que
era uma coisa importante
se calhar para as pessoas
saberem. Eu apenas tenho
noção disso porque tenho
um caso muito próximo”.
Camila confessa que acha engraçado
“quando fazem perguntas
sobre tarefas mesmo
normais e acham que seria
diferente, muito diferente,
para o meu avô, quando não
é”. Salienta ainda que é tudo
uma questão de adaptação.
O apoio da família e dos
mais próximos constitui um
dos pilares na vida das pessoas
com deficiência. Contudo,
o contacto com profissionais
e o trabalho das associações
continua a ser crucial e imprescindível.
Para além da
ajuda que oferecem, estas
instituições “estão a fazer
um bom trabalho para trazer
mais luz a este assunto e
para sensibilizar mais pessoas”.
Aureliano era um participante
ativo na ACAPO, e
Camila afirma que o seu avô
“ficou muito satisfeito com
o trabalho da instituição”.
Aliada ao apoio familiar, a
orientação profissional junto
da população com deficiência
é, sem dúvida, uma mais-valia.
Dulce Espinho, assistente
social da ACAPO, explica
como lida com estes casos:
“Numa situação pontual
com uma pessoa que tem a
deficiência visual adquirida
há muitos anos, lidamos de
forma muito natural, porque
já passou pela aceitação
e pelo luto da questão. Se for
recente, independentemente
do motivo, aí já é um bocadinho
mais complicado porque
é trabalhar uma perda.”
Apesar destas diferenças,
Sara Louro, psicóloga
da ACAPO, explica
de que forma estas se
poderão tornar semelhantes.
Na ACAPO, é desenvolvido
um processo de reabilitação
junto de todos aqueles
que pedem auxílio. A
assistente social explica que
no primeiro atendimento é
averiguada a “necessidade
“ Tenho como
regra tratar exatamente
da mesma
forma como se
fosse normovisual.
Existe um conjunto
de regras independentemente
de a
pessoa ver ou não.”
de ir para a terapia ocupacional
e para orientação e
mobilidade”, onde será feita
uma “ uma avaliação mais
específica”. Posteriormente,
cada pessoa tem direito ao
seu plano de reabilitação individual
onde se traçam os
objetivos e metas pretendidas
para a pessoa em questão.
Por maior que seja a vontade
de ajudar, “a maior dificuldade
é a burocracia,
às vezes queremos fazer
mais e melhor e esbarramos
num conjunto burocrático
que não é fácil”, desabafa
a assistente social, Dulce.
Para Sónia Catarina, diretora
técnica, o mais urgente
neste momento é “sem dúvida
a educação da sociedade
para pessoas diferentes”.
Fotografias: Bruna Jardim
Dulce Espinho, assistente social (ACAPO)
Sara Louro, psicóloga (ACAPO)
Fotografia: Maria Andrade
Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO)
A ACAPO, Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal, é uma Instituição Particular
de Solidariedade Social, fundada em 1989. Embora recente, possui uma
das mais antigas histórias do movimento associativo de deficientes em Portugal.
Contando com 13 delegações espalhadas por todo o país, a ACAPO pretende
representar os cidadãos com deficiência visual, providenciar serviços adequados
e consciencializar a sociedade, com vista à afirmação como cidadãos de pleno
direito. Paula Costa, presidente da ACAPO do Porto, afirma que a associação “é,
neste momento, a única instituição que defende as pessoas com deficiência visual”.
Desta forma, a instituição tem como objetivo ser a entidade de referência quanto à representação
dos direitos e interesses das pessoas com deficiência visual do país, junto
dos atores sociais e decisores políticos, tal como dos organismos internacionais.
7
Grande Reportagem
Grande reportagem
Hora da ação
“ Eu peço uma
cadeira de rodas
e dão-me uma cadeira
de rodas. A
questão é que existe
uma grande morosidade.
Eu posso
estar dois anos à
espera de uma cadeira
de rodas.”
Apesar da ajuda do Estado,
a falta de acessibilidade ainda é
grande e a mudança é urgente.
Para além disso, o fornecimento
de recursos não se verifica
em todos os casos. Para
Paula Costa, presidente da
ACAPO na delegação do Porto,
tal fenómeno constitui uma
grande adversidade, tendo em
conta que são “instrumentos
muito caros, e nem toda a
gente consegue adquirir”.
António Almeida, funcionário
da APD do Porto, confirma
este ponto: “O Governo
gastou comigo uma pequena
fortuna. Uma cadeira como
a minha de liga leve custa
perto de 5 mil euros. Se fosse
eu a comprar seria uma situação
muito complicada, porque
não tenho o orçamento
necessário para comprar
uma cadeira que fosse leve
o suficiente para a transportar
de forma autónoma para
o meu carro. Provavelmente
iria desistir dessa ideia.”
Hoje em dia, Catarina
Oliveira já sabe lidar com
a deficiência e é capaz de se
deslocar sozinha, no entanto,
reconhece que há vários locais
onde encontra obstáculos
que impossibilitam a sua mobilidade
e que existe, portanto,
um trabalho muito grande
a ser feito. Começando pelos
transportes públicos, que em
alguns casos até se encontram
preparados, Catarina fala da
dificuldade em aceder a esses
transportes: “Nós temos
um autocarro que é acessível,
mas nós não conseguimos
muitas vezes deslocarmo-nos
na cidade de forma
independente para chegar
e para sair do autocarro”.
Dulce Espinho, enquanto
assistente social, confessa
que “gostava que houvesse
uma residencial muito virada
para as pessoas com
deficiência visual, o apoio
à habitação, os centros
ocupacionais”.
Mas as dificuldades não
são só ao nível das infraestruturas.
A inserção no mercado
de trabalho é também um
grande problema que precisa
de mudança, uma vez que o
ideal de igualdade de oportunidades
não é respeitado.
“Regra geral uma pessoa
que tem uma deficiência tem
muito mais dificuldade em
arranjar emprego. As pessoas
cegas e com baixa visão
podem trabalhar, óbvio que
há profissões que não podem
desempenhar, mas podem
trabalhar. Não é limitativo
como outras deficiências,
mas efetivamente sabemos
que há muito pouca oferta.
É importante nós darmos
Fotografia: Maria Andrade
resposta aos adultos com
deficiência. Têm 18 anos e
agora?”, questiona Dulce.
Kelita Antunes admite que
muitos empregos já lhe foram
negados pela falta de condições
das empresas: “Eles ligavam,
diziam que o currículo
estava bom, mas pediam
desculpa e diziam: « vamos
ter de recusar porque o edifício
não tem elevador, o edifício
tem quatro escadas, o
edifício não tem casa de banho
própria, o edifício não
está preparado para pessoas
com mobilidade reduzida. »
Até que tive de ingressar no
apoio ao cliente, que era o sítio
que estava mais preparado
e que me dava possibilidades
de trabalhar em casa”.
8
Grande Reportagem
Mas, afinal, onde começa a verdadeira mudança?
As opiniões de quem lida
com casos de pessoas com
deficiência assemelham-se e
a sensibilização é a principal
medida a que fazem referência.
Camila confessa que se
não tivesse o exemplo do avô
cego por perto “nem sequer
ia pensar muito no assunto”.
Sara Louro destaca o ensino
escolar e a urgência de adotar
nas escolas uma formação
que prepare a sociedade para
receber pessoas diferentes.
“Havia de se dar, quando
se começa a dar o inglês,
língua gestual portuguesa e
braille. Não é que as crianças
tenham de crescer a
dominar completamente o
braille, mas haviam de ter a
noção de que é a única forma
de contacto das pessoas
com deficiência visual do
texto em papel, tal e qual
como nós gostamos de escrever
à mão. Agora está tudo
muito digital, mas ainda há
pessoas que privilegiam o
contacto no papel e o braille
é a única forma das pessoas
com deficiência visual
terem acesso a isso. Era ser
integrado naquela disciplina
a que chamam Cidadania.”
Há que saber como nos
dirigirmos a um cego na rua,
como orientar uma pessoa
com deficiência, quando oferecer
ou não ajuda, porque
muitas vezes existe uma empatia
e uma vontade de ajudar,
mas que depois na prática
não se verifica, ou pelo menos
não da forma mais correta.
Neste contexto de mudanças
e do que está certo e o que
está errado, Catarina aborda a
temática da linguagem, a necessidade
de consciencializar
as pessoas sobre quais os termos
corretos a utilizar. “A linguagem
é uma coisa que está
em evolução e enquanto antigamente
a palavra deficiente
era muito usada, e hoje
em dia também é, o deficiente
ainda é uma coisa muito
pejorativa. Eu prefiro uma
linguagem mais abrangente
e inclusiva, que para mim é
o “pessoa com deficiência”.
Menciona, também, o
Movimento da Diversidade
Funcional, embora destaque
a importância de não tirar
a palavra “deficiência” ou
“ Eu sou uma
pessoa com uma
deficiência, que
não a pretende esconder,
mas eu não
sou uma deficiente.
A deficiência não
abarca toda a minha
existência.”
“pessoa com deficiência” da
equação, também por uma
questão de poder afirmar os
seus direitos “porque uma
pessoa com deficiência tem
determinados direitos e determinadas
características
que têm de ser asseguradas”.
“Pessoa portadora de deficiência”,
embora já tenha
caído em desuso, ainda é um
termo utilizado por algumas
pessoas. Para Catarina, não
é a expressão mais adequada.
“A minha deficiência eu
não posso deixar de portar,
eu não posso deixá-la em
casa”. Faz também referência
à “pessoa com necessidades
especiais” e explica que
“não faz sentido nenhum,
porque enquanto nós continuarmos
a ver as necessidades
das pessoas como
especiais, nós vamos sempre
achar que a acessibilidade
é um favor especial”.
Por fim, menciona ainda a
questão da mobilidade reduzida,
sendo que hoje em dia já
se começa a falar muito mais
da mobilidade condicionada.
Isto porque a mobilidade reduzida
indicava que a redução
era na pessoa, no sentido
que a pessoa com deficiência
era o problema “como a
máquina que estava estragada”,
descreve Catarina.
Atualmente, já se fala da
deficiência segundo o modelo
social, ou seja, entendendo
que a deficiência está
na pessoa, mas também em
todas as barreiras à sua volta,
e por isso é que já se começa
a adotar o termo “mobilidade
condicionada”.
Face a esta questão, Catarina
diz que “Não é a mobilidade
que está reduzida,
porque, por exemplo, eu
em minha casa sou completamente
móvel, eu mobilizo-me
de forma independente.
Mas na rua, a minha
mobilidade está condicionada
pelas barreiras que
eu tenho à minha volta”.
Podemos falar de todas as
medidas a implementar. De
tudo aquilo que está mal e que
precisa de ser mudado com
urgência. Da grande falta de
acessibilidade que existe, e de
todas as dificuldades que pessoas
com deficiência enfrentam.
No entanto, a verdade é
que, para que se possa construir
a acessibilidade necessária,
é preciso, antes de mais,
reconhecer a inacessibilidade
dessas pessoas. O primeiro
passo a dar é aproximar a sociedade
da temática da deficiência.
Abordar mais esse tema
que assusta muito as pessoas,
e para o qual a sociedade se
recusa a olhar de frente, pelo
medo de errar, ou de não saber
o que dizer. A mudança
começa, portanto, com a consciencialização
da população.
Para estas minorias, todas
as manifestações têm
um propósito. Segundo António
Almeida, é através de
“constantes reivindicações”
que “leis e medidas são tomadas”:
“Se não formos
nós a lutar pelas causas
que acreditamos, quem é
que vai lutar por nós?”.
Foram apenas quatro testemunhos
e quatro instituições,
mas estes problemas
são comuns a todos os que
pertencem a esta comunidade.
A falta de acessibilidade e
qualidade de vida para pessoas
com deficiência é um dos
maiores problemas em Portugal.
A ignorância dos cidadãos
é a principal causa. Para
António Almeida pequenos
passos fazem toda a diferença.
“ Termos sido
campeões mundiais
de andebol mostrou
um pouco às pessoas
a nossa realidade.
Mostrou que,
independentemente
da nossa condição,
também podemos
ser destinados a
grandes feitos.”
Fotografia: Maria Andrade
Fotografia: Camila Teixeira
9
Política
Retrospectiva: Orçamento de Estado 2023
Por: Bruna Jardim e Maria Andrade
Fotografia: Observador
O processo orçamental arrancou a 10 de Outubro e terminou no dia 25 de Novembro, com a aprovação
da proposta de Orçamento. O PS foi o único a votar a favor. O PAN e o Livre abstiveram-se e
os restantes partidos (PSD, Chega, IL, PCP e BE) votaram contra. Com o lema “Estabilidade, Confiança,
Compromisso”, o Orçamento para 2023 protege os rendimentos e promove o investimento.
Com os resultados de
2022 a superar as
expectativas, espera-se
que 2023 apresente um
cenário de crescimento mais
moderado. Os partidos bateram
o recorde de alteração de
propostas e foram mais de 1800
aquelas que foram votadas.
Após dois orçamentos abalados
pela pandemia da Covid-19
e com a guerra da Ucrânia
a condicionar a evolução
da economia e do comércio
mundiais, o país enfrenta agora
uma nova realidade. O Governo
optou por utilizar diversos
mecanismos de apoio para
proteger as famílias, principalmente
aquelas que possuem
um menor rendimento.
Também as empresas de menor
dimensão serão as mais
apoiadas, de forma a ultrapassar
a realidade inflacionista.
As empresas podem contar
com várias recompensas e
apoios no investimento, como
também na fatura energética.
Todos os contribuintes,
principalmente os mais jovens,
podem contar com
algum alívio fiscal no próximo
ano. Os pensionistas
e função pública vão ter o
seu rendimento aumentado,
bem como quem vive dependente
de prestações sociais.
O orçamento assenta em 3
grandes prioridades. O reforço
dos rendimentos, passa por
medidas como a valorização
dos rendimentos do trabalho,
reforço de pensões e prestações
sociais, apoio aos jovens
e famílias com crianças, alívio
dos custos de vida e contenção
dos preços da energia.
Um outro pilar fundamental
será promover o investimento
e, para tal, será necessário
fomentar o investimento público,
apoiar as empresas que
foram afetadas pela inflação,
reforço do investimento público,
aceleração da transição
climática e uma fiscalidade
mais justa nas empresas. O último
faz referência à redução
da dívida pública. A melhoria
do saldo e redução da dívida
pública, racionalização da
despesa e dotações ajustadas
às necessidades são as medidas
propostas neste âmbito.
Em seguida, é possível
consultar algumas
medidas do Orçamento
de Estado para 2023:
11
ORÇAMENTO DE ESTADO
2023
Política
Alojamento para jovens
Renda da casa
Crédito à habitação
Indexante de apoios
sociais
Automóveis
Cerveja, refigerantes e
tabaco
MEDIDAS
Mínimo de existência
Escalões do IRS
IRS jovem
Subsídio de desemprego
Abono de família
Pensões
Taxa reduzida de IRC
Escalões de IRS
A renovação dos escalões
do IRS vai ser de 5,1%. Para
além disso, o governo compromete-se
a baixar em dois
Menos IVA na luz
Autoconsumo de energia
Despesas com energia e
produtos agrícola
Retenção da fonte
Função pública
Taxa sobre lucros inesperados
Compensação às empresas
Apoios à capitalização
Estímulo ao investimento
Dedução dos prejuízos
pontos, a taxa marginal do
segundo escalão de 23% para
21%. Consequentemente, a
taxa média de todos os outros
escalões também irá baixar.
ESCALÕES DE IRS PROPOSTOS
2 0 2 3
Rendimento coletável (€) Taxa Marginal (%) Taxa Média (%)
Até 7.479
7.497 - 11.284
11.284 - 15.992
15.992 - 20.700
20.700 - 26.355
26.355 - 38.632
38.632 - 50.483
50.483 - 78.834
Mais de 75.009
14,50
21,00
26,50
28,50
35,00
37,00
43,50
45,00
48,00
Fonte: Ministério das Finanças
Montagem: Bruna Jardim
14,50
16,69
19,58
21,61
24,48
28,46
31,99
36,67
n.a.
Tabela: Bruna Jardim
Fonte: Ministério das Finanças
Mínimo de existência
As mudanças no apuramento
do patamar, vão permitir
que as pessoas com salários
brutos mensais entre o salário
mínimo e os mil euros sejam
os maiores beneficiários;
O salário mínimo sobe de
705 para 760 euros (perde isenção
do IRS a partir de 2024);
- O mínimo de existência
aumenta de 9870
para 10 640 euros;
- A medida vai abranger três
milhões de trabalhadores,
que devem receber um benefício
médio de 195 euros
por ano, podendo chegar
aos 425 euros anuais;
- A reforma, que só estará
completa em 2024, implica
um abate que se junta à dedução
específica de 4104 euros,
e assim, deduz o rendimento
coletável sujeito a IRS.
Retenção na fonte
- Elaboração de um novo modelo
de retenção na fonte;
- Criação de uma taxa intermédia
como forma de aplicar uma
tributação mais baixa sobre o
montante do aumento salarial;
- As novas tabelas, ainda
não publicadas, não
vão ter efeitos retroativos.
IRS Jovem
- Isenção do IRS até 50% do
rendimento no primeiro ano
de trabalho; de 40% no segundo;
de 30% no terceiro e quartos
anos; e de 20% no quinto;
- Aplica-se aos jovens, entre
os 18 e 26 anos, com
qualificações de nível 4 ou
superior, ou 30 anos em
relação aos doutorados.
Indexante de Apoios Sociais
- O IAS vai receber um aumento
de 8%, para 478,7 euros;
- A atualização deste montante
irá refletir-se no aumento
de várias prestações sociais.
Subsídio de desemprego
- Subida no valor mínimo
de subsídio de desemprego:
550,68 euros (+ 41€);
- Subida no valor máximo
Grande reportagem Política
de subsídio de desemprego:
1196,75 euros (+ 88,75€).
Abono de família
- O primeiro escalão do
abono de família passa
a conter os rendimentos
até 3350, o euros anuais;
- O limite do segundo escalão
aumenta para 6701, 8 euros;
- Cada criança vai receber
um mínimo de 50 euros por
mês. No caso de pobreza extrema,
esse número aumenta
para 100 euros por mês.
Pensões
- Atualização das reformas
entre 4,43% e 3,53%.
Crédito à habitação
- Os trabalhadores que não
trabalham por conta própria
com empréstimos para comprar
casa e com um vencimento
mensal bruto de 2700 euros
podem pedir a redução da taxa
do escalão de retenção na fonte.
Função Pública
- Valorização global de
5,1%, a considerar progressões
e promoções;
- Subida do salário mínimo
no Estado, de
705 para 761,58 euros;
- 52,11 euros de acréscimo nos
ordenados até 2600 euros brutos
e 2% em salários superiores;
- 3,6% de aumento
médio salarial;
- Subida do subsídio de refeição,
de 4,77 para 5,20 euros.
Automóveis
- O Imposto Sobre Veículos
(ISV) e o Imposto Único de Circulação
(IUC) vão subir 4%;
- Por via do ISV, o preço de
venda ao público vai traduzir-se
num aumento médio
de 1,6%, segundo a PricewaterhouseCoopers
(PwC);
- No ano de 2023, deve ser
retomado o incentivo ao
abate de veículos que já se
encontrem em fim de vida;
- As empresas com frotas de
veículos elétricos, híbridos
plug-in e gás natural veicular
de ligeiros de passageiros,
passam a ser tributadas
às taxas de 2,5%, 7,5% e
15%, dependendo do valor
de aquisição do veículo.
Cerveja, refrigerantes e
tabaco
- Subida de 4% nos impostos
em bebidas alcoólicas (exceto
o vinho) e refrigerantes;
- Subida de 6% nos impostos
em tabaco.
Taxa sobre lucros inesperados
- “Contribuição Temporária
de Solidariedade” é a
taxa sobre empresas dos setores
do petróleo bruto, gás
natural, carvão e refinação;
- Taxa mínima de 33% sobre
lucro considerado “inesperado”,
aplicável aos lucros
relativos a 2022.
Compensação às empresas
- O governo vai aumentar
em 50% os custos
das remunerações e contribuições
sociais das empresas
que procederem ao aumento
dos salários de 5,1%
no setor privado em 2023.
Apoios à capitalização
- Novo regime fiscal de Incentivo
à Capitalização das Empresas,
de forma a estimular
o investimento privado. Esta
medida serve para a compensação
das empresas pelo
aumento do salário mínimo;
- Aumento da taxa de dedução
do montante dos aumentos líquidos
dos capitais próprios
das empresas, de 4,5% para 5%.
Taxa reduzida de IRC
- A taxa reduzida de IRC, de
17%, vai ser alargada aos lucros
tributáveis de 50 mil euros,
o dobro do atual valor;
- A redução fiscal será também
para as empresas de pequena-
-média capitalização e não
só para as Micro e as PME;
- A taxa reduzida de
IRC será de 12,5%.
Estímulo ao investimento
- O regime fiscal de apoio
ao investimento (RFAI) terá
um aumento de 25% para
30% das deduções à coleta
de investimentos até 15 milhões
de euros. A partir desse
valor, a dedução é de 10%.
12
Política
Dedução dos prejuízos
- O prazo vai passar a ser
ilimitado, passando para 5
anos para as grandes empresas
e para 12 nas restantes.
Menos IVA na luz
- Diminuição do IVA na fatura
da eletricidade para
6%, atuando apenas sobre
os primeiros 100 kWh de
consumo e só em potências
contratadas até 6,9 kVA.
Autoconsumo de energia
- Os particulares e pequenos
negócios com fontes de
energia renovável instalada
poderão beneficiar de um
novo incentivo ao consumo e
venda de excedentes à rede;
- Ficam isentos de IRS até ao limite
anual de mil euros de rendimentos
resultantes da transação
de energia excedente.
Despesas com energia e
produtos agrícolas
- Aumento do IRC em 20%
(gastos com energia) e 40%
(despesas com produtos agrícolas),
aplicável a 2022;
- Mitigação da fatura energética
das empresas com
a criação de um pacote
de três mil milhões de euros,
para o apoio do sistema
elétrico e de gás natural.
Alojamento para jovens
- O Porta 65, programa de
apoio ao arrendamento jovem,
será aumentado em
30% na sua dotação, fazendo
com que o limite do apoio
suba para 300 euros mensais;
- Os estudantes do ensino superior
que venham de famílias
com baixos rendimentos,
mesmo que não sejam bolseiros,
vão ter a oportunidade
de aceder a um apoio mensal
na ordem dos 221 aos 288
euros, dependendo da instituição
de ensino e concelho.
Renda da casa
- Limitação de 2% do
aumento das rendas;
- Taxa aplicável de
28% aos senhorios;
- Em relação ao IRC, o coeficiente
de apoio é de 0,87.
O Orçamento de Estado
entra em vigor no dia 1 de
Janeiro de 2023, com as medidas
aprovadas e seguindo
as três grandes prioridades
definidas. Após os resultados
obtidos em 2022, espera-se
que em 2023, o país continue
a superar as expectativas.
Comentário
Por: Rui Sá
Rui Sá é o atual líder do Grupo Municipal da Coligação Democrática Unitária (CDU). À conversa
com o jornal Sentinela, o deputado partilhou a sua opinião sobre o Orçamento de Estado de 2023.
Montagem: Bruna Jardim
Este é um Orçamento do
Estado (OE)que, no fundamental
e estruturalmente, não
altera o rumo que há décadas
é seguido pelos sucessivos
governos e que, em termos
de paradigma económico,
aposta em Portugal como
País de “mão de obra barata”.
Num País em que mais de
70% dos trabalhadores por
conta de outrem recebem menos
de mil euros brutos mensais,
e em que cerca de 900
mil trabalhadores recebem o
salário mínimo (agora fixado
em 760€), exigia-se uma política
que apostasse assumidamente
no
aumento dos
salários e
das pensões.
Pelo contrário,
o OE
aposta em
reduzidos
aumentos salariais
para a
Administração
Pública
que, na prática,
se traduz
na sua diminuição
real,
face à inflação
registada
em 2022!),
“contagiando”, desse modo,
os salários no setor privado.
Situação que se traduz numa
triste constatação: em Portugal
empobrece-se a trabalhar!
Em simultâneo, os lucros das
maiores empresas têm aumentado
significativamente, o
que prova duas coisas: i) seria
possível aumentar salários; ii)
seria possível impor preços
máximos a diversos produtos
e serviços, designadamente
na área energética, dos produtos
alimentares e da banca.
Em paralelo com esta situação,
o OE não dá resposta
aos graves problemas que
minam, entre outros setores
sociais, o Serviço Nacional
de Saúde e a Escola Pública.Não
transferindo para os
mesmos as verbas necessárias
para o cumprimento integral
das suas funções, propiciando,
desse modo, as entidades
privadas que, muitas vezes
à custa do Estado, procuram
minar os serviços públicos.
Por último, o Governo,
numa postura de arrogância
que emana da sua maioria absoluta,
não aceitou as cerca de
400 propostas de alteração ao
OE que o PCP propôs e que,
a serem aprovadas, melhorariam
o documento e, fundamentalmente,
contribuíram
para a melhoria das condições
de vida dos portugueses.
Creio, assim, que, tal como
está já a acontecer, a maioria
dos portugueses irão sentir
na pele as consequências deste
OE e das opções políticas
que o mesmo consubstância.
13
Política
Adriano Moreira: 100 anos ao serviço de Portugal
Por: Rita Silva
Fotografia: Global Images
Ministro de Salazar no período da ditadura e Presidente do CDS em democracia, Adriano Moreira deixou
um longo percurso político e académico. Morreu a 23 de outubro de 2022, aos 100 anos de idade.
Foi a 6 de setembro de
1922 que Grijó, Macedo
de Cavaleiros,
em Bragança, recebeu Adriano
José Alves Moreira, filho do
polícia António José Moreira
e de Leopoldina do Céu Alves.
Da aldeia foi para Lisboa,
a cidade grande, onde passou
a sua infância e aprendeu as
primeiras letras, e onde viu
a sua irmã mais nova, Otília,
nascer. Morou em Campolide,
estudou no Liceu Passos
Manuel e, em 1944, em plena
guerra mundial, licenciou-se
em Ciências Histórico-Jurídicas
pela Faculdade de Direito
de Lisboa. Após concluir o
curso, iniciou a sua carreira
profissional na função pública,
como jurista no Arquivo
Geral do Registo Criminal e
Policial, saindo depois para
o departamento jurídico da
General Electric em Portugal.
Enquanto jovem, Adriano
Moreira, sem muito se interessar
ainda pela política, foi
simpatizante da Oposição Democrática,
chegando mesmo
a assinar listas do Movimento
de Unidade Democrática
(MUD). Nessa altura, juntou-se
a Teófilo Carvalho dos
Santos, um opositor ao regime
de Salazar, com quem ajudou
a defender a família do general
Marques Godinho. Esta
defesa custou-lhe uma detenção
na prisão do Aljube, onde
conheceu Mário Soares, e de
onde foi libertado passado
dois meses. Embora defendessem
posições contrárias,
naquele encontro, no meio
de muitos presos políticos,
formou-se uma amizade que
perdurou até ao fim da vida.
14
Grande reportagem
Política
Posteriormente, ingressou
no corpo docente da antiga
Escola Superior Colonial, atual
ISCSP, onde assumiria a
direção mais tarde, em 1958.
A tese “O Problema Prisional
do Ultramar”, editada em
1954, recebeu um prémio
pela Academia das Ciências
de Lisboa. Em 1956, Adriano
revelou-se um dos mais importantes
pensadores da Universidade
e da vida nacional,
com a sua obra “Política Ultramarina”.
No ano seguinte,
e até 1959, Adriano Moreira
fez parte da delegação portuguesa
às Nações Unidas.
Acabou, entretanto, por se
aproximar do Estado Novo,
quando foi chamado para o
Governo, por António Oliveira
de Salazar. Inicialmente,
ocupou o cargo de subsecretário
de Estado da Administração
Ultramarina e, um ano
depois, em 1961, tornou-se
ministro do Ultramar, posição
em que se manteve até 1963.
Nessa altura, começava a
Guerra Colonial, em Angola.
O seu mandato ficou marcado
pelo conjunto de reformas
que pôs em prática, entre as
quais a reabertura do campo
de concentração do Tarrafal,
em Cabo Verde. A abolição
do Estatuto dos Indígenas
(que não permitia aos habitantes
das colónias adquirir a
nacionalidade portuguesa), o
alargamento da cidadania, e
o direito a todos os portugueses
de entrarem, circularem e
se estabelecerem em qualquer
parte do território nacional,
foram outras medidas adotadas
pelo então ministro do
Ultramar. Para além de tudo
isso, Adriano Moreira fundou
ainda o ensino superior nas
colónias, com o arranque dos
Estudos Gerais Universitários,
em Angola e Moçambique.
As suas decisões entraram
em discórdia com as políticas
de Salazar, que afirmou que
mudaria de ministro se Adriano
não as alterasse. A isso,
Adriano Moreira respondeu:
Fotografia: Wort Lu
“
Vossa Excelência acaba de mudar de ministro”
Após ser demitido, regressou
à vida académica, no ano
de 1965, e tornou-se presidente
da Sociedade de Geografia.
Em agosto de 1968, casou-se
em Sintra com Mónica Isabel
Lima Mayer, com quem teve
seis filhos, António, Mónica,
Nuno, João, Teresa, e Isabel
Moreira, atual deputada.
A seguir à Revolução do 25
de Abril, foi saneado das funções
oficiais e esteve exilado
no Brasil, onde foi convidado
para dar aulas na Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
Em 1977, voltou para
Portugal e aceitou o convite
para aderir ao Centro Democrático
e Social, a que presidiu
entre 1986 e 1988, e
temporariamente entre 1991
e 1992. Foi também deputado
(1980-1985) e vice-presidente
da Assembleia da República,
entre 1991 e 1995.
No ano de 2014, Adriano
Moreira foi uma das 70
personalidades que defenderam
a reestruturação da
dívida pública como a única
forma de sair da crise.
Advogado de formação,
professor catedrático e estudioso
de política internacional,
escreveu várias obras nas
áreas do Direito, da Ciência
Política e das Relações Internacionais.
Em 2020, lançou a
obra “A Nossa Época - Salvar
a Esperança”. No mesmo
ano, em dezembro, sofreu
um desgosto com a morte do
seu filho de 47 anos, Nuno
Moreira, vítima de enfarte.
Adriano Moreira teve
um percurso académico e
político dividido entre dois
regimes, tendo sido ministro
do Ultramar, no período
da ditadura, e uma personalidade
de referência do
Centro Democrático Social
(CDS), em democracia.
Adriano foi o político com
maior longevidade da história
democrática portuguesa.
Montagem: Rita Silva
15
Economia
Metro do Porto: um ajuste orçamental necessário
Por: Pedro Pimparel Serafim e Rita Silva
Fotografia: Maria Andrade
Foi decidida pelo Governo uma reprogramação da despesa, depois de terem sido apenas gastos 568 mil
euros nas obras no Metro do Porto em 2021, em vez dos 6,1 milhões programados. Calcula-se que o orçamento
de 37,2 milhões que estava previsto para as obras em 2022 não vá ser executado na totalidade.
As obras de construção
da Linha Rosa
e de expansão da
Linha Amarela do Metro do
Porto arrancaram em 2021,
com uma dotação de 307 milhões
do POSEUR (Programa
Operacional Sustentabilidade
e Eficiência no Uso de Recursos).
Entre 2023 e finais de
2025, vai ser também construída
a Linha Rubi e, até ao
final de 2023, a nova Linha
BRT ((Bus Rapid Transport)
Boavista - Império será também
parte do sistema de transportes
da Área Metropolitana.
A reprogramação das
despesas
O Governo publicou, no
dia 23 de novembro, uma resolução
do Conselho de Ministros,
que garante uma nova
programação do conjunto de
despesas associadas ao investimento
do Metro do Porto,
fruto de inúmeras críticas que
têm chegado pelo atraso nas
obras. A manutenção da despesa
do Bus Rapid Transit Boavista
foi também autorizada.
O Governo tinha já autorizado
investimentos relacionados
com o Plano de Recuperação
e Resiliência (PRR)
em março, para a expansão da
Rede de Metro do Porto: a Linha
Rubi, desde a Casa da Música
até Santo Ovídio, e a Linha
BRT Boavista - Império.
O orçamento estimado para
estas renovações era de 299
milhões de euros e 66 milhões
de euros, respetivamente.
Estes 365 milhões de euros
da totalidade das despesas seriam
repartidos por 5 anos: 6,1
milhões em 2021; 37,3 milhões
em 2022; 105,3 milhões
em 2023; 98,7 milhões em
2024 e 117,6 milhões em 2025.
Contudo, depois de terem
sido apenas gastos 568
mil euros em 2021 em vez
dos 6,1 milhões previstos,
a resolução do Conselho de
Ministros nº110/2022 decidiu
“reprogramar o montante
não executado nesse ano face
a vicissitudes que se refletiram
na normal tramitação
dos procedimentos”. A razão
para esta diferença significativa
de valores passa pela crise
associada ao COVID-19,
que levou ao adiamento
de diferentes concursos.
Já em 2025, os 117,6 milhões
inicialmente previstos
passam agora a 123,1 milhões
de euros. No que diz respeito
aos restantes anos, os montantes
permanecem inalterados,
mas prevê-se que os
37,3 milhões previstos para
2022 não sejam gastos na totalidade,
embora as contas
ainda não estejam fechadas.
Para além das mudanças
orçamentais, houve também
modificações, no que diz respeito
à estrutura das obras,
com a Linha BRT Boavista -
Império, que numa fase inicial
estava definida entre a Praça do
Império e a Praça Mouzinho
de Albuquerque, num percurso
de 3,8 km, a ser prolongada
até à Rotunda da Anémona,
num total de 8,15 km. Uma
alteração bastante significativa
que permite uma maior
cobertura da cidade. Aqui, o
valor manteve-se inalterado,
tendo já o Metro do Porto e a
Estrutura de Missão Recuperar
Portugal confirmado esta
decisão no âmbito do PRR.
A resolução publicada em
Conselho de Ministros prevê
ainda a autorização de um
gasto extra de 7,7 milhões de
euros, relativos aos encargos
de manutenção do BRT Boavista,
ao que ainda acresce a
montagem de uma central de
produção de hidrogénio e a
fonte de energia sustentável
que alimenta o seu funcionamento.
Foi também discutido
o processo de armazenamento
e abastecimento.
17
Economia
Conheça os novos projetos:
Linha Rosa (G)
As obras da Linha Rosa
começaram em 2021 e devem
prolongar-se até ao final de
2024. Segundo o presidente
do Metro do Porto, se tudo
correr como previsto, a linha
estará a funcionar no primeiro
trimestre de 2025. Com cerca
de 3 km de via, a nova linha
vai ligar o centro histórico
do Porto à Boavista e integrará
quatro novas estações:
São Bento/Praça da Liberdade,
Hospital de Santo António,
Galiza e Casa da Música.
A futura Estação São Bento
vai ser construída junto ao
Palácio das Cardosas, em formato
de “U”, compreendendo
Lóios, Cardosas e a Praça
da Liberdade. Já a estação da
Galiza, que vai fazer a ligação
Praça da Liberdade - Casa da
Música, vai-se situar na Rua
do Campo Alegre, passando
pelas escolas Gomes Teixeira
e Infante D. Henrique, pelas
faculdades de Letras, de Arquitetura
e de Ciências e ainda
pelo Centro Materno Infantil,
pelos Jardins do Palácio de
Cristal e pelo Pavilhão Rosa
Mota. O seu percurso termina
na futura estação Casa da
Música II que, de todas, é a
de maior dimensão, já que
além da Linha Rosa, também
vai servir a futura segunda linha
de Gaia, cuja construção
estará concluída em 2025.
Linha Amarela (D)
À construção da Linha
Rosa junta-se também o prolongamento
da Linha Amarela
que, no total, representa um
acréscimo de 6 km e sete estações
à rede de Metro do Porto.
A expansão da Linha Amarela,
em Vila Nova de Gaia,
vai ser percorrida em seis
minutos e contempla a construção
de três novas estações
que vão fazer a ligação entre
Santo Ovídio e Vila D’Este.
Linha Rubi (H)
A Linha Rubi é outro dos
projetos do Metro do Porto,
financiado pelo Plano de
Recuperação e Resiliência,
lançado pela União Europeia,
para impulsionar a recuperação
económica pós-
-pandemia de COVID-19.
Esta linha liga a estação de
Santo Ovídio (Vila Nova de
Gaia) à Casa da Música (Porto)
e contém oito novas estações:
Casa da Música, Campo
Alegre, Arrábida, Candal,
Rotunda, Devesas, Soares
dos Reis e Santo Ovídio. Faz
também ligação à rede ferroviária
atual nas Devesas, em
Gaia, e à projetada linha de
alta velocidade Lisboa - Porto
- Vigo, em Santo Ovídio.
Ainda em termos de obras,
a Linha Rubi contempla
dois túneis e uma nova ponte
sobre o Rio Douro, entre
a zona do Campo Alegre e
a Arrábida. A conceção da
nova ponte foi atribuída ao
laboratório Edgar Cardoso,
vencedor do concurso para
esta infraestrutura, que vai
servir para o metro da região.
Contrariamente às restantes
linhas, a Linha Rubi vai
começar a ser construída apenas
em 2023, com o final da
obra previsto para 2025. Além
dos 6,3 km que acrescenta à
rede, a nova linha oferece ainda
vários benefícios sociais,
económicos e ambientais.
Fotografia: Diário de Notícias
Infografia: Rita Silva
Linha BRT (Bus Rapid
Transport)
O Bus Rapid Transport é
um transporte público de alta
qualidade que se destaca pelo
desempenho ambiental neutro
(os veículos vão ser movidos
a hidrogénio) e pela facilidade
de integração no meio urbano.
Geralmente, funciona enquanto
elemento complementar
e de interface com o metro.
Este projeto é uma das
grandes novidades da nova
fase de expansão do Metro do
Porto e, embora inicialmente
tenha sido pensado para ligar
a Praça do Império à Praça
Mouzinho de Albuquerque
(Rotunda da Boavista), numa
extensão aproximada de 3,8
km, agora o trajeto foi prolongado
até à Rotunda da
Anémona, resultando em 8,15
km de comprimento total.
Assim como as restantes
linhas, também a Linha
BRT está a ser financiada
pelo Plano de Recuperação
e Resiliência, e o seu investimento
representa um total
de 66 milhões de euros, sem
IVA. O prazo de execução
do BRT do Porto é de 20 meses
e, até 31 de dezembro de
2023, estará em operação.
Fotografia: Metro do Porto
18
Economia
CRIPTOMOEDAS PARA INICIANTES
Criptomoeda é um tipo de dinheiro, à semelhança de todas as que usamos no
nosso dia a dia, mas é totalmente digital. Não é imitida por nenhum governo no
mundo e não precisa de verificação de nenhum banco para confirmar as
transações executadas. O nome cripto deve-se ao facto de usar como recurso
criptografia para confirmar as transações.
Como
funciona?
As criptomoedas são executadas no Blockchain, um livro público
que é distribuído e possui o registo de todas as transações
atualizadas e mentidas pelos detentores das diferentes moedas.
As unidades de criptomoedas são criadas através de um processo
chamado mineração. Os utilizadores também podem comprar
moedas com as corretoras, armazená-las e gastá-las usando
carteiras criptográficas.
TOP 5 CRIPTOMOEDAS NO MERCADO (SEGUNDO A CAPITALIZAÇÃO DE MERCADO
DO DIA 20/09/2022):
1. Bitcoin (BTC): Fundada em 2009, foi a primeira criptomoeda a surgir no mercado e
atualmente continua a ser a mais negociada.
Capitalização de mercado: R$ 1,990 trilhão
Cotação: R$ 103 mil
2. Ethereum (ETH): Desenvolvida em 2015, é a criptomoeda mais popular depois do Bitcoin. É
uma plataforma Blokchain com a sua própria criptomoeda.
Capitalização de mercado: R$ 875 bilhões
Cotação: R$ 7,1 mil
3. Tether (USDT): É uma stablecoin (criptomoeda com lastro em uma moeda física) criada em
2014 com uma proposta de paridade com o dólar americano.
Capitalização de mercado: R$ 366 bilhões
Cotação: R$ 5,39
4. USD Coin (USDC): Foi lançada em 2018 e à semelhança da Tether é um stablecoin pareada
com o dólar dos Estados Unidos.
Capitalização de mercado: R$ 262 bilhões
Cotação: R$ 5,39
5. Binance Coin (BNB): Criptomoeda emitida pela Binance Exchange and Trades. Foi
inicialmente baseado na rede Ethereum, mas agora é a moeda do próprio blokchain da Binance.
Foi lançada em 2017.
Capitalização de mercado: R$ 244 bilhões
Cotação: R$ 1,5 mil
19
Economia
A crise das criptomoedas e a queda dos gigantes
Por: Maria Andrade
Fotografia: InvestNews
O mercado das criptomoedas atravessa uma grande queda após a crise iniciada nas duas maiores empresas
deste setor: a corretora FTX e a empresa de investimentos Alameda Research. De acordo com vários
especialistas, os ativos digitais devem continuar em queda, sem data prevista de recuperação.
O
dia 9 de Dezembro
de 2022, ficou
assinalado
como o dia em que o mercado
das criptomoedas entrou
em crise. Para os seus investidores
e para quem possui
este tipo de moedas digitais,
o cenário não é o melhor.
A bitcoin, moeda digital
mais conhecida e negociada,
apresentou o preço mais baixo
do ano quando atingiu os
US$ 16.992. O seu valor de
mercado já caiu cerca de 65%
em 2022, ficando o fenómeno
conhecido como o “inverno
cripto” entre os investidores
e entusiastas. Isto deve-se ao
facto de ter atingido um nível
tão baixo, algo que não
era visto há muitos anos.
A segunda maior criptomoeda
do mundo, o ether, da
rede Ethereum, apresenta uma
situação ainda mais difícil.
Em apenas quinze dia, a moeda
atingiu uma baixa acumulada
de 23,4%, estando assim
cotada por apenas US$ 1.
234. As outras criptomoedas
existentes, também operam a
vermelho apesar de não terem
tido uma queda tanto grande.
O pior desempenho já alguma
vez assistido continua
a ser o dos tokens e FTT. Os
tokens estão ligados diretamente
a empresas colapsadas
como a SOL que teve
uma queda de 32%. A FTT,
apresentou no mês de Dezembro
uma queda de 81%.
Balanço do futuro
das criptomoedas
não é animador
Com a crise nas duas grandes
empresas deste setor, o
mercado encontra-se com
grandes dificuldades. Após
o colapso da FTX, tornou-se
evidente que as criptomoedas
devem ser reguladas. Mais de
um milhão de clientes saiu
prejudicado e o fundador da
corretora, Sam Bankman-
Fried, apesar de não ter sido
preso, foi levado para os Estados
Unidos da América,
onde respondeu a acusações
de fraude, financiamentos ilegais
e lavagem de dinheiro.
Com este colapso e a iminente
necessidade de liquidar
posições de forma a gerar
fluxo de caixa e elevar
as obrigações financeiras, o
volume de criptomoedas colocadas
à venda promove a
queda dos preços e aumenta
o movimento dos investidores
que cada vez mais se
desfazem das suas posições.
Para além dos problemas
a nível operacional, da queda
dos tokens e das questões com
os clientes da FTX, o fator mais
relevante é a exposição destas
empresas aos ativos digitais.
Apesar dos especialistas
estarem confiantes que o futuro
será mais otimista para
os investidores deste tipo de
moedas, o cenário ainda é de
alguma incerteza. A provável
aquisição da FTX pela Binance
pode ser o caminho mais
indicado. No entanto, a compra
não vai resolver os problemas
que este mercado enfrenta,
inclusive pode trazer mais
riscos que passam essencialmente
pela regulação e concentração.
Caso esta operação
falhe, o mercado vai passar a
depender de novos factos relacionados
com o resgate da
FTX e da Alameda Research,
para que os investidores
possam receber boas notícias.
Em Portugal, dados do
BCE afirmam que 5% da população
tem na sua posse criptoativos.
O valor encontra-se
acima da média europeia que
regista um valor de 4%. As
conclusões deste estudo são
sobre o tipo de pagamento dos
consumidores da Zona Euro,
no qual Portugal, Itália, Eslovénia,
Grécia, Bélgica. Aústria,
Chipre e Espanha aparecem
em destaque com maior
proporção de uso de criptomoedas,
tanto para investimentos
como para pagamentos.
Com a queda das duas gigantes
empresas deste setor,
a FTX e Alameda Research,
a situação no mundo das
criptomoedas não é a melhor.
Os seus investidores estão
preocupados com a perda da
sua riqueza e os especialistas
apontam para um cenário
complicado e de crise.
20
Sociedade
Um olhar sobre a guerra
Por: Maria Andrade
Imagem
Fotografia: Daniel Rodrigues
As centenas de jornalistas que acompanham a guerra na Ucrânia tem um papel fundamental na
sua divulgação. São considerados os olhos da guerra. Rui Caria, em entrevista ao Sentinela, conta
como foram os 40 dias que esteve na Ucrânia e realça a importância da boa prática jornalística.
A
Rússia invadiu a
Ucrânia a 24 de
fevereiro e, desde
então, as várias reportagens
que passam nos canais
de informação transmitem
diferentes visões sobre a
guerra. No entanto, quanto à
cobertura dos motivos existe
uma quase unanimidade.
Rui Caria começou a sua
carreira na área da imagem
em 1990. Em 1993 tornou-
-se correspondente da TVI,
onde permaneceu como editor
e repórter de câmara até
2003. É repórter e editor de
imagem correspondente nos
Açores para a SIC Notícias
desde 2006 e colabora como
fotojornalista em vários jornais
nacionais e internacionais.
Esteve na Ucrânia durante
40 dias como enviado
especial da SIC passando pelas
zonas de maior conflito.
Caria explica que aquilo
que mais o marcou foi “precisamente
a destruição” e
constatar que “a humanidade
está nisto que vemos”. Dadas
as circunstâncias, é natural
o aparecimento de vários
pensamentos e questões, mas
afirma que o sentimento geral
“foi de estarmos a perder o
mundo”. A imparcialidade,
característica do jornalismo,
“fica um bocadinho por terra
ali”, no sentido em que não
é possível ficar completamente
indiferente à destruição e
morte de pessoas inocentes.
“
Lidar com a
morte não é uma
novidade nesta profissão,
mas lidar
com a morte provocada
pelo livre-arbítrio
de alguém,
pela escolha de
alguém, confunde-
-nos um pouco mais
no terreno.”
Apesar de existir uma
“competição feroz” no campo
jornalístico, quando estão
no terreno “isso dilui-se um
bocadinho”. Rui, conta ao
Sentinela, que existiu troca
de contactos e ideias de trabalho
entre as televisões que
se encontravam lá presentes.
“O que eu acho que não
podemos fazer é olhar para
estas notícias da guerra e ficar
por aquilo que vemos.”,
aconselha Caria. É essencial
procurar mais sobre determinada
história para comprovar
se é verdade, porque
“há muita manipulação, há
muita propaganda tanto da
parte da Ucrânia como da
parte da Rússia, eles são especialistas
nisso e tem que
se ter imenso cuidado.”.
Chegar ao local nem sempre
era fácil e a segurança
“é uma fantasia” quando se
trata de andar num sítio de
guerra. Nas palavras de Rui
Caria, é estar na “zona de não
conforto, a guerra é o reino
do caos”. Estar lá é sempre
muito incerto, tudo pode
mudar a qualquer momento.
A guerra “está a acontecer e
é aqui a 3400 km do continente
português, o que faz
com que esteja às portas da
Europa”, alerta o fotojornalista.
Ninguém está livre
e o conforto que temos hoje
pode desaparecer. Na Ucrânia,
nesta altura de conflito, as
comunicações são “mais ou
menos rudimentares” e não
22
Sociedade
“
O jornalismo
de guerra,
ensinou-me, entre
outras coisas, que
eu só posso falar
daquilo que eu
vejo, do que está à
minha frente. É a
única coisa que eu
posso falar e saber
que não estou a enganar
ninguém.”
aceitam o pagamento com
cartões, sendo necessário “levar
imenso dinheiro para lá”.
O papel do jornalismo em
conflitos está muito para além
de simplesmente relatar a
guerra. Os jornalistas têm a
função de ajudar as pessoas a
compreenderem aquilo que se
passa, informar até à exaustão,
acusar abusos e violações
de direitos internacionais.
Rui Caria afirma que aprendeu
muito sobre o jornalismo
enquanto estava no terreno.
As tecnologias e redes sociais
vieram mudar o mundo
e o jornalismo de guerra
também foi afetado. Hoje em
dia, as reportagens e diretos
de guerra fazem-se com um
simples smartphone e isso
permite captar os momentos
de forma natural e espontânea.
“Eu fiz a guerra com
um telemóvel, não levei uma
câmara para a guerra, levei
um iPhone”, sustenta Caria.
Na opinião de Rui, “as
redes sociais são os assassinos
da democracia”, na
medida em que fazem com
que as pessoas apenas reajam
sem terem pensamento
crítico. Acredita que “o jornalismo
está a matar-se a
ele próprio”. São vários os
órgãos de comunicação social
que promovem o jornalismo
do cidadão, fazendo com que
“de repente as notícias são
MTV, são coisas como no
Youtube, são coisas abanadas,
é preciso é mostrar.”.
Em momentos de guerra,
o jornalismo é particularmente
necessário. Desde que se
iniciou a guerra na Ucrânia,
a 24 de Fevereiro, foram vários
os jornalistas portugueses
que pudemos acompanhar
através das transmissões dos
vários canais televisivos. Todos
aqueles que estiveram no
terreno do conflito, têm como
objetivo informar mais e melhor.
Fazer uma reportagem de
guerra é e será sempre difícil.
Fotografias: Rui Caria
23
Sociedade
Imagem
Fotografia: Bruna Jardim
“Ser agricultor é empobrecer alegremente”
Por: Bruna Jardim
2022 foi um ano muito difícil para a agricultura. Para além dos problemas já antes
mencionados, como a falta de apoios e a não valorização do produtor, acrescentou-se
a seca e a falta de mão de obra. Em Ala, os problemas não são diferentes.
Ala é uma aldeia em
Macedo de Cavaleiros,
pertencente
ao distrito de Bragança. Lá, o
dia começa bem cedo. Ligam-
-se os motores e abrem-se os
estábulos. Às seis da manhã,
toda a aldeia está acordada,
mas em outros tempos, este
despertar tinha mais alegria.
Já há algum tempo que a agricultura
em Portugal está em
declínio. O preço do combustível
agrícola aumentou,
mas o valor que pagam ao
produtor continua o mesmo.
Devido à seca, os produtos
que antes colhiam da terra
estão secos e, os animais que
comiam em fartura, tiveram
de controlar a dieta. Os agricultores
estão desmotivados.
Óscar Alves, de 47 anos, é
agricultor desde que se lembra.
No entanto, nunca sentiu
tantas dificuldades na profissão.
Há diversos entraves
como a “comercialização”,
o “corte nos subsídios” e a
“não valorização do produto”.
Conta que têm “de
vender ao preço que eles
querem e depois comprar
ao preço que eles querem
também. Estamos naquela
fase que não temos escolha”.
Para além dos problemas enraizados
neste setor, Óscar refere
que, este ano, se acrescentou
uma dificuldade: a seca.
“Este ano foi mau
para tudo, mas mais
para a parte da pecuária
porque não houve alimento
para os animais, em
aspeto nenhum, nem para
podermos fazer reservas,
nem para eles poderem pastar.
Agora, no final do ano,
veio compor um bocadinho,
em relação aos pastos. Mas,
mesmo assim, não estamos
bem”, confessou Óscar Alves.
No entanto, Óscar não é
o único agricultor da casa.
Diana Alves tem 21 anos e
partilha com o pai o gosto
pela terra. Apesar de não ser
agricultora de profissão, Diana
sente que ainda há muito
por fazer pela agricultura.
“Primeiro, acho que é
necessário um reconhecimento
do agricultor e
do trabalho que este faz
e, com isso, a valorização
do produto para o
agricultor.”, realça a jovem.
Refere ainda que o produto
é vendido “para um intermediário
a cinquenta cêntimos,
por exemplo a cereja,
Fotografia: Bruna Jardim
e vê-se nos supermercados
a dois, três, quatro euros.
Com a castanha acontece
precisamente o mesmo”.
Ainda assim, a falta de reconhecimento
não é o único entrave
apontado pelos agricultores.
24
Sociedade
João Salsas é também agricultor
em Ala. Há 50 anos dedicado
ao campo, João é a voz
da experiência e aponta várias
preocupações que tem, com a
sua profissão. Para este produtor,
“um agricultor perde
muito do seu tempo nas
burocracias”. Já trabalhou
um ano, na agricultura, no Luxemburgo
e diz não ter nada
a ver com o panorama nacional,
“o agricultor é para
estar na terra a produzir”.
Outra dificuldade que
aponta é o facto de os produtos
não serem valorizados.
“Nós temos produtos de excelência
a nível nacional,
mas, principalmente, aqui
na nossa zona”, refere João
Salsas. Admite ainda que “estamos
a vender o nosso produto
como um produto qualquer
e isso está muito mal”.
No que toca aos subsídios,
é uma queixa frequente e que
já leva alguns anos. De forma
a ajudar os agricultores, tanto
na escoação de produto como
nas burocracias, são criadas
cooperativas agrícolas. Luís
Rodrigues é agricultor de nascença,
mas há 20 anos abraçou
o cargo de presidente de
uma associação cooperativa.
Para ele, os atuais apoios aos
agricultores também não são
suficientes. “É uma miséria.
Se quiserem que os poucos
jovens ainda fiquem na agricultura,
os apoios têm de ser
muito maiores”, realça Luís.
Apesar de ser um atual
presidente de uma cooperativa,
a sua alma de agricultor
fala mais alto e Luís confessa
que “não queria ver este
Trás-os-Montes desertificado”.
Teme que “no dia
em que ninguém trabalhar,
isto arde. Digo muitas vezes:
isto qualquer dia arde”.
Luís Rodrigues reconhece
que a maior dificuldade que
a agricultura atravessa é a
“falta de gente”. “Há um
velho ditado que diz que ser
agricultor empobrecer alegremente”,
mas Luís afirma
que isso vai ter de se alterar.
“Quem ficar na agricultura
tem que ganhar dinheiro”.
Enquanto essa realidade
não se altera, há quem tenha
dois empregos. Elisabete Barreira
é agricultora e assistente
técnica na Junta de Freguesia
de Ala. O gosto pela vida no
campo não é superior à necessidade
de uma vida estável.
Para Elisabete, a agricultura
“ainda não é uma profissão
rentável como outra profissão
qualquer”. “Tens de ter
um complemento para ajudar.
Não é possível haver
sustentabilidade de uma família
só trabalhando na agricultura”,
reforça Elisabete.
Elisabete refere ainda que
a desvalorização do interior
é sentida por todo o país e
não é a única. João Rebhan
tem 18 anos e é um dos mais
jovens agricultores de Ala.
Apesar de ser um dos mais
novos, João concorda com
os mais experientes. “A agricultura
não é de todo valorizada
em Portugal e acho
que ainda há muito a construir”.
Apontou que ajuda do
governo era uma mais-valia.
Mesmo assim, os Alenses
ainda têm esperança. Consideram
Ala uma aldeia jovem,
em comparação com as vizinhas,
e que existem maneiras
de combater a discriminação.
Para João, o primeiro passo
é a educação. “As pessoas
estão habituadas a ver um
agricultor como uma pessoa
pobre e mal instruída, mas
isso não é verdade”. Um
país mais instruído no assunto
seria, para João, a salvação
da agricultura em Portugal.
Apesar de todas as dificuldades,
amanhã é um novo dia.
Os tratores vão voltar a trabalhar
e os animais a pastar. Há
sempre esperança que a crise
agrícola desapareça. E mesmo
com todos os entraves, há um
pensamento que não lhes sai
da cabeça: “Sair para nunca
mais voltar? Não. Não.”.
Fotografias: Bruna Jardim
“
No dia em que ninguém trabalhar, isto arde. Digo muitas
vezes: isto qualquer dia arde”
Luís Rodrigues, presidente de cooperativa agrícola
25
Sandra Felgueiras: “Eu sou uma mulher que
só sabe viver feliz”
Grande Entrevista
A cara do jornalismo de investigação em Portugal:
é assim que é descrita Sandra Felgueiras.
À conversa com o jornal Sentinela, a
jornalista conta como é que o gosto pelo jornalismo
surgiu na sua vida e os principais desafios
da carreira, bem como os momentos
mais marcantes do seu crescimento pessoal.
Fotografia: Maria Andrade
Grande Entrevista
O
sonho de menina
concretizou-se e
hoje, Sandra Felgueiras
é uma das referências
mais conhecidas do jornalismo
português. Curiosa por
natureza, nunca escondeu a
paixão que tem por contar histórias.
Quando via televisão
com o Tio ‘Toneca’ perguntava-lhe
como é que estavam
pessoas do outro lado do ecrã.
Com apenas 12 anos,
começou a apalpar terreno
num programa de rádio
para crianças, e aos 45 anos
já passou pelos grandes canais
da televisão nacional.
Ao longo do seu percurso,
ganhou vários prémios. Venceu
o prémio Novos Valores
do Expresso e recebeu, em
2017, o galardão Jornalismo
Nacional, atribuído pela
Antena Livre e Jornal de
Abrantes. Entre 2019 e 2021,
foi distinguida com o Prémio
Mulheres Mais Influentes de
Portugal, pelo trabalho que desenvolveu
enquanto jornalista.
Quando esteve na faculdade,
concretizou a sua primeira
experiência televisiva, em
Erasmus. Foi na Barcelona
Television, em 1998, que
começou a alimentar o bichinho.
Um ano mais tarde, estagiou
na SIC e, nesse mesmo
ano, esteve no Expresso. No
ano de 2000, junta-se à equipa
da RTP, onde apresentava
o noticiário da noite. A partir
de 2012, tornou-se coordenadora
e apresentadora do
“Sexta às 9”, um programa
de investigação na RTP1.
Depois de um longo percurso,
de 22 anos, no canal,
Sandra foi à procura de novos
desafios. Rumou à CMTV, integrando
os quadros da Cofina
e onde também assumiu a direção
da revista Sábado. Menos
de um ano depois, foi para
a TVI, cargo que ocupa até
hoje e admite estar muito feliz.
Fotografia: Nuno Santos / Instagram
Fotografia: Expresso de Felgueiras
28
Grande Entrevista
Partindo numa ordem
cronológica, ser jornalista…
é um sonho de criança?
Lembra-se do seu primeiro
contacto com a televisão?
É. Sem dúvida nenhuma, é
um sonho de criança. É algo
que eu sempre sonhei fazer.
Já dizia o meu tio Toneca, que
eu falo sempre dele, que era
o meu tio-avô, que eu ficava
pregada à televisão a perguntar
como é que é possível aparecerem
do outro lado, porque
me fazia muita confusão não
compreender como é que de
repente as pessoas apareciam
do lado de lá da televisão, e
eu gostava muito de escrever.
Portanto, o sonho de fazer
televisão existia, mas existia
sobretudo o sonho de contar
histórias, fossem elas na imprensa,
na rádio, na televisão.
Portanto, ainda miúda, para aí
com os meus doze anos, comecei
a fazer um programa de
rádio para crianças. Depois,
por volta dos dezasseis, fiz
um programa que era a Ferro
e Fogo, que era sobre música,
porque eu era viciada em
música rock. Depois, mais tarde,
quando vim para a faculdade,
fui para o Erasmus em
Barcelona. Comecei a minha
primeira experiência televisiva
na Barcelona Television,
onde fazia um programa chamado
Programa Informational
das Lenguas, que é uma
rubrica em Catalão, mas que
tem várias línguas de várias
comunidades representativas
estrangeiras: italianos, portugueses,
havia várias nacionalidades.
E depois vim para
Lisboa, voltei para Lisboa, e
cá fiquei, e adoro ser jornalista.
Acho que é uma paixão que
eu vou continuar a ter sempre,
que é de ser uma curiosa inata.
Com um percurso na
televisão tão recheado, qual
foi a entrevista que mais a
marcou?
É uma pergunta difícil. Já
fiz muitas entrevistas que me
marcaram por diferentes motivos
e por diferentes razões,
e todas elas muito distintas.
Mas, eventualmente, se tivesse
que escolher uma, talvez
as várias entrevistas que fiz
ao casal McCann, porque foram
todas elas muito intensas,
muito difíceis. Ter que estar na
posição de perguntar aos pais
se, eventualmente, tinham
estado envolvidos na morte
da própria filha, quando toda
a versão que eles passavam
à comunicação social era de
que, naturalmente ela estava
viva, e eles eram apenas uns
pais desesperados à procura
dela. Foi muito constrangedor
e muito difícil do ponto de
vista humano. Às vezes pergunto-me
se hoje sendo mãe,
que na altura não o era, teria
tido o sangue frio para fazer
as perguntas que fiz. Por isso
mesmo, por essa dificuldade,
eu considero-me bastante
emocional de colocar perguntas,
porque é muito fácil nós
falarmos sobre aquilo que
fazemos, mas no dia-a-dia é
muito difícil, às vezes executá-lo,
porque tem que se pôr as
emoções de lado e as emoções
estão lá. E por muito que nos
ensinem na faculdade, que a
objetividade é um caminho
e que essa subjetividade se
põe de lado, no final de cada
dia somos todos humanos de
pele e osso e temos todos coração.
Portanto essa talvez
tenha sido a mais difícil, ou
essas, porque foram várias.
O jornalismo de investigação
remete para os
espectadores um profundo
conhecimento do jornalista
sobre as diferentes matérias
abordadas, fruto claro
de uma alargada pesquisa
e rede de contactos. Posto
isto, quais os principais
obstáculos do jornalismo
de investigação? Acha que
em Portugal dá-se o devido
mérito a esta vertente jornalística?
Se se dá o devido mérito é
uma boa pergunta, mas não é
para ser colocada a mim. Eu
tenho uma visão muito romântica
sobre o jornalismo de
investigação. Acho que ele é
demasiado necessário para ser
abandonado, mas é demasiado
custoso. Implica muitos sacrifícios
pessoais, para que muita
gente o queira fazer, e essa
é a maior dificuldade que eu
enfrento, porque compreendo
perfeitamente aqueles que
dentro das várias equipas que
eu já fui tendo, me vão dizendo
com o sofrimento “eu não
aguento mais”. E o não aguentar
mais significa não aguentar
mais as pressões, não aguentar
mais os telefonemas hostis, as
ameaças, a dificuldade em ter
a certeza absoluta dos factos
quando muitos deles não são
fáceis de trilhar, e depois ter
a consciência de que os jornalistas
de investigação não
são polícias. Não têm acesso
a escutas, não são pessoas
que perseguem ou que podem
perseguir eventuais suspeitos.
Temos uma limitação de recursos
que nos obriga a circunscrevermos
às fontes abertas,
que nos dão informação
que nós consideramos credível,
e nas quais também temos
de confiar. E depois cruzar a
prova documental com a prova
testemunhal, e a partir daí,
construir aquilo que se chama
o caso. Agora, o jornalismo
de investigação é uma área
que, ou é devidamente apoiada
pelo estado de forma consistente,
ou então será muito
difícil de continuar a ser feito,
porque eu comparo-me
muitas vezes com aquilo que
é feito noutros países. O The
Guardian diz abertamente que
o leitor tem que te comparticipar,
e tem mesmo uma forma
de comparticipação para que
se continue a fazer jornalismo
de investigação. São montados
vários consórcios, como
o Consórcio Internacional de
Jornalistas, que faz o Panama
Papers, entre outros vários
documentários que foram surgindo,
mas todos eles são financiados,
exatamente porque
é muito difícil. Não é fazer
uma peça normal de televisão,
a chamada peça de dois minutos,
e está pronta e vai para o
ar no dia. Implica muitas horas
de estudo, de análise, de
verificação, de versatilidade,
porque os temas são todos
distintos. Uns mais voltados
para o direito, outros mais
voltados para o ambiente, e o
jornalista não estuda isso, não
é? Ninguém estuda isso. Nós
estudamos a contar histórias,
não estudamos as diferentes
áreas da sociedade ao ponto
de sermos tão polivalentes.
Fotografia: Divulgação / RTP
29
Grande Entrevista
E por isso respondendo diretamente
à pergunta, eu acho
que o jornalismo de investigação
é muito necessário, mas não
é reconhecido como deveria.
O caso do desaparecimento
da Maddie McCann
é um dos acontecimentos
mais mediáticos da história
do jornalismo em Portugal.
Na época este tema era
uma constante em todos
os órgãos de comunicação.
Uma vez que acompanhou
sempre muito de perto todo
este processo, foi necessário
algum controlo emocional
acrescido durante a investigação?
E se alterou em
alguma coisa a visão que
tinha acerca da sua profissão?
O caso Madeleine McCann
é o início do meu processo
de querer rumar para o jornalismo
de investigação. Foi aí
que eu percebi aquilo que eu
realmente queria fazer, e estávamos
em 2007, era jornalismo
de investigação. Até aí
eu tinha passado por editorias
como Política, Sociedade, mas
não estava ainda plenamente
focada naquilo que viria a ser
o meu futuro, e que é o meu
presente. Já passaram quinze
anos. Era tanto trabalho, tanto
trabalho, tanto trabalho,
que não há tempo sequer para
pensar nas emoções. Há os
momentos de confronto com
o casal, e esses momentos são
duros, emocionalmente duros
“
Quase não há
tempo para sentir.
Há tempo para
pensar, há tempo
para agir”
Se mudou a minha visão do
jornalismo? Mudou no sentido
em que, pela primeira vez na
minha vida, eu me sentia enganada
por uma fonte que eu
tinha como credível. E a partir
daí eu comecei a ser muito
mais exigente comigo própria,
com as minhas fontes, com os
documentos que me dão a ver,
e deixei de fazer o que quer
que seja por confiança absoluta
e cega nas fontes, porque
esse é um dos maiores riscos
que o jornalista corre. É chegar
a um ponto em que está
tão seguro que a fonte é, como
dizem os ingleses, “reliable”,
credível, que deixam quase
de exigir a essa fonte, até por
um certo embaraço, porque se
confia bastante na fonte, de pedir
documentação que confirme
aquilo que ela está a dizer.
Isso acabou por me acontecer.
Já me abordaram e perguntaram:
estás arrependida? Não,
não estou arrependida, porque
eu não me posso arrepender
de algo que eu não sabia na
altura. Foi algo que eu só descobri
um ano depois, e quando
descobri um ano depois, não
tive a menor hesitação porque
o meu compromisso é com
o público. É para ele que eu
trabalho. Eu não trabalho para
fontes, trabalho para as pessoas
que nos ouvem e que nos
seguem, e não tive problema
nem pudor nenhum, nem teria
nunca de dizer aquilo que eu
disse no passado, ou seja, de
que havia provas consistentes
de que poderia haver sangue
de Madeleine McCann no
apartamento e no carro, não é
verdade. E a partir daí mudei.
Não é a minha visão de jornalismo,
a visão de jornalismo é
a mesma. Tornou-se mais exigente
o exercício da profissão.
O que se tornou diferente em
mim foi a minha apreciação
sobre o caso. Eu até aquele
momento, até ler todos os
documentos que estavam no
caso, que estavam em segredo
de justiça, e que de repente ao
ser arquivado é aberto, “open
files”, descobrem-se as verdades,
e a descoberta dessa
verdade para mim foi muito
angustiante. Foi a perceção
de que metade das coisas que
nós tínhamos tomado como
reais eram meras manobras de
distração de uma polícia judiciária
que estava em completo
devaneio, sem saber o que dizer
ao mundo, apenas porque
não sabia nada do que tinha
acontecido, e continuou sem
saber nada do que aconteceu.
Isso é que é constrangedor. É
termos que lidar com o facto
de agora ser uma polícia alemã,
que efetivamente vem
dizer que sabe o que é que
aconteceu, quando nós não
descobrimos o que aconteceu.
A Sandra escreveu um
post em 2020, ainda sobre o
caso dos McCann, que continha
a seguinte expressão:
«Li todos os ficheiros. Todos
os relatos. E durante todos
estes anos ouvi os maiores
disparates sobre o que vi
acontecer com os meus próprios
olhos. Vi, incrédula,
como é fácil proliferarem
mentiras apenas em ordem
de justificar a tese de um
inspetor afastado por ter
dito em público o que nunca
conseguiu provar na justiça.
Mas em público, só podemos
falar o que podemos
provar. E isto é válido para
todos». Posto isto, o que é
que lhe dá mais comichão
no jornalismo em Portugal?
Comichão é uma palavra
engraçada até, mas é algo que
me causa muita urticária, a
forma leviana com que se faz
jornalismo, muitas vezes. E
foi por isso que eu escrevi esse
post. Não é que eu tenha nenhuma
sobranceria e acho que
saiba mais do que qualquer
outro meu colega, mas porque
vejo muitos a fazerem aquilo
que eu acho que é a antítese
do que nós temos obrigação de
fazer, que é o de verificar, ter
a certeza absoluta dos factos,
e para isso é preciso fazer um
trabalho árduo, que eu também
reconheço que na altura
em que os ficheiros estavam
fechados e nós não tínhamos
outra qualquer forma de saber
a informação, só me limitei
a cruzar as informações dos
McCann com as informações
que obtinha via policial, sendo
que estava perfeitamente
consciente que as informações
via policial eram informações
que violavam elas próprias, o
segredo de justiça. Mas nós
somos pagos, e servimos o
público para darmos todos os
segredos. Eu, sempre que me
falam em segredo de justiça,
para mim o segredo de justiça
é algo que não tem de existir.
Desde que eu descubro algo
que é relevante, o que a mim
me interessa é se a informação
é verdadeira, se tem interesse
público, e se for verdadeira e
tiver interesse público, eu vou
publicá-la. No caso McCann o
que aconteceu é que a informação,
à data dos factos em que
foi reportada por mim e por
tantos outros, era verdadeira
e tinha muito interesse público.
Passado um ano, quando
os ficheiros são libertados e
de acesso público, afinal não
eram aquilo que nos tinham
dito. E por isso eu ter escrito
o que escrevi, que corroboro
e voltaria a escrever de novo.
Esteve na RTP durante 22
anos, o que é que a fez mudar
para a CMTV e, menos
de um ano depois, para a
TVI?
Eu sou uma mulher que
só sabe viver feliz. E entendo
que a vida é uma passagem
demasiado curta para que
nós teimamos em fazer aquilo
que não nos deixa felizes.
E portanto entendi, 22 anos
depois, que a RTP já não me
fazia feliz, ainda que tenha
deixado lá os meus melhores
amigos, e foi um processo
muito duro, o mais duro que
eu já passei. A minha despedida
da RTP é algo que eu falo
aqui brevemente porque senão
começo a chorar. A RTP
foi a minha casa, a minha família
durante muitos largos
anos. Foi lá que eu passei
muitos Natais, muitas Passagens
de Ano, muitas Páscoas
e, quando algum de vocês tiver
oportunidade de perceber
o que isso é, percebem rapidamente
que o jornalista que
é devoto à profissão como eu
sou, passa muito mais tempo
a trabalhar do que em casa.
Fotografia: Getty Images
30
Grande Entrevista
Fotografia: Revista Sábado
Portanto, a RTP era a minha
casa, e eu deixei a minha
casa. Deixei porque entendi
que essa casa já não me fazia
feliz. É quase como um
divórcio. A gente chega a um
momento em que por muito
que goste da pessoa que está
connosco, não consegue viver
com ela. Acreditei piamente
que o projeto para o qual
fui desafiada na Cofina, porque
eu fui convidada para ser
Directora-Geral Adjunta da
CMTV, diretora da Sábado e
do Correio da Manhã, era um
projeto que me permitiria de
certa forma, dar inputs de alteração
ao projeto que está em
marcha já há largos anos, com
o qual eu não me identifico,
mas que eu achei que poderia
ter com a função que me
foi atribuída, potencial para
mudar. Não aconteceu, portanto,
todas as ideias que eu
apresentei não vingaram, e eu
entendi que não poderia estar
num projeto que também me
fazia infeliz, porque não me
identifico com a linha editorial
vigente, e por isso mudei.
E hoje estou muito feliz.
O que é que diria à Sandra
Felgueiras de 21 anos
quando começou a fazer
jornalismo ?
Eu não sei se me dava algum
conselho para ser muito
honesta. Pode parecer alguma
presunção, mas eu acho que
todos nós temos que descobrir
o nosso caminho e os únicos
conselhos que podemos dar
são estes que eu acabei de
vos transmitir, que é o apego
à verdade e o apego ao interesse
público. O apego ao estudo
permanente, de forma a
que nós sejamos informados o
suficiente para que possamos
reportar com qualidade aquilo
que interessa às pessoas, e
não aquilo que apenas dá audiência.
Não é por isso que
eu me movo. De resto, todo
o processo é um processo de
descoberta individual. Há
muitos bons jornalistas a fazerem
coisas muito distintas.
“
O grande conselho
que eu dou a
qualquer jornalista
em início de profissão
é que se descubra
a si mesmo”
Este processo de descoberta
é fundamental para que
a pessoa, desde que tenha os
valores no sítio e que saiba
exatamente o que é que quer
da vida, possa vingar. O jornalismo
não é uma arte difícil.
O fazer perguntas, operar
uma câmara ou tirar fotografias
ou saber contar bem uma
história é algo que se aprende
com relativa facilidade. O
difícil é nós mantermo-nos
firmes. Firmes no sentido em
que não somos conspurcados
por fontes que nos utilizam
como armas de arremesso,
quando não conseguem fazer
provas do contrário na justiça.
Mantermo-nos firmes é, por
exemplo, saber mandar ao ar
uma história na qual já se investiram
muitos dias ou muitas
semanas, porque se chega
à conclusão de que não é verdade.
E esta firmeza de caráter
é fundamental para quem
quer ser um bom jornalista.
Se não fosse jornalista, o
que é que seria?
Quando me candidatei à
faculdade, a última opção
era dança na Universidade
de Motricidade Humana
aqui em Lisboa. Eu sempre
adorei dança e gostava de
ter sido bailarina. Mas nunca
tive oportunidade, quando era
criança, de fazer se quer ballet
porque não havia na altura,
em Felgueiras. Portanto, é
daquelas coisas que, sempre
que vejo bailados, tenho até
muitos amigos bailarinos e digo-lhes
com uma pontinha de
inveja “gostava de ser como
tu”, mas não tenho esse talento.
Talvez um dia quando tenha
mais tempo, algo que não
tive até hoje, aproveite para
aprender a dançar, porque é
algo que me faz muito feliz.
Existe alguém com quem já
trabalhou e não voltaria a
trabalhar?
Com quem já trabalhei
e não voltaria a trabalhar...
acho que não. Não me lembro
assim de ninguém. Existe
alguém com quem já trabalhei
e sonharia muito em
voltar a trabalhar, que é o
Luís Miguel Loureiro, que
abandonou a profissão para
ser professor universitário
de Ciências da Comunicação
na Universidade do Minho.
“
Eu não sou pessoa
de ódios”
Sou uma pessoa que consegue
trabalhar com relativa facilidade
com toda a gente e é
difícil vir-me à cabeça assim
alguém que, simplesmente,
eu fosse incapaz de trabalhar.
Quem é para si uma referência,
fora do jornalismo,
em termos nacionais? E
internacionais?
Referências... tenho muitas.
Podem não estar vivos?
(risos). Eu acho que tenho e
sempre tive uma grande referência
internacional que é
o Nelson Mandela. O Nelson
Mandela para mim significa
quase a perfeição humana.
Eu acho que se algo que nós
fazemos no mundo é deixar o
exemplo daquilo que inspira
os outros, do que leva os outros
a fazerem mais e melhor.
A nível nacional, eu tenho
uma referência que não será
muito óbvia para toda a gente,
e essa está viva. Talvez porque
o conheço pessoalmente,
sempre significou para mim
o exemplo da retidão, da lisura,
do sentido de estado, de
tudo aquilo que eu acho que
hoje falta em Portugal, que é
o Ramalho Eanes. É, sem dúvida
nenhuma, a pessoa que
eu conheço que se tivesse de
identificar como o estadista,
era ele. Ele fez demasiado por
Portugal, e Portugal, até hoje,
nunca lhe reconheceu aquilo
que ele efetivamente é, e
quem o conhece pessoalmente
sabe que, apesar de tudo
aquilo que ele vale, ele não se
vangloria de nada. Ele raramente
diz “eu” e essas pessoas
tem um valor inestimável.
Pessoas que não necessitam
de dizer quem são, de falar de
si próprias, que simplesmente
se limitaram a fazer o que
deviam ter feito no momento
certo e, portanto, sim, sem
dúvida, o Ramalho Eanes.
Se escrevesse um livro sobre
a sua vida, qual seria o
título?
Ui! Primeiro, nunca pensei
escrever um livro sobre mim,
depois, quer dizer, é assim
uma pergunta... de responsabilidade.
Não sei, tenho dificuldade
em responder a essa
pergunta assim de chofre.
Apanhaste-me um bocadinho
desprevenida, porque, na verdade,
eu acho que nunca vou
escrever um livro sobre mim.
Tenho muitos interesses na
vida, escrever um livro sobre
mim não é algo que me passe
sequer pela cabeça. Portanto,
apesar de toda a gente achar
que as pessoas da televisão
vivem muito a cultura do ego,
eu não a vivo. Digo sempre
à minha filha que tenho uma
profissão igual a todas as outras
pessoas, com diferença
de que apareço na televisão.
De resto, não me considero
mais nem menos do que ninguém,
e, portanto, não está de
todo nos meus planos escrever
um livro autobiográfico.
Talvez um dia, quando tiver
80 anos, se lá chegar, se Deus
me permitir, mas, para te ser
muito honesta, não há assim
nenhum título que me viesse
à cabeça porque não há sequer,
em mim, a vontade de
escrever um livro sobre mim.
Fotografia: Maria Andrade
31
Grande Entrevista
Qual é a sua música preferida?
Olha, tenho muitas. Eu
gosto, de facto, muito de música.
Eu vou-te dizer aquela
que talvez eu tenha ouvido
mais vezes na vida inteira e
que ainda hoje significa muito
para mim e, por ironia do
destino, acabou por coincidir
o título com a pessoa que mais
amo, que é a “Daughter” dos
Pearl Jam. Eu adoro a música,
desde sempre. Os Pearl Jam,
tenho dificuldades em dizer
que são a minha banda preferida,
porque é, eu adoro o Eddie
Vedder. Mas também adoro
o Bono dos U2, como adoro
os Radiohead, como adoro
Muse. A minha cultura musical
está muito ligada aos anos
90, obviamente. Tenho muitas
músicas que me dizem muito.
Goo Goo Dolls é uma banda
que me diz muito por razões
óbvias da minha vida passada.
Adoro Iris. Se tiver de escolher
uma, escolho “Daughter”.
Arrepende-se de algo que
tenha, ou não, feito?
Arrependo-me de não ter
dado uma volta ao mundo
logo quando acabei a faculdade,
mas também não sei o que
é que teria sido o meu futuro
se não tivesse ganho o prémio
Novos Valores do Expresso
e começado logo na SIC e
depois ido para o Expresso.
Podia ter perdido aí o início
que me deu, de facto, bagagem
para chegar onde cheguei.
Até hoje uma das coisas
que mais me impressionou
foi ter percebido que os holandeses,
quando acabam a
faculdade, vão todos dar uma
volta ao mundo e esse é o início
da grande experiência de
vida que tem. Como sempre
que viajo aprendo, acho que
me faltou fazer essa volta ao
mundo. Arrependo-me de não
ter dado uma volta ao mundo.
Felgueiras de apelido e
Felgueiras de terra onde a
viu crescer. Como foi a sua
infância? Sente que essa
cidade a moldou de certa
forma?
Eu acho que a cidade não
molda as pessoas. As pessoas
com quem nós vivemos, moldam-nos.
Os felgueirenses
moldam-me ou moldaram-
-me. As pessoas com quem eu
cresci tiveram um papel crucial
na minha vida, mas não é
a cidade em si que me molda.
O ser Felgueiras de nome é
uma mera coincidência. Daquilo
que contava a minha
avó tinha haver com o facto
de um bisavô dela ter emigrado
para o Brasil e era o Zé de
Felgueiras e o nome ficou na
família. Eles eram os Cunha,
ficaram os Cunha Felgueiras,
e o nome foi-se perpetuando
na família e depois, como
rapidamente a minha mãe foi
para a política, tinha eu 10
anos, eu era a filha da Fátima
Felgueiras. Eu acho que todo
o período em que vivi em Felgueiras
só fui Sandra para os
meus amigos, de resto toda a
gente me tratava por filha da
presidente ou por filha da Fátima
Felgueiras. Tive alguma
dificuldade de afirmação de
mim própria. Não é que isso
me tenha causado nenhum
problema, nunca precisei de
terapia por causa disso (risos),
mas se me perguntares porque
é que escolhi Lisboa e não
Braga ou Porto para estudar,
a resposta é óbvia. Eu queria
ser eu e precisava de ser eu.
Precisava de ser eu, não era
para que me reconhecessem
apenas, era porque eu precisava
de provar a mim própria
que tinha valor por mim, e de
que as coisas não gravitavam
à minha volta pelas apreciações
que faziam sobre mim
e que não tinha haver comigo,
mas que indiretamente tinha
haver com a minha mãe.
“
O que mais me
moldou, sem
dúvida, foi ter vivido
essa adolescência
muito marcada
pela figura central
que a minha mãe
era”
Confessou no programa do
Goucha a importância que
tem o mar na sua vida como
forma de a tranquilizar.
Para além deste, tem outros
refúgios?
Não, particularmente.
Eu sempre que preciso de
pensar vou para perto do
mar. Sempre. E se não vou
para perto do mar vou para
dentro da piscina e nado.
Referiu também nessa
entrevista que está “no auge
da sua maturidade, no auge
da sua maternidade”. De
que forma cresceu enquanto
mãe nestes últimos 9
anos?
Muito, a maternidade
mudou por completo as minhas
prioridades. Eu era uma
workaholic, a 130%, só via
trabalho e, hoje em dia, continuo
a ser muito focada no
trabalho, mas a Sara é a minha
prioridade. E, portanto,
quando digo o auge da maternidade
é o sentimento de responsabilidade
que eu tenho e
que é algo que está para lá de
qualquer outra coisa. Ter dificuldade
inclusive de viajar e
ter de a deixar é um exercício
muito penoso. Agora, quando
fui para a guerra na Ucrânia
custou-me bastante. Custou-
-me bastante e vim me embora
no dia em que ela me perguntou
“se tu morreres com quem
é que eu fico?”. Há perguntas
para as quais nós deixamos
de estar preparados quando
somos mães ou pais. Portanto,
a maternidade mudou-me.
Mudou-me a forma de olhar
para aquilo que é ou são as
prioridades da minha vida.
Consegue imaginar um
mundo atual sem a sua filha
Sara?
Não. De maneira nenhuma.
A sua mãe Fátima Felgueiras
foi absolvida num
processo judicial que demorou
cerca de 10 anos.
Quão difícil foi essa fase da
sua vida? Sente mágoa pela
forma como tudo foi desenvolvido
em termos judiciais
e mediáticos?
Sinto muita mágoa. Sinto
muita vergonha pelos jornalistas
que, na altura, não
souberam comportar-se à altura
dos acontecimentos, sobretudo,
porque eu estava lá
e porque me recordo como
se fosse hoje de que ela nunca
recebeu um telefonema de
nenhum jornalista que sobre
ela escreveu a perguntar-lhe
o que quer que seja. O que é
algo, não só condenável do
ponto de vista deontológico,
mas moral, legal… Nada daquilo
podia ter acontecido.
Sinto mágoa porque a minha
mãe, no final deste processo,
ficou tão cansada, tão frustrada,
que nem sequer reclamou
aquilo a que tinha direito.
Receber o carro que lhe tiraram
indevidamente porque foi
apreendido. Reclamar e processar
os jornalistas que sobre
ela escreveram erradamente.
Essa catarse emocional de
dizer “Game over” e, simplesmente,
dedicar-se a outra coisa
que, neste caso, é a minha
filha, a neta dela. Está cá em
Lisboa, vive aqui perto e vive
feliz, mas eu tenho mágoa porque
a minha mãe, e eu digo isto
com todo o à vontade, é não só
a melhor pessoa que conheço
na vida ao nível da integridade
moral e da honestidade
intelectual, mas a
pessoa que, a seguir ao Ramalho
Eanes, eu mais vejo
como exemplo de estadista.
“
E a minha mãe
simplesmente
tem o dom de perdoar
que eu não tenho.
Eu não seria capaz
de fazer o que ela
fez”
Fotografia: Revista Flash
32
Grande Entrevista
Fotografia: Maria Andrade
E roubaram-lhe isso. E ninguém
tem o direito de roubar
nada a ninguém apenas por
pura inveja. E é isso que me
incomoda muito em Portugal,
é que a maioria dos casos são
construídos por pura inveja.
“
Se me perguntarem
qual é o
maior defeito do
povo português é a
inveja”
Em 2019, 2020 e 2021 foi
distinguida como uma das
25 mulheres mais influentes
em Portugal. É então
alguém bastante conhecido
para a generalidade do público.
O que é que as pessoas
não conhecem sobre si?
Tem alguma característica
que tenta não mostrar ou
que gostava de passar mas
que não é fácil no meio da
esfera pública?
Essa é mais de ser respondida
por vocês que estão a
falar comigo. Eu quando falo
com algumas pessoas que não
me conhecem, tendem a dizer
que ficam surpreendidas com
a minha ligeireza nas palavras
e com o à vontade que
acabo por criar. Isso quererá
dizer, eventualmente, que têm
de mim uma imagem, quem
não me conhece, mais austera,
mais séria, mais formal do
que eu efetivamente sou. Eu
sou uma pessoa muito próxima,
procuro ser o mais afável
que consigo, considero-me
simpática e bom coração, e
talvez isso não seja percecionado
porque o jornalismo nos
obriga a adotar uma posição
bastante mais resguardada, no
que ao emocional diz respeito.
Mas quem melhor do que vocês
hoje para testemunharem
aquilo que eu passo ou não passo…
não sei bem, talvez isso.
Ainda há algum sonho por
concretizar?
O dar a volta ao mundo (risos)...
nunca vou desistir dele.
Eu adorava dar uma volta ao
mundo. Tenho apenas uma
amiga, que estudou comigo
na faculdade, que andou dois
anos a viajar com os filhos
pelo mundo inteiro e eu acho
que, um dia, ainda vou conseguir
concretizar esse sonho.
Consegue definir Sandra
Felgueiras em 3 palavras?
Ui, vocês são muito exigentes
(risos). Em três palavras…
em três palavras. A minha filha
vai dizer “estás sempre a falar
de ti” e eu “pois, fazem-me
perguntas sobre mim e eu tenho
de responder sobre mim”.
(E a filha responde) “Ah, mas
assim pareces muito egocêntrica”.
Como é que eu hei de
contornar esta pergunta sem
parecer egocêntrica, quando
vocês me perguntam como é
que eu me considero. Bem,
como é que eu me considero…
“
Eu considero-
-me boa mãe,
boa jornalista e
bom coração”
33
Inovação
Estádio 974: um abraço entre o Desporto e a
Sustentabilidade
Por: Pedro Pimparel Serafim
Fotografia: Observador
Estádio 974. É este o nome do primeiro estádio desmontável do futebol mundial. Os dígitos
que apelidam esta infraestrutura não foram escolhidos ao acaso. 974 é o indicativo
telefónico do Qatar, mas também, o número de contentores ligados por aço modular reciclado,
que servem de base a esta construção. Esta ideia revolucionária foi desenvolvida pela
Fenwick Architects, sendo os próprios contentores fabricados pela China International Marine Containers.
Este modelo de implementação
permite
o desmantelamento
do complexo desportivo, e a
possibilidade da sua transferência
para outros eventos,
não apenas com intuitos futebolísticos.
Pode vir a ser alugado
e transportado para outra
parte do mundo, acabando por
ser usado para as mais diversas
finalidades. Até o próprio
processo de montagem pode
sofrer pequenas alterações
dependendo do seu propósito.
Para já, os planos para este
estádio inovador já estão traçados,
com o estádio a ser
enviado para Maldonado, no
Uruguai, caso a candidatura
sul-americana (composta também
por Argentina, Paraguai e
Chile) seja a escolhida como
anfitriã do Mundial 2030. De
salientar que Portugal, Espanha
e, mais recentemente a
Ucrânia, também apresentaram
uma candidatura conjunta
para a organização do evento.
Este projeto apela sobretudo
à sustentabilidade, uma vez
que permite uma significativa
poupança de água (a rondar os
40%) e, graças ao seu sistema
de ventilação natural, abdica
do uso de ar condicionado,
algo que não acontece nos outros
recintos do Campeonato
do Mundo, por causa das temperaturas
extremas vividas no
país. Tal fenômeno é possível,
através das lacunas da estrutura
e espaços entre os assentos,
com brisas vindas do mar. O
Estádio 974 recebeu assim
um certificado de 5 estrelas
do Sistema de Avaliação de
Sustentabilidade Global, e
promete dar o mote para uma
maior união entre o desporto
e as questões ambientais.
Localizado numa zona
costeira de Doha, a infraestrutura,
que custou mais de
300 milhões de euros, tem
uma capacidade para 44.089
espectadores, e recebeu até
ao momento seis jogos do
Mundial, um deles, a estreia
da seleção portuguesa na vitória
de 3-2 frente ao Gana.
O último jogo disputado no
Estádio 974, no Qatar, está
agendado para o dia 5 de dezembro,
numa partida que vai
envolver o Brasil e a Coreia
do Sul, destinada aos oitavos
de final da competição.
35
Inovação
Inovação
Fotografia: Maria Andrade
uma viagem ao futuro da hotelaria
Por: Maria Andrade e Pedro Pimparel Serafim
O Yotel Porto, localizado na Trindade, é o primeiro hotel da marca na Península Ibérica e distingue-se
pela forte vertente tecnológica. A principal atração do hotel são os seus dois robots
que interagem permanentemente com o cliente. O jornal Sentinela visitou o local e esteve
à conversa com Joana Vasconcelos, responsável pelo departamento de marketing do Yotel.
A
cadeia de hotéis
britânica Yotel
surgiu em 2007 e
estreou-se com a abertura de
cápsulas nos aeroportos. Os
quartos eram pensados para
quem precisasse de alojamentos
entre escalas ou apenas
estivesse de passagem. O objetivo,
através da componente
tecnológica, é proporcionar
autonomia aos hóspedes. A
marca cresceu e foi-se desenvolvendo
em diferentes cidades.
Atualmente, o Yotel está
localizado em vários países,
como o Dubai, Miami, Reino
Unido, Singapura e Estados
Unidos. “Como terceira geração
os quartos já são um
bocadinho maiores, mas o
36
conceito base continua cá,
ou seja, tudo muito prático”,
salienta Joana Vasconcelos.
“Mais do que
uma dormida,
poder oferecer uma
experiência”
Desde o hall de entrada
até aos quartos onde ficam
hospedados, os clientes têm
à sua disposição diferentes
ferramentas tecnológicas. O
que distingue o Yotel de todas
as outras cadeias são os
seus robots programados.
A Yolinda e o Yogiro têm
a missão de servir e entreter
os clientes, durante todo
o dia, proporcionando-lhes a
melhor estadia possível. Os
robots têm a capacidade de se
deslocarem até aos diferentes
locais do hotel, e a sua função
passa, sobretudo, pelo serviço
de quartos. Possuem várias
gavetas, onde levam todos
os pedidos, sejam eles comida
ou produtos de higiene. O
seu serviço começa quando o
hóspede liga para a receção e
faz um pedido. Os robots sobem
pelo elevador, e assim
que chegam à porta do hóspede,
telefonam para o quarto
para notificar a sua chegada.
Fotografias: Maria Andrade
Inovação
Uma Tour pelo hotel da inovação
Antes mesmo de chegarem
ao hotel, as pessoas têm a opção
de fazer o check-in através
da aplicação digital. No
entanto, podem sempre optar
por realizá-lo nos quiosques
disponíveis no hall de entrada
ou, à moda antiga, na receção.
Mal entramos, sentimos
logo a predominância da cor
branca e roxa em toda a decoração.
Os leds transmitem a
ideia de algo futurista e a decoração
é moderna e minimalista.
Ao lado da recepção existe
uma seção “Grab & Go”,
onde encontramos uma variedade
de snacks que podem
ser consumidos em qualquer
altura. Neste mesmo piso, temos
o restaurante “Komyuniti”,
acessível ao público
em geral, que se transforma
em diferentes zonas de refeição
consoante a altura do dia.
Também a esplanada chama
a atenção, por ser um espaço
acolhedor e aberto. Muitos estudantes
aproveitam o espaço
para estudar sem distrações.
Fotografias: Maria Andrade
37
Inovação
Inovação
Fotografias: Maria Andrade
Os hóspedes dispõe de um
ginásio aberto 24 horas por
dia. Este está equipado com
os melhores equipamentos,
de forma a garantir um treino
eficaz. Para assistir a um jogo
de futebol em grupo, nada
melhor do que a sala de estar.
É um local confortável e,
por ser dedicado ao descanso,
não possui tanta tecnologia.
Num local mais reservado do
hotel, encontramos duas salas
de reuniões, utilizadas principalmente
pelo staff, onde se
discutem estratégias para o
desenvolvimento do projeto.
O Yotel é constituído por 8
andares. No que diz respeito
aos 150 quartos presentes no
hotel, opções não faltam: desde
as suítes com varanda aos
quartos mais pequenos, que
incluem uma smartbed. Existem
quartos pensados para
pessoas com mobilidade reduzida.
Não é permitida a entrada
de animais, e não é aconselhado
a famílias com crianças.
Dentro dos quartos, as diferentes
áreas são, em geral,
pequenas. Contudo, o envolvimento
tecnológico traz mais
vida ao local. As leds que encontramos
em todo o espaço
são reguláveis, tanto a nível
de cor, como de intensidade,
permitindo ao hóspede personalizá-las
ao seu gosto. A
aplicação do Yotel não serve
apenas para o check-in,
as luzes e a própria televisão
podem ser controladas através
deste sistema. Ao longo
da divisão, observamos
múltiplos carregadores wireless
e USB, o que comprova,
mais uma vez, a atenção
dada aos dispositivos móveis.
No meio de tanta tecnologia,
é possível apreender que
pouco a pouco os cuidados
com o meio ambiente começam
a aparecer. Nos quartos,
produtos como gel de banho,
creme de corpo e sabonete
de mãos são disponibilizados
em dispersores recarregáveis.
Subindo até ao último andar,
chegamos ao rooftop,
com uma vista sobre a cidade
do Porto. Inicialmente desenhado
para ser um bar, viu
os seus planos alterados com
o aparecimento da pandemia.
Este espaço passou, assim, a
ser utilizado para várias atividades
e eventos, como aulas
de yoga e sessões de cocktails.
O Yotel chegou à Invicta
em Maio de 2021. De acordo
com Joana Vasconcelos, o
período de pandemia fez com
que o arranque fosse “mais
complicado”. No entanto, a
situação tem vindo a melhorar:
“temos tido ocupações
muito positivas, temos o hotel
quase sempre com grande
lotação, portanto estamos
muito contentes.” afirma a
responsável pelo Departamento
de Marketing do Yotel.
Aquando da abertura, o
público-alvo do hotel eram
os “city breakers”, ou seja,
“um público que vem à cidade
do Porto para estadias
de uma curta duração,
de fins de semana, e quer
então um hotel bem localizado
a um preço acessível,
mas com tudo aquilo que é
necessário para uma estadia
confortável.”. Atualmente,
não se cinge só a este grupo
de pessoas e diferentes faixas
etárias usufruem do espaço.
Situado no coração da cidade
do Porto, o Yotel traz à
Invicta os elementos essenciais
dos hotéis de luxo. Ainda
assim, a cadeia de hotelaria
continua em expansão, em
Portugal. O primeiro espaço
da marca na região de Lisboa
vai ser inaugurado em
2024, no World Trade Center
(WTC), um centro empresarial
que está em construção
em Carnaxide, Oeiras. A Yolinda
e o Yogiro prometem
uma experiência agradável
e bom serviço em qualquer
Yotel espalhado pelo mundo.
Fotografias: Maria Andrade
38
NotEggo: Ovo 100% vegetal que substitui o
Inovação
Por: Bruna Jardim e Rita Silva
tradicional
Fotografia: Maria Andrade
Três estudantes do Mestrado em Engenharia Alimentar, da Universidade
Católica do Porto, criaram o NotEggo, um ovo 100% vegetal. O objetivo é levar
o produto para o mercado e continuar a criar alternativas vegan para outros alimentos.
Ovos mexidos, estrelados,
ou omeletes,
este ovo dá para
todos os gostos. Mas não, não
vem da galinha. A sua casa
foi o Kitchen Lab. Beatriz
Costa, Ema Camacho e Lígia
Cruz são as criadoras do ovo
100% vegetal. “A ideia surgiu
no âmbito de uma cadeira
de mestrado que era
o desenvolvimento de novos
produtos e processos até
porque era preciso criarmos
um produto inovador
que pensasse em termos de
sustentabilidade de produtos”,
afirmou Beatriz Costa.
Direcionado a um público
alvo diferente do tradicional,
o ovo é constituído por farinha
de arroz e batata doce,
sendo, por isso, rico em proteína,
vitamina B5 e B12. A
sua composição faz com que
este seja mais sustentável do
que o ovo tradicional, e que
possa ser consumido por pessoas
com restrições alimentares
e alergias. É, para além
disso, um produto adequado
a várias dietas, mas foi criado
para todos os que procuram
adotar uma alimentação
mais saudável e sustentável.
“Obviamente sabemos
que é uma coisa que não
existe no mercado e existe
essa lacuna, principalmente
em Portugal. Também não
há muito acesso às marcas
que já existem de ovos mexidos
vegetais, portanto foi
também criar essa diversidade
mas, em primeiro lugar,
criar o ovo estrelado
vegetal”, acrescentou Beatriz.
Fotografia: Maria Andrade
39
Inovação
Apesar das diferenças, há
quem diga que o sabor, a textura
e a consistência são iguais
ao ovo que já conhecemos.
E o aspeto? Também se
mantém, mas apenas depois
de confeccionado. Isto porque
o produto não vem inteiro, a
gema e a clara vêm separadas,
e cabe ao consumidor
construir o seu próprio ovo.
Ainda só pode ser consumido
em pratos simples, mas
já esperam desenvolver o
alimento para que possa ser
usado na indústria pasteleira.
Ema Camacho revela que
“depois disto há projetos
em mente. Agora queremos
avançar para o mercado e
trabalhar nisto para que
possamos não só ter um ovo
estrelado, um ovo mexido e
omelete mas também ovos
vegetais para incorporação e
receitas de bolos de confeitaria
e também o ovo cozido”.
Um projeto que começou
com grandes expectativas, mas
que a meio deu de caras com
alguns obstáculos e fez as criadoras
perderem a esperança.
“Inicialmente estávamos
muito confiantes, a meio do
processo perdemos a confiança
toda e queríamos desistir
porque se tornou muito
complicado e não estávamos
a avançar, mas depois conseguimos
e ficamos super
felizes e orgulhosas com o
trabalho”, confessou Beatriz.
Ainda assim, as estudantes
Beatriz, Lígia e Ema não
desistiram, e conseguiram
concluir a ideia inicial, que
acabou por ser um sucesso e
fez surgir interessados em colocar
o produto no mercado.
Ema conta que “neste momento,
no mercado há uma
grande falta de alternativas
vegetais ao peixe” logo, o próximo
passo é investir em projetos
com diferentes alimentos.
Começou por ser um trabalho
para a faculdade, mas
o seu êxito conferiu-lhe uma
distinção Born from Knowledge
Awards (BfK), atribuída
pela Agência Nacional
de Inovação (ANI), no âmbito
do Prémio ECOTRO-
PHELIA Portugal, promovido
pela PortugalFoods.
Fotografias: Maria Andrade
40
Cultura
A despedida dos palcos do “Rocket Man”
Por: Maria Andrade
“Farewell Yellow Brick Road: The Final Tour” é o nome da digressão com que Elton John se despede dos palcos.
No ano de 2023, a tour segue para outras paragens, com datas marcadas para a Europa, Austrália e Nova Zelândia.
Elton John é uma das
maiores referências
no mundo da música,
ultrapassando muitas
gerações. Com uma carreira
de mais de 50 anos, e mais
de trezentos milhões de discos
vendidos, é possível afirmar
que é um dos músicos
com mais sucesso do mundo.
Reginald Kenneth Dwight
(nome de registo), também
conhecido como “Rocket
Man” ou Sir Elton John, é
pianista, compositor, cantor e
produtor. Aos 75 anos, despede-se
dos palcos, onde afirma
ter sido sempre muito feliz.
No dia 20 de Novembro de
2022, deu o seu último concerto
nos EUA, no emblemático
estádio dos Dodgers, em
Los Angeles. O espetáculo
durou três horas e contou com
uma série de estrelas, tanto no
palco, como na plateia. Chamou
ao palco Dua Lipa, Kiki
Dee e Brandi Carlile. O alinhamento
do concerto, transmitido
pela Disney+, contou
com clássicos como “Tiny
Dancer”, “Don’t Let The Sun
Go Down On Me”, “Rocket
Man”, “Don´t Go Breaking
My Hearth” e “Cold Hearth”
“
O mais incrível
do rock’ n’ roll é
que ele permite que
alguém como eu se
torne uma estrela”
Vida e carreira
Nasceu a 25 de Março de
1947, em Londres. Começou
a tocar piano com apenas
três anos e aos onze conseguiu
uma bolsa de estudos na
Royal Academy of Music, conhecida
como a principal escola
de música de Inglaterra.
Nos anos 60, surgiu o seu
primeiro projeto profissional,
a banda Bluesology. No
entanto, acabou por sair do
grupo, visto que a tarefa de
apenas tocar piano sem cantar
não lhe trazia felicidade.
Um anúncio da gravadora
Lybert Records foi a oportunidade
perfeita para se lançar
como artista individual.
Foi lá que conheceu Bernie
Taupin, um compositor, e
começou uma das melhores
parcerias da história musical.
Ficou conhecido pelo
pseudónimo Elton John. O
nome corresponde à junção
dos nomes dos seus antigos
companheiros de banda - Elton
Dean e Long John Baldry.
Em 1969 saiu o seu primeiro
álbum, Empty Sky.
Apesar de não ter feito grande
sucesso, serviu para colocar
o músico no panorama..
O projeto seguinte chega em
1970, e foram músicas como
“Border Song” e “Your Song”
que garantiram o seu sucesso.
42
Cultura
O cantor começou a atuar
para plateias cada vez
maiores e chamou a atenção
pela extravagância de
roupas que usa no palco.
Honky Château, lançado
em 1972, foi o primeiro álbum
a alcançar o número 1 no pódio.
Lançada no mesmo ano, a
música “Rocket Man”, alusiva
ao lançamento espacial tripulado
da nave norte-americana
Apollo 16, esteve presente no
top 20 mundial. Seguem-se
êxitos como Don’t shoot me
I’m Only The Piano Player
(1973), Goodby Yellow Brick
Road (1973), Caribou (1974),
Captain Fantastic And The
Brown Dirt Cowboy (1975) e
Rock Of The Westies (1975)
Já no auge da fama, Elton
termina a parceria com
Bernie Taupin. Na mesma
altura, começa a ter problemas
com a mídia, e em 1977
afasta-se do mundo da música.
O seu envolvimento com
a cocaína e a sua orientação
sexual, assumindo-se como
homossexual em 1988, estiveram
sempre no foco de
várias polémicas. Em 1979,
lança o mundialmente conhecido
êxito, A Single Man.
Inicia a década de 80 com
três discos: 21 at 33 (1980), The
Fox (1981) e Jump Up! (1982).
Em 1983, voltou a trabalhar
em parceria com Taupin.
A revelação da sua sexualidade,
o conturbado casamento
com Renata Blauel,
e a operação à garganta para
retirar um tumor, fez com
que a sua carreira profissional
passasse para segundo plano.
Ao lado de Tim Rice, compôs
a trilha sonora de animação
do filme O Rei Leão, dos
estúdios Disney. Em 1995,
correu o mundo com a turnê
do álbum Made In England e,
nesse mesmo ano, comprometeu-se
com o cineasta David
Furnish, também conhecido
como o seu atual marido.
Foi condecorado com a
Ordem do Império Britânico,
em 1996, e feito Cavaleiro
Celibatário em 1998, pela
rainha Elizabeth II, por “serviços
prestados à música e
serviços de caridade”. Entre
estas datas, mais precisamente
em 1997, a Princesa Diana,
amiga pessoal do cantor,
morre num trágico acidente
de carro. Como homenagem,
o músico faz uma versão
de “Candle In The Wind”.
Em 2019, lançou uma
autobiografia “Me: Elton
John” e recebeu uma longa-
-metragem biográfica chamada
“Rocket Man”. Com a
despedida da carreira, chega
o documentário em parceria
com a Disney Plus.
Atualmente, continua a
lançar trabalhos regularmente
e conta com várias parcerias,
entre as quais temos artistas
como Dua Lipa, Britney Spears,
Miley Cyrus e Lady Gaga.
Elton John não só entrou
para a história, como a fez.
Para além da sua extensa
carreira, que conta com uma
enorme variedade de álbuns
e músicas, é considerado um
dos maiores e mais influentes
artistas da atualidade.
Atravessou várias gerações,
influenciando-as e deixando-
-se influenciar. Nunca serás
esquecido, “Rocket Man”.
Montagens: Maria Andrade
43
Cultura
Por: Bruna Jardim e Maria Andrade
“Estrangular o humor é a mesma coisa que
Ilustração: Margarida Antunes
Existem limites no humor? Existem temas dos quais não
devemos rir? Temos o direito de censurar qualquer coisa
dita pelos humoristas? À conversa com o jornal Sentinela,
António Raminhos e Marco Horácio falam da
evolução da sociedade, em relação ao humor, e dos limites
que a mesma impõe, cada vez mais, na sua profissão.
A
definição e interpretação
de humor
é diferente em
todos os dicionários e para
todas as pessoas. Para muitos
significa “rir ou fazer o
outro rir”. Para outros, fazer
humor pode não ter piada nenhuma.
A verdade é que não
há uma definição clara de humor
que possa incluir todas as
piadas e todos os humoristas.
Já se perguntaram o que
é que vos faz rir? A resposta
nem sempre é tão clara. Para
Marco Horácio, “o humor é
uma coisa simples” e, por
isso, “o sorriso advém da
simplicidade das situações
e também da forma como
nós as olhamos”. Já António
Raminhos afirma que
aquilo que o faz rir é o que
o “apanha na curva” e o
“nonsense, coisas sem sentido,
que também é uma
alternativa à realidade”.
Os limites do humor existem.
São pessoais e intransmissíveis.
Cada um tem os
seus próprios limites e cabe
aos espectadores respeitar
todo o trabalho envolvido
no humor. “Varia de pessoa
para pessoa, e lá por haver
limites não tenho que
fazer uma cruzada para
apanhar quem fez uma piada
que não achei graça”,
explica António Raminhos.
Como diz Marco Horácio,
“o humor é arte, é uma coisa
criativa” e não é feito “para
magoar”. O objetivo, segundo
o artista, é divertir o público
e “cabe ao humorista
saber avaliar o público que
tem à sua frente e trabalhar
o humor à volta disso”. Conta
ainda que, cada vez mais,
aparecem diferentes tipos de
humor, “humor negro que
brinca com o cancro, brinca
com pedofilia”, entre outros
temas, “mas há um público
para isso”. Nota que “as pessoas
estão muito mais sensíveis”
e “ à procura da crítica
e qualquer coisa que se
brinque, encaram sempre
não como uma brincadeira,
mas como algo ofensivo”.
António Raminhos e Marco
Horácio percorrem o país
a fazer espetáculos de comédia
e estão entre os grandes
nomes do humor português.
“ Somos um país
que nos faz repetir
muito, é tipo rir
para não chorar,
portanto é um país
também muito fértil
em situações no
dia a dia que nos
fazem sorrir e rir”
44
Cultura
estrangular qualquer tipo de arte”
mais profundo porque tem
a ver com o impacto que tu
podes criar na vida dos outros”,
confessa o humorista.
“ Isto do humor
não é só ser o mais
engraçado da turma
e mandar umas
bocas muito giras
durante as aulas.
Eu também era assim
até que resolvi
estudar.”
De acordo com os parâmetros
da sociedade atual, tanto
Marco Horácio como António
Raminhos concordam
que a censura, relativamente
ao humor, vai aumentar. Ao
longo do tempo, a sociedade
evolui e os limites adaptam-
-se às “novas correntes de
pensamento”. Em consequência,
os comediantes autocensuram-se,
e piadas que
antes eram feitas já não têm o
mesmo efeito. António Raminhos
recorda que “há piadas
antigas que vejo em filmes
ou atuações que penso...
isto era impossível agora!
Mas rio-me na mesma!”.
Marco Horácio alerta ainda
que não é por um humorista
fazer certas piadas que
não apoia as causas humanitárias.
“Todos os humoristas
que se prezam apoiam (as
causas) porque nada melhor
que as pessoas serem
livres, serem aquilo que
querem, dizerem aquilo que
querem, descreverem aquilo
que querem e, acima de
tudo, serem aceites como
são”, sublinha o comediante.
O humor evolui de mãos
dadas com a sociedade porque,
como Raminhos diz, “é feito
a partir dela, das vivências e
daquilo que nos rodeia”. Os
assuntos que antes eram tabu,
agora não o são. Aqueles que
agora são considerados pela
sociedade como tal, no futuro
certamente vão deixar de o
ser. Os limites no humor existem.
Não só nas piadas que
são feitas, mas também nas
reações que expressamos. Ao
humorista cabe analisar o seu
nicho, conhecer o seu público
e, ao espectador, respeitar
e criticar construtivamente.
“ Mas em última
análise, seja ontem,
hoje, amanhã,
qualquer que seja
o tema, a única
coisa que interessa
é: Tem piada ou
não?”
Fotografia: FLAD
No entanto, António Raminhos
afirma que foi nas redes
sociais que levou mais hate
por uma piada que fez: “uma
piada sobre as minhas filhas
que nunca teve problema nenhum.
No sentido em que fiz
a piada num espetáculo que
teve mais de 60 datas, deu
na SIC, mas uma vez coloquei
um clip no twitter, que
é a melhor rede para atirar
pessoas para a fogueira. E
quando abri o twitter estavam
a chamar-me de tudo e
mais alguma coisa”, explica.
A solução que encontrou foi
apagar a sua conta do Twitter.
Para Marco Horácio, as
piadas nas redes sociais nem
sempre tiveram a reação desejada.
Enquanto humoristas,
a maioria dos posts são
sempre “sarcásticos ou irónicos”.
Marco Horácio revela
que, quando coloca um
post, tem “de pensar duas ve
zes”: “Tenho de pensar na
minha leitura e na leitura
que as pessoas podem ler.
Como artista não devia ter
de me preocupar com isso,
as pessoas deviam aceitar
e se não aceitassem dizer
simplesmente «olha, Horácio,
este post que fizeste
não acho piada nenhuma»”.
Ambos os humoristas
apontam o alcance das redes
sociais como um aspeto positivo.
Raminhos sente que, atualmente,
as plataformas digitais
são espaços “onde todos
podem expor o seu trabalho,
crescer, usar a criatividade
através da imagem, vídeo,
textos curtos, sketches e chegar
a um número maior de
pessoas”. No entanto, Marco
Horácio também considera
essa liberdade, de certa forma,
negativa. “Ser humorista não
é só ter piada com os amigos.
É um trabalho muito
45
Cultura
Melhores músicas de 2022
Por: Maria Andrade e Pedro Pimparel Serafim
(ritmo dominicano); do estilo
eletrónico a diferentes
toques da música psicadélica,
nunca se desfazendo do
seu lado comercial. O artista
costa-riquenho passa a mensagem
de que possui namoradas
em diferentes partes do
mundo, o que contrasta com
a forma como a sua família
considera que devia viver a
vida. No entanto, acaba por
revelar que não ama uma mulher
só, porque não consegue.
Um tema com muito mais
do que se ouve à superfície.
2. Cuff it – Beyoncé
2022 foi um ano marcado por boa música. Foram vários os hits lançados internacionalmente
que não nos saíram do ouvido durante muito tempo. 2022 foi o ano em que a
cantora Taylor Swift voltou aos pódios de todo o mundo com o seu novo álbum ‘Midnights’,
Harry Styles lançou uma das músicas mais estilosas do ano e Beyoncé regressou
em grande após o seu último álbum “Lemonade” lançado em 2016. No meio de tanta boa
música, o jornal Sentinela selecionou um top-5 anual, baseado em preferências pessoais.
5. Anti-hero – Taylor
Swift
“Anti-Hero” é o primeiro
single do décimo álbum de
Taylor Swift. Na letra, Taylor
assume as maiores inseguranças
sobre o futuro, a autoimagem
e relacionamentos, não
só amorosos, mas familiares
também. Apesar do ritmo pop,
a canção é a representação dos
seus sentimentos mais sombrios
e nela se faz referência
aos problemas que a fama traz
como moeda de troca. Cómico
e upbeat, “Anti-hero” tem,
por baixo da aparência pop,
uma mensagem mais profunda
e importante do que parece.
4. Despechá – Rosalía
“Despechá” tornou-se um
sucesso no TikTok, antes de
ser oficialmente lançada. Acabou
por ser depois partilhada,
pela primeira vez, num
dos concertos da “Motomami
World Tour” de Rosalía e, a
partir desse momento, o entusiasmo
desmedido dos fãs
precipitou o lançamento da
música a 10 de agosto .Rosalía
explicou que há muitas
maneiras de estar ‘Despechá’
(“despeitada”, em português).
É sobre liberdade e loucura,
movendo-se sem resguardos
ou arrependimentos. Este é o
lugar onde faço música, onde
fiz quando comecei e onde
continuarei até que Deus diga
o contrário”. A mistura de
ritmos é variadíssima. Conseguimos
facilmente identificar
batidas que nos lembram
o pop, reggaeton e algumas
referências à música de baile
da República Dominicana. A
vibe alegre e divertida da música
demonstra a verdadeira
essência da cantora espanhola.
Podemos voltar ao verão?
Montagem: Maria Andrade
3. Titi Me Preguntó – Bad
Bunny
Bad Bunny é o maior
nomes da música latina na
atualidade, tendo tido um
crescimento no panorama internacional
bastante acentuado.
O som, ao mesmo tempo
familiar e diferente, fez com
que “Titi me preguntó” tomasse
conta do mainstream.
A faixa 4 do álbum, “Um
Verano Sin Ti”, diferencia-
-se pela forma como alia diferentes
géneros musicais:
desde o latin trap ao denbow
“Cuff it” é um dos maiores
sucessos de 2022. Faz parte
do mais recente álbum de
Beyoncé, “Renaissance”, e,
depois de se tornar viral no
TikTok, explodiu no mundo
do streaming. A música conquistou
o público e o mundo
com a energia contagiante resultado
da mistura de disco,
pop e funk. “Cuff it” é excitante,
apetitosa, sexy e intemporal.
Tudo isto descreve
Beyoncé e a artista que tem
mostrado ser ao longo de todos
as canções que assinou.
1. As It Was – Harry
Styles
“As It Was”, quarta faixa
do disco Harry´s House, traz
à tona um conceito claro: o
regresso do pop dos anos 80
e 90. O uso de uma melodia
orelhuda com recurso ao sintetizador
é um dos pontos preponderantes
e diferenciadores
do single. Produzida em colaboração
com Tyler Johnson
e Thomas Hull, o tema revela
um lado mais intimista do
cantor britânico, abordando as
dificuldades, em determinados
momentos, em saber lidar
com a fama ou os problemas
que enfrenta na sua vida amorosa.
Com um refrão simples,
mas memorável, Styles agitou
uma vez mais o panorama musical,
com o tema a ficar por 15
semanas consecutivas no primeiro
lugar da tabela da Billboard.
É assim que, com uma
canção, se domina um ano.
46
Cultura
“She Said”: a homenagem ao poder do jornalismo de
investigação
CRÍTICA
Carla Silva
No passado dia 17 de novembro,
“She Said”, um filme
de Maria Schrader, estreou
nas salas de cinema em Portugal.
Adaptado do livro das
jornalistas Jodi Kantor e Megan
Twohey, premiadas com
o Pulitzer, o filme retrata o
caso da queda do produtor
Harvey Weinstein e a história
das suas respectivas vítimas.
O filme desvenda a grande
investigação e o artigo publicado
pelo The New York
Times onde são denunciadas
diversas alegações de assédio
e agressão sexual contra Harvey
ao longo de três décadas.
“She Said” sustenta uma história
intensa até ao confronto
final entre o jornal e Weinstein
e os seus advogados, no
momento da publicação do
artigo. Esta investigação foi
só o pontapé inicial, depois
disso, muitos outros casos
vieram à tona, provocando assim
o movimento #Metoo há
5 anos e dando voz às mulheres
em toda a parte do mundo.
Na contextualização inicial
da longa-metragem, é
abordada uma tentativa falhada
de denunciar assédios
sexuais por parte de Donald
Trump, de modo a afetar a
sua campanha presidencial.
Aborda também o escândalo
sexual da Fox News, retratado
no filme “Bombshell:
O Escândalo” de Jay Roach.
A nível estético, o filme é
elementar. Os planos não são
arrojados ou até mesmo fascinantes,
mas esta sua simplicidade
não impediu que o filme
fosse altamente eficiente. A
banda sonora emocionante de
Nicholas Birtell ajuda a intensificar
o suspense e a manter
o espectador vidrado no ecrã.
Dramatizações de eventos
reais continuam a dominar
os ecrãs em 2022, mas
muitas foram criticadas pelo
enaltecimento dos criminosos
às custas das vítimas. “She
Said”, evita essa narrativa
sensacionalista, dando lugar
a uma abordagem realista e
empática, “amiga” das vítimas.
Adaptar histórias reais
ao grande ecrã é uma enorme
responsabilidade, contudo, o
filme cumpriu o seu propósito
de maneira admirável. O
elemento biográfico foi valorizado
ao incluir uma das vítimas
reais, a atriz Ashley Judd,
tornando assim a reconstrução
mais rica e detalhada. A atriz
desempenhou o seu próprio
papel: resistiu à manipulação
de Weinstein e teve a
sua carreira prejudicada, até
decidir contar a sua história.
Os detalhes obscenos, recordados
e narrados pelas vítimas
do grande produtor da
Miramax, são difíceis para o
público assimilar. O ponto
de vista íntimo do filme tem a
capacidade de fazer o espectador
torcer, genuinamente,
tanto pela equipa jornalística,
como pelas vítimas de Harvey.
As atrizes Koe Kazan e
Carey Mulligan, que interpretaram
as jornalistas Jodi
Kantor e Megan Twohey, respetivamente,
fizeram uma dupla
marcante e contribuíram
para a emotividade do filme.
O papel das duas personagens
é completamente distinto
- enquanto Jodi é mais
contida e frágil, Megan é o
símbolo de poder. Apesar das
discrepâncias, o companheirismo
entre as duas nunca foi
quebrado, ao longo do filme.
Maria Schrader escolheu
humanizar a história mostrando
desafios pessoais de ambas
as jornalistas, de forma a realçar
a complexidade do dia a
dia da mulher contemporânea.
É uma abordagem relevante,
mas faltou “força” ao retratar
a depressão pós-parto de
Meghan, tal como as dificuldades
que Jodi enfrentava na
criação das filhas, tornando
assim estes momentos desin
teressantes. Apesar do forte
argumento, é um filme muito
simples, como foi referido
anteriormente. Contudo, tamanha
simplicidade poderá
fazer com que a obra seja esquecida
ao longo do tempo.
É um filme envolvente e
comovente sobre um caso
que é apenas uma agulha no
palheiro, representando uma
enorme teia de muitos outros
casos semelhantes. A obra
carrega uma forte carga emocional,
difícil de exprimir.
Ainda assim, a temática foi
tratada com a devida seriedade
e evitou os erros banais
tais como a responsabilização
das vítimas pelo sucedido.
47
Desporto
Benzema conquista o Ballon d’Or: de contestado no
Bernabéu a admirado na Europa
Fotografia: Reuters / Benoit Tessier
Por: Pedro Pimparel Serafim
Karim Benzema venceu pela primeira vez o prémio atribuído
pela France Football, numa época memorável
em termos individuais e coletivos. Contudo, o caminho
até ao reconhecimento foi bastante atribulado.
Uma temporada a roçar
a perfeição
Foi uma época de sonho
para o avançado
francês. Karim Benzema
apontou 44 golos em 46
jogos ao serviço do Real Madrid,
assistindo ainda 15 vezes
ao longo da temporada 22/23.
Na conquista da Champions
League e da La Liga, o capitão
merengue foi decisivo em ambas
as campanhas com 27 e 15
golos, respetivamente. Estes
números levaram-no a garantir
o prémio de melhor marcador
nas duas competições.
O golo decisivo frente
ao Manchester City na segunda
mão das meias-finais
da Liga dos Campeões,
é um exemplo da preponderância
do gaulês numa
equipa rodeada de estrelas.
Com este feito, o francês
passa a ser o segundo jogador
que, para além de Lionel Messi
e Cristiano Ronaldo, ganhou
o prémio desde 2008. O
último desta restrita lista tinha
sido o croata Luka Modric em
2018, companheiro de equipa
de Benzema no Real Madrid.
De salientar, que a melhor
posição que o futebolista de
34 anos havia conseguido na
disputa por este troféu antes de
2022, aconteceu ano passado,
quando terminou em quarto
lugar. Acabou por receber 239
votos, ficando atrás do vencedor
Messi, por 374 votações.
A continuação de um
legado de peso
A conquista deste conceituado
prémio por jogadores
gauleses, teve início em 1958
com a consagração de Raymond
Kopa. Desde então,
mais 4 jogadores franceses
sucederam ao ex-meio campista
do Real Madrid: Michel
Platini venceu por 3 vezes,
entre 1983 e 1985, ao serviço
da Juventus; Jean-Pierre
Papin levantou o Ballon d’Or
em 1991, ano em que foi o
melhor marcador da liga francesa
ao serviço do Olympique
de Marseille; Zinédine Zidane
repetiu o feito dos compatriotas
em 1998, numa temporada
em que foi figura principal de
uma Juventus que conquistou
o Scudetto e chegou à final
da Liga dos Campeões;
e agora, Karim Benzema.
Com esta última premiação,
a França com 7 conquistas,
junta-se aos Países Baixos e
à Argentina, como os países
mais detentores deste troféu.
Entre altos e baixos
Karim Benzema fez a sua
estreia profissional ao serviço
do Lyon no dia 15 de janeiro
de 2005. Nessa primeira temporada
de adaptação, Benzema
marcou 6 golos em 34
jogos, sendo um deles apontado
na Liga dos Campeões.
Na época 2007/2008, com
a saída de jogadores importantes
como Malouda, Benzema,
com 19 anos de idade,
recebeu a camisola 10 e não
desiludiu, marcando 31 golos
em 51 jogos. Afirmou-se
como o destaque da equipa,
tendo exibições espetaculares
tanto na Ligue 1 como na
Champions League. Acabaria
mesmo por ser eleito o Jogador
do Ano da Liga Francesa.
A temporada que se seguiu
deu continuação à grande fase
do francês, e afirmou-o, como
um dos grandes talentos a nível
mundial. Destaque para a
campanha na prova milionária
onde apontou 5 golos apenas
na fase de grupos, um deles
contra o Bayern de Munique.
No mercado de verão de
2009, Karim Benzema foi
para o Real Madrid pela verba
de 35 milhões de euros.
Foi apresentado juntamente
com mais dois futebolistas
de renome: Kaká e Cristiano
Ronaldo, ambos vencedores
do Ballon d’Or em 2007 e
2008, respetivamente. Numa
época em que foi suplente do
argentino Gonzalo Higuain,
o francês acabou por contabilizar
menos de 10 golos.
Com a lesão de Higuain
no decorrer da época 10/11,
as oportunidades de Benzema
de se mostrar foram aparecendo
com José Mourinho ao
comando. Com mais tempo
de jogo, o ponta-de-lança merengue
terminou a temporada
com uma marca de 26 golos
em 48 jogos, num ano onde a
sua equipa foi eliminada nas
meias-finais da Liga dos Campeões
pelo rival Barcelona.
´A época 11/12 trouxe à
tona toda a sua qualidade e capacidade
de finalização. Num
dos seus melhores anos com
a camisola dos Los Blancos,
Benzema apontou 32 golos e
19 assistências em 52 jogos. O
Real Madrid acabaria por vencer
a La Liga, quebrando vários
recordes: foram 100 pontos
com 121 golos marcados.
Os anos que se sucederam
não foram tão produtivos. Na
temporada 17/18 por exemplo,
o camisola 9 do Real
Madrid faturou apenas 12 golos
em todas as competições.
Números bastante pobres e
que trouxeram uma onda de
desconfiança. Os adeptos merengues
comparavam as exibições
do francês com as de
outros avançados espalhados
pela Europa, como Luis Suárez
e Robert Lewandowski.
A ascensão inesperada
A saída de Cristiano Ronaldo
para a Juventus em
2018, levou a um rejuvenescimento
da carreira de Karim
Benzema, que teve de assumir
a vaga de protagonista deixada
pelo astro português. Os
números em termos de golos
foram sempre aumentando ao
longo destas últimas temporadas,
chegando a um nível de
consistência exibicional nunca
antes conseguido na sua
carreira. Sendo sempre decisivo
em momentos importantes,
a época 21/22 é apenas
o culminar de uma evolução
que se desencadeou 4 anos
atrás, na procura de se tornar a
estrela principal do Real Madrid.
Num momento em que
o clube merengue se encontrava
fragilizado, foi Karim
Benzema que assumiu essa
responsabilidade de mudar
o rumo dos acontecimentos.
Transformou-se assim
num jogador admirado por
toda a massa adepta, e é atualmente
considerado, um dos
avançados mais temíveis do
futebol mundial. Ao longo da
sua passagem no Real Madrid,
foi colecionando inúmeras
taças, que o colocam
entre as lendas do clube da
capital. Passou da descrença
à admiração e aos aplausos.
49
Desporto
Fotografia: AFP
Gustavo Ribeiro traz a taça de primeiro lugar para
Portugal
Por: Maria Andrade
O atleta olímpico, Gustavo Ribeiro, sagrou-se campeão mundial do circuito Street League de Skate,
que decorreu no Rio de Janeiro, Brasil. A final foi disputada entre 8 concorrentes de vários países.
A Street League Skateboarding
(SLS) é a maior
competição profissional de
skate a nível mundial. Como
o próprio nome indica, é focada
na modalidade Street
e foi fundada em 2010.
A competição compreende
25 atletas, que competem
em uma pista Street Indoor
que tem como objetivo simular
os obstáculos na rua.
Depois de conquistar o
bronze em 2019 e 2021, Gustavo
Ribeiro, de 21 anos, entrou
na arena brasileira como
líder do ranking.O skateboarder
acabou a competição com
27,9 pontos, passando à frente
dos atletas norte-americanos
Braden Hoban e Chris Joslin.
Inicialmente, o atleta olímpico
integrou o lote de quatro
finalistas, com duas pontuações
de 9,3 e 9,0, mais tarde
substituída por uma de 9,3 nas
últimas duas tentativas, superando
assim o “cut”. A caminho
do “Super Crown”, Ribeiro
dominou a terceira etapa em
Las Vegas, nos Estados Unidos,
nos dias 8 e 9 de Outubro.
“Este resultado traduz
todo o trabalho que tive.
Consegui conquistar este título.
Temos sempre de acreditar.
Se a mente diz que sim,
ninguém pode negar. Sentia
tanta pressão que só queria
relaxar e estar confortável.
Só queria que a minha manobra
funcionasse e nem
acredito que consegui”, disse
o atleta no final da competição.
Carreira e títulos
Gustavo Ribeiro tinha apenas
4 anos quando recebeu
o seu primeiro skate, como
prenda de Natal. Aos 6 anos,
conseguiu o seu primeiro patrocínio
e dias depois competiu,
pela primeira vez, numa
competição local, ficando em
3º lugar. Com apenas 14 anos,
começou a viajar sozinho para
competições internacionais.
Em 2017, venceu a Tamp
Am, classificada abaixo da
Tampa Pro. Considerada
uma das maiores competições
amadoras mundiais de
Skate de Rua, serve como
uma introdução de novos talentos
a esta modalidade..
No ano de 2021 sofreu
uma lesão no ombro e falhou
o Campeonato Mundial
em Roma, na Itália. Após
uma recuperação de dois meses,
representou Portugal na
competição masculina dos
Jogos Olímpicos de 2020.
Terminou em último na fase
final, devido a dores no ombro,
ficando com o 8º lugar.
A 28 de agosto de 2021,
conquistou a sua primeira
vitória em uma competição
SLS, vencendo a primeira de
três paradas do SLS Men’s
Championship Tour em Salt
Lake City, Estados Unidos.
Esta foi a primeira competição
em que participou após
a recuperação total de uma
eventual cirurgia no ombro.
Foi o primeiro atleta português
da modalidade nos Jogos
Olímpicos de Tóquio em
2021 e, um ano mais tarde,
tornou-se também o primeiro
a triunfar no skate, trazendo o
primeiro lugar para o seu país.
Fotografia: Mais Futebol
50
Desporto
Uma final para os livros de História
Por: Rita Silva e Pedro Pimparel Serafim
Fotografia: Kai Pfaffebach
O Campeonato do Mundo de futebol foi um dos eventos de destaque de 2022, com a competição realizada
no Qatar a ficar marcada por surpresas e polémicas. A 22º edição do Mundial quebrou o recorde de golos,
culminando numa final emocionante, disputada até ao último momento, entre a França e a Argentina.
Desde que ficou estabelecido,
em
2010, que o Qatar
seria a sede do Mundial
de 2022 que surgiram várias
polémicas. Assim que
a FIFA entregou ao Qatar a
organização do campeonato
do Mundo, suscitaram suspeitas
de favorecimento sobre
a candidatura vencedora.
A eleição foi cercada de inúmeras
controvérsias e acredita-se
que a escolha tenha
sido motivada por dinheiro.
A começar no dia 20 de
novembro e a acabar a 18 de
dezembro, a competição mais
importante do futebol mundial
teve uma duração de 28
dias. Marcada por protestos
sobre causas sociais, a última
prova das maiores estrelas
do desporto-rei, Ronaldo
e Messi, ficou para a história.
Para o torneio foram qualificadas
trinta e duas seleções.
Um Mundial de recordes
Segundo a agência de
notícias do Qatar, a QNA,
o mundial de 2022 registou
o terceiro maior público
num campeonato mundial
de futebol. Com um total de
3.404.252 espectadores, ficou
atrás dos Estados Unidos que,
em 1994, contaram com a presença
de 3.587.538 pessoas,
e do Brasil, com 3.429.873,
em 2014. Nos jogos da fase
de grupos desta edição, estiveram
presentes 2.457.059
pessoas, enquanto que aos
oitavos de final compareceram
411.609. Já nos quartos
estiveram 245.221 espectadores
e nas seminais 157.260.
A final atraiu 88.966 pessoas,
ocupando, assim, a lotação
máxima do estádio Lusail.
A nível de golos, o Qatar
assistiu a um novo recorde.
Foram 172, o maior número
de golos na história do mundial,
superando a edição de
2014 e de 1998, que registaram
171 golos cada. A média
final foi de 2,69 golos por
jogo. Para este recorde, muito
contribuíram os países finalistas
do campeonato, França
e Argentina. A seleção francesa
marcou 16 vezes e os
argentinos 15. Autor de um
hat-trick, Mbappé foi o jogador
que mais marcou durante
a competição, com oito golos.
Fotografia: AP / Hassan Ammar
51
Desporto
Cartão vermelho para o Qatar
Após a entrega da organização
do campeonato ao Qatar,
várias críticas foram feitas
a respeito do país. O mundial
de 2022 ficou, de facto, para
a história, mas não somente
por boas razões. Durante os
jogos, protestos a favor dos
direitos humanos foram surgindo.
Um deles foi contra a
discriminação da comunidade
LGBTQIA+, e de apoio
à diversidade de género. Os
capitães de algumas seleções
mobilizaram-se para utilizar
uma braçadeira a dizer “One
Love”. No entanto, a FIFA
ameaçou penalizar com sanções
desportivas as equipas,
e estas acabaram por desistir
de utilizar o acessório antes de
entrarem em campo. A Bélgica,
a Inglaterra, a Holanda,
o País de Gales e a Suíça faziam
parte das sete seleções
que iam participar na manifestação.
A França desistiu
antes do aviso da federação.
Em protesto contra a FIFA
por ter ameaçado punir qualquer
seleção que utilizasse
uma braçadeira a dizer “One
Love”, os jogadores alemães
taparam a boca com as mãos.
Contra o racismo, os jogadores
ingleses ajoelharam-
-se em campo, na sua estreia.
Também no seu primeiro
jogo a Dinamarca protestou
contra a violação dos direitos
humanos por parte do Qatar,
entrando em campo com o
equipamento em que o emblema
da FIFA aparecia camuflado.
Já a seleção iraniana manteve-se
em silêncio enquanto
tocava o hino do país, para
mostrar o seu apoio às manifestações
que ocorreram no Irão.
Mas não só os jogadores
se manifestaram. O adpeto
Mário Ferri invadiu o campo,
durante o jogo Portugal-Uruguai.
O italiano manifestou-se
em relação a várias causas,
ao correr com uma bandeira
LGBTQIA+, enquanto
usava uma camisola com
mensagens de apoio às mulheres
iranianas e à Ucrânia.
Além deste, foi também
feita uma homenagem à jovem
Mahsa Amini, que morreu em
setembro de 2022, enquanto
estava presa pela custódia policial
do Irão. Mahsa tinha sido
detida por não ter respeitado
o código rígido de vestuário
para as mulheres do seu país,
ao utilizar o hijab de forma
incorreta. Na segunda parte
da fase de grupos do mundial,
durante o jogo entre o Irão e o
País de Gales, uma adepta iraniana
foi censurada por seguranças,
após mostrar uma camisola
com o nome da jovem.
O homem que a acompanhava
também acabou por ser censurado
ao segurar uma bandeira
do Irão com as palavras
“Women, Life, Freedom”.
Fotografia: Getty Images
Fotografia: Lance!
Fotografia: Reprodução/Twitter
Fotografia: Kirill Kudryavtsev / AFP
52
Desporto
Altos e Baixos
Fora de Jogo
No jogo de Portugal contra
Marrocos, a seleção marroquina
chocou o mundo, ao conquistar
a vitória e a classificação
para a semifinal. Com isso,
Marrocos conseguiu acabar o
campeonato em quarto lugar
e fazer história, ao ter sido a
primeira vez que uma equipa
africana chegou tão longe em
quase cem anos do torneio.
No entanto, apesar da
surpreendente prestação da
equipa de Marrocos, algumas
seleções acabaram por
ficar aquém das expectativas.
Foi o caso da Alemanha, por
exemplo, que deixou a competição
para trás ao ser eliminada
na fase de grupos. O
mesmo aconteceu à Bélgica
e à Dinamarca, que também
disseram adeus ao Mundial,
após a Bélgica perder contra
Marrocos, e a Dinamarca
contra todos os seus rivais. A
participação da Espanha também
não foi a que se esperava.
A seleção espanhola ficou-se
pelos oitavos de final, após a
derrota contra Marrocos. Por
fim, para a lista das decepções
deste mundial, entra o Uruguai,
que pela quarta vez não
ultrapassou a fase de grupos.
A altura do Mundial é o
momento em que o mundo
inteiro faz um intervalo para
pôr os olhos no futebol. Ser
convocado para o campeonato
é, para qualquer jogador, um
prestígio, pois apenas os verdadeiros
craques são convocados.
Em 2022, uma série de
bons jogadores ficou de fora:
- David Alaba: Áustria
- Mohamed Salah: Egito
- Karin Benzema: França
- N’Golo Kanté: França
- Paul Pogba: França
- Erling Haaland: Noruega
- Riyad Mahrez: Argélia
- Zlatan Ibrahimovic: Suécia
- Gianluigi Donnarumma:
Itália
- Luiz Díaz: Colômbia
- Marco Reus: Alemanha
Caminhos distintos, um só destino
Duas seleções que partiram
para este Campeonato do
Mundo inseridas no lote de
favoritas a levantar o troféu.
Apesar disso, o caminho de
ambas as equipas até ao palco
mais sonhado ficou marcado
por exibições de luxo, mas
também alguns percalços.
Num grupo com Polónia
e México, a seleção argentina
acabaria mesmo por entrar
com o “pé esquerdo” na
competição, com uma derrota
surpreendente frente à Arábia
Saudita (1-2). As críticas num
panorama internacional, não
tardaram em chegar, colocando
mesmo em causa o valor do
plantel comandado por Lionel
Scaloni. Obrigados a melhores
resultados nas duas partidas
que restavam com vista à
passagem aos oitavos de final
da competição, o astro Lionel
Messi conduziu a alviceleste
a duas vitórias fundamentais,
apontando um golo e uma
assistência na conquista dos
3 pontos frente ao México,
juntamente com uma partida
mágica na vitória de 0-2 face
ao conjunto polonês, a encerrar
a primeira fase do torneio.
Destacar as entradas de Enzo
Fernández e Julián Álvarez
no onze titular da Argentina,
como pilares para a melhoria
significativa na qualidade
de jogo. Na fase posterior do
torneio, a seleção argentina
defrontou e bateu a Austrália
por 2-1, com o golo inaugural
a ser apontado pelo capitão
Lionel Messi e com o placar
a ser aumentado pelo avançado
de 22 anos do Manchester
City, Julián Alvárez, numa falha
tremenda do guarda-redes
dos socceroos, Mathew Ryan.
Os Países Baixos foram os adversários
nos quartos de final.
Em mais um momento de genialidade
de La Pulga, o avançado
que atua no PSG descobre
o lateral direito Nahuel
Molina dentro da grande área
através de um passe milimétrico
que dá origem ao primeiro
golo do encontro. Depois
de Messi converter o pénalti
que aumenta a vantagem ao
minuto 73, parecia que a passagem
às meias-finais estava
consumada, mas a “laranja
mecânica” não atirou a toalha
ao chão, conseguindo mesmo
empatar a partida perto do
apito final, através do segundo
golo de Weghorst, fruto
de um livre estudado. O jogo
acabaria por ficar decidido na
marcação de grandes penalidades,
onde Emiliano Martínez.
guarda-redes que atua ao
serviço do Aston Villa, foi o
grande herói, conseguindo parar
as cobranças de Virgil van
Dijk e Berghuis. Nas meias-
-finais, o conjunto alviceleste
enfrentou a Croácia, finalista
vencida no Campeonato do
Mundo de 2018. Num jogo
que se antevia equilibrado,
a turma de Zlatko Dalic não
teve argumentos para travar
o poderio ofensivo argentino,
com a dupla Messi-Álvarez
mais uma vez em destaque. O
terceiro golo que ditou o resultado
final de 3-0, parte de
mais um momento de brilhantismo
do camisola 10. Numa
arrancada individual notável,
Lionel Messi deixa Gvardiol
(um dos jogadores em destaque
nesta competição) para
trás e assiste para uma finalização
fácil do jovem jogador
formado no River Plate.
A França partiu para este
Mundial como a detentora
do troféu e com vontade de
revalidar esse mesmo título.
Apesar do plantel rodeado de
estrelas em todas as posições
do terreno, a seleção gaulesa
seguiu para o Qatar com três
ausências de peso: os médios
N´golo Kanté e Paul Pogba,
e o atual vencedor do Ballon
D´or, Karim Benzema, todos
por lesão. Na partida inaugural
dos Les Bleus frente à Austrália,
Olivier Giroud mostrou
que estava pronto para ocupar
a vaga deixada pelo ponta-de-
-lança do Real Madrid, apontando
dois golos na vitória por
4-1. Também Kylian Mbappé,
figura principal desta equipa,
chamou para si a responsabilidade,
marcando um golo e
dando uma assistência numa
bela arrancada pelo corredor
esquerdo. No Estádio 974,
França e Dinamarca (os conjuntos,
à teoria, mais capacitados
para passar este grupo)
defrontaram-se num encontro
que pautou pelo equilíbrio.
Mbappé inaugurou o marcador
numa excelente combinação
com Theo Hernández,
contudo, a vantagem demorou
menos de 10 minutos, com
Andreas Christensen a igualar
o resultado no seguimento
de um pontapé de canto. Este
golo de pouco serviu, já que o
avançado de 24 anos do PSG
decidiu faturar pela segunda
vez ao minuto 85, garantindo
assim os 3 pontos para a turma
gaulesa. No último jogo
da fase de grupos, já com o
primeiro lugar praticamente
assegurando, o técnico Didier
Deschamps opta por jogar
com as suas segundas linhas,
dando assim mais minutos a
jogadores como Kolo Muani
ou Guendouzi. Os gauleses
acabariam por sair derrotados
frente à Tunísia com Khazri a
marcar o único golo da partida.
Na primeira ronda a eliminar,
a França venceu de forma
tranquila a Polónia de Robert
Lewandowski por 3-1, com
Mbappé a ser novamente o jogador
em destaque. O jovem
avançado serviu Giroud para
o primeiro, e ajudou o compatriota
a tornar-se no maior
marcador da história da seleção
francesa com 55 golos,
ultrapassando Thierry Henry.
Para além disso, Kyllian
Mbappé, com dois remates
muito colocados, selou o
triunfo da equipa. O jogo dos
quartos de final para a França,
nada teve a ver com o jogo
dos oitavos, com a Inglaterra
a não ter medo de jogar num
bloco mais subido. As ocasiões
surgiram de ambos os lados,
mas a vitória sorriu para
o lado gaulês, com os golos a
serem apontados por Tchouaméni,
num remate muito
distante, mas que acaba por
entrar junto à malha lateral, e
por Olivier Giroud de cabeça.
O experiente ponta-de-lança
de 36 anos acabou mesmo por
ser um dos destaques de toda
prova. O jogo fica marcado
pela penalidade desperdiçada
por Harry Kane nos últimos
10 minutos, que restabeleceria
o resultado em 2-2. Marrocos,
a surpresa do Campeonato do
Mundo de 2022, foi a adversária
nas semi-finais. Num jogo
em que o segredo esteve na
eficácia, Theo Hernández fez
o primeiro tento numa jogada
de insistência, e Kolo Muani,
depois de um magnífico trabalho
de Mbappé dentro da área,
empurrou a bola para dentro
da redes e carimbou a passagem
dos Les Bleus à final.
53
Desporto
Rumo à terceira estrela
Dois países com uma tradição
enorme no futebol: de um
lado a Argentina, país de futebolistas
lendários como Maradona,
Batistuta e Zanetti, e do
outro a França, terra de outros
tantos como Zidane, Platini e
Vieira. De um lado a Argentina,
campeã do mundo em 1978
e 1986, e do outro a França,
que ergueu o respetivo troféu
em 1998 e 2018. Ambas as seleções
tinham o sonho de somar
mais uma estrela nos seus
uniformes, mas apenas uma
conseguiu tal feito: Argentina.
Resumo do jogo
Início do 1º tempo
- 21´ É penálti! Dembélé
rasteira Di Maria já dentro
da área, depois de uma
bela finta sobre o seu opositor
direto. O árbitro Szymon
Marciniak não teve dúvidas
em apontar para a marca de
11 metros. Oportunidade
de ouro para Messi adiantar
a Argentina no marcador.
- 23´ GOLOOOOO!
ARGENTINA 1-0 FRANÇA
Messi não treme na marcação
da grande penalidade,
rematando para o canto superior
esquerdo da baliza de
Lloris. O guarda-redes francês
atirou-se na direção oposta.
- 35´ GOLOOOOO!
ARGENTINA 2-0 FRANÇA
Contra-ataque letal por
parte da seleção alviceleste.
Alexis Mac Allister joga
rapidamente em Messi, que
num toque subtil encontra Álvarez
na linha. O avançado
do Manchester City coloca
de primeira na profundidade
para Mac Allister, que serve
por fim, Ángel Di María. O
extremo da Juventus finaliza
com o pé esquerdo ao primeiro
toque, para o canto inferior
esquerdo da baliza francesa.
- 45 + 7´ O árbitro
apita para o final do primeiro
tempo. As equipas dirigem-se
para os balneários
Início do 2º tempo
- 79´ É penálti! Kylian
Mbappé coloca a bola nas costas
da defesa argentina, e Kolo
Muani antecipa-se a Otamendi.
Já na entrada da área, o central
rasteira o avançado que
atua no Eintracht Frankfurt.
- 80´ GOLOOOOO!
ARGENTINA 2-1 FRANÇA
Mbappé assumiu a responsabilidade
e atirou forte para o
lado direito da baliza defendida
por Emi Martínez. O guarda-redes
até adivinhou o lado,
mas não chegou a tempo de
impedir que a bola entrasse no
fundo das redes. Os franceses
não atiram a toalha ao chão!
- 81´ GOLOOOOO!
ARGENTINA 2-2 FRANÇA
Inacreditável! Num espaço de
um minuto a França consegue
chegar à igualdade no marcador
por Kylian Mbappé. Rabiot
levanta a bola, Mbappé
ganha de cabeça sobre Molina
e tabela com Kolo Muani
para uma finalização excecional
de primeira sem a bola
cair no chão. Temos jogo!
- 90 + 8´ Surge
o apito para o final
do tempo regulamentar!
Início do 1º tempo do
prolongamento
- 105´ O árbitro
apita para o intervalo!
Início do 2º tempo do
prolongamento
- 108´ GOLOOOOO!
ARGENTINA 3-2 FRANÇA
Lionel Messi marca o
golo que pode ter dado o título
à seleção argentina. Uma
bela triangulação entre Enzo
Fernández, Messi e Lauturo,
que deixa este último em
posição para finalizar. Lloris
defende o disparo do avançado
da Inter, mas nada consegue
fazer para travar a recarga
do capitão da Argentina.
- 116´ É penálti!
Mbappé remata e Montiel
interceta a bola com o braço.
Momento muito emo
tivo perto do fim do jogo!
- 118´ GOLOOOOO!
ARGENTINA 3-3 FRANÇA
Mbappé não se deixa intimidar
pela pressão e faz assim
o seu hat-trick na partida.
Remate forte para o
lado direito da baliza, enganando
Emiliano Martínez.
- 120 + 3´ Defesa assombrosa
de Emi Martínez!
Kolo Muani isolado frente
ao guarda-redes argentino remata
de forma violenta, mas
o guardião impede o golo
com o seu pé direito, negando
assim os festejos gauleses.
- 120 + 3´ O árbitro
apita para o fim do prolongamento!
A final do Mundial
vai ser decidida na marcação
de grandes penalidades.
Fotografia: Twitter
Grandes Penalidades
- Golo! França 1-0 Argentina.
Mbappé chuta com
força para a esquerda e
Emiliano Martínez, apesar
de tocar na bola, não consegue
mudar a trajetória
- Golo! França 1-1 Argentina.
Messi, com muita
tranquilidade, bate para o seu
lado esquerdo e trai Lloris.
- Defesa de Emiliano
Martínez. França 1-1 Argentina.
Coman bate para o mesmo
lado de Mbappé, mas desta
vez o guardião argentino consegue
desviar a bola para fora.
- Golo! França 1-2 Argentina.
Paulo Dybala remata
rasteiro para o meio, com
o guarda-redes da França a
mergulhar para a esquerda.
- Tchouaméni atira
para fora! França 1-2
Argentina. O médio francês
remata para a esquerda,
mas o remate passa ao lado.
- Golo! França 1-3 Argentina.
Leandro Paredes remata
para a esquerda, junto ao
poste da baliza. Lloris ainda se
esticou, mas nada pôde fazer.
- Golo! França 2-3 Argentina.
Kolo Muani solta um
remate violento para a esquerda.
Sem hipóteses para Dibu.
- Golooooo! França
2-4 Argentina.
ARGENTINA É CAMPEÃ
MUNDIAL DE FUTEBOL!
Montiel assume a cobrança
e não desperdiça, atirando
a contar para o lado esquerdo.
Fotografia: Outlook Índia
54
Desporto
Resultado final
FRANÇA 3(2) - 3(4) ARGENTINA
Numa final recheada de
golos, a Argentina levou a
melhor contra o conjunto
francês na decisão por grandes
penalidades. Considerada
por muitos a melhor final de
sempre da história do Mundial,
emoção e momentos de
magia não faltaram, sobretudo
por parte das figuras centrais
das duas equipas: Lionel
Messi e Kylian Mbappé.
Prémios individuais
Bola de Ouro (melhor
jogador): Lionel Messi
(Argentina)
Chuteira de Ouro (melhor
marcador): Kylian
Mbappé (França)
O craque da seleção francesa
mostrou mais uma vez
toda a sua qualidade no maior
evento desportivo a nível global.
Depois de ser um dos
elementos-chave na conquista
da competição em 2018,
Mbappé somou 8 golos nesta
última edição, sendo 3 deles
marcados na final. O jogador
de 24 anos está a 5 golos de
ultrapassar Miroslav Klose
como o melhor marcador
de sempre em Mundiais.
Países Baixos e contra a França,
defendendo duas e uma
cobrança, respetivamente.
Protagonizou ainda uma defesa
monumental a remate de
Kolo Muani nos acréscimos
do prolongamento, que caso
entrasse, muito provavelmente
daria o título aos Les Bleus.
Melhor Jogador Jovem
(revelação): Enzo Fernández
(Argentina)
O médio de 21 revolucionou
a forma de jogar da
Argentina, mal entrou no 11
escolhido por Lionel Scaloni.
Com a sua capacidade de
passe e leitura de jogo, Enzo
Fernández foi o pêndulo para
a organização do conjunto
alviceleste, comandando as
transições defesa-ataque da
equipa. O golo contra o México
trouxe ainda mais visibilidade
a toda a sua qualidade.
Naquele que, segundo Messi,
seria o seu último Mundial,
o astro argentino foi figura
principal da conquista do único
grande troféu que faltava na
sua recheada prateleira, apontando
7 golos e 3 assistências.
Com exibições memoráveis
durante toda a campanha, La
Pulga afirmou a sua posição
como um dos melhores jogadores
de todos os tempos.
Luva de Ouro (melhor
guarda-Redes): Emiliano
Martínez (Argentina)
A par de Lionel Messi,
um dos jogadores mais decisivos
da seleção alviceleste.
O guarda-redes de 30 anos
foi gigante nas decisões por
grandes penalidades contra os
Fotografia: Kirill Kudryavtsev / AFP
Fotografia: FIFPro
55
Editorial
Por um país mais inclusivo
“
Estou mais do que nunca influenciado pela convicção de que a igualdade
social é a única base da felicidade humana.” - Nelson Mandela
EDITORIAL
Jornal Sentinela
A falta de acessibilidade
e qualidade de vida para
pessoas com deficiência
é um dos maiores problemas
em Portugal. Embora
estejam a ser tomadas várias
medidas, ainda há um
longo caminho a percorrer.
Infelizmente, em Portugal,
ninguém está preparado para
lidar com algo fora da norma.
São muitos os casos onde a
falta de inclusão está intrínseca
na sociedade. À custa da
ignorância dos cidadãos em
relação a este tema, ter autonomia,
arranjar emprego, ou até
mesmo fazer amigos, pode-se
tornar um desafio. Há medidas
que devem ser tomadas.
Um primeiro passo fundamental
seria uma mudança
no sistema de ensino. A
necessidade de ensinar leis
de física ou estudar os Descobrimentos
não é superior à
de preparar todos os cidadãos,
desde pequenos, a construir
e perpetuar uma sociedade
justa e igualitária. A maioria
dos jovens adultos “perdeu”
tempo numa disciplina chamada
de Cidadania. Na teoria,
prepara os jovens para a
vida e para os desafios sociais
que possam enfrentar. Na
prática, tinham reuniões sobre
o comportamento escolar.
O Estado ajuda as pessoas
com estas dificuldades fornecendo
alguns recursos, como
cadeiras de rodas e outros
instrumentos. No entanto, o
tempo de espera acaba por ser
longo, e as pessoas recebem
estes apoios dois ou três anos
depois. Não basta dar a estas
pessoas os instrumentos que
precisam, se depois não criam,
na cidade, as acessibilidades
necessárias para que possam
ter uma vida normal, ou pelo
menos tentar. Segundo a Convenção
sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, as
mesmas devem ter acesso a
“condições de igualdade com
os demais, ao ambiente físico,
ao transporte, à informação
e comunicações”. Isto inclui
“as tecnologias e sistemas de
informação e comunicação,
bem como outras instalações
e serviços abertos ou prestados
ao público, tanto nas
áreas urbanas como rurais”.
Não conseguir entrar em
monumentos, escolas, espaços
de lazer, usar elevadores
sem tamanho ou linguagem
próprios (braille ou voz, por
exemplo) e, até mesmo, em
centros de saúde, é uma realidade
demasiado presente
em pleno século XXI.
Acreditamos que ninguém
gostaria de ter a sua liberdade
individual condicionada.
O jornal Sentinela é inclusivo
e esforça-se para dar mais
visibilidade a estes problemas
que precisam de ser alterados
com urgência. Os direitos de
um cidadão não diferenciam
géneros, sexos, classes sociais
e, muito menos, as características
físicas ou cognitivas de
um indivíduo. Temos o dever
de vigiar e alertar. Não
só de vigia pela verdade,
mas de vigia pela igualdade.
Bruna Jardim Carla Silva Maria Andrade
Pedro Pimparel Serafim
Rita Silva
56
Opinião
Black Friday: Aproveite os descontos e seja enganado
sem perceber
CRÓNICA
Maria Andrade
25 de novembro de 2022
(última sexta-feira do mês) -
dia da Black Friday no mundo
todo. As lojas ainda nem
abriram portas e a multidão
que existe no exterior faz parecer
que o Justin Bieber vai
dar um concerto na Apple
Store de um shopping qualquer
no Texas. Já no interior
da loja, aquilo que acontece
é tudo menos parecido com
um concerto, a não ser que
seja daqueles de Punk Rock.
Falta exatamente um mês
para o dia de Natal e todos
querem encontrar o presente
perfeito para dar, mas calma,
uma caixa de chocolates ou
meias é sempre uma boa solução
e salvou muitas das minhas
tias ao longo dos anos.
- Está aqui a falar mal da
Black Friday, mas aposto que
comprou mil e uma coisas no
dia. - Pensam vocês indignados.
A verdade é que não comprei
mesmo nada. Para mim,
não é difícil resistir aos descontos,
uma vez que sou estudante
universitária e deslocada.
Estou sempre sem dinheiro
e os descontos não passam de
meros números presentes em
milhões de anúncios. Neste
caso, sendo uma boa oportunidade
de negócio ou uma fraude,
não é algo que me importe
pois não posso comprar nada.
No entanto, parece que o
comerciante não se contenta
com um dia de promoções,
isto fez com que o Black November,
a Black Week e até
mesmo o Black October aparecessem
em algumas lojas.
Já repararam que são inúmeros
os ramos que não aderem
a estes descontos? Nunca
vi a BMW a fazer uma promoção
de 50% na compra de um
dos seus automóveis. Ou até
mesmo a Ferrari a fazer a típica
publicidade “2 pelo preço
de 1”. As agências funerárias
também não aplicam qualquer
tipo de descontos durante esta
altura. Suponho que seja por
já terem as vendas garantidas
ao longo de todo o ano.
Para vos matar a curiosidade
de como poderiam ser os
anúncios, na minha cabeça
seria algo do género: “Morra
no Natal e receba 30% de
desconto no seu caixão.”.
Se pensarmos bem, a maior
parte das vezes os descontos
nem são assim tão bons. Muitas
das vezes nem são descontos.
No entanto, há que evitar
ao máximo que a Black Friday
se transforme numa Black
Fraude. Para isso, existem
dicas essenciais como, por
exemplo, levantar a etiqueta
do preço para confirmar
que o preço anterior não era
igual, fazer as contas na calculadora
do telemóvel antes
de chegar à caixa, desconfiar
dos descontos de 50% porque
a esmola nunca é grande dessa
forma e, verificar os produtos
online. Se é para ser “roubado”
ao menos é no conforto
do teu sofá e não nas enormes
filas dos shoppings. Aproveitem
bem estas dicas. Quem
vos avisa, vosso amigo é.
Ilustração: Margarida Antunes
57
Editorial Opinião
Está tudo bem?
CRÓNICA
Luís Guedes
Há coisas no ser humano
que, realmente, me fazem
valorizar, cada vez mais, a
minha cadela. Tudo bem que
a Fibi não é particularmente
inteligente. Tem medo da
sombra. De vassouras. Apresenta
muitas dificuldades em
abrir portas já semiabertas.
Para o meu pequeno canídeo,
tudo é um desafio, na verdade.
Apesar da sua inoperância
em muitos aspetos da vida
quotidiana, a Fibi é uma amiga
que eu valorizo. Não só por
me fazer companhia em noites
de Liga dos Campeões, mas
principalmente porque nunca
me pergunta se está tudo bem.
- Espera, mas está tudo
bem? - questionam vocês.
E é aí que eu respondo:
tudo o quê, meus amigos?
Não é? Porque é que permitimos,
enquanto sociedade,
que uma das primeiras falas
presentes em qualquer diálogo
seja do mais intrusivo
que existe? É que quando me
perguntam sobre tudo, obrigam-me
a pensar, lá está, em
tudo. Na minha vida amorosa,
na minha carreira, na minha
família, na seleção nacional.
E é assim, eu confesso que
estou um bocadinho farto do
William Carvalho. Portanto,
não, Patrícia. Não está tudo
bem. Acho que há soluções
bastante melhores, para te ser
muito sincero. No entanto,
constato que não estás muito
interessada nesta visão que eu
tenho de jogar com o Renato
Sanches a trinco. Se calhar, esperavas
um mero, um simples,
um mísero “tá tudo”. Também
te posso presentear com um
“vai-se andando”, que, no
fundo, é o mesmo que responder
“alicate”. Em termos de
conteúdo, de pertinência, de
suminho… ambos são zero.
Que parvos somos, não é?
Incluo-me, atenção! É giro
reparar que tudo isto é uma
espécie de espetáculo non-stop
de ilusionismo. Andamos
a enganar-nos uns aos outros
e gostamos de ser enganados,
quer-me parecer, sem qualquer
tipo de ironia! Com tudo o que
isso tem de bom e de mau. O
que seria sermos honestos?
Que tragédia! Imaginem, a
caminho do metropolitano,
retribuir a pergunta à Patrícia
e receber algo deste género.
- Olha, Luís, sabes… ultimamente,
tenho sentido que
o meu namorado já não me
deseja tanto como outrora. E
não me perguntes porquê, mas
aquela Paula dos Recursos
Humanos deve querer molho.
No que toca a família, nada a
dizer. Aliás, algo a dizer. Sabes
o meu irmão mais novo?
O Ruizinho? Quer dizer, o
Rui… está um matulão! Há
dias, apanhei-o trancado na
casa de banho com um poster
da Sónia Araújo! Ele sempre
quis muito ser apresentador.
Mas olha, no trabalho, tudo
mal. Farto do meu chefe. Há
dias, apanhou-me no TikTok
e perguntou se era para isso
que lhe pagava. É assim, claro
que não, mas quer dizer, saúde
mental, não é? Fazer pausas é
muito importante em contexto
laboral! Enfim, e contigo?
É assim, comigo, se calhar,
depois de tanta informação,
preciso de um momento de recobro.
Como nas vacinas, sabem?
Para processar a injeção.
Posto isto, proponho-me a ser
a voz dos oprimidos. Daqueles
que, diariamente, lutam contra
estes seres humanos que,
tal como nós, respiram, mas
ao contrário de nós, fazem
perguntas vagas, esperando
respostas igualmente vagas.
Comecemos por algo que
não nos dê sensação de início
de conversa. Deixemos o “então,
está tudo bem?” e passemos,
quiçá, a um “olha, gostas
de pão?”. Desprovido de sentido?
Sim, mas e se vos dissesse
que tenho um amigo que já
foi bem-sucedido em termos
amorosos com esta primeira
abordagem? Provavelmente,
achariam que estava a mentir.
O que é compreensível.
O mais engraçado no meio
disto tudo é que não estou.
Já não o vejo há algum
tempo, tenho de lhe perguntar
como é que está.
Ilustração: Margarida Antunes
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Opinião
“Por favor, não matem os velhinhos!”
OPINIÃO
Pedro Pimparel Serafim
É incrível como em pleno
século XXI, onde rapidamente
temos acesso a todo tipo de
conteúdo, a Sociedade teima
em dar a sua opinião sem possuir
qualquer conhecimento
das matérias em questão. O
vício pela procura da relevância
leva as pessoas a formarem
um ideal sem a devida recolha
de bases informativas. Desta
forma, são criadas posições
pessoais pouco sustentadas e,
muitas das vezes, sem qualquer
credibilidade. O caso
da legalização da Eutanásia
em Portugal remonta a 1995
mas é desde 2018 que este
assunto tem ganho uma força
maior, tanto em termos mediáticos
como Parlamentares.
As regras para se ser eutanasiado
são bem claras e,
têm a meu ver, uma estrutura
sólida e que apela na sua totalidade
à razão. A primeira e
provavelmente a mais óbvia
passa pela obrigatoriedade de
se ser maior de idade a fim
de se tomar uma decisão tão
cirúrgica. O ponto de situação
do indivíduo é outro dos
fatores a ter em conta, já que
o processo só pode entrar em
ação num caso de dor extrema
ou agonia prolongada associada
a uma doença incurável e
fatal. Resumidamente, a pessoa
já sabe que é uma questão
de tempo até o término da sua
vida. A Eutanásia seria assim
uma escapatória para as dores
que são praticamente insuportáveis.
De salientar, que se
trata de uma decisão pessoal e
revogável, ou seja, determinada
pelo próprio e sempre com
a possibilidade de desistência
em qualquer circunstância.
Por fim, salientar que outro
dos pressupostos passa pela
sanidade mental do indivíduo.
O mesmo tem que estar apto
do foro psicológico para que
o seu desejo possa ir avante.
Mal eu descobri estas regras, a
confusão instalou-se na minha
cabeça. Na altura senti que me
estava a escapar algum pormenor
para haver tanta gente
contra esta medida. Algum
super argumento que colocasse
em causa os valores éticos
e morais neste aceso debate.
Fiquei estupefacto quando
me apercebi dos argumentos
contra defendidos por múltiplas
entidades e, rapidamente
cheguei à conclusão, que não
é a racionalidade o mote para
pôr em causa este princípio.
Um dos argumentos defendidos
pelos opositores à
Eutanásia passa pela seguinte
premissa: “Só Deus pode tirar
uma vida”. Apesar de respeitar
por completo a religiosidade,
o meu cepticismo leva-
-me sempre a olhar de forma
desconfiada para tudo aquilo
que não consigo analisar com
os meus próprios sentidos. Se
por um lado tenho um enorme
respeito, por outro não posso
aceitar que certas medidas não
prosperem por puras crenças
pessoais. Infelizmente não é
só neste caso em específico
que causas espirituais servem
de travão ao progresso e que
são vistas como um motivo
superior ao próprio pensamento.
A minha perplexidade
aumentou quando num debate
quinzenal em 2018, Assunção
Cristas, na altura presidente
do CDS-PP, referiu o seguinte:
“o Sr. Minsitro não é capaz
de dizer se na sua grelha
de prioridades precisamos de
melhorar os cuidados paleativos
ou destituir a Eutanásia,
que certamente sai mais barato”.
A questão da poupança
obviamente não pode ser um
fator a ter em conta quando
este assunto vem à tona.
O objetivo da Eutanásia não
passa por uma redução de
custos como é lógico. António
Filipe, deputado do PCP,
acredita que o Estado tem o
dever de “mobilizar os avanços
tecnológicos e científicos
para assegurar o aumento da
esperança de vida e não para
a encurtar”. Numa primeira
leitura este comentário pode
parecer acertado, mas o que
é certo é que o aparecimento
desta nova realidade não colocará
certamente em causa
o desenvolvimento de outras
plataformas de apoio associadas
à saúde. A Eutanásia
não passa a ser uma primeira
hipótese para a resolução de
problemas, logo, por consequência,
em nada afetará outros
mecanismos que terão como
objetivo a mais rápida e segura
recuperação dos pacientes.
Em suma, eu sou a favor da
morte medicamente assistida.
Tal como dizia o escritor brasileiro
Jean Carlos de Andrade,
“nós somos donos de nós
mesmos, podemos fazer tudo,
somos livres e desimpedidos”.
Uma pessoa tem o direito de
decidir aquilo que é melhor
para si numa fase da vida onde
não parece haver luz ao fundo
do túnel. Todos aqueles que se
opõem a esta ideia, ainda não
encontraram fundamentos válidos
que contrariem esta proposta.
A Eutanásia não é sinónimo
de “matar velhinhos”.
59
Opinião
O Mundial da falta de direitos humanos, e um cheque
rechonchudo para o acompanhar
OPINIÃO
Maria Barradas
O Mundial da vergonha foi
inaugurado dia 20 de novembro
com uma derrota do Catar,
mas, apesar da merecida
derrota, não é suficiente para
desvalorizar as suas vitórias
monetárias e a derrota de todos
aqueles que priorizam os
bons dos direitos humanos.
Claramente, essas pessoas
não são nem os jogadores,
nem os treinadores, nem as
federações ou a própria FIFA
em si. Num mundo futebolístico
de cheques rechonchudos,
com mais do que cinco
zeros à direita, a cegueira
é rainha. Fazem vista grossa
para cada um dos lados, e
olham em frente como se de
cavalos com palas nos olhos
se tratassem. Mais vale um
burro, que cavalo hipócrita.
E mesmo com a primeira
derrota do Catar, o mundo
perdeu com a localização deste
mundial. As famílias dos
6500 trabalhadores que morreram
nos últimos 10 anos,
somente para a preparação de
um campeonato de futebol,
perderam. O feminismo, a comunidade
LGBT, a imprensa
e consequentemente a liberdade
de expressão, perderam.
Meter o Catar no mapa, um
país que viola os direitos que
qualquer ser humano devia
poder dar como garantidos e
que nada quer saber de futebol,
sob as circunstâncias em
que se encontra, é um perfeito
disparate, no mínimo. Primeiro
comprometem-se em
cumprir aquilo que já deviam
cumprir há muito tempo e,
meses, semanas até, antes do
início do mundial, mudam de
registo e impõe que milhares
de pessoas se ajoelhem perante
o que é seu por direito. Dar
a oportunidade às mulheres
não cataris de conduzir quando
as próprias habitantes não
possuem a mesma possibilidade
é desafiar os conceitos
de sororidade e feminismo.
Um cartão vermelho não
só para a FIFA, mas para todos
aqueles que compactuam
com um mundial que só pode
ser descrito como vergonhoso.
E a questão que se coloca é a
seguinte: como é que se bane
a Rússia de participar neste
grande campeonato de futebol
como castigo pelas atrocidades
da guerra que o país começou
contra a Ucrânia e não
se proíbe o Catar de realizar
um evento desta dimensão?
É bastante claro que ninguém
associado ao mundo
do futebol parece estar preocupado
em promover algo
que está intrinsecamente
ligado ao ódio. É de admirar
que ninguém com influência
no meio se tenha
chegado à frente para anunciar
a sua não participação.
Se houver quem disser
que história está a ser feita,
tem toda a razão. Mas ninguém
disse que a história é
sempre boa, afinal aquela
que aprendemos na disciplina
de história nem sempre o é.
Rola a bola no mundial,
mas os direitos humanos
ficaram fora de jogo.
ESTATUTO EDITORIAL
O Sentinela é um jornal
académico de cariz generalista,
realizado no âmbito da
licenciatura em Ciências da
Comunicação da Faculdade
de Letras da Universidade do
Porto. Guiado pelo lema “de
vigia pela verdade”, somos
um jornal que se segue pelos
parâmetros da inclusão, tentando,
sempre que possível,
informar de acordo com a visão
dos diferentes núcleos sociais.
O nome Sentinela surge
desta forma, de uma maneira
de estar que nos caracteriza:
estamos sempre em alerta para
mostrar ao público as diferentes
versões da mesma história.
Para além da versão impressa,
o jornal Sentinela
possuí também uma versão
online. Faz scan do
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REDATORES:
Bruna Jardim, Carla Silva, Maria Andrade, Pedro
Pimparel Serafim e Rita Silva
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Bruna Jardim e Maria Andrade
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REVISÃO:
Carla Silva, Maria Andrade, Pedro Pimparel Serafim e
Rita Silva