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Terça-feira / 10 de Janeiro de 2023

Política

Retrospetiva: Orçamento

de Estado 2023

// pág. 11 a 13

Economia

Metro do Porto: um

ajuste orçamental necessário

// pág. 17 a 18

Inovação

Porto, a cidade que não anda porque não

quer ver // pág.2 a 9

SANDRA FELGUEIRAS // pág. 26 a 33

“Eu sou uma mulher que só sabe viver feliz”

A cara do jornalismo de investigação em Portugal: é assim que é descrita Sandra Felgueiras. À conversa com o jornal Sentinela,

a jornalista conta como é que o gosto pelo jornalismo surgiu na sua vida e os principais desafios da carreira, bem como os

momentos mais marcantes do seu crescimento pessoal.

NotEggo: ovo 100%

vegetal que substitui

tradicional

// pág. 39 a 40

Desporto

Um mundial para os

livros de história

// pág. 11 a 13

Sociedade

Cultura

Um olhar sobre a guerra // pág. 22 a 23

Entrevista a Marco Horácio e António Raminhos

// pág. 44 a 45

PRETO NO BRANCO


Fotografia: Maria Andrade


Porto, a cidade que não anda porque

não quer ver

Grande Reportagem

A falta de acessos, autonomia, cuidados e oportunidades,

para pessoas que fogem da “norma”, é um problema enraizado

na sociedade. A mudança é urgente. Para ajudar no combate

a essas dificuldades, há associações que desenvolvem o trabalho

de apoio necessário, por todo o país. O Porto não é uma

exceção. O jornal Sentinela foi conhecer a vida de quatro pessoas,

que lidam diariamente com os desafios que a sua condição

lhes impõe, e quatro instituições com delegações pela Invicta.


Grande Reportagem

Conheça as testemunhas

António Almeida, 76 anos

António Almeida é chefe de serviço da delegação da Associação Portuguesa de Deficientes do Porto,

cidade onde fez a sua educação António tem deficiência motora, com uma incapacidade de 70%.

Aureliano Moreira, 84 anos

Aureliano Moreira cresceu numa pequena vila em Viseu, tendo perdido a visão aos 2 anos de

idade, devido à varíola. Em 1948, mudou-se para o Porto, para estudar no Instituto de Cegos

de São Manuel. Ao longo da sua vida, trabalhou sempre no Porto, reformando-se em

2001. A participação na Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) tornou

a sua adaptação mais fácil e, hoje em dia, conhece bem a cidade e vive com normalidade.

Catarina Oliveira, 33 anos

Catarina ficou paraplégica aos 27 anos, após descobrir, durante uma viagem ao Brasil,

que tinha uma mielite transversa, uma inflamação na medula espinal. A doença colocou-

-a numa cadeira de rodas, mas, apesar disso, a portuense arranjou motivação para desconstruir

preconceitos contra pessoas com deficiência, através da sua página de Instagram

“Espécie rara sobre rodas”, que já conta com cerca de 40 mil seguidores. A luta pela

acessibilidade tem sido um dos motes que regem a respetiva rede social, onde partilha as

suas experiências de uma forma humorística, sem nunca desfazer a seriedade da situação.

Kelita Antunes, 24 anos

Desde que ficou paraplégica aos 8 anos, Kelita mudou-se para Portugal, para realizar o devido

tratamento. Já viveu em Lisboa, e encontra-se atualmente a residir no Porto. Depois de

ter passado por diferentes empregos que, devido à sua condição, acabaram por não resultar,

encontra-se agora a trabalhar no apoio ao cliente, uma área que lhe agrada e a faz sentir útil.

Paula Costa, 56 anos

Paula Costa perdeu 95% da visão há 17 anos. Começou por ser sócia da Associação dos Cegos e Amblíopes

de Portugal (ACAPO), enquanto fazia a reabilitação para tratar da sua condição. Fez duas

formações, constituídas por um estágio, e é agora Presidente da Direção da Delegação do Porto.

Ocupa este cargo há 9 anos, lutando sempre pela plenitude de direitos para pessoas com deficiência.

4


Grande Reportagem

As barreiras do desenvolvimento

Faltam ovos em casa.

Saímos para apanhar

o autocarro em direção

ao supermercado. Antes

das compras, passamos pelo

multibanco para ir levantar dinheiro.

Na hora de voltar para

casa, o autocarro nunca mais

chega, por isso decidimos ir

a pé. Esta é a nossa realidade,

sem obstáculos. Mas nem

para todos é assim tão fácil.

Todas as pessoas, independentemente

da condição que

possuem, têm a liberdade de

se movimentar. É um direito

que se prende a todos os cidadãos

e que deve ser respeitado

por órgãos privados e públicos.

Contudo, os obstáculos

para as pessoas com deficiência

estão presentes em toda a

parte na sua vida quotidiana.

Camila Teixeira tem 19

anos e, para ela, a realidade

destas minorias não é

uma novidade, dado que

cresceu com o exemplo do

avô, Aureliano Moreira.

Para Camila, uma das principais

dificuldades que o seu

avô tem que enfrentar diariamente,

passa pelos constantes

obstáculos que vão aparecendo

sem aviso prévio,

e que colocam à prova a sua

capacidade de orientação. O

estacionamento imprudente

de trotinetes e carros leva

a um cuidado redobrado.

No que toca à pavimentação

dos próprios passeios, a

cidade prevalece como um

inimigo. Segundo Kelita Antunes,

“os paralelos não são

a coisa mais fácil de andar”,

tendo já caído “imensas vezes

neles”, muito por culpa

da sua irregularidade. Garante

ainda que ruas pavimentadas

com alcatrão facilitam

muito mais o seu trabalho

em termos de deslocação.

O autocarro é o meio de

transporte mais utilizado por

Kelita. Apesar disso, a jovem

de 24 anos salienta que nem

todos os veículos estão destinados

a pessoas com cadeira

de rodas, dando o exemplo

do período em que viveu na

Maia, onde se deslocava num

“autocarro antigo, em que

a rampa era de trás e às vezes

não saía”. Kelita admite

que este inconveniente a faz

muitas vezes optar pelo serviço

de transporte privado,

que traz à tona um novo conjunto

de preocupações: “Eu

estou sempre dependente

de Ubers e tenho de esperar

imenso tempo porque nem

todos os carros são adaptados.

Esses carros demoram

sempre mais ou são sempre

um bocadinho mais caros.”

Na cidade do Porto, a acessibilidade

aos diferentes estabelecimentos

está longe de ser

a mais favorável. Kelita dá o

exemplo dos cafés, afirmando

que “o facto do parapeito

ser um bocado elevado”, já a

impossibilita de ir sozinha aos

diferentes estabelecimentos,

porque não consegue fazer

“o cavalinho com a cadeira

de rodas alto suficiente

para conseguir entrar”.

“ Para uma pessoa

que consegue

ver, é muito fácil

desviar-se, mas

para outra que

não tem visão e

que está habituada

a um certo caminho,

pode ser um

bocado difícil e

frustrante”

Fotografias: Maria Andrade

5


Grande Reportagem

Cultura

A sociedade como obstáculo

Aos olhos da sociedade, as

pessoas com deficiência são

totalmente dependentes dos

outros e com pouca margem

de independência. A verdade

é que a realidade aponta para

uma direção distinta, sendo

Aureliano Moreira, avô de Camila,

um bom exemplo disso:

“Quando a minha avó era

viva, era ele que lhe ligava

o fogão, era que ele que lhe

ligava a água do banho, era

ele que lhe dava os comprimidos

para tomar. A minha

avó era mais dependente do

meu avô, do que o meu avô

da minha avó, o que eu acho

super interessante”, salienta

a jovem de 19 anos. Apesar

disso, Camila refere que há

pequenas tarefas diárias em

que tem que prestar auxílio

como “ir levantar dinheiro”

ou “selecionar os diferentes

produtos no supermercado”.

Posto isto, o desconhecimento

(gerado muitas vezes

pelo próprio desinteresse) é,

na visão de Paula Costa, o

principal motivo por não haver

uma plena integração desta

minoria dentro do contexto

social. A presidente da ACA-

PO do Porto dá a conhecer

algumas situações que comprovam

esta perspetiva: “Por

exemplo, estou numa conversa,

e está aqui a doutora

Sara, que por acaso vê, e as

pessoas para me fazerem

uma pergunta a mim, fazem

a ela como se eu precisasse

de um mensageiro. É como

as pessoas nos chamarem

invisuais. Nós não somos invisuais.

Invisual é uma coisa

que não se vê. Somos pessoas

com deficiência visual

ou baixa visão”. Paula Costa

retrata ainda a forma como as

pessoas tentam ajudar, mas

muitas vezes de maneira errada,

fruto desta respetiva falta

de conhecimento: “Se chegarem

ao pé de mim, que estou

com uma bengala, e perguntarem

se preciso de ajuda,

muitas das vezes digo que

sim. O problema é que às

vezes eu estou na rua, e subitamente

pegam-me num

braço e atravessam-me para

o lado de lá, sem sequer me

perguntar se eu queria atravessar”.

Independentemente

de tudo isto, para a presidente

da ACAPO, o maior sinal de

falta de noções básicas por

parte da população acontece

quando são vistos como doentes,

havendo pessoas que

se “afastam com medo que

se pegue”. Em muitos casos,

a nossa sabedoria sobre determinado

assunto está puramente

associada ao contacto

que temos com essa realidade.

A sociedade tem o vício

moralmente incorreto de tratar

as pessoas com deficiência

como incapacitadas, ou

seja, sem quaisquer atributos

para desenvolver as diferentes

tarefas diárias: “Temos

exemplos, que também não

são positivos, de tratar esta

população como os coitadinhos.

Eles não são coitadinhos.

Eles são capazes do

que são capazes, e devem

fazer o que conseguem.

A partir daí temos que os

apoiar”, afirma Sónia Catarino,

diretora técnica de uma

das unidades da APPACDM.

O constante desrespeito

para com as pessoas com condições

distintas, movidas pela

falta de empatia da sociedade,

leva, segundo Sónia Catarino,

“a um sofrimento desgastante

e pontual”. Com esta

normalização de comportamentos

repudiáveis, estas minorias

não se apercebem que

podiam “ter uma vida melhor”

e “que os seus direitos

podiam ser exercidos”,

algo bastante preocupante

no entender da psicóloga.

“ Nós temos um

papel que nos permite

estacionar, só

que esse papel não

nos vale de nada se

não temos estacionamento.

As pessoas

não respeitam”

Kelita Antunes

Associação Portuguesa de Deficientes (APD)

A APD – Associação Portuguesa de Deficientes – foi fundada no ano de 1972, é uma

instituição de utilidade pública sem fins lucrativos e conta com 25 delegações.

A instituição dispõe de um Centro de Atendimento/Acompanhamento e Animação, que

desenvolve vários setores de serviços de apoio e atividades culturais, recreativas e desportivas.

O Centro de Atividades Ocupacionais é também uma regalia da APD, que

consiste numa resposta social a pessoas com deficiência mental moderada, com idade

igual ou superior a 16 anos, cujas capacidades não permitam, temporariamente

ou permanentemente, a sua integração no mercado normal de trabalho. Para além

das atividades e programas de inserção que a instituição tem, a APD oferece ainda

Lares Residenciais que se destinam a pessoas com deficiência/incapacidade intelectual,

a partir dos 16 anos, que se encontrem impedidas de residir no meio familiar.

Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPA-

CDM)

Fotografias: Maria Andrade

A APPACDM – Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental – difere-se

das outras instituições, sendo direcionada apenas para pessoas com deficiência mental.

Nasceu no Porto, em 1969, e é uma associação sem fins lucrativos, de solidariedade

social e da iniciativa voluntária de particulares, que apoia pessoas com atraso

de desenvolvimento, deficiência intelectual ou incapacidade, de todas as idades.

À semelhança da APD, a APPACDM dispõe também de Lares Residenciais.

Sónia Catarina, psicóloga de formação e diretora técnica da unidade CACI de Monte

Alegre, admite que a maior frustração que estas pessoas enfrentam é, sem dúvida,

em termos sociais: “Há situações pontuais em que o desconhecimento ou o receio,

às vezes até a falta de empatia da sociedade, os faz sofrer pontualmente. Mas, de uma

forma geral, para mim, o mais preocupante é quando esta população nem se apercebe

que podia ter uma vida melhor, que os seus direitos podiam ser exercidos e não são”.

A associação pretende ajudar na elaboração de uma sociedade

de todos, para todos e, desta forma, apoiar e capacitar pessoas

com estas condições para que conquistem uma melhor qualidade de vida.

6


Grande Reportagem

Duas perspectivas, uma realidade

Para alguém cuja sua

normalidade é vista como

anormal para os restantes,

a família torna-se um fator

essencial no processo de

descobrimento individual.

Camila sempre encarou

a situação do avô como algo

normal, mas, infelizmente,

tem a consciência de que essa

mentalidade não abrange toda

a gente, considerando, por

isso, importante a “sensibilização

sobre as pessoas com

deficiência ou mobilidade

reduzida”. Há uns anos,

“um ceguinho era um coitadinho”,

mas, na perspetiva

da neta de Aureliano, essa

mentalidade mudou e agora

“as pessoas cegas são olhadas

como pessoas normais,

há mais compreensão.”

As pessoas com deficiência

visual são, muitas vezes,

negligenciadas quanto às suas

capacidades de realizar as tarefas

do quotidiano. Camila

Teixeira acredita que o mesmo

ideal se aplica ao contexto

destas minorias: “Muitas vezes

perguntam-me como é

que o meu avô vai à casa de

banho, como é que toma banho,

como é que vai ao médico,

e por vezes sinto que

era uma coisa importante

se calhar para as pessoas

saberem. Eu apenas tenho

noção disso porque tenho

um caso muito próximo”.

Camila confessa que acha engraçado

“quando fazem perguntas

sobre tarefas mesmo

normais e acham que seria

diferente, muito diferente,

para o meu avô, quando não

é”. Salienta ainda que é tudo

uma questão de adaptação.

O apoio da família e dos

mais próximos constitui um

dos pilares na vida das pessoas

com deficiência. Contudo,

o contacto com profissionais

e o trabalho das associações

continua a ser crucial e imprescindível.

Para além da

ajuda que oferecem, estas

instituições “estão a fazer

um bom trabalho para trazer

mais luz a este assunto e

para sensibilizar mais pessoas”.

Aureliano era um participante

ativo na ACAPO, e

Camila afirma que o seu avô

“ficou muito satisfeito com

o trabalho da instituição”.

Aliada ao apoio familiar, a

orientação profissional junto

da população com deficiência

é, sem dúvida, uma mais-valia.

Dulce Espinho, assistente

social da ACAPO, explica

como lida com estes casos:

“Numa situação pontual

com uma pessoa que tem a

deficiência visual adquirida

há muitos anos, lidamos de

forma muito natural, porque

já passou pela aceitação

e pelo luto da questão. Se for

recente, independentemente

do motivo, aí já é um bocadinho

mais complicado porque

é trabalhar uma perda.”

Apesar destas diferenças,

Sara Louro, psicóloga

da ACAPO, explica

de que forma estas se

poderão tornar semelhantes.

Na ACAPO, é desenvolvido

um processo de reabilitação

junto de todos aqueles

que pedem auxílio. A

assistente social explica que

no primeiro atendimento é

averiguada a “necessidade

“ Tenho como

regra tratar exatamente

da mesma

forma como se

fosse normovisual.

Existe um conjunto

de regras independentemente

de a

pessoa ver ou não.”

de ir para a terapia ocupacional

e para orientação e

mobilidade”, onde será feita

uma “ uma avaliação mais

específica”. Posteriormente,

cada pessoa tem direito ao

seu plano de reabilitação individual

onde se traçam os

objetivos e metas pretendidas

para a pessoa em questão.

Por maior que seja a vontade

de ajudar, “a maior dificuldade

é a burocracia,

às vezes queremos fazer

mais e melhor e esbarramos

num conjunto burocrático

que não é fácil”, desabafa

a assistente social, Dulce.

Para Sónia Catarina, diretora

técnica, o mais urgente

neste momento é “sem dúvida

a educação da sociedade

para pessoas diferentes”.

Fotografias: Bruna Jardim

Dulce Espinho, assistente social (ACAPO)

Sara Louro, psicóloga (ACAPO)

Fotografia: Maria Andrade

Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO)

A ACAPO, Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal, é uma Instituição Particular

de Solidariedade Social, fundada em 1989. Embora recente, possui uma

das mais antigas histórias do movimento associativo de deficientes em Portugal.

Contando com 13 delegações espalhadas por todo o país, a ACAPO pretende

representar os cidadãos com deficiência visual, providenciar serviços adequados

e consciencializar a sociedade, com vista à afirmação como cidadãos de pleno

direito. Paula Costa, presidente da ACAPO do Porto, afirma que a associação “é,

neste momento, a única instituição que defende as pessoas com deficiência visual”.

Desta forma, a instituição tem como objetivo ser a entidade de referência quanto à representação

dos direitos e interesses das pessoas com deficiência visual do país, junto

dos atores sociais e decisores políticos, tal como dos organismos internacionais.

7


Grande Reportagem

Grande reportagem

Hora da ação

“ Eu peço uma

cadeira de rodas

e dão-me uma cadeira

de rodas. A

questão é que existe

uma grande morosidade.

Eu posso

estar dois anos à

espera de uma cadeira

de rodas.”

Apesar da ajuda do Estado,

a falta de acessibilidade ainda é

grande e a mudança é urgente.

Para além disso, o fornecimento

de recursos não se verifica

em todos os casos. Para

Paula Costa, presidente da

ACAPO na delegação do Porto,

tal fenómeno constitui uma

grande adversidade, tendo em

conta que são “instrumentos

muito caros, e nem toda a

gente consegue adquirir”.

António Almeida, funcionário

da APD do Porto, confirma

este ponto: “O Governo

gastou comigo uma pequena

fortuna. Uma cadeira como

a minha de liga leve custa

perto de 5 mil euros. Se fosse

eu a comprar seria uma situação

muito complicada, porque

não tenho o orçamento

necessário para comprar

uma cadeira que fosse leve

o suficiente para a transportar

de forma autónoma para

o meu carro. Provavelmente

iria desistir dessa ideia.”

Hoje em dia, Catarina

Oliveira já sabe lidar com

a deficiência e é capaz de se

deslocar sozinha, no entanto,

reconhece que há vários locais

onde encontra obstáculos

que impossibilitam a sua mobilidade

e que existe, portanto,

um trabalho muito grande

a ser feito. Começando pelos

transportes públicos, que em

alguns casos até se encontram

preparados, Catarina fala da

dificuldade em aceder a esses

transportes: “Nós temos

um autocarro que é acessível,

mas nós não conseguimos

muitas vezes deslocarmo-nos

na cidade de forma

independente para chegar

e para sair do autocarro”.

Dulce Espinho, enquanto

assistente social, confessa

que “gostava que houvesse

uma residencial muito virada

para as pessoas com

deficiência visual, o apoio

à habitação, os centros

ocupacionais”.

Mas as dificuldades não

são só ao nível das infraestruturas.

A inserção no mercado

de trabalho é também um

grande problema que precisa

de mudança, uma vez que o

ideal de igualdade de oportunidades

não é respeitado.

“Regra geral uma pessoa

que tem uma deficiência tem

muito mais dificuldade em

arranjar emprego. As pessoas

cegas e com baixa visão

podem trabalhar, óbvio que

há profissões que não podem

desempenhar, mas podem

trabalhar. Não é limitativo

como outras deficiências,

mas efetivamente sabemos

que há muito pouca oferta.

É importante nós darmos

Fotografia: Maria Andrade

resposta aos adultos com

deficiência. Têm 18 anos e

agora?”, questiona Dulce.

Kelita Antunes admite que

muitos empregos já lhe foram

negados pela falta de condições

das empresas: “Eles ligavam,

diziam que o currículo

estava bom, mas pediam

desculpa e diziam: « vamos

ter de recusar porque o edifício

não tem elevador, o edifício

tem quatro escadas, o

edifício não tem casa de banho

própria, o edifício não

está preparado para pessoas

com mobilidade reduzida. »

Até que tive de ingressar no

apoio ao cliente, que era o sítio

que estava mais preparado

e que me dava possibilidades

de trabalhar em casa”.

8


Grande Reportagem

Mas, afinal, onde começa a verdadeira mudança?

As opiniões de quem lida

com casos de pessoas com

deficiência assemelham-se e

a sensibilização é a principal

medida a que fazem referência.

Camila confessa que se

não tivesse o exemplo do avô

cego por perto “nem sequer

ia pensar muito no assunto”.

Sara Louro destaca o ensino

escolar e a urgência de adotar

nas escolas uma formação

que prepare a sociedade para

receber pessoas diferentes.

“Havia de se dar, quando

se começa a dar o inglês,

língua gestual portuguesa e

braille. Não é que as crianças

tenham de crescer a

dominar completamente o

braille, mas haviam de ter a

noção de que é a única forma

de contacto das pessoas

com deficiência visual do

texto em papel, tal e qual

como nós gostamos de escrever

à mão. Agora está tudo

muito digital, mas ainda há

pessoas que privilegiam o

contacto no papel e o braille

é a única forma das pessoas

com deficiência visual

terem acesso a isso. Era ser

integrado naquela disciplina

a que chamam Cidadania.”

Há que saber como nos

dirigirmos a um cego na rua,

como orientar uma pessoa

com deficiência, quando oferecer

ou não ajuda, porque

muitas vezes existe uma empatia

e uma vontade de ajudar,

mas que depois na prática

não se verifica, ou pelo menos

não da forma mais correta.

Neste contexto de mudanças

e do que está certo e o que

está errado, Catarina aborda a

temática da linguagem, a necessidade

de consciencializar

as pessoas sobre quais os termos

corretos a utilizar. “A linguagem

é uma coisa que está

em evolução e enquanto antigamente

a palavra deficiente

era muito usada, e hoje

em dia também é, o deficiente

ainda é uma coisa muito

pejorativa. Eu prefiro uma

linguagem mais abrangente

e inclusiva, que para mim é

o “pessoa com deficiência”.

Menciona, também, o

Movimento da Diversidade

Funcional, embora destaque

a importância de não tirar

a palavra “deficiência” ou

“ Eu sou uma

pessoa com uma

deficiência, que

não a pretende esconder,

mas eu não

sou uma deficiente.

A deficiência não

abarca toda a minha

existência.”

“pessoa com deficiência” da

equação, também por uma

questão de poder afirmar os

seus direitos “porque uma

pessoa com deficiência tem

determinados direitos e determinadas

características

que têm de ser asseguradas”.

“Pessoa portadora de deficiência”,

embora já tenha

caído em desuso, ainda é um

termo utilizado por algumas

pessoas. Para Catarina, não

é a expressão mais adequada.

“A minha deficiência eu

não posso deixar de portar,

eu não posso deixá-la em

casa”. Faz também referência

à “pessoa com necessidades

especiais” e explica que

“não faz sentido nenhum,

porque enquanto nós continuarmos

a ver as necessidades

das pessoas como

especiais, nós vamos sempre

achar que a acessibilidade

é um favor especial”.

Por fim, menciona ainda a

questão da mobilidade reduzida,

sendo que hoje em dia já

se começa a falar muito mais

da mobilidade condicionada.

Isto porque a mobilidade reduzida

indicava que a redução

era na pessoa, no sentido

que a pessoa com deficiência

era o problema “como a

máquina que estava estragada”,

descreve Catarina.

Atualmente, já se fala da

deficiência segundo o modelo

social, ou seja, entendendo

que a deficiência está

na pessoa, mas também em

todas as barreiras à sua volta,

e por isso é que já se começa

a adotar o termo “mobilidade

condicionada”.

Face a esta questão, Catarina

diz que “Não é a mobilidade

que está reduzida,

porque, por exemplo, eu

em minha casa sou completamente

móvel, eu mobilizo-me

de forma independente.

Mas na rua, a minha

mobilidade está condicionada

pelas barreiras que

eu tenho à minha volta”.

Podemos falar de todas as

medidas a implementar. De

tudo aquilo que está mal e que

precisa de ser mudado com

urgência. Da grande falta de

acessibilidade que existe, e de

todas as dificuldades que pessoas

com deficiência enfrentam.

No entanto, a verdade é

que, para que se possa construir

a acessibilidade necessária,

é preciso, antes de mais,

reconhecer a inacessibilidade

dessas pessoas. O primeiro

passo a dar é aproximar a sociedade

da temática da deficiência.

Abordar mais esse tema

que assusta muito as pessoas,

e para o qual a sociedade se

recusa a olhar de frente, pelo

medo de errar, ou de não saber

o que dizer. A mudança

começa, portanto, com a consciencialização

da população.

Para estas minorias, todas

as manifestações têm

um propósito. Segundo António

Almeida, é através de

“constantes reivindicações”

que “leis e medidas são tomadas”:

“Se não formos

nós a lutar pelas causas

que acreditamos, quem é

que vai lutar por nós?”.

Foram apenas quatro testemunhos

e quatro instituições,

mas estes problemas

são comuns a todos os que

pertencem a esta comunidade.

A falta de acessibilidade e

qualidade de vida para pessoas

com deficiência é um dos

maiores problemas em Portugal.

A ignorância dos cidadãos

é a principal causa. Para

António Almeida pequenos

passos fazem toda a diferença.

“ Termos sido

campeões mundiais

de andebol mostrou

um pouco às pessoas

a nossa realidade.

Mostrou que,

independentemente

da nossa condição,

também podemos

ser destinados a

grandes feitos.”

Fotografia: Maria Andrade

Fotografia: Camila Teixeira

9



Política

Retrospectiva: Orçamento de Estado 2023

Por: Bruna Jardim e Maria Andrade

Fotografia: Observador

O processo orçamental arrancou a 10 de Outubro e terminou no dia 25 de Novembro, com a aprovação

da proposta de Orçamento. O PS foi o único a votar a favor. O PAN e o Livre abstiveram-se e

os restantes partidos (PSD, Chega, IL, PCP e BE) votaram contra. Com o lema “Estabilidade, Confiança,

Compromisso”, o Orçamento para 2023 protege os rendimentos e promove o investimento.

Com os resultados de

2022 a superar as

expectativas, espera-se

que 2023 apresente um

cenário de crescimento mais

moderado. Os partidos bateram

o recorde de alteração de

propostas e foram mais de 1800

aquelas que foram votadas.

Após dois orçamentos abalados

pela pandemia da Covid-19

e com a guerra da Ucrânia

a condicionar a evolução

da economia e do comércio

mundiais, o país enfrenta agora

uma nova realidade. O Governo

optou por utilizar diversos

mecanismos de apoio para

proteger as famílias, principalmente

aquelas que possuem

um menor rendimento.

Também as empresas de menor

dimensão serão as mais

apoiadas, de forma a ultrapassar

a realidade inflacionista.

As empresas podem contar

com várias recompensas e

apoios no investimento, como

também na fatura energética.

Todos os contribuintes,

principalmente os mais jovens,

podem contar com

algum alívio fiscal no próximo

ano. Os pensionistas

e função pública vão ter o

seu rendimento aumentado,

bem como quem vive dependente

de prestações sociais.

O orçamento assenta em 3

grandes prioridades. O reforço

dos rendimentos, passa por

medidas como a valorização

dos rendimentos do trabalho,

reforço de pensões e prestações

sociais, apoio aos jovens

e famílias com crianças, alívio

dos custos de vida e contenção

dos preços da energia.

Um outro pilar fundamental

será promover o investimento

e, para tal, será necessário

fomentar o investimento público,

apoiar as empresas que

foram afetadas pela inflação,

reforço do investimento público,

aceleração da transição

climática e uma fiscalidade

mais justa nas empresas. O último

faz referência à redução

da dívida pública. A melhoria

do saldo e redução da dívida

pública, racionalização da

despesa e dotações ajustadas

às necessidades são as medidas

propostas neste âmbito.

Em seguida, é possível

consultar algumas

medidas do Orçamento

de Estado para 2023:

11


ORÇAMENTO DE ESTADO

2023

Política

Alojamento para jovens

Renda da casa

Crédito à habitação

Indexante de apoios

sociais

Automóveis

Cerveja, refigerantes e

tabaco

MEDIDAS

Mínimo de existência

Escalões do IRS

IRS jovem

Subsídio de desemprego

Abono de família

Pensões

Taxa reduzida de IRC

Escalões de IRS

A renovação dos escalões

do IRS vai ser de 5,1%. Para

além disso, o governo compromete-se

a baixar em dois

Menos IVA na luz

Autoconsumo de energia

Despesas com energia e

produtos agrícola

Retenção da fonte

Função pública

Taxa sobre lucros inesperados

Compensação às empresas

Apoios à capitalização

Estímulo ao investimento

Dedução dos prejuízos

pontos, a taxa marginal do

segundo escalão de 23% para

21%. Consequentemente, a

taxa média de todos os outros

escalões também irá baixar.

ESCALÕES DE IRS PROPOSTOS

2 0 2 3

Rendimento coletável (€) Taxa Marginal (%) Taxa Média (%)

Até 7.479

7.497 - 11.284

11.284 - 15.992

15.992 - 20.700

20.700 - 26.355

26.355 - 38.632

38.632 - 50.483

50.483 - 78.834

Mais de 75.009

14,50

21,00

26,50

28,50

35,00

37,00

43,50

45,00

48,00

Fonte: Ministério das Finanças

Montagem: Bruna Jardim

14,50

16,69

19,58

21,61

24,48

28,46

31,99

36,67

n.a.

Tabela: Bruna Jardim

Fonte: Ministério das Finanças

Mínimo de existência

As mudanças no apuramento

do patamar, vão permitir

que as pessoas com salários

brutos mensais entre o salário

mínimo e os mil euros sejam

os maiores beneficiários;

O salário mínimo sobe de

705 para 760 euros (perde isenção

do IRS a partir de 2024);

- O mínimo de existência

aumenta de 9870

para 10 640 euros;

- A medida vai abranger três

milhões de trabalhadores,

que devem receber um benefício

médio de 195 euros

por ano, podendo chegar

aos 425 euros anuais;

- A reforma, que só estará

completa em 2024, implica

um abate que se junta à dedução

específica de 4104 euros,

e assim, deduz o rendimento

coletável sujeito a IRS.

Retenção na fonte

- Elaboração de um novo modelo

de retenção na fonte;

- Criação de uma taxa intermédia

como forma de aplicar uma

tributação mais baixa sobre o

montante do aumento salarial;

- As novas tabelas, ainda

não publicadas, não

vão ter efeitos retroativos.

IRS Jovem

- Isenção do IRS até 50% do

rendimento no primeiro ano

de trabalho; de 40% no segundo;

de 30% no terceiro e quartos

anos; e de 20% no quinto;

- Aplica-se aos jovens, entre

os 18 e 26 anos, com

qualificações de nível 4 ou

superior, ou 30 anos em

relação aos doutorados.

Indexante de Apoios Sociais

- O IAS vai receber um aumento

de 8%, para 478,7 euros;

- A atualização deste montante

irá refletir-se no aumento

de várias prestações sociais.

Subsídio de desemprego

- Subida no valor mínimo

de subsídio de desemprego:

550,68 euros (+ 41€);

- Subida no valor máximo

Grande reportagem Política

de subsídio de desemprego:

1196,75 euros (+ 88,75€).

Abono de família

- O primeiro escalão do

abono de família passa

a conter os rendimentos

até 3350, o euros anuais;

- O limite do segundo escalão

aumenta para 6701, 8 euros;

- Cada criança vai receber

um mínimo de 50 euros por

mês. No caso de pobreza extrema,

esse número aumenta

para 100 euros por mês.

Pensões

- Atualização das reformas

entre 4,43% e 3,53%.

Crédito à habitação

- Os trabalhadores que não

trabalham por conta própria

com empréstimos para comprar

casa e com um vencimento

mensal bruto de 2700 euros

podem pedir a redução da taxa

do escalão de retenção na fonte.

Função Pública

- Valorização global de

5,1%, a considerar progressões

e promoções;

- Subida do salário mínimo

no Estado, de

705 para 761,58 euros;

- 52,11 euros de acréscimo nos

ordenados até 2600 euros brutos

e 2% em salários superiores;

- 3,6% de aumento

médio salarial;

- Subida do subsídio de refeição,

de 4,77 para 5,20 euros.

Automóveis

- O Imposto Sobre Veículos

(ISV) e o Imposto Único de Circulação

(IUC) vão subir 4%;

- Por via do ISV, o preço de

venda ao público vai traduzir-se

num aumento médio

de 1,6%, segundo a PricewaterhouseCoopers

(PwC);

- No ano de 2023, deve ser

retomado o incentivo ao

abate de veículos que já se

encontrem em fim de vida;

- As empresas com frotas de

veículos elétricos, híbridos

plug-in e gás natural veicular

de ligeiros de passageiros,

passam a ser tributadas

às taxas de 2,5%, 7,5% e

15%, dependendo do valor

de aquisição do veículo.

Cerveja, refrigerantes e

tabaco

- Subida de 4% nos impostos

em bebidas alcoólicas (exceto

o vinho) e refrigerantes;

- Subida de 6% nos impostos

em tabaco.

Taxa sobre lucros inesperados

- “Contribuição Temporária

de Solidariedade” é a

taxa sobre empresas dos setores

do petróleo bruto, gás

natural, carvão e refinação;

- Taxa mínima de 33% sobre

lucro considerado “inesperado”,

aplicável aos lucros

relativos a 2022.

Compensação às empresas

- O governo vai aumentar

em 50% os custos

das remunerações e contribuições

sociais das empresas

que procederem ao aumento

dos salários de 5,1%

no setor privado em 2023.

Apoios à capitalização

- Novo regime fiscal de Incentivo

à Capitalização das Empresas,

de forma a estimular

o investimento privado. Esta

medida serve para a compensação

das empresas pelo

aumento do salário mínimo;

- Aumento da taxa de dedução

do montante dos aumentos líquidos

dos capitais próprios

das empresas, de 4,5% para 5%.

Taxa reduzida de IRC

- A taxa reduzida de IRC, de

17%, vai ser alargada aos lucros

tributáveis de 50 mil euros,

o dobro do atual valor;

- A redução fiscal será também

para as empresas de pequena-

-média capitalização e não

só para as Micro e as PME;

- A taxa reduzida de

IRC será de 12,5%.

Estímulo ao investimento

- O regime fiscal de apoio

ao investimento (RFAI) terá

um aumento de 25% para

30% das deduções à coleta

de investimentos até 15 milhões

de euros. A partir desse

valor, a dedução é de 10%.

12


Política

Dedução dos prejuízos

- O prazo vai passar a ser

ilimitado, passando para 5

anos para as grandes empresas

e para 12 nas restantes.

Menos IVA na luz

- Diminuição do IVA na fatura

da eletricidade para

6%, atuando apenas sobre

os primeiros 100 kWh de

consumo e só em potências

contratadas até 6,9 kVA.

Autoconsumo de energia

- Os particulares e pequenos

negócios com fontes de

energia renovável instalada

poderão beneficiar de um

novo incentivo ao consumo e

venda de excedentes à rede;

- Ficam isentos de IRS até ao limite

anual de mil euros de rendimentos

resultantes da transação

de energia excedente.

Despesas com energia e

produtos agrícolas

- Aumento do IRC em 20%

(gastos com energia) e 40%

(despesas com produtos agrícolas),

aplicável a 2022;

- Mitigação da fatura energética

das empresas com

a criação de um pacote

de três mil milhões de euros,

para o apoio do sistema

elétrico e de gás natural.

Alojamento para jovens

- O Porta 65, programa de

apoio ao arrendamento jovem,

será aumentado em

30% na sua dotação, fazendo

com que o limite do apoio

suba para 300 euros mensais;

- Os estudantes do ensino superior

que venham de famílias

com baixos rendimentos,

mesmo que não sejam bolseiros,

vão ter a oportunidade

de aceder a um apoio mensal

na ordem dos 221 aos 288

euros, dependendo da instituição

de ensino e concelho.

Renda da casa

- Limitação de 2% do

aumento das rendas;

- Taxa aplicável de

28% aos senhorios;

- Em relação ao IRC, o coeficiente

de apoio é de 0,87.

O Orçamento de Estado

entra em vigor no dia 1 de

Janeiro de 2023, com as medidas

aprovadas e seguindo

as três grandes prioridades

definidas. Após os resultados

obtidos em 2022, espera-se

que em 2023, o país continue

a superar as expectativas.

Comentário

Por: Rui Sá

Rui Sá é o atual líder do Grupo Municipal da Coligação Democrática Unitária (CDU). À conversa

com o jornal Sentinela, o deputado partilhou a sua opinião sobre o Orçamento de Estado de 2023.

Montagem: Bruna Jardim

Este é um Orçamento do

Estado (OE)que, no fundamental

e estruturalmente, não

altera o rumo que há décadas

é seguido pelos sucessivos

governos e que, em termos

de paradigma económico,

aposta em Portugal como

País de “mão de obra barata”.

Num País em que mais de

70% dos trabalhadores por

conta de outrem recebem menos

de mil euros brutos mensais,

e em que cerca de 900

mil trabalhadores recebem o

salário mínimo (agora fixado

em 760€), exigia-se uma política

que apostasse assumidamente

no

aumento dos

salários e

das pensões.

Pelo contrário,

o OE

aposta em

reduzidos

aumentos salariais

para a

Administração

Pública

que, na prática,

se traduz

na sua diminuição

real,

face à inflação

registada

em 2022!),

“contagiando”, desse modo,

os salários no setor privado.

Situação que se traduz numa

triste constatação: em Portugal

empobrece-se a trabalhar!

Em simultâneo, os lucros das

maiores empresas têm aumentado

significativamente, o

que prova duas coisas: i) seria

possível aumentar salários; ii)

seria possível impor preços

máximos a diversos produtos

e serviços, designadamente

na área energética, dos produtos

alimentares e da banca.

Em paralelo com esta situação,

o OE não dá resposta

aos graves problemas que

minam, entre outros setores

sociais, o Serviço Nacional

de Saúde e a Escola Pública.Não

transferindo para os

mesmos as verbas necessárias

para o cumprimento integral

das suas funções, propiciando,

desse modo, as entidades

privadas que, muitas vezes

à custa do Estado, procuram

minar os serviços públicos.

Por último, o Governo,

numa postura de arrogância

que emana da sua maioria absoluta,

não aceitou as cerca de

400 propostas de alteração ao

OE que o PCP propôs e que,

a serem aprovadas, melhorariam

o documento e, fundamentalmente,

contribuíram

para a melhoria das condições

de vida dos portugueses.

Creio, assim, que, tal como

está já a acontecer, a maioria

dos portugueses irão sentir

na pele as consequências deste

OE e das opções políticas

que o mesmo consubstância.

13


Política

Adriano Moreira: 100 anos ao serviço de Portugal

Por: Rita Silva

Fotografia: Global Images

Ministro de Salazar no período da ditadura e Presidente do CDS em democracia, Adriano Moreira deixou

um longo percurso político e académico. Morreu a 23 de outubro de 2022, aos 100 anos de idade.

Foi a 6 de setembro de

1922 que Grijó, Macedo

de Cavaleiros,

em Bragança, recebeu Adriano

José Alves Moreira, filho do

polícia António José Moreira

e de Leopoldina do Céu Alves.

Da aldeia foi para Lisboa,

a cidade grande, onde passou

a sua infância e aprendeu as

primeiras letras, e onde viu

a sua irmã mais nova, Otília,

nascer. Morou em Campolide,

estudou no Liceu Passos

Manuel e, em 1944, em plena

guerra mundial, licenciou-se

em Ciências Histórico-Jurídicas

pela Faculdade de Direito

de Lisboa. Após concluir o

curso, iniciou a sua carreira

profissional na função pública,

como jurista no Arquivo

Geral do Registo Criminal e

Policial, saindo depois para

o departamento jurídico da

General Electric em Portugal.

Enquanto jovem, Adriano

Moreira, sem muito se interessar

ainda pela política, foi

simpatizante da Oposição Democrática,

chegando mesmo

a assinar listas do Movimento

de Unidade Democrática

(MUD). Nessa altura, juntou-se

a Teófilo Carvalho dos

Santos, um opositor ao regime

de Salazar, com quem ajudou

a defender a família do general

Marques Godinho. Esta

defesa custou-lhe uma detenção

na prisão do Aljube, onde

conheceu Mário Soares, e de

onde foi libertado passado

dois meses. Embora defendessem

posições contrárias,

naquele encontro, no meio

de muitos presos políticos,

formou-se uma amizade que

perdurou até ao fim da vida.

14


Grande reportagem

Política

Posteriormente, ingressou

no corpo docente da antiga

Escola Superior Colonial, atual

ISCSP, onde assumiria a

direção mais tarde, em 1958.

A tese “O Problema Prisional

do Ultramar”, editada em

1954, recebeu um prémio

pela Academia das Ciências

de Lisboa. Em 1956, Adriano

revelou-se um dos mais importantes

pensadores da Universidade

e da vida nacional,

com a sua obra “Política Ultramarina”.

No ano seguinte,

e até 1959, Adriano Moreira

fez parte da delegação portuguesa

às Nações Unidas.

Acabou, entretanto, por se

aproximar do Estado Novo,

quando foi chamado para o

Governo, por António Oliveira

de Salazar. Inicialmente,

ocupou o cargo de subsecretário

de Estado da Administração

Ultramarina e, um ano

depois, em 1961, tornou-se

ministro do Ultramar, posição

em que se manteve até 1963.

Nessa altura, começava a

Guerra Colonial, em Angola.

O seu mandato ficou marcado

pelo conjunto de reformas

que pôs em prática, entre as

quais a reabertura do campo

de concentração do Tarrafal,

em Cabo Verde. A abolição

do Estatuto dos Indígenas

(que não permitia aos habitantes

das colónias adquirir a

nacionalidade portuguesa), o

alargamento da cidadania, e

o direito a todos os portugueses

de entrarem, circularem e

se estabelecerem em qualquer

parte do território nacional,

foram outras medidas adotadas

pelo então ministro do

Ultramar. Para além de tudo

isso, Adriano Moreira fundou

ainda o ensino superior nas

colónias, com o arranque dos

Estudos Gerais Universitários,

em Angola e Moçambique.

As suas decisões entraram

em discórdia com as políticas

de Salazar, que afirmou que

mudaria de ministro se Adriano

não as alterasse. A isso,

Adriano Moreira respondeu:

Fotografia: Wort Lu

Vossa Excelência acaba de mudar de ministro”

Após ser demitido, regressou

à vida académica, no ano

de 1965, e tornou-se presidente

da Sociedade de Geografia.

Em agosto de 1968, casou-se

em Sintra com Mónica Isabel

Lima Mayer, com quem teve

seis filhos, António, Mónica,

Nuno, João, Teresa, e Isabel

Moreira, atual deputada.

A seguir à Revolução do 25

de Abril, foi saneado das funções

oficiais e esteve exilado

no Brasil, onde foi convidado

para dar aulas na Universidade

Católica do Rio de Janeiro.

Em 1977, voltou para

Portugal e aceitou o convite

para aderir ao Centro Democrático

e Social, a que presidiu

entre 1986 e 1988, e

temporariamente entre 1991

e 1992. Foi também deputado

(1980-1985) e vice-presidente

da Assembleia da República,

entre 1991 e 1995.

No ano de 2014, Adriano

Moreira foi uma das 70

personalidades que defenderam

a reestruturação da

dívida pública como a única

forma de sair da crise.

Advogado de formação,

professor catedrático e estudioso

de política internacional,

escreveu várias obras nas

áreas do Direito, da Ciência

Política e das Relações Internacionais.

Em 2020, lançou a

obra “A Nossa Época - Salvar

a Esperança”. No mesmo

ano, em dezembro, sofreu

um desgosto com a morte do

seu filho de 47 anos, Nuno

Moreira, vítima de enfarte.

Adriano Moreira teve

um percurso académico e

político dividido entre dois

regimes, tendo sido ministro

do Ultramar, no período

da ditadura, e uma personalidade

de referência do

Centro Democrático Social

(CDS), em democracia.

Adriano foi o político com

maior longevidade da história

democrática portuguesa.

Montagem: Rita Silva

15



Economia

Metro do Porto: um ajuste orçamental necessário

Por: Pedro Pimparel Serafim e Rita Silva

Fotografia: Maria Andrade

Foi decidida pelo Governo uma reprogramação da despesa, depois de terem sido apenas gastos 568 mil

euros nas obras no Metro do Porto em 2021, em vez dos 6,1 milhões programados. Calcula-se que o orçamento

de 37,2 milhões que estava previsto para as obras em 2022 não vá ser executado na totalidade.

As obras de construção

da Linha Rosa

e de expansão da

Linha Amarela do Metro do

Porto arrancaram em 2021,

com uma dotação de 307 milhões

do POSEUR (Programa

Operacional Sustentabilidade

e Eficiência no Uso de Recursos).

Entre 2023 e finais de

2025, vai ser também construída

a Linha Rubi e, até ao

final de 2023, a nova Linha

BRT ((Bus Rapid Transport)

Boavista - Império será também

parte do sistema de transportes

da Área Metropolitana.

A reprogramação das

despesas

O Governo publicou, no

dia 23 de novembro, uma resolução

do Conselho de Ministros,

que garante uma nova

programação do conjunto de

despesas associadas ao investimento

do Metro do Porto,

fruto de inúmeras críticas que

têm chegado pelo atraso nas

obras. A manutenção da despesa

do Bus Rapid Transit Boavista

foi também autorizada.

O Governo tinha já autorizado

investimentos relacionados

com o Plano de Recuperação

e Resiliência (PRR)

em março, para a expansão da

Rede de Metro do Porto: a Linha

Rubi, desde a Casa da Música

até Santo Ovídio, e a Linha

BRT Boavista - Império.

O orçamento estimado para

estas renovações era de 299

milhões de euros e 66 milhões

de euros, respetivamente.

Estes 365 milhões de euros

da totalidade das despesas seriam

repartidos por 5 anos: 6,1

milhões em 2021; 37,3 milhões

em 2022; 105,3 milhões

em 2023; 98,7 milhões em

2024 e 117,6 milhões em 2025.

Contudo, depois de terem

sido apenas gastos 568

mil euros em 2021 em vez

dos 6,1 milhões previstos,

a resolução do Conselho de

Ministros nº110/2022 decidiu

“reprogramar o montante

não executado nesse ano face

a vicissitudes que se refletiram

na normal tramitação

dos procedimentos”. A razão

para esta diferença significativa

de valores passa pela crise

associada ao COVID-19,

que levou ao adiamento

de diferentes concursos.

Já em 2025, os 117,6 milhões

inicialmente previstos

passam agora a 123,1 milhões

de euros. No que diz respeito

aos restantes anos, os montantes

permanecem inalterados,

mas prevê-se que os

37,3 milhões previstos para

2022 não sejam gastos na totalidade,

embora as contas

ainda não estejam fechadas.

Para além das mudanças

orçamentais, houve também

modificações, no que diz respeito

à estrutura das obras,

com a Linha BRT Boavista -

Império, que numa fase inicial

estava definida entre a Praça do

Império e a Praça Mouzinho

de Albuquerque, num percurso

de 3,8 km, a ser prolongada

até à Rotunda da Anémona,

num total de 8,15 km. Uma

alteração bastante significativa

que permite uma maior

cobertura da cidade. Aqui, o

valor manteve-se inalterado,

tendo já o Metro do Porto e a

Estrutura de Missão Recuperar

Portugal confirmado esta

decisão no âmbito do PRR.

A resolução publicada em

Conselho de Ministros prevê

ainda a autorização de um

gasto extra de 7,7 milhões de

euros, relativos aos encargos

de manutenção do BRT Boavista,

ao que ainda acresce a

montagem de uma central de

produção de hidrogénio e a

fonte de energia sustentável

que alimenta o seu funcionamento.

Foi também discutido

o processo de armazenamento

e abastecimento.

17


Economia

Conheça os novos projetos:

Linha Rosa (G)

As obras da Linha Rosa

começaram em 2021 e devem

prolongar-se até ao final de

2024. Segundo o presidente

do Metro do Porto, se tudo

correr como previsto, a linha

estará a funcionar no primeiro

trimestre de 2025. Com cerca

de 3 km de via, a nova linha

vai ligar o centro histórico

do Porto à Boavista e integrará

quatro novas estações:

São Bento/Praça da Liberdade,

Hospital de Santo António,

Galiza e Casa da Música.

A futura Estação São Bento

vai ser construída junto ao

Palácio das Cardosas, em formato

de “U”, compreendendo

Lóios, Cardosas e a Praça

da Liberdade. Já a estação da

Galiza, que vai fazer a ligação

Praça da Liberdade - Casa da

Música, vai-se situar na Rua

do Campo Alegre, passando

pelas escolas Gomes Teixeira

e Infante D. Henrique, pelas

faculdades de Letras, de Arquitetura

e de Ciências e ainda

pelo Centro Materno Infantil,

pelos Jardins do Palácio de

Cristal e pelo Pavilhão Rosa

Mota. O seu percurso termina

na futura estação Casa da

Música II que, de todas, é a

de maior dimensão, já que

além da Linha Rosa, também

vai servir a futura segunda linha

de Gaia, cuja construção

estará concluída em 2025.

Linha Amarela (D)

À construção da Linha

Rosa junta-se também o prolongamento

da Linha Amarela

que, no total, representa um

acréscimo de 6 km e sete estações

à rede de Metro do Porto.

A expansão da Linha Amarela,

em Vila Nova de Gaia,

vai ser percorrida em seis

minutos e contempla a construção

de três novas estações

que vão fazer a ligação entre

Santo Ovídio e Vila D’Este.

Linha Rubi (H)

A Linha Rubi é outro dos

projetos do Metro do Porto,

financiado pelo Plano de

Recuperação e Resiliência,

lançado pela União Europeia,

para impulsionar a recuperação

económica pós-

-pandemia de COVID-19.

Esta linha liga a estação de

Santo Ovídio (Vila Nova de

Gaia) à Casa da Música (Porto)

e contém oito novas estações:

Casa da Música, Campo

Alegre, Arrábida, Candal,

Rotunda, Devesas, Soares

dos Reis e Santo Ovídio. Faz

também ligação à rede ferroviária

atual nas Devesas, em

Gaia, e à projetada linha de

alta velocidade Lisboa - Porto

- Vigo, em Santo Ovídio.

Ainda em termos de obras,

a Linha Rubi contempla

dois túneis e uma nova ponte

sobre o Rio Douro, entre

a zona do Campo Alegre e

a Arrábida. A conceção da

nova ponte foi atribuída ao

laboratório Edgar Cardoso,

vencedor do concurso para

esta infraestrutura, que vai

servir para o metro da região.

Contrariamente às restantes

linhas, a Linha Rubi vai

começar a ser construída apenas

em 2023, com o final da

obra previsto para 2025. Além

dos 6,3 km que acrescenta à

rede, a nova linha oferece ainda

vários benefícios sociais,

económicos e ambientais.

Fotografia: Diário de Notícias

Infografia: Rita Silva

Linha BRT (Bus Rapid

Transport)

O Bus Rapid Transport é

um transporte público de alta

qualidade que se destaca pelo

desempenho ambiental neutro

(os veículos vão ser movidos

a hidrogénio) e pela facilidade

de integração no meio urbano.

Geralmente, funciona enquanto

elemento complementar

e de interface com o metro.

Este projeto é uma das

grandes novidades da nova

fase de expansão do Metro do

Porto e, embora inicialmente

tenha sido pensado para ligar

a Praça do Império à Praça

Mouzinho de Albuquerque

(Rotunda da Boavista), numa

extensão aproximada de 3,8

km, agora o trajeto foi prolongado

até à Rotunda da

Anémona, resultando em 8,15

km de comprimento total.

Assim como as restantes

linhas, também a Linha

BRT está a ser financiada

pelo Plano de Recuperação

e Resiliência, e o seu investimento

representa um total

de 66 milhões de euros, sem

IVA. O prazo de execução

do BRT do Porto é de 20 meses

e, até 31 de dezembro de

2023, estará em operação.

Fotografia: Metro do Porto

18


Economia

CRIPTOMOEDAS PARA INICIANTES

Criptomoeda é um tipo de dinheiro, à semelhança de todas as que usamos no

nosso dia a dia, mas é totalmente digital. Não é imitida por nenhum governo no

mundo e não precisa de verificação de nenhum banco para confirmar as

transações executadas. O nome cripto deve-se ao facto de usar como recurso

criptografia para confirmar as transações.

Como

funciona?

As criptomoedas são executadas no Blockchain, um livro público

que é distribuído e possui o registo de todas as transações

atualizadas e mentidas pelos detentores das diferentes moedas.

As unidades de criptomoedas são criadas através de um processo

chamado mineração. Os utilizadores também podem comprar

moedas com as corretoras, armazená-las e gastá-las usando

carteiras criptográficas.

TOP 5 CRIPTOMOEDAS NO MERCADO (SEGUNDO A CAPITALIZAÇÃO DE MERCADO

DO DIA 20/09/2022):

1. Bitcoin (BTC): Fundada em 2009, foi a primeira criptomoeda a surgir no mercado e

atualmente continua a ser a mais negociada.

Capitalização de mercado: R$ 1,990 trilhão

Cotação: R$ 103 mil

2. Ethereum (ETH): Desenvolvida em 2015, é a criptomoeda mais popular depois do Bitcoin. É

uma plataforma Blokchain com a sua própria criptomoeda.

Capitalização de mercado: R$ 875 bilhões

Cotação: R$ 7,1 mil

3. Tether (USDT): É uma stablecoin (criptomoeda com lastro em uma moeda física) criada em

2014 com uma proposta de paridade com o dólar americano.

Capitalização de mercado: R$ 366 bilhões

Cotação: R$ 5,39

4. USD Coin (USDC): Foi lançada em 2018 e à semelhança da Tether é um stablecoin pareada

com o dólar dos Estados Unidos.

Capitalização de mercado: R$ 262 bilhões

Cotação: R$ 5,39

5. Binance Coin (BNB): Criptomoeda emitida pela Binance Exchange and Trades. Foi

inicialmente baseado na rede Ethereum, mas agora é a moeda do próprio blokchain da Binance.

Foi lançada em 2017.

Capitalização de mercado: R$ 244 bilhões

Cotação: R$ 1,5 mil

19


Economia

A crise das criptomoedas e a queda dos gigantes

Por: Maria Andrade

Fotografia: InvestNews

O mercado das criptomoedas atravessa uma grande queda após a crise iniciada nas duas maiores empresas

deste setor: a corretora FTX e a empresa de investimentos Alameda Research. De acordo com vários

especialistas, os ativos digitais devem continuar em queda, sem data prevista de recuperação.

O

dia 9 de Dezembro

de 2022, ficou

assinalado

como o dia em que o mercado

das criptomoedas entrou

em crise. Para os seus investidores

e para quem possui

este tipo de moedas digitais,

o cenário não é o melhor.

A bitcoin, moeda digital

mais conhecida e negociada,

apresentou o preço mais baixo

do ano quando atingiu os

US$ 16.992. O seu valor de

mercado já caiu cerca de 65%

em 2022, ficando o fenómeno

conhecido como o “inverno

cripto” entre os investidores

e entusiastas. Isto deve-se ao

facto de ter atingido um nível

tão baixo, algo que não

era visto há muitos anos.

A segunda maior criptomoeda

do mundo, o ether, da

rede Ethereum, apresenta uma

situação ainda mais difícil.

Em apenas quinze dia, a moeda

atingiu uma baixa acumulada

de 23,4%, estando assim

cotada por apenas US$ 1.

234. As outras criptomoedas

existentes, também operam a

vermelho apesar de não terem

tido uma queda tanto grande.

O pior desempenho já alguma

vez assistido continua

a ser o dos tokens e FTT. Os

tokens estão ligados diretamente

a empresas colapsadas

como a SOL que teve

uma queda de 32%. A FTT,

apresentou no mês de Dezembro

uma queda de 81%.

Balanço do futuro

das criptomoedas

não é animador

Com a crise nas duas grandes

empresas deste setor, o

mercado encontra-se com

grandes dificuldades. Após

o colapso da FTX, tornou-se

evidente que as criptomoedas

devem ser reguladas. Mais de

um milhão de clientes saiu

prejudicado e o fundador da

corretora, Sam Bankman-

Fried, apesar de não ter sido

preso, foi levado para os Estados

Unidos da América,

onde respondeu a acusações

de fraude, financiamentos ilegais

e lavagem de dinheiro.

Com este colapso e a iminente

necessidade de liquidar

posições de forma a gerar

fluxo de caixa e elevar

as obrigações financeiras, o

volume de criptomoedas colocadas

à venda promove a

queda dos preços e aumenta

o movimento dos investidores

que cada vez mais se

desfazem das suas posições.

Para além dos problemas

a nível operacional, da queda

dos tokens e das questões com

os clientes da FTX, o fator mais

relevante é a exposição destas

empresas aos ativos digitais.

Apesar dos especialistas

estarem confiantes que o futuro

será mais otimista para

os investidores deste tipo de

moedas, o cenário ainda é de

alguma incerteza. A provável

aquisição da FTX pela Binance

pode ser o caminho mais

indicado. No entanto, a compra

não vai resolver os problemas

que este mercado enfrenta,

inclusive pode trazer mais

riscos que passam essencialmente

pela regulação e concentração.

Caso esta operação

falhe, o mercado vai passar a

depender de novos factos relacionados

com o resgate da

FTX e da Alameda Research,

para que os investidores

possam receber boas notícias.

Em Portugal, dados do

BCE afirmam que 5% da população

tem na sua posse criptoativos.

O valor encontra-se

acima da média europeia que

regista um valor de 4%. As

conclusões deste estudo são

sobre o tipo de pagamento dos

consumidores da Zona Euro,

no qual Portugal, Itália, Eslovénia,

Grécia, Bélgica. Aústria,

Chipre e Espanha aparecem

em destaque com maior

proporção de uso de criptomoedas,

tanto para investimentos

como para pagamentos.

Com a queda das duas gigantes

empresas deste setor,

a FTX e Alameda Research,

a situação no mundo das

criptomoedas não é a melhor.

Os seus investidores estão

preocupados com a perda da

sua riqueza e os especialistas

apontam para um cenário

complicado e de crise.

20



Sociedade

Um olhar sobre a guerra

Por: Maria Andrade

Imagem

Fotografia: Daniel Rodrigues

As centenas de jornalistas que acompanham a guerra na Ucrânia tem um papel fundamental na

sua divulgação. São considerados os olhos da guerra. Rui Caria, em entrevista ao Sentinela, conta

como foram os 40 dias que esteve na Ucrânia e realça a importância da boa prática jornalística.

A

Rússia invadiu a

Ucrânia a 24 de

fevereiro e, desde

então, as várias reportagens

que passam nos canais

de informação transmitem

diferentes visões sobre a

guerra. No entanto, quanto à

cobertura dos motivos existe

uma quase unanimidade.

Rui Caria começou a sua

carreira na área da imagem

em 1990. Em 1993 tornou-

-se correspondente da TVI,

onde permaneceu como editor

e repórter de câmara até

2003. É repórter e editor de

imagem correspondente nos

Açores para a SIC Notícias

desde 2006 e colabora como

fotojornalista em vários jornais

nacionais e internacionais.

Esteve na Ucrânia durante

40 dias como enviado

especial da SIC passando pelas

zonas de maior conflito.

Caria explica que aquilo

que mais o marcou foi “precisamente

a destruição” e

constatar que “a humanidade

está nisto que vemos”. Dadas

as circunstâncias, é natural

o aparecimento de vários

pensamentos e questões, mas

afirma que o sentimento geral

“foi de estarmos a perder o

mundo”. A imparcialidade,

característica do jornalismo,

“fica um bocadinho por terra

ali”, no sentido em que não

é possível ficar completamente

indiferente à destruição e

morte de pessoas inocentes.

Lidar com a

morte não é uma

novidade nesta profissão,

mas lidar

com a morte provocada

pelo livre-arbítrio

de alguém,

pela escolha de

alguém, confunde-

-nos um pouco mais

no terreno.”

Apesar de existir uma

“competição feroz” no campo

jornalístico, quando estão

no terreno “isso dilui-se um

bocadinho”. Rui, conta ao

Sentinela, que existiu troca

de contactos e ideias de trabalho

entre as televisões que

se encontravam lá presentes.

“O que eu acho que não

podemos fazer é olhar para

estas notícias da guerra e ficar

por aquilo que vemos.”,

aconselha Caria. É essencial

procurar mais sobre determinada

história para comprovar

se é verdade, porque

“há muita manipulação, há

muita propaganda tanto da

parte da Ucrânia como da

parte da Rússia, eles são especialistas

nisso e tem que

se ter imenso cuidado.”.

Chegar ao local nem sempre

era fácil e a segurança

“é uma fantasia” quando se

trata de andar num sítio de

guerra. Nas palavras de Rui

Caria, é estar na “zona de não

conforto, a guerra é o reino

do caos”. Estar lá é sempre

muito incerto, tudo pode

mudar a qualquer momento.

A guerra “está a acontecer e

é aqui a 3400 km do continente

português, o que faz

com que esteja às portas da

Europa”, alerta o fotojornalista.

Ninguém está livre

e o conforto que temos hoje

pode desaparecer. Na Ucrânia,

nesta altura de conflito, as

comunicações são “mais ou

menos rudimentares” e não

22


Sociedade

O jornalismo

de guerra,

ensinou-me, entre

outras coisas, que

eu só posso falar

daquilo que eu

vejo, do que está à

minha frente. É a

única coisa que eu

posso falar e saber

que não estou a enganar

ninguém.”

aceitam o pagamento com

cartões, sendo necessário “levar

imenso dinheiro para lá”.

O papel do jornalismo em

conflitos está muito para além

de simplesmente relatar a

guerra. Os jornalistas têm a

função de ajudar as pessoas a

compreenderem aquilo que se

passa, informar até à exaustão,

acusar abusos e violações

de direitos internacionais.

Rui Caria afirma que aprendeu

muito sobre o jornalismo

enquanto estava no terreno.

As tecnologias e redes sociais

vieram mudar o mundo

e o jornalismo de guerra

também foi afetado. Hoje em

dia, as reportagens e diretos

de guerra fazem-se com um

simples smartphone e isso

permite captar os momentos

de forma natural e espontânea.

“Eu fiz a guerra com

um telemóvel, não levei uma

câmara para a guerra, levei

um iPhone”, sustenta Caria.

Na opinião de Rui, “as

redes sociais são os assassinos

da democracia”, na

medida em que fazem com

que as pessoas apenas reajam

sem terem pensamento

crítico. Acredita que “o jornalismo

está a matar-se a

ele próprio”. São vários os

órgãos de comunicação social

que promovem o jornalismo

do cidadão, fazendo com que

“de repente as notícias são

MTV, são coisas como no

Youtube, são coisas abanadas,

é preciso é mostrar.”.

Em momentos de guerra,

o jornalismo é particularmente

necessário. Desde que se

iniciou a guerra na Ucrânia,

a 24 de Fevereiro, foram vários

os jornalistas portugueses

que pudemos acompanhar

através das transmissões dos

vários canais televisivos. Todos

aqueles que estiveram no

terreno do conflito, têm como

objetivo informar mais e melhor.

Fazer uma reportagem de

guerra é e será sempre difícil.

Fotografias: Rui Caria

23


Sociedade

Imagem

Fotografia: Bruna Jardim

“Ser agricultor é empobrecer alegremente”

Por: Bruna Jardim

2022 foi um ano muito difícil para a agricultura. Para além dos problemas já antes

mencionados, como a falta de apoios e a não valorização do produtor, acrescentou-se

a seca e a falta de mão de obra. Em Ala, os problemas não são diferentes.

Ala é uma aldeia em

Macedo de Cavaleiros,

pertencente

ao distrito de Bragança. Lá, o

dia começa bem cedo. Ligam-

-se os motores e abrem-se os

estábulos. Às seis da manhã,

toda a aldeia está acordada,

mas em outros tempos, este

despertar tinha mais alegria.

Já há algum tempo que a agricultura

em Portugal está em

declínio. O preço do combustível

agrícola aumentou,

mas o valor que pagam ao

produtor continua o mesmo.

Devido à seca, os produtos

que antes colhiam da terra

estão secos e, os animais que

comiam em fartura, tiveram

de controlar a dieta. Os agricultores

estão desmotivados.

Óscar Alves, de 47 anos, é

agricultor desde que se lembra.

No entanto, nunca sentiu

tantas dificuldades na profissão.

Há diversos entraves

como a “comercialização”,

o “corte nos subsídios” e a

“não valorização do produto”.

Conta que têm “de

vender ao preço que eles

querem e depois comprar

ao preço que eles querem

também. Estamos naquela

fase que não temos escolha”.

Para além dos problemas enraizados

neste setor, Óscar refere

que, este ano, se acrescentou

uma dificuldade: a seca.

“Este ano foi mau

para tudo, mas mais

para a parte da pecuária

porque não houve alimento

para os animais, em

aspeto nenhum, nem para

podermos fazer reservas,

nem para eles poderem pastar.

Agora, no final do ano,

veio compor um bocadinho,

em relação aos pastos. Mas,

mesmo assim, não estamos

bem”, confessou Óscar Alves.

No entanto, Óscar não é

o único agricultor da casa.

Diana Alves tem 21 anos e

partilha com o pai o gosto

pela terra. Apesar de não ser

agricultora de profissão, Diana

sente que ainda há muito

por fazer pela agricultura.

“Primeiro, acho que é

necessário um reconhecimento

do agricultor e

do trabalho que este faz

e, com isso, a valorização

do produto para o

agricultor.”, realça a jovem.

Refere ainda que o produto

é vendido “para um intermediário

a cinquenta cêntimos,

por exemplo a cereja,

Fotografia: Bruna Jardim

e vê-se nos supermercados

a dois, três, quatro euros.

Com a castanha acontece

precisamente o mesmo”.

Ainda assim, a falta de reconhecimento

não é o único entrave

apontado pelos agricultores.

24


Sociedade

João Salsas é também agricultor

em Ala. Há 50 anos dedicado

ao campo, João é a voz

da experiência e aponta várias

preocupações que tem, com a

sua profissão. Para este produtor,

“um agricultor perde

muito do seu tempo nas

burocracias”. Já trabalhou

um ano, na agricultura, no Luxemburgo

e diz não ter nada

a ver com o panorama nacional,

“o agricultor é para

estar na terra a produzir”.

Outra dificuldade que

aponta é o facto de os produtos

não serem valorizados.

“Nós temos produtos de excelência

a nível nacional,

mas, principalmente, aqui

na nossa zona”, refere João

Salsas. Admite ainda que “estamos

a vender o nosso produto

como um produto qualquer

e isso está muito mal”.

No que toca aos subsídios,

é uma queixa frequente e que

já leva alguns anos. De forma

a ajudar os agricultores, tanto

na escoação de produto como

nas burocracias, são criadas

cooperativas agrícolas. Luís

Rodrigues é agricultor de nascença,

mas há 20 anos abraçou

o cargo de presidente de

uma associação cooperativa.

Para ele, os atuais apoios aos

agricultores também não são

suficientes. “É uma miséria.

Se quiserem que os poucos

jovens ainda fiquem na agricultura,

os apoios têm de ser

muito maiores”, realça Luís.

Apesar de ser um atual

presidente de uma cooperativa,

a sua alma de agricultor

fala mais alto e Luís confessa

que “não queria ver este

Trás-os-Montes desertificado”.

Teme que “no dia

em que ninguém trabalhar,

isto arde. Digo muitas vezes:

isto qualquer dia arde”.

Luís Rodrigues reconhece

que a maior dificuldade que

a agricultura atravessa é a

“falta de gente”. “Há um

velho ditado que diz que ser

agricultor empobrecer alegremente”,

mas Luís afirma

que isso vai ter de se alterar.

“Quem ficar na agricultura

tem que ganhar dinheiro”.

Enquanto essa realidade

não se altera, há quem tenha

dois empregos. Elisabete Barreira

é agricultora e assistente

técnica na Junta de Freguesia

de Ala. O gosto pela vida no

campo não é superior à necessidade

de uma vida estável.

Para Elisabete, a agricultura

“ainda não é uma profissão

rentável como outra profissão

qualquer”. “Tens de ter

um complemento para ajudar.

Não é possível haver

sustentabilidade de uma família

só trabalhando na agricultura”,

reforça Elisabete.

Elisabete refere ainda que

a desvalorização do interior

é sentida por todo o país e

não é a única. João Rebhan

tem 18 anos e é um dos mais

jovens agricultores de Ala.

Apesar de ser um dos mais

novos, João concorda com

os mais experientes. “A agricultura

não é de todo valorizada

em Portugal e acho

que ainda há muito a construir”.

Apontou que ajuda do

governo era uma mais-valia.

Mesmo assim, os Alenses

ainda têm esperança. Consideram

Ala uma aldeia jovem,

em comparação com as vizinhas,

e que existem maneiras

de combater a discriminação.

Para João, o primeiro passo

é a educação. “As pessoas

estão habituadas a ver um

agricultor como uma pessoa

pobre e mal instruída, mas

isso não é verdade”. Um

país mais instruído no assunto

seria, para João, a salvação

da agricultura em Portugal.

Apesar de todas as dificuldades,

amanhã é um novo dia.

Os tratores vão voltar a trabalhar

e os animais a pastar. Há

sempre esperança que a crise

agrícola desapareça. E mesmo

com todos os entraves, há um

pensamento que não lhes sai

da cabeça: “Sair para nunca

mais voltar? Não. Não.”.

Fotografias: Bruna Jardim

No dia em que ninguém trabalhar, isto arde. Digo muitas

vezes: isto qualquer dia arde”

Luís Rodrigues, presidente de cooperativa agrícola

25


Sandra Felgueiras: “Eu sou uma mulher que

só sabe viver feliz”

Grande Entrevista

A cara do jornalismo de investigação em Portugal:

é assim que é descrita Sandra Felgueiras.

À conversa com o jornal Sentinela, a

jornalista conta como é que o gosto pelo jornalismo

surgiu na sua vida e os principais desafios

da carreira, bem como os momentos

mais marcantes do seu crescimento pessoal.


Fotografia: Maria Andrade


Grande Entrevista

O

sonho de menina

concretizou-se e

hoje, Sandra Felgueiras

é uma das referências

mais conhecidas do jornalismo

português. Curiosa por

natureza, nunca escondeu a

paixão que tem por contar histórias.

Quando via televisão

com o Tio ‘Toneca’ perguntava-lhe

como é que estavam

pessoas do outro lado do ecrã.

Com apenas 12 anos,

começou a apalpar terreno

num programa de rádio

para crianças, e aos 45 anos

já passou pelos grandes canais

da televisão nacional.

Ao longo do seu percurso,

ganhou vários prémios. Venceu

o prémio Novos Valores

do Expresso e recebeu, em

2017, o galardão Jornalismo

Nacional, atribuído pela

Antena Livre e Jornal de

Abrantes. Entre 2019 e 2021,

foi distinguida com o Prémio

Mulheres Mais Influentes de

Portugal, pelo trabalho que desenvolveu

enquanto jornalista.

Quando esteve na faculdade,

concretizou a sua primeira

experiência televisiva, em

Erasmus. Foi na Barcelona

Television, em 1998, que

começou a alimentar o bichinho.

Um ano mais tarde, estagiou

na SIC e, nesse mesmo

ano, esteve no Expresso. No

ano de 2000, junta-se à equipa

da RTP, onde apresentava

o noticiário da noite. A partir

de 2012, tornou-se coordenadora

e apresentadora do

“Sexta às 9”, um programa

de investigação na RTP1.

Depois de um longo percurso,

de 22 anos, no canal,

Sandra foi à procura de novos

desafios. Rumou à CMTV, integrando

os quadros da Cofina

e onde também assumiu a direção

da revista Sábado. Menos

de um ano depois, foi para

a TVI, cargo que ocupa até

hoje e admite estar muito feliz.

Fotografia: Nuno Santos / Instagram

Fotografia: Expresso de Felgueiras

28


Grande Entrevista

Partindo numa ordem

cronológica, ser jornalista…

é um sonho de criança?

Lembra-se do seu primeiro

contacto com a televisão?

É. Sem dúvida nenhuma, é

um sonho de criança. É algo

que eu sempre sonhei fazer.

Já dizia o meu tio Toneca, que

eu falo sempre dele, que era

o meu tio-avô, que eu ficava

pregada à televisão a perguntar

como é que é possível aparecerem

do outro lado, porque

me fazia muita confusão não

compreender como é que de

repente as pessoas apareciam

do lado de lá da televisão, e

eu gostava muito de escrever.

Portanto, o sonho de fazer

televisão existia, mas existia

sobretudo o sonho de contar

histórias, fossem elas na imprensa,

na rádio, na televisão.

Portanto, ainda miúda, para aí

com os meus doze anos, comecei

a fazer um programa de

rádio para crianças. Depois,

por volta dos dezasseis, fiz

um programa que era a Ferro

e Fogo, que era sobre música,

porque eu era viciada em

música rock. Depois, mais tarde,

quando vim para a faculdade,

fui para o Erasmus em

Barcelona. Comecei a minha

primeira experiência televisiva

na Barcelona Television,

onde fazia um programa chamado

Programa Informational

das Lenguas, que é uma

rubrica em Catalão, mas que

tem várias línguas de várias

comunidades representativas

estrangeiras: italianos, portugueses,

havia várias nacionalidades.

E depois vim para

Lisboa, voltei para Lisboa, e

cá fiquei, e adoro ser jornalista.

Acho que é uma paixão que

eu vou continuar a ter sempre,

que é de ser uma curiosa inata.

Com um percurso na

televisão tão recheado, qual

foi a entrevista que mais a

marcou?

É uma pergunta difícil. Já

fiz muitas entrevistas que me

marcaram por diferentes motivos

e por diferentes razões,

e todas elas muito distintas.

Mas, eventualmente, se tivesse

que escolher uma, talvez

as várias entrevistas que fiz

ao casal McCann, porque foram

todas elas muito intensas,

muito difíceis. Ter que estar na

posição de perguntar aos pais

se, eventualmente, tinham

estado envolvidos na morte

da própria filha, quando toda

a versão que eles passavam

à comunicação social era de

que, naturalmente ela estava

viva, e eles eram apenas uns

pais desesperados à procura

dela. Foi muito constrangedor

e muito difícil do ponto de

vista humano. Às vezes pergunto-me

se hoje sendo mãe,

que na altura não o era, teria

tido o sangue frio para fazer

as perguntas que fiz. Por isso

mesmo, por essa dificuldade,

eu considero-me bastante

emocional de colocar perguntas,

porque é muito fácil nós

falarmos sobre aquilo que

fazemos, mas no dia-a-dia é

muito difícil, às vezes executá-lo,

porque tem que se pôr as

emoções de lado e as emoções

estão lá. E por muito que nos

ensinem na faculdade, que a

objetividade é um caminho

e que essa subjetividade se

põe de lado, no final de cada

dia somos todos humanos de

pele e osso e temos todos coração.

Portanto essa talvez

tenha sido a mais difícil, ou

essas, porque foram várias.

O jornalismo de investigação

remete para os

espectadores um profundo

conhecimento do jornalista

sobre as diferentes matérias

abordadas, fruto claro

de uma alargada pesquisa

e rede de contactos. Posto

isto, quais os principais

obstáculos do jornalismo

de investigação? Acha que

em Portugal dá-se o devido

mérito a esta vertente jornalística?

Se se dá o devido mérito é

uma boa pergunta, mas não é

para ser colocada a mim. Eu

tenho uma visão muito romântica

sobre o jornalismo de

investigação. Acho que ele é

demasiado necessário para ser

abandonado, mas é demasiado

custoso. Implica muitos sacrifícios

pessoais, para que muita

gente o queira fazer, e essa

é a maior dificuldade que eu

enfrento, porque compreendo

perfeitamente aqueles que

dentro das várias equipas que

eu já fui tendo, me vão dizendo

com o sofrimento “eu não

aguento mais”. E o não aguentar

mais significa não aguentar

mais as pressões, não aguentar

mais os telefonemas hostis, as

ameaças, a dificuldade em ter

a certeza absoluta dos factos

quando muitos deles não são

fáceis de trilhar, e depois ter

a consciência de que os jornalistas

de investigação não

são polícias. Não têm acesso

a escutas, não são pessoas

que perseguem ou que podem

perseguir eventuais suspeitos.

Temos uma limitação de recursos

que nos obriga a circunscrevermos

às fontes abertas,

que nos dão informação

que nós consideramos credível,

e nas quais também temos

de confiar. E depois cruzar a

prova documental com a prova

testemunhal, e a partir daí,

construir aquilo que se chama

o caso. Agora, o jornalismo

de investigação é uma área

que, ou é devidamente apoiada

pelo estado de forma consistente,

ou então será muito

difícil de continuar a ser feito,

porque eu comparo-me

muitas vezes com aquilo que

é feito noutros países. O The

Guardian diz abertamente que

o leitor tem que te comparticipar,

e tem mesmo uma forma

de comparticipação para que

se continue a fazer jornalismo

de investigação. São montados

vários consórcios, como

o Consórcio Internacional de

Jornalistas, que faz o Panama

Papers, entre outros vários

documentários que foram surgindo,

mas todos eles são financiados,

exatamente porque

é muito difícil. Não é fazer

uma peça normal de televisão,

a chamada peça de dois minutos,

e está pronta e vai para o

ar no dia. Implica muitas horas

de estudo, de análise, de

verificação, de versatilidade,

porque os temas são todos

distintos. Uns mais voltados

para o direito, outros mais

voltados para o ambiente, e o

jornalista não estuda isso, não

é? Ninguém estuda isso. Nós

estudamos a contar histórias,

não estudamos as diferentes

áreas da sociedade ao ponto

de sermos tão polivalentes.

Fotografia: Divulgação / RTP

29


Grande Entrevista

E por isso respondendo diretamente

à pergunta, eu acho

que o jornalismo de investigação

é muito necessário, mas não

é reconhecido como deveria.

O caso do desaparecimento

da Maddie McCann

é um dos acontecimentos

mais mediáticos da história

do jornalismo em Portugal.

Na época este tema era

uma constante em todos

os órgãos de comunicação.

Uma vez que acompanhou

sempre muito de perto todo

este processo, foi necessário

algum controlo emocional

acrescido durante a investigação?

E se alterou em

alguma coisa a visão que

tinha acerca da sua profissão?

O caso Madeleine McCann

é o início do meu processo

de querer rumar para o jornalismo

de investigação. Foi aí

que eu percebi aquilo que eu

realmente queria fazer, e estávamos

em 2007, era jornalismo

de investigação. Até aí

eu tinha passado por editorias

como Política, Sociedade, mas

não estava ainda plenamente

focada naquilo que viria a ser

o meu futuro, e que é o meu

presente. Já passaram quinze

anos. Era tanto trabalho, tanto

trabalho, tanto trabalho,

que não há tempo sequer para

pensar nas emoções. Há os

momentos de confronto com

o casal, e esses momentos são

duros, emocionalmente duros

Quase não há

tempo para sentir.

Há tempo para

pensar, há tempo

para agir”

Se mudou a minha visão do

jornalismo? Mudou no sentido

em que, pela primeira vez na

minha vida, eu me sentia enganada

por uma fonte que eu

tinha como credível. E a partir

daí eu comecei a ser muito

mais exigente comigo própria,

com as minhas fontes, com os

documentos que me dão a ver,

e deixei de fazer o que quer

que seja por confiança absoluta

e cega nas fontes, porque

esse é um dos maiores riscos

que o jornalista corre. É chegar

a um ponto em que está

tão seguro que a fonte é, como

dizem os ingleses, “reliable”,

credível, que deixam quase

de exigir a essa fonte, até por

um certo embaraço, porque se

confia bastante na fonte, de pedir

documentação que confirme

aquilo que ela está a dizer.

Isso acabou por me acontecer.

Já me abordaram e perguntaram:

estás arrependida? Não,

não estou arrependida, porque

eu não me posso arrepender

de algo que eu não sabia na

altura. Foi algo que eu só descobri

um ano depois, e quando

descobri um ano depois, não

tive a menor hesitação porque

o meu compromisso é com

o público. É para ele que eu

trabalho. Eu não trabalho para

fontes, trabalho para as pessoas

que nos ouvem e que nos

seguem, e não tive problema

nem pudor nenhum, nem teria

nunca de dizer aquilo que eu

disse no passado, ou seja, de

que havia provas consistentes

de que poderia haver sangue

de Madeleine McCann no

apartamento e no carro, não é

verdade. E a partir daí mudei.

Não é a minha visão de jornalismo,

a visão de jornalismo é

a mesma. Tornou-se mais exigente

o exercício da profissão.

O que se tornou diferente em

mim foi a minha apreciação

sobre o caso. Eu até aquele

momento, até ler todos os

documentos que estavam no

caso, que estavam em segredo

de justiça, e que de repente ao

ser arquivado é aberto, “open

files”, descobrem-se as verdades,

e a descoberta dessa

verdade para mim foi muito

angustiante. Foi a perceção

de que metade das coisas que

nós tínhamos tomado como

reais eram meras manobras de

distração de uma polícia judiciária

que estava em completo

devaneio, sem saber o que dizer

ao mundo, apenas porque

não sabia nada do que tinha

acontecido, e continuou sem

saber nada do que aconteceu.

Isso é que é constrangedor. É

termos que lidar com o facto

de agora ser uma polícia alemã,

que efetivamente vem

dizer que sabe o que é que

aconteceu, quando nós não

descobrimos o que aconteceu.

A Sandra escreveu um

post em 2020, ainda sobre o

caso dos McCann, que continha

a seguinte expressão:

«Li todos os ficheiros. Todos

os relatos. E durante todos

estes anos ouvi os maiores

disparates sobre o que vi

acontecer com os meus próprios

olhos. Vi, incrédula,

como é fácil proliferarem

mentiras apenas em ordem

de justificar a tese de um

inspetor afastado por ter

dito em público o que nunca

conseguiu provar na justiça.

Mas em público, só podemos

falar o que podemos

provar. E isto é válido para

todos». Posto isto, o que é

que lhe dá mais comichão

no jornalismo em Portugal?

Comichão é uma palavra

engraçada até, mas é algo que

me causa muita urticária, a

forma leviana com que se faz

jornalismo, muitas vezes. E

foi por isso que eu escrevi esse

post. Não é que eu tenha nenhuma

sobranceria e acho que

saiba mais do que qualquer

outro meu colega, mas porque

vejo muitos a fazerem aquilo

que eu acho que é a antítese

do que nós temos obrigação de

fazer, que é o de verificar, ter

a certeza absoluta dos factos,

e para isso é preciso fazer um

trabalho árduo, que eu também

reconheço que na altura

em que os ficheiros estavam

fechados e nós não tínhamos

outra qualquer forma de saber

a informação, só me limitei

a cruzar as informações dos

McCann com as informações

que obtinha via policial, sendo

que estava perfeitamente

consciente que as informações

via policial eram informações

que violavam elas próprias, o

segredo de justiça. Mas nós

somos pagos, e servimos o

público para darmos todos os

segredos. Eu, sempre que me

falam em segredo de justiça,

para mim o segredo de justiça

é algo que não tem de existir.

Desde que eu descubro algo

que é relevante, o que a mim

me interessa é se a informação

é verdadeira, se tem interesse

público, e se for verdadeira e

tiver interesse público, eu vou

publicá-la. No caso McCann o

que aconteceu é que a informação,

à data dos factos em que

foi reportada por mim e por

tantos outros, era verdadeira

e tinha muito interesse público.

Passado um ano, quando

os ficheiros são libertados e

de acesso público, afinal não

eram aquilo que nos tinham

dito. E por isso eu ter escrito

o que escrevi, que corroboro

e voltaria a escrever de novo.

Esteve na RTP durante 22

anos, o que é que a fez mudar

para a CMTV e, menos

de um ano depois, para a

TVI?

Eu sou uma mulher que

só sabe viver feliz. E entendo

que a vida é uma passagem

demasiado curta para que

nós teimamos em fazer aquilo

que não nos deixa felizes.

E portanto entendi, 22 anos

depois, que a RTP já não me

fazia feliz, ainda que tenha

deixado lá os meus melhores

amigos, e foi um processo

muito duro, o mais duro que

eu já passei. A minha despedida

da RTP é algo que eu falo

aqui brevemente porque senão

começo a chorar. A RTP

foi a minha casa, a minha família

durante muitos largos

anos. Foi lá que eu passei

muitos Natais, muitas Passagens

de Ano, muitas Páscoas

e, quando algum de vocês tiver

oportunidade de perceber

o que isso é, percebem rapidamente

que o jornalista que

é devoto à profissão como eu

sou, passa muito mais tempo

a trabalhar do que em casa.

Fotografia: Getty Images

30


Grande Entrevista

Fotografia: Revista Sábado

Portanto, a RTP era a minha

casa, e eu deixei a minha

casa. Deixei porque entendi

que essa casa já não me fazia

feliz. É quase como um

divórcio. A gente chega a um

momento em que por muito

que goste da pessoa que está

connosco, não consegue viver

com ela. Acreditei piamente

que o projeto para o qual

fui desafiada na Cofina, porque

eu fui convidada para ser

Directora-Geral Adjunta da

CMTV, diretora da Sábado e

do Correio da Manhã, era um

projeto que me permitiria de

certa forma, dar inputs de alteração

ao projeto que está em

marcha já há largos anos, com

o qual eu não me identifico,

mas que eu achei que poderia

ter com a função que me

foi atribuída, potencial para

mudar. Não aconteceu, portanto,

todas as ideias que eu

apresentei não vingaram, e eu

entendi que não poderia estar

num projeto que também me

fazia infeliz, porque não me

identifico com a linha editorial

vigente, e por isso mudei.

E hoje estou muito feliz.

O que é que diria à Sandra

Felgueiras de 21 anos

quando começou a fazer

jornalismo ?

Eu não sei se me dava algum

conselho para ser muito

honesta. Pode parecer alguma

presunção, mas eu acho que

todos nós temos que descobrir

o nosso caminho e os únicos

conselhos que podemos dar

são estes que eu acabei de

vos transmitir, que é o apego

à verdade e o apego ao interesse

público. O apego ao estudo

permanente, de forma a

que nós sejamos informados o

suficiente para que possamos

reportar com qualidade aquilo

que interessa às pessoas, e

não aquilo que apenas dá audiência.

Não é por isso que

eu me movo. De resto, todo

o processo é um processo de

descoberta individual. Há

muitos bons jornalistas a fazerem

coisas muito distintas.

O grande conselho

que eu dou a

qualquer jornalista

em início de profissão

é que se descubra

a si mesmo”

Este processo de descoberta

é fundamental para que

a pessoa, desde que tenha os

valores no sítio e que saiba

exatamente o que é que quer

da vida, possa vingar. O jornalismo

não é uma arte difícil.

O fazer perguntas, operar

uma câmara ou tirar fotografias

ou saber contar bem uma

história é algo que se aprende

com relativa facilidade. O

difícil é nós mantermo-nos

firmes. Firmes no sentido em

que não somos conspurcados

por fontes que nos utilizam

como armas de arremesso,

quando não conseguem fazer

provas do contrário na justiça.

Mantermo-nos firmes é, por

exemplo, saber mandar ao ar

uma história na qual já se investiram

muitos dias ou muitas

semanas, porque se chega

à conclusão de que não é verdade.

E esta firmeza de caráter

é fundamental para quem

quer ser um bom jornalista.

Se não fosse jornalista, o

que é que seria?

Quando me candidatei à

faculdade, a última opção

era dança na Universidade

de Motricidade Humana

aqui em Lisboa. Eu sempre

adorei dança e gostava de

ter sido bailarina. Mas nunca

tive oportunidade, quando era

criança, de fazer se quer ballet

porque não havia na altura,

em Felgueiras. Portanto, é

daquelas coisas que, sempre

que vejo bailados, tenho até

muitos amigos bailarinos e digo-lhes

com uma pontinha de

inveja “gostava de ser como

tu”, mas não tenho esse talento.

Talvez um dia quando tenha

mais tempo, algo que não

tive até hoje, aproveite para

aprender a dançar, porque é

algo que me faz muito feliz.

Existe alguém com quem já

trabalhou e não voltaria a

trabalhar?

Com quem já trabalhei

e não voltaria a trabalhar...

acho que não. Não me lembro

assim de ninguém. Existe

alguém com quem já trabalhei

e sonharia muito em

voltar a trabalhar, que é o

Luís Miguel Loureiro, que

abandonou a profissão para

ser professor universitário

de Ciências da Comunicação

na Universidade do Minho.

Eu não sou pessoa

de ódios”

Sou uma pessoa que consegue

trabalhar com relativa facilidade

com toda a gente e é

difícil vir-me à cabeça assim

alguém que, simplesmente,

eu fosse incapaz de trabalhar.

Quem é para si uma referência,

fora do jornalismo,

em termos nacionais? E

internacionais?

Referências... tenho muitas.

Podem não estar vivos?

(risos). Eu acho que tenho e

sempre tive uma grande referência

internacional que é

o Nelson Mandela. O Nelson

Mandela para mim significa

quase a perfeição humana.

Eu acho que se algo que nós

fazemos no mundo é deixar o

exemplo daquilo que inspira

os outros, do que leva os outros

a fazerem mais e melhor.

A nível nacional, eu tenho

uma referência que não será

muito óbvia para toda a gente,

e essa está viva. Talvez porque

o conheço pessoalmente,

sempre significou para mim

o exemplo da retidão, da lisura,

do sentido de estado, de

tudo aquilo que eu acho que

hoje falta em Portugal, que é

o Ramalho Eanes. É, sem dúvida

nenhuma, a pessoa que

eu conheço que se tivesse de

identificar como o estadista,

era ele. Ele fez demasiado por

Portugal, e Portugal, até hoje,

nunca lhe reconheceu aquilo

que ele efetivamente é, e

quem o conhece pessoalmente

sabe que, apesar de tudo

aquilo que ele vale, ele não se

vangloria de nada. Ele raramente

diz “eu” e essas pessoas

tem um valor inestimável.

Pessoas que não necessitam

de dizer quem são, de falar de

si próprias, que simplesmente

se limitaram a fazer o que

deviam ter feito no momento

certo e, portanto, sim, sem

dúvida, o Ramalho Eanes.

Se escrevesse um livro sobre

a sua vida, qual seria o

título?

Ui! Primeiro, nunca pensei

escrever um livro sobre mim,

depois, quer dizer, é assim

uma pergunta... de responsabilidade.

Não sei, tenho dificuldade

em responder a essa

pergunta assim de chofre.

Apanhaste-me um bocadinho

desprevenida, porque, na verdade,

eu acho que nunca vou

escrever um livro sobre mim.

Tenho muitos interesses na

vida, escrever um livro sobre

mim não é algo que me passe

sequer pela cabeça. Portanto,

apesar de toda a gente achar

que as pessoas da televisão

vivem muito a cultura do ego,

eu não a vivo. Digo sempre

à minha filha que tenho uma

profissão igual a todas as outras

pessoas, com diferença

de que apareço na televisão.

De resto, não me considero

mais nem menos do que ninguém,

e, portanto, não está de

todo nos meus planos escrever

um livro autobiográfico.

Talvez um dia, quando tiver

80 anos, se lá chegar, se Deus

me permitir, mas, para te ser

muito honesta, não há assim

nenhum título que me viesse

à cabeça porque não há sequer,

em mim, a vontade de

escrever um livro sobre mim.

Fotografia: Maria Andrade

31


Grande Entrevista

Qual é a sua música preferida?

Olha, tenho muitas. Eu

gosto, de facto, muito de música.

Eu vou-te dizer aquela

que talvez eu tenha ouvido

mais vezes na vida inteira e

que ainda hoje significa muito

para mim e, por ironia do

destino, acabou por coincidir

o título com a pessoa que mais

amo, que é a “Daughter” dos

Pearl Jam. Eu adoro a música,

desde sempre. Os Pearl Jam,

tenho dificuldades em dizer

que são a minha banda preferida,

porque é, eu adoro o Eddie

Vedder. Mas também adoro

o Bono dos U2, como adoro

os Radiohead, como adoro

Muse. A minha cultura musical

está muito ligada aos anos

90, obviamente. Tenho muitas

músicas que me dizem muito.

Goo Goo Dolls é uma banda

que me diz muito por razões

óbvias da minha vida passada.

Adoro Iris. Se tiver de escolher

uma, escolho “Daughter”.

Arrepende-se de algo que

tenha, ou não, feito?

Arrependo-me de não ter

dado uma volta ao mundo

logo quando acabei a faculdade,

mas também não sei o que

é que teria sido o meu futuro

se não tivesse ganho o prémio

Novos Valores do Expresso

e começado logo na SIC e

depois ido para o Expresso.

Podia ter perdido aí o início

que me deu, de facto, bagagem

para chegar onde cheguei.

Até hoje uma das coisas

que mais me impressionou

foi ter percebido que os holandeses,

quando acabam a

faculdade, vão todos dar uma

volta ao mundo e esse é o início

da grande experiência de

vida que tem. Como sempre

que viajo aprendo, acho que

me faltou fazer essa volta ao

mundo. Arrependo-me de não

ter dado uma volta ao mundo.

Felgueiras de apelido e

Felgueiras de terra onde a

viu crescer. Como foi a sua

infância? Sente que essa

cidade a moldou de certa

forma?

Eu acho que a cidade não

molda as pessoas. As pessoas

com quem nós vivemos, moldam-nos.

Os felgueirenses

moldam-me ou moldaram-

-me. As pessoas com quem eu

cresci tiveram um papel crucial

na minha vida, mas não é

a cidade em si que me molda.

O ser Felgueiras de nome é

uma mera coincidência. Daquilo

que contava a minha

avó tinha haver com o facto

de um bisavô dela ter emigrado

para o Brasil e era o Zé de

Felgueiras e o nome ficou na

família. Eles eram os Cunha,

ficaram os Cunha Felgueiras,

e o nome foi-se perpetuando

na família e depois, como

rapidamente a minha mãe foi

para a política, tinha eu 10

anos, eu era a filha da Fátima

Felgueiras. Eu acho que todo

o período em que vivi em Felgueiras

só fui Sandra para os

meus amigos, de resto toda a

gente me tratava por filha da

presidente ou por filha da Fátima

Felgueiras. Tive alguma

dificuldade de afirmação de

mim própria. Não é que isso

me tenha causado nenhum

problema, nunca precisei de

terapia por causa disso (risos),

mas se me perguntares porque

é que escolhi Lisboa e não

Braga ou Porto para estudar,

a resposta é óbvia. Eu queria

ser eu e precisava de ser eu.

Precisava de ser eu, não era

para que me reconhecessem

apenas, era porque eu precisava

de provar a mim própria

que tinha valor por mim, e de

que as coisas não gravitavam

à minha volta pelas apreciações

que faziam sobre mim

e que não tinha haver comigo,

mas que indiretamente tinha

haver com a minha mãe.

O que mais me

moldou, sem

dúvida, foi ter vivido

essa adolescência

muito marcada

pela figura central

que a minha mãe

era”

Confessou no programa do

Goucha a importância que

tem o mar na sua vida como

forma de a tranquilizar.

Para além deste, tem outros

refúgios?

Não, particularmente.

Eu sempre que preciso de

pensar vou para perto do

mar. Sempre. E se não vou

para perto do mar vou para

dentro da piscina e nado.

Referiu também nessa

entrevista que está “no auge

da sua maturidade, no auge

da sua maternidade”. De

que forma cresceu enquanto

mãe nestes últimos 9

anos?

Muito, a maternidade

mudou por completo as minhas

prioridades. Eu era uma

workaholic, a 130%, só via

trabalho e, hoje em dia, continuo

a ser muito focada no

trabalho, mas a Sara é a minha

prioridade. E, portanto,

quando digo o auge da maternidade

é o sentimento de responsabilidade

que eu tenho e

que é algo que está para lá de

qualquer outra coisa. Ter dificuldade

inclusive de viajar e

ter de a deixar é um exercício

muito penoso. Agora, quando

fui para a guerra na Ucrânia

custou-me bastante. Custou-

-me bastante e vim me embora

no dia em que ela me perguntou

“se tu morreres com quem

é que eu fico?”. Há perguntas

para as quais nós deixamos

de estar preparados quando

somos mães ou pais. Portanto,

a maternidade mudou-me.

Mudou-me a forma de olhar

para aquilo que é ou são as

prioridades da minha vida.

Consegue imaginar um

mundo atual sem a sua filha

Sara?

Não. De maneira nenhuma.

A sua mãe Fátima Felgueiras

foi absolvida num

processo judicial que demorou

cerca de 10 anos.

Quão difícil foi essa fase da

sua vida? Sente mágoa pela

forma como tudo foi desenvolvido

em termos judiciais

e mediáticos?

Sinto muita mágoa. Sinto

muita vergonha pelos jornalistas

que, na altura, não

souberam comportar-se à altura

dos acontecimentos, sobretudo,

porque eu estava lá

e porque me recordo como

se fosse hoje de que ela nunca

recebeu um telefonema de

nenhum jornalista que sobre

ela escreveu a perguntar-lhe

o que quer que seja. O que é

algo, não só condenável do

ponto de vista deontológico,

mas moral, legal… Nada daquilo

podia ter acontecido.

Sinto mágoa porque a minha

mãe, no final deste processo,

ficou tão cansada, tão frustrada,

que nem sequer reclamou

aquilo a que tinha direito.

Receber o carro que lhe tiraram

indevidamente porque foi

apreendido. Reclamar e processar

os jornalistas que sobre

ela escreveram erradamente.

Essa catarse emocional de

dizer “Game over” e, simplesmente,

dedicar-se a outra coisa

que, neste caso, é a minha

filha, a neta dela. Está cá em

Lisboa, vive aqui perto e vive

feliz, mas eu tenho mágoa porque

a minha mãe, e eu digo isto

com todo o à vontade, é não só

a melhor pessoa que conheço

na vida ao nível da integridade

moral e da honestidade

intelectual, mas a

pessoa que, a seguir ao Ramalho

Eanes, eu mais vejo

como exemplo de estadista.

E a minha mãe

simplesmente

tem o dom de perdoar

que eu não tenho.

Eu não seria capaz

de fazer o que ela

fez”

Fotografia: Revista Flash

32


Grande Entrevista

Fotografia: Maria Andrade

E roubaram-lhe isso. E ninguém

tem o direito de roubar

nada a ninguém apenas por

pura inveja. E é isso que me

incomoda muito em Portugal,

é que a maioria dos casos são

construídos por pura inveja.

Se me perguntarem

qual é o

maior defeito do

povo português é a

inveja”

Em 2019, 2020 e 2021 foi

distinguida como uma das

25 mulheres mais influentes

em Portugal. É então

alguém bastante conhecido

para a generalidade do público.

O que é que as pessoas

não conhecem sobre si?

Tem alguma característica

que tenta não mostrar ou

que gostava de passar mas

que não é fácil no meio da

esfera pública?

Essa é mais de ser respondida

por vocês que estão a

falar comigo. Eu quando falo

com algumas pessoas que não

me conhecem, tendem a dizer

que ficam surpreendidas com

a minha ligeireza nas palavras

e com o à vontade que

acabo por criar. Isso quererá

dizer, eventualmente, que têm

de mim uma imagem, quem

não me conhece, mais austera,

mais séria, mais formal do

que eu efetivamente sou. Eu

sou uma pessoa muito próxima,

procuro ser o mais afável

que consigo, considero-me

simpática e bom coração, e

talvez isso não seja percecionado

porque o jornalismo nos

obriga a adotar uma posição

bastante mais resguardada, no

que ao emocional diz respeito.

Mas quem melhor do que vocês

hoje para testemunharem

aquilo que eu passo ou não passo…

não sei bem, talvez isso.

Ainda há algum sonho por

concretizar?

O dar a volta ao mundo (risos)...

nunca vou desistir dele.

Eu adorava dar uma volta ao

mundo. Tenho apenas uma

amiga, que estudou comigo

na faculdade, que andou dois

anos a viajar com os filhos

pelo mundo inteiro e eu acho

que, um dia, ainda vou conseguir

concretizar esse sonho.

Consegue definir Sandra

Felgueiras em 3 palavras?

Ui, vocês são muito exigentes

(risos). Em três palavras…

em três palavras. A minha filha

vai dizer “estás sempre a falar

de ti” e eu “pois, fazem-me

perguntas sobre mim e eu tenho

de responder sobre mim”.

(E a filha responde) “Ah, mas

assim pareces muito egocêntrica”.

Como é que eu hei de

contornar esta pergunta sem

parecer egocêntrica, quando

vocês me perguntam como é

que eu me considero. Bem,

como é que eu me considero…

Eu considero-

-me boa mãe,

boa jornalista e

bom coração”

33



Inovação

Estádio 974: um abraço entre o Desporto e a

Sustentabilidade

Por: Pedro Pimparel Serafim

Fotografia: Observador

Estádio 974. É este o nome do primeiro estádio desmontável do futebol mundial. Os dígitos

que apelidam esta infraestrutura não foram escolhidos ao acaso. 974 é o indicativo

telefónico do Qatar, mas também, o número de contentores ligados por aço modular reciclado,

que servem de base a esta construção. Esta ideia revolucionária foi desenvolvida pela

Fenwick Architects, sendo os próprios contentores fabricados pela China International Marine Containers.

Este modelo de implementação

permite

o desmantelamento

do complexo desportivo, e a

possibilidade da sua transferência

para outros eventos,

não apenas com intuitos futebolísticos.

Pode vir a ser alugado

e transportado para outra

parte do mundo, acabando por

ser usado para as mais diversas

finalidades. Até o próprio

processo de montagem pode

sofrer pequenas alterações

dependendo do seu propósito.

Para já, os planos para este

estádio inovador já estão traçados,

com o estádio a ser

enviado para Maldonado, no

Uruguai, caso a candidatura

sul-americana (composta também

por Argentina, Paraguai e

Chile) seja a escolhida como

anfitriã do Mundial 2030. De

salientar que Portugal, Espanha

e, mais recentemente a

Ucrânia, também apresentaram

uma candidatura conjunta

para a organização do evento.

Este projeto apela sobretudo

à sustentabilidade, uma vez

que permite uma significativa

poupança de água (a rondar os

40%) e, graças ao seu sistema

de ventilação natural, abdica

do uso de ar condicionado,

algo que não acontece nos outros

recintos do Campeonato

do Mundo, por causa das temperaturas

extremas vividas no

país. Tal fenômeno é possível,

através das lacunas da estrutura

e espaços entre os assentos,

com brisas vindas do mar. O

Estádio 974 recebeu assim

um certificado de 5 estrelas

do Sistema de Avaliação de

Sustentabilidade Global, e

promete dar o mote para uma

maior união entre o desporto

e as questões ambientais.

Localizado numa zona

costeira de Doha, a infraestrutura,

que custou mais de

300 milhões de euros, tem

uma capacidade para 44.089

espectadores, e recebeu até

ao momento seis jogos do

Mundial, um deles, a estreia

da seleção portuguesa na vitória

de 3-2 frente ao Gana.

O último jogo disputado no

Estádio 974, no Qatar, está

agendado para o dia 5 de dezembro,

numa partida que vai

envolver o Brasil e a Coreia

do Sul, destinada aos oitavos

de final da competição.

35


Inovação

Inovação

Fotografia: Maria Andrade

uma viagem ao futuro da hotelaria

Por: Maria Andrade e Pedro Pimparel Serafim

O Yotel Porto, localizado na Trindade, é o primeiro hotel da marca na Península Ibérica e distingue-se

pela forte vertente tecnológica. A principal atração do hotel são os seus dois robots

que interagem permanentemente com o cliente. O jornal Sentinela visitou o local e esteve

à conversa com Joana Vasconcelos, responsável pelo departamento de marketing do Yotel.

A

cadeia de hotéis

britânica Yotel

surgiu em 2007 e

estreou-se com a abertura de

cápsulas nos aeroportos. Os

quartos eram pensados para

quem precisasse de alojamentos

entre escalas ou apenas

estivesse de passagem. O objetivo,

através da componente

tecnológica, é proporcionar

autonomia aos hóspedes. A

marca cresceu e foi-se desenvolvendo

em diferentes cidades.

Atualmente, o Yotel está

localizado em vários países,

como o Dubai, Miami, Reino

Unido, Singapura e Estados

Unidos. “Como terceira geração

os quartos já são um

bocadinho maiores, mas o

36

conceito base continua cá,

ou seja, tudo muito prático”,

salienta Joana Vasconcelos.

“Mais do que

uma dormida,

poder oferecer uma

experiência”

Desde o hall de entrada

até aos quartos onde ficam

hospedados, os clientes têm

à sua disposição diferentes

ferramentas tecnológicas. O

que distingue o Yotel de todas

as outras cadeias são os

seus robots programados.

A Yolinda e o Yogiro têm

a missão de servir e entreter

os clientes, durante todo

o dia, proporcionando-lhes a

melhor estadia possível. Os

robots têm a capacidade de se

deslocarem até aos diferentes

locais do hotel, e a sua função

passa, sobretudo, pelo serviço

de quartos. Possuem várias

gavetas, onde levam todos

os pedidos, sejam eles comida

ou produtos de higiene. O

seu serviço começa quando o

hóspede liga para a receção e

faz um pedido. Os robots sobem

pelo elevador, e assim

que chegam à porta do hóspede,

telefonam para o quarto

para notificar a sua chegada.

Fotografias: Maria Andrade


Inovação

Uma Tour pelo hotel da inovação

Antes mesmo de chegarem

ao hotel, as pessoas têm a opção

de fazer o check-in através

da aplicação digital. No

entanto, podem sempre optar

por realizá-lo nos quiosques

disponíveis no hall de entrada

ou, à moda antiga, na receção.

Mal entramos, sentimos

logo a predominância da cor

branca e roxa em toda a decoração.

Os leds transmitem a

ideia de algo futurista e a decoração

é moderna e minimalista.

Ao lado da recepção existe

uma seção “Grab & Go”,

onde encontramos uma variedade

de snacks que podem

ser consumidos em qualquer

altura. Neste mesmo piso, temos

o restaurante “Komyuniti”,

acessível ao público

em geral, que se transforma

em diferentes zonas de refeição

consoante a altura do dia.

Também a esplanada chama

a atenção, por ser um espaço

acolhedor e aberto. Muitos estudantes

aproveitam o espaço

para estudar sem distrações.

Fotografias: Maria Andrade

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Inovação

Inovação

Fotografias: Maria Andrade

Os hóspedes dispõe de um

ginásio aberto 24 horas por

dia. Este está equipado com

os melhores equipamentos,

de forma a garantir um treino

eficaz. Para assistir a um jogo

de futebol em grupo, nada

melhor do que a sala de estar.

É um local confortável e,

por ser dedicado ao descanso,

não possui tanta tecnologia.

Num local mais reservado do

hotel, encontramos duas salas

de reuniões, utilizadas principalmente

pelo staff, onde se

discutem estratégias para o

desenvolvimento do projeto.

O Yotel é constituído por 8

andares. No que diz respeito

aos 150 quartos presentes no

hotel, opções não faltam: desde

as suítes com varanda aos

quartos mais pequenos, que

incluem uma smartbed. Existem

quartos pensados para

pessoas com mobilidade reduzida.

Não é permitida a entrada

de animais, e não é aconselhado

a famílias com crianças.

Dentro dos quartos, as diferentes

áreas são, em geral,

pequenas. Contudo, o envolvimento

tecnológico traz mais

vida ao local. As leds que encontramos

em todo o espaço

são reguláveis, tanto a nível

de cor, como de intensidade,

permitindo ao hóspede personalizá-las

ao seu gosto. A

aplicação do Yotel não serve

apenas para o check-in,

as luzes e a própria televisão

podem ser controladas através

deste sistema. Ao longo

da divisão, observamos

múltiplos carregadores wireless

e USB, o que comprova,

mais uma vez, a atenção

dada aos dispositivos móveis.

No meio de tanta tecnologia,

é possível apreender que

pouco a pouco os cuidados

com o meio ambiente começam

a aparecer. Nos quartos,

produtos como gel de banho,

creme de corpo e sabonete

de mãos são disponibilizados

em dispersores recarregáveis.

Subindo até ao último andar,

chegamos ao rooftop,

com uma vista sobre a cidade

do Porto. Inicialmente desenhado

para ser um bar, viu

os seus planos alterados com

o aparecimento da pandemia.

Este espaço passou, assim, a

ser utilizado para várias atividades

e eventos, como aulas

de yoga e sessões de cocktails.

O Yotel chegou à Invicta

em Maio de 2021. De acordo

com Joana Vasconcelos, o

período de pandemia fez com

que o arranque fosse “mais

complicado”. No entanto, a

situação tem vindo a melhorar:

“temos tido ocupações

muito positivas, temos o hotel

quase sempre com grande

lotação, portanto estamos

muito contentes.” afirma a

responsável pelo Departamento

de Marketing do Yotel.

Aquando da abertura, o

público-alvo do hotel eram

os “city breakers”, ou seja,

“um público que vem à cidade

do Porto para estadias

de uma curta duração,

de fins de semana, e quer

então um hotel bem localizado

a um preço acessível,

mas com tudo aquilo que é

necessário para uma estadia

confortável.”. Atualmente,

não se cinge só a este grupo

de pessoas e diferentes faixas

etárias usufruem do espaço.

Situado no coração da cidade

do Porto, o Yotel traz à

Invicta os elementos essenciais

dos hotéis de luxo. Ainda

assim, a cadeia de hotelaria

continua em expansão, em

Portugal. O primeiro espaço

da marca na região de Lisboa

vai ser inaugurado em

2024, no World Trade Center

(WTC), um centro empresarial

que está em construção

em Carnaxide, Oeiras. A Yolinda

e o Yogiro prometem

uma experiência agradável

e bom serviço em qualquer

Yotel espalhado pelo mundo.

Fotografias: Maria Andrade

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NotEggo: Ovo 100% vegetal que substitui o

Inovação

Por: Bruna Jardim e Rita Silva

tradicional

Fotografia: Maria Andrade

Três estudantes do Mestrado em Engenharia Alimentar, da Universidade

Católica do Porto, criaram o NotEggo, um ovo 100% vegetal. O objetivo é levar

o produto para o mercado e continuar a criar alternativas vegan para outros alimentos.

Ovos mexidos, estrelados,

ou omeletes,

este ovo dá para

todos os gostos. Mas não, não

vem da galinha. A sua casa

foi o Kitchen Lab. Beatriz

Costa, Ema Camacho e Lígia

Cruz são as criadoras do ovo

100% vegetal. “A ideia surgiu

no âmbito de uma cadeira

de mestrado que era

o desenvolvimento de novos

produtos e processos até

porque era preciso criarmos

um produto inovador

que pensasse em termos de

sustentabilidade de produtos”,

afirmou Beatriz Costa.

Direcionado a um público

alvo diferente do tradicional,

o ovo é constituído por farinha

de arroz e batata doce,

sendo, por isso, rico em proteína,

vitamina B5 e B12. A

sua composição faz com que

este seja mais sustentável do

que o ovo tradicional, e que

possa ser consumido por pessoas

com restrições alimentares

e alergias. É, para além

disso, um produto adequado

a várias dietas, mas foi criado

para todos os que procuram

adotar uma alimentação

mais saudável e sustentável.

“Obviamente sabemos

que é uma coisa que não

existe no mercado e existe

essa lacuna, principalmente

em Portugal. Também não

há muito acesso às marcas

que já existem de ovos mexidos

vegetais, portanto foi

também criar essa diversidade

mas, em primeiro lugar,

criar o ovo estrelado

vegetal”, acrescentou Beatriz.

Fotografia: Maria Andrade

39


Inovação

Apesar das diferenças, há

quem diga que o sabor, a textura

e a consistência são iguais

ao ovo que já conhecemos.

E o aspeto? Também se

mantém, mas apenas depois

de confeccionado. Isto porque

o produto não vem inteiro, a

gema e a clara vêm separadas,

e cabe ao consumidor

construir o seu próprio ovo.

Ainda só pode ser consumido

em pratos simples, mas

já esperam desenvolver o

alimento para que possa ser

usado na indústria pasteleira.

Ema Camacho revela que

“depois disto há projetos

em mente. Agora queremos

avançar para o mercado e

trabalhar nisto para que

possamos não só ter um ovo

estrelado, um ovo mexido e

omelete mas também ovos

vegetais para incorporação e

receitas de bolos de confeitaria

e também o ovo cozido”.

Um projeto que começou

com grandes expectativas, mas

que a meio deu de caras com

alguns obstáculos e fez as criadoras

perderem a esperança.

“Inicialmente estávamos

muito confiantes, a meio do

processo perdemos a confiança

toda e queríamos desistir

porque se tornou muito

complicado e não estávamos

a avançar, mas depois conseguimos

e ficamos super

felizes e orgulhosas com o

trabalho”, confessou Beatriz.

Ainda assim, as estudantes

Beatriz, Lígia e Ema não

desistiram, e conseguiram

concluir a ideia inicial, que

acabou por ser um sucesso e

fez surgir interessados em colocar

o produto no mercado.

Ema conta que “neste momento,

no mercado há uma

grande falta de alternativas

vegetais ao peixe” logo, o próximo

passo é investir em projetos

com diferentes alimentos.

Começou por ser um trabalho

para a faculdade, mas

o seu êxito conferiu-lhe uma

distinção Born from Knowledge

Awards (BfK), atribuída

pela Agência Nacional

de Inovação (ANI), no âmbito

do Prémio ECOTRO-

PHELIA Portugal, promovido

pela PortugalFoods.

Fotografias: Maria Andrade

40



Cultura

A despedida dos palcos do “Rocket Man”

Por: Maria Andrade

“Farewell Yellow Brick Road: The Final Tour” é o nome da digressão com que Elton John se despede dos palcos.

No ano de 2023, a tour segue para outras paragens, com datas marcadas para a Europa, Austrália e Nova Zelândia.

Elton John é uma das

maiores referências

no mundo da música,

ultrapassando muitas

gerações. Com uma carreira

de mais de 50 anos, e mais

de trezentos milhões de discos

vendidos, é possível afirmar

que é um dos músicos

com mais sucesso do mundo.

Reginald Kenneth Dwight

(nome de registo), também

conhecido como “Rocket

Man” ou Sir Elton John, é

pianista, compositor, cantor e

produtor. Aos 75 anos, despede-se

dos palcos, onde afirma

ter sido sempre muito feliz.

No dia 20 de Novembro de

2022, deu o seu último concerto

nos EUA, no emblemático

estádio dos Dodgers, em

Los Angeles. O espetáculo

durou três horas e contou com

uma série de estrelas, tanto no

palco, como na plateia. Chamou

ao palco Dua Lipa, Kiki

Dee e Brandi Carlile. O alinhamento

do concerto, transmitido

pela Disney+, contou

com clássicos como “Tiny

Dancer”, “Don’t Let The Sun

Go Down On Me”, “Rocket

Man”, “Don´t Go Breaking

My Hearth” e “Cold Hearth”

O mais incrível

do rock’ n’ roll é

que ele permite que

alguém como eu se

torne uma estrela”

Vida e carreira

Nasceu a 25 de Março de

1947, em Londres. Começou

a tocar piano com apenas

três anos e aos onze conseguiu

uma bolsa de estudos na

Royal Academy of Music, conhecida

como a principal escola

de música de Inglaterra.

Nos anos 60, surgiu o seu

primeiro projeto profissional,

a banda Bluesology. No

entanto, acabou por sair do

grupo, visto que a tarefa de

apenas tocar piano sem cantar

não lhe trazia felicidade.

Um anúncio da gravadora

Lybert Records foi a oportunidade

perfeita para se lançar

como artista individual.

Foi lá que conheceu Bernie

Taupin, um compositor, e

começou uma das melhores

parcerias da história musical.

Ficou conhecido pelo

pseudónimo Elton John. O

nome corresponde à junção

dos nomes dos seus antigos

companheiros de banda - Elton

Dean e Long John Baldry.

Em 1969 saiu o seu primeiro

álbum, Empty Sky.

Apesar de não ter feito grande

sucesso, serviu para colocar

o músico no panorama..

O projeto seguinte chega em

1970, e foram músicas como

“Border Song” e “Your Song”

que garantiram o seu sucesso.

42


Cultura

O cantor começou a atuar

para plateias cada vez

maiores e chamou a atenção

pela extravagância de

roupas que usa no palco.

Honky Château, lançado

em 1972, foi o primeiro álbum

a alcançar o número 1 no pódio.

Lançada no mesmo ano, a

música “Rocket Man”, alusiva

ao lançamento espacial tripulado

da nave norte-americana

Apollo 16, esteve presente no

top 20 mundial. Seguem-se

êxitos como Don’t shoot me

I’m Only The Piano Player

(1973), Goodby Yellow Brick

Road (1973), Caribou (1974),

Captain Fantastic And The

Brown Dirt Cowboy (1975) e

Rock Of The Westies (1975)

Já no auge da fama, Elton

termina a parceria com

Bernie Taupin. Na mesma

altura, começa a ter problemas

com a mídia, e em 1977

afasta-se do mundo da música.

O seu envolvimento com

a cocaína e a sua orientação

sexual, assumindo-se como

homossexual em 1988, estiveram

sempre no foco de

várias polémicas. Em 1979,

lança o mundialmente conhecido

êxito, A Single Man.

Inicia a década de 80 com

três discos: 21 at 33 (1980), The

Fox (1981) e Jump Up! (1982).

Em 1983, voltou a trabalhar

em parceria com Taupin.

A revelação da sua sexualidade,

o conturbado casamento

com Renata Blauel,

e a operação à garganta para

retirar um tumor, fez com

que a sua carreira profissional

passasse para segundo plano.

Ao lado de Tim Rice, compôs

a trilha sonora de animação

do filme O Rei Leão, dos

estúdios Disney. Em 1995,

correu o mundo com a turnê

do álbum Made In England e,

nesse mesmo ano, comprometeu-se

com o cineasta David

Furnish, também conhecido

como o seu atual marido.

Foi condecorado com a

Ordem do Império Britânico,

em 1996, e feito Cavaleiro

Celibatário em 1998, pela

rainha Elizabeth II, por “serviços

prestados à música e

serviços de caridade”. Entre

estas datas, mais precisamente

em 1997, a Princesa Diana,

amiga pessoal do cantor,

morre num trágico acidente

de carro. Como homenagem,

o músico faz uma versão

de “Candle In The Wind”.

Em 2019, lançou uma

autobiografia “Me: Elton

John” e recebeu uma longa-

-metragem biográfica chamada

“Rocket Man”. Com a

despedida da carreira, chega

o documentário em parceria

com a Disney Plus.

Atualmente, continua a

lançar trabalhos regularmente

e conta com várias parcerias,

entre as quais temos artistas

como Dua Lipa, Britney Spears,

Miley Cyrus e Lady Gaga.

Elton John não só entrou

para a história, como a fez.

Para além da sua extensa

carreira, que conta com uma

enorme variedade de álbuns

e músicas, é considerado um

dos maiores e mais influentes

artistas da atualidade.

Atravessou várias gerações,

influenciando-as e deixando-

-se influenciar. Nunca serás

esquecido, “Rocket Man”.

Montagens: Maria Andrade

43


Cultura

Por: Bruna Jardim e Maria Andrade

“Estrangular o humor é a mesma coisa que

Ilustração: Margarida Antunes

Existem limites no humor? Existem temas dos quais não

devemos rir? Temos o direito de censurar qualquer coisa

dita pelos humoristas? À conversa com o jornal Sentinela,

António Raminhos e Marco Horácio falam da

evolução da sociedade, em relação ao humor, e dos limites

que a mesma impõe, cada vez mais, na sua profissão.

A

definição e interpretação

de humor

é diferente em

todos os dicionários e para

todas as pessoas. Para muitos

significa “rir ou fazer o

outro rir”. Para outros, fazer

humor pode não ter piada nenhuma.

A verdade é que não

há uma definição clara de humor

que possa incluir todas as

piadas e todos os humoristas.

Já se perguntaram o que

é que vos faz rir? A resposta

nem sempre é tão clara. Para

Marco Horácio, “o humor é

uma coisa simples” e, por

isso, “o sorriso advém da

simplicidade das situações

e também da forma como

nós as olhamos”. Já António

Raminhos afirma que

aquilo que o faz rir é o que

o “apanha na curva” e o

“nonsense, coisas sem sentido,

que também é uma

alternativa à realidade”.

Os limites do humor existem.

São pessoais e intransmissíveis.

Cada um tem os

seus próprios limites e cabe

aos espectadores respeitar

todo o trabalho envolvido

no humor. “Varia de pessoa

para pessoa, e lá por haver

limites não tenho que

fazer uma cruzada para

apanhar quem fez uma piada

que não achei graça”,

explica António Raminhos.

Como diz Marco Horácio,

“o humor é arte, é uma coisa

criativa” e não é feito “para

magoar”. O objetivo, segundo

o artista, é divertir o público

e “cabe ao humorista

saber avaliar o público que

tem à sua frente e trabalhar

o humor à volta disso”. Conta

ainda que, cada vez mais,

aparecem diferentes tipos de

humor, “humor negro que

brinca com o cancro, brinca

com pedofilia”, entre outros

temas, “mas há um público

para isso”. Nota que “as pessoas

estão muito mais sensíveis”

e “ à procura da crítica

e qualquer coisa que se

brinque, encaram sempre

não como uma brincadeira,

mas como algo ofensivo”.

António Raminhos e Marco

Horácio percorrem o país

a fazer espetáculos de comédia

e estão entre os grandes

nomes do humor português.

“ Somos um país

que nos faz repetir

muito, é tipo rir

para não chorar,

portanto é um país

também muito fértil

em situações no

dia a dia que nos

fazem sorrir e rir”

44


Cultura

estrangular qualquer tipo de arte”

mais profundo porque tem

a ver com o impacto que tu

podes criar na vida dos outros”,

confessa o humorista.

“ Isto do humor

não é só ser o mais

engraçado da turma

e mandar umas

bocas muito giras

durante as aulas.

Eu também era assim

até que resolvi

estudar.”

De acordo com os parâmetros

da sociedade atual, tanto

Marco Horácio como António

Raminhos concordam

que a censura, relativamente

ao humor, vai aumentar. Ao

longo do tempo, a sociedade

evolui e os limites adaptam-

-se às “novas correntes de

pensamento”. Em consequência,

os comediantes autocensuram-se,

e piadas que

antes eram feitas já não têm o

mesmo efeito. António Raminhos

recorda que “há piadas

antigas que vejo em filmes

ou atuações que penso...

isto era impossível agora!

Mas rio-me na mesma!”.

Marco Horácio alerta ainda

que não é por um humorista

fazer certas piadas que

não apoia as causas humanitárias.

“Todos os humoristas

que se prezam apoiam (as

causas) porque nada melhor

que as pessoas serem

livres, serem aquilo que

querem, dizerem aquilo que

querem, descreverem aquilo

que querem e, acima de

tudo, serem aceites como

são”, sublinha o comediante.

O humor evolui de mãos

dadas com a sociedade porque,

como Raminhos diz, “é feito

a partir dela, das vivências e

daquilo que nos rodeia”. Os

assuntos que antes eram tabu,

agora não o são. Aqueles que

agora são considerados pela

sociedade como tal, no futuro

certamente vão deixar de o

ser. Os limites no humor existem.

Não só nas piadas que

são feitas, mas também nas

reações que expressamos. Ao

humorista cabe analisar o seu

nicho, conhecer o seu público

e, ao espectador, respeitar

e criticar construtivamente.

“ Mas em última

análise, seja ontem,

hoje, amanhã,

qualquer que seja

o tema, a única

coisa que interessa

é: Tem piada ou

não?”

Fotografia: FLAD

No entanto, António Raminhos

afirma que foi nas redes

sociais que levou mais hate

por uma piada que fez: “uma

piada sobre as minhas filhas

que nunca teve problema nenhum.

No sentido em que fiz

a piada num espetáculo que

teve mais de 60 datas, deu

na SIC, mas uma vez coloquei

um clip no twitter, que

é a melhor rede para atirar

pessoas para a fogueira. E

quando abri o twitter estavam

a chamar-me de tudo e

mais alguma coisa”, explica.

A solução que encontrou foi

apagar a sua conta do Twitter.

Para Marco Horácio, as

piadas nas redes sociais nem

sempre tiveram a reação desejada.

Enquanto humoristas,

a maioria dos posts são

sempre “sarcásticos ou irónicos”.

Marco Horácio revela

que, quando coloca um

post, tem “de pensar duas ve

zes”: “Tenho de pensar na

minha leitura e na leitura

que as pessoas podem ler.

Como artista não devia ter

de me preocupar com isso,

as pessoas deviam aceitar

e se não aceitassem dizer

simplesmente «olha, Horácio,

este post que fizeste

não acho piada nenhuma»”.

Ambos os humoristas

apontam o alcance das redes

sociais como um aspeto positivo.

Raminhos sente que, atualmente,

as plataformas digitais

são espaços “onde todos

podem expor o seu trabalho,

crescer, usar a criatividade

através da imagem, vídeo,

textos curtos, sketches e chegar

a um número maior de

pessoas”. No entanto, Marco

Horácio também considera

essa liberdade, de certa forma,

negativa. “Ser humorista não

é só ter piada com os amigos.

É um trabalho muito

45


Cultura

Melhores músicas de 2022

Por: Maria Andrade e Pedro Pimparel Serafim

(ritmo dominicano); do estilo

eletrónico a diferentes

toques da música psicadélica,

nunca se desfazendo do

seu lado comercial. O artista

costa-riquenho passa a mensagem

de que possui namoradas

em diferentes partes do

mundo, o que contrasta com

a forma como a sua família

considera que devia viver a

vida. No entanto, acaba por

revelar que não ama uma mulher

só, porque não consegue.

Um tema com muito mais

do que se ouve à superfície.

2. Cuff it – Beyoncé

2022 foi um ano marcado por boa música. Foram vários os hits lançados internacionalmente

que não nos saíram do ouvido durante muito tempo. 2022 foi o ano em que a

cantora Taylor Swift voltou aos pódios de todo o mundo com o seu novo álbum ‘Midnights’,

Harry Styles lançou uma das músicas mais estilosas do ano e Beyoncé regressou

em grande após o seu último álbum “Lemonade” lançado em 2016. No meio de tanta boa

música, o jornal Sentinela selecionou um top-5 anual, baseado em preferências pessoais.

5. Anti-hero – Taylor

Swift

“Anti-Hero” é o primeiro

single do décimo álbum de

Taylor Swift. Na letra, Taylor

assume as maiores inseguranças

sobre o futuro, a autoimagem

e relacionamentos, não

só amorosos, mas familiares

também. Apesar do ritmo pop,

a canção é a representação dos

seus sentimentos mais sombrios

e nela se faz referência

aos problemas que a fama traz

como moeda de troca. Cómico

e upbeat, “Anti-hero” tem,

por baixo da aparência pop,

uma mensagem mais profunda

e importante do que parece.

4. Despechá – Rosalía

“Despechá” tornou-se um

sucesso no TikTok, antes de

ser oficialmente lançada. Acabou

por ser depois partilhada,

pela primeira vez, num

dos concertos da “Motomami

World Tour” de Rosalía e, a

partir desse momento, o entusiasmo

desmedido dos fãs

precipitou o lançamento da

música a 10 de agosto .Rosalía

explicou que há muitas

maneiras de estar ‘Despechá’

(“despeitada”, em português).

É sobre liberdade e loucura,

movendo-se sem resguardos

ou arrependimentos. Este é o

lugar onde faço música, onde

fiz quando comecei e onde

continuarei até que Deus diga

o contrário”. A mistura de

ritmos é variadíssima. Conseguimos

facilmente identificar

batidas que nos lembram

o pop, reggaeton e algumas

referências à música de baile

da República Dominicana. A

vibe alegre e divertida da música

demonstra a verdadeira

essência da cantora espanhola.

Podemos voltar ao verão?

Montagem: Maria Andrade

3. Titi Me Preguntó – Bad

Bunny

Bad Bunny é o maior

nomes da música latina na

atualidade, tendo tido um

crescimento no panorama internacional

bastante acentuado.

O som, ao mesmo tempo

familiar e diferente, fez com

que “Titi me preguntó” tomasse

conta do mainstream.

A faixa 4 do álbum, “Um

Verano Sin Ti”, diferencia-

-se pela forma como alia diferentes

géneros musicais:

desde o latin trap ao denbow

“Cuff it” é um dos maiores

sucessos de 2022. Faz parte

do mais recente álbum de

Beyoncé, “Renaissance”, e,

depois de se tornar viral no

TikTok, explodiu no mundo

do streaming. A música conquistou

o público e o mundo

com a energia contagiante resultado

da mistura de disco,

pop e funk. “Cuff it” é excitante,

apetitosa, sexy e intemporal.

Tudo isto descreve

Beyoncé e a artista que tem

mostrado ser ao longo de todos

as canções que assinou.

1. As It Was – Harry

Styles

“As It Was”, quarta faixa

do disco Harry´s House, traz

à tona um conceito claro: o

regresso do pop dos anos 80

e 90. O uso de uma melodia

orelhuda com recurso ao sintetizador

é um dos pontos preponderantes

e diferenciadores

do single. Produzida em colaboração

com Tyler Johnson

e Thomas Hull, o tema revela

um lado mais intimista do

cantor britânico, abordando as

dificuldades, em determinados

momentos, em saber lidar

com a fama ou os problemas

que enfrenta na sua vida amorosa.

Com um refrão simples,

mas memorável, Styles agitou

uma vez mais o panorama musical,

com o tema a ficar por 15

semanas consecutivas no primeiro

lugar da tabela da Billboard.

É assim que, com uma

canção, se domina um ano.

46


Cultura

“She Said”: a homenagem ao poder do jornalismo de

investigação

CRÍTICA

Carla Silva

No passado dia 17 de novembro,

“She Said”, um filme

de Maria Schrader, estreou

nas salas de cinema em Portugal.

Adaptado do livro das

jornalistas Jodi Kantor e Megan

Twohey, premiadas com

o Pulitzer, o filme retrata o

caso da queda do produtor

Harvey Weinstein e a história

das suas respectivas vítimas.

O filme desvenda a grande

investigação e o artigo publicado

pelo The New York

Times onde são denunciadas

diversas alegações de assédio

e agressão sexual contra Harvey

ao longo de três décadas.

“She Said” sustenta uma história

intensa até ao confronto

final entre o jornal e Weinstein

e os seus advogados, no

momento da publicação do

artigo. Esta investigação foi

só o pontapé inicial, depois

disso, muitos outros casos

vieram à tona, provocando assim

o movimento #Metoo há

5 anos e dando voz às mulheres

em toda a parte do mundo.

Na contextualização inicial

da longa-metragem, é

abordada uma tentativa falhada

de denunciar assédios

sexuais por parte de Donald

Trump, de modo a afetar a

sua campanha presidencial.

Aborda também o escândalo

sexual da Fox News, retratado

no filme “Bombshell:

O Escândalo” de Jay Roach.

A nível estético, o filme é

elementar. Os planos não são

arrojados ou até mesmo fascinantes,

mas esta sua simplicidade

não impediu que o filme

fosse altamente eficiente. A

banda sonora emocionante de

Nicholas Birtell ajuda a intensificar

o suspense e a manter

o espectador vidrado no ecrã.

Dramatizações de eventos

reais continuam a dominar

os ecrãs em 2022, mas

muitas foram criticadas pelo

enaltecimento dos criminosos

às custas das vítimas. “She

Said”, evita essa narrativa

sensacionalista, dando lugar

a uma abordagem realista e

empática, “amiga” das vítimas.

Adaptar histórias reais

ao grande ecrã é uma enorme

responsabilidade, contudo, o

filme cumpriu o seu propósito

de maneira admirável. O

elemento biográfico foi valorizado

ao incluir uma das vítimas

reais, a atriz Ashley Judd,

tornando assim a reconstrução

mais rica e detalhada. A atriz

desempenhou o seu próprio

papel: resistiu à manipulação

de Weinstein e teve a

sua carreira prejudicada, até

decidir contar a sua história.

Os detalhes obscenos, recordados

e narrados pelas vítimas

do grande produtor da

Miramax, são difíceis para o

público assimilar. O ponto

de vista íntimo do filme tem a

capacidade de fazer o espectador

torcer, genuinamente,

tanto pela equipa jornalística,

como pelas vítimas de Harvey.

As atrizes Koe Kazan e

Carey Mulligan, que interpretaram

as jornalistas Jodi

Kantor e Megan Twohey, respetivamente,

fizeram uma dupla

marcante e contribuíram

para a emotividade do filme.

O papel das duas personagens

é completamente distinto

- enquanto Jodi é mais

contida e frágil, Megan é o

símbolo de poder. Apesar das

discrepâncias, o companheirismo

entre as duas nunca foi

quebrado, ao longo do filme.

Maria Schrader escolheu

humanizar a história mostrando

desafios pessoais de ambas

as jornalistas, de forma a realçar

a complexidade do dia a

dia da mulher contemporânea.

É uma abordagem relevante,

mas faltou “força” ao retratar

a depressão pós-parto de

Meghan, tal como as dificuldades

que Jodi enfrentava na

criação das filhas, tornando

assim estes momentos desin

teressantes. Apesar do forte

argumento, é um filme muito

simples, como foi referido

anteriormente. Contudo, tamanha

simplicidade poderá

fazer com que a obra seja esquecida

ao longo do tempo.

É um filme envolvente e

comovente sobre um caso

que é apenas uma agulha no

palheiro, representando uma

enorme teia de muitos outros

casos semelhantes. A obra

carrega uma forte carga emocional,

difícil de exprimir.

Ainda assim, a temática foi

tratada com a devida seriedade

e evitou os erros banais

tais como a responsabilização

das vítimas pelo sucedido.

47



Desporto

Benzema conquista o Ballon d’Or: de contestado no

Bernabéu a admirado na Europa

Fotografia: Reuters / Benoit Tessier

Por: Pedro Pimparel Serafim

Karim Benzema venceu pela primeira vez o prémio atribuído

pela France Football, numa época memorável

em termos individuais e coletivos. Contudo, o caminho

até ao reconhecimento foi bastante atribulado.

Uma temporada a roçar

a perfeição

Foi uma época de sonho

para o avançado

francês. Karim Benzema

apontou 44 golos em 46

jogos ao serviço do Real Madrid,

assistindo ainda 15 vezes

ao longo da temporada 22/23.

Na conquista da Champions

League e da La Liga, o capitão

merengue foi decisivo em ambas

as campanhas com 27 e 15

golos, respetivamente. Estes

números levaram-no a garantir

o prémio de melhor marcador

nas duas competições.

O golo decisivo frente

ao Manchester City na segunda

mão das meias-finais

da Liga dos Campeões,

é um exemplo da preponderância

do gaulês numa

equipa rodeada de estrelas.

Com este feito, o francês

passa a ser o segundo jogador

que, para além de Lionel Messi

e Cristiano Ronaldo, ganhou

o prémio desde 2008. O

último desta restrita lista tinha

sido o croata Luka Modric em

2018, companheiro de equipa

de Benzema no Real Madrid.

De salientar, que a melhor

posição que o futebolista de

34 anos havia conseguido na

disputa por este troféu antes de

2022, aconteceu ano passado,

quando terminou em quarto

lugar. Acabou por receber 239

votos, ficando atrás do vencedor

Messi, por 374 votações.

A continuação de um

legado de peso

A conquista deste conceituado

prémio por jogadores

gauleses, teve início em 1958

com a consagração de Raymond

Kopa. Desde então,

mais 4 jogadores franceses

sucederam ao ex-meio campista

do Real Madrid: Michel

Platini venceu por 3 vezes,

entre 1983 e 1985, ao serviço

da Juventus; Jean-Pierre

Papin levantou o Ballon d’Or

em 1991, ano em que foi o

melhor marcador da liga francesa

ao serviço do Olympique

de Marseille; Zinédine Zidane

repetiu o feito dos compatriotas

em 1998, numa temporada

em que foi figura principal de

uma Juventus que conquistou

o Scudetto e chegou à final

da Liga dos Campeões;

e agora, Karim Benzema.

Com esta última premiação,

a França com 7 conquistas,

junta-se aos Países Baixos e

à Argentina, como os países

mais detentores deste troféu.

Entre altos e baixos

Karim Benzema fez a sua

estreia profissional ao serviço

do Lyon no dia 15 de janeiro

de 2005. Nessa primeira temporada

de adaptação, Benzema

marcou 6 golos em 34

jogos, sendo um deles apontado

na Liga dos Campeões.

Na época 2007/2008, com

a saída de jogadores importantes

como Malouda, Benzema,

com 19 anos de idade,

recebeu a camisola 10 e não

desiludiu, marcando 31 golos

em 51 jogos. Afirmou-se

como o destaque da equipa,

tendo exibições espetaculares

tanto na Ligue 1 como na

Champions League. Acabaria

mesmo por ser eleito o Jogador

do Ano da Liga Francesa.

A temporada que se seguiu

deu continuação à grande fase

do francês, e afirmou-o, como

um dos grandes talentos a nível

mundial. Destaque para a

campanha na prova milionária

onde apontou 5 golos apenas

na fase de grupos, um deles

contra o Bayern de Munique.

No mercado de verão de

2009, Karim Benzema foi

para o Real Madrid pela verba

de 35 milhões de euros.

Foi apresentado juntamente

com mais dois futebolistas

de renome: Kaká e Cristiano

Ronaldo, ambos vencedores

do Ballon d’Or em 2007 e

2008, respetivamente. Numa

época em que foi suplente do

argentino Gonzalo Higuain,

o francês acabou por contabilizar

menos de 10 golos.

Com a lesão de Higuain

no decorrer da época 10/11,

as oportunidades de Benzema

de se mostrar foram aparecendo

com José Mourinho ao

comando. Com mais tempo

de jogo, o ponta-de-lança merengue

terminou a temporada

com uma marca de 26 golos

em 48 jogos, num ano onde a

sua equipa foi eliminada nas

meias-finais da Liga dos Campeões

pelo rival Barcelona.

´A época 11/12 trouxe à

tona toda a sua qualidade e capacidade

de finalização. Num

dos seus melhores anos com

a camisola dos Los Blancos,

Benzema apontou 32 golos e

19 assistências em 52 jogos. O

Real Madrid acabaria por vencer

a La Liga, quebrando vários

recordes: foram 100 pontos

com 121 golos marcados.

Os anos que se sucederam

não foram tão produtivos. Na

temporada 17/18 por exemplo,

o camisola 9 do Real

Madrid faturou apenas 12 golos

em todas as competições.

Números bastante pobres e

que trouxeram uma onda de

desconfiança. Os adeptos merengues

comparavam as exibições

do francês com as de

outros avançados espalhados

pela Europa, como Luis Suárez

e Robert Lewandowski.

A ascensão inesperada

A saída de Cristiano Ronaldo

para a Juventus em

2018, levou a um rejuvenescimento

da carreira de Karim

Benzema, que teve de assumir

a vaga de protagonista deixada

pelo astro português. Os

números em termos de golos

foram sempre aumentando ao

longo destas últimas temporadas,

chegando a um nível de

consistência exibicional nunca

antes conseguido na sua

carreira. Sendo sempre decisivo

em momentos importantes,

a época 21/22 é apenas

o culminar de uma evolução

que se desencadeou 4 anos

atrás, na procura de se tornar a

estrela principal do Real Madrid.

Num momento em que

o clube merengue se encontrava

fragilizado, foi Karim

Benzema que assumiu essa

responsabilidade de mudar

o rumo dos acontecimentos.

Transformou-se assim

num jogador admirado por

toda a massa adepta, e é atualmente

considerado, um dos

avançados mais temíveis do

futebol mundial. Ao longo da

sua passagem no Real Madrid,

foi colecionando inúmeras

taças, que o colocam

entre as lendas do clube da

capital. Passou da descrença

à admiração e aos aplausos.

49


Desporto

Fotografia: AFP

Gustavo Ribeiro traz a taça de primeiro lugar para

Portugal

Por: Maria Andrade

O atleta olímpico, Gustavo Ribeiro, sagrou-se campeão mundial do circuito Street League de Skate,

que decorreu no Rio de Janeiro, Brasil. A final foi disputada entre 8 concorrentes de vários países.

A Street League Skateboarding

(SLS) é a maior

competição profissional de

skate a nível mundial. Como

o próprio nome indica, é focada

na modalidade Street

e foi fundada em 2010.

A competição compreende

25 atletas, que competem

em uma pista Street Indoor

que tem como objetivo simular

os obstáculos na rua.

Depois de conquistar o

bronze em 2019 e 2021, Gustavo

Ribeiro, de 21 anos, entrou

na arena brasileira como

líder do ranking.O skateboarder

acabou a competição com

27,9 pontos, passando à frente

dos atletas norte-americanos

Braden Hoban e Chris Joslin.

Inicialmente, o atleta olímpico

integrou o lote de quatro

finalistas, com duas pontuações

de 9,3 e 9,0, mais tarde

substituída por uma de 9,3 nas

últimas duas tentativas, superando

assim o “cut”. A caminho

do “Super Crown”, Ribeiro

dominou a terceira etapa em

Las Vegas, nos Estados Unidos,

nos dias 8 e 9 de Outubro.

“Este resultado traduz

todo o trabalho que tive.

Consegui conquistar este título.

Temos sempre de acreditar.

Se a mente diz que sim,

ninguém pode negar. Sentia

tanta pressão que só queria

relaxar e estar confortável.

Só queria que a minha manobra

funcionasse e nem

acredito que consegui”, disse

o atleta no final da competição.

Carreira e títulos

Gustavo Ribeiro tinha apenas

4 anos quando recebeu

o seu primeiro skate, como

prenda de Natal. Aos 6 anos,

conseguiu o seu primeiro patrocínio

e dias depois competiu,

pela primeira vez, numa

competição local, ficando em

3º lugar. Com apenas 14 anos,

começou a viajar sozinho para

competições internacionais.

Em 2017, venceu a Tamp

Am, classificada abaixo da

Tampa Pro. Considerada

uma das maiores competições

amadoras mundiais de

Skate de Rua, serve como

uma introdução de novos talentos

a esta modalidade..

No ano de 2021 sofreu

uma lesão no ombro e falhou

o Campeonato Mundial

em Roma, na Itália. Após

uma recuperação de dois meses,

representou Portugal na

competição masculina dos

Jogos Olímpicos de 2020.

Terminou em último na fase

final, devido a dores no ombro,

ficando com o 8º lugar.

A 28 de agosto de 2021,

conquistou a sua primeira

vitória em uma competição

SLS, vencendo a primeira de

três paradas do SLS Men’s

Championship Tour em Salt

Lake City, Estados Unidos.

Esta foi a primeira competição

em que participou após

a recuperação total de uma

eventual cirurgia no ombro.

Foi o primeiro atleta português

da modalidade nos Jogos

Olímpicos de Tóquio em

2021 e, um ano mais tarde,

tornou-se também o primeiro

a triunfar no skate, trazendo o

primeiro lugar para o seu país.

Fotografia: Mais Futebol

50


Desporto

Uma final para os livros de História

Por: Rita Silva e Pedro Pimparel Serafim

Fotografia: Kai Pfaffebach

O Campeonato do Mundo de futebol foi um dos eventos de destaque de 2022, com a competição realizada

no Qatar a ficar marcada por surpresas e polémicas. A 22º edição do Mundial quebrou o recorde de golos,

culminando numa final emocionante, disputada até ao último momento, entre a França e a Argentina.

Desde que ficou estabelecido,

em

2010, que o Qatar

seria a sede do Mundial

de 2022 que surgiram várias

polémicas. Assim que

a FIFA entregou ao Qatar a

organização do campeonato

do Mundo, suscitaram suspeitas

de favorecimento sobre

a candidatura vencedora.

A eleição foi cercada de inúmeras

controvérsias e acredita-se

que a escolha tenha

sido motivada por dinheiro.

A começar no dia 20 de

novembro e a acabar a 18 de

dezembro, a competição mais

importante do futebol mundial

teve uma duração de 28

dias. Marcada por protestos

sobre causas sociais, a última

prova das maiores estrelas

do desporto-rei, Ronaldo

e Messi, ficou para a história.

Para o torneio foram qualificadas

trinta e duas seleções.

Um Mundial de recordes

Segundo a agência de

notícias do Qatar, a QNA,

o mundial de 2022 registou

o terceiro maior público

num campeonato mundial

de futebol. Com um total de

3.404.252 espectadores, ficou

atrás dos Estados Unidos que,

em 1994, contaram com a presença

de 3.587.538 pessoas,

e do Brasil, com 3.429.873,

em 2014. Nos jogos da fase

de grupos desta edição, estiveram

presentes 2.457.059

pessoas, enquanto que aos

oitavos de final compareceram

411.609. Já nos quartos

estiveram 245.221 espectadores

e nas seminais 157.260.

A final atraiu 88.966 pessoas,

ocupando, assim, a lotação

máxima do estádio Lusail.

A nível de golos, o Qatar

assistiu a um novo recorde.

Foram 172, o maior número

de golos na história do mundial,

superando a edição de

2014 e de 1998, que registaram

171 golos cada. A média

final foi de 2,69 golos por

jogo. Para este recorde, muito

contribuíram os países finalistas

do campeonato, França

e Argentina. A seleção francesa

marcou 16 vezes e os

argentinos 15. Autor de um

hat-trick, Mbappé foi o jogador

que mais marcou durante

a competição, com oito golos.

Fotografia: AP / Hassan Ammar

51


Desporto

Cartão vermelho para o Qatar

Após a entrega da organização

do campeonato ao Qatar,

várias críticas foram feitas

a respeito do país. O mundial

de 2022 ficou, de facto, para

a história, mas não somente

por boas razões. Durante os

jogos, protestos a favor dos

direitos humanos foram surgindo.

Um deles foi contra a

discriminação da comunidade

LGBTQIA+, e de apoio

à diversidade de género. Os

capitães de algumas seleções

mobilizaram-se para utilizar

uma braçadeira a dizer “One

Love”. No entanto, a FIFA

ameaçou penalizar com sanções

desportivas as equipas,

e estas acabaram por desistir

de utilizar o acessório antes de

entrarem em campo. A Bélgica,

a Inglaterra, a Holanda,

o País de Gales e a Suíça faziam

parte das sete seleções

que iam participar na manifestação.

A França desistiu

antes do aviso da federação.

Em protesto contra a FIFA

por ter ameaçado punir qualquer

seleção que utilizasse

uma braçadeira a dizer “One

Love”, os jogadores alemães

taparam a boca com as mãos.

Contra o racismo, os jogadores

ingleses ajoelharam-

-se em campo, na sua estreia.

Também no seu primeiro

jogo a Dinamarca protestou

contra a violação dos direitos

humanos por parte do Qatar,

entrando em campo com o

equipamento em que o emblema

da FIFA aparecia camuflado.

Já a seleção iraniana manteve-se

em silêncio enquanto

tocava o hino do país, para

mostrar o seu apoio às manifestações

que ocorreram no Irão.

Mas não só os jogadores

se manifestaram. O adpeto

Mário Ferri invadiu o campo,

durante o jogo Portugal-Uruguai.

O italiano manifestou-se

em relação a várias causas,

ao correr com uma bandeira

LGBTQIA+, enquanto

usava uma camisola com

mensagens de apoio às mulheres

iranianas e à Ucrânia.

Além deste, foi também

feita uma homenagem à jovem

Mahsa Amini, que morreu em

setembro de 2022, enquanto

estava presa pela custódia policial

do Irão. Mahsa tinha sido

detida por não ter respeitado

o código rígido de vestuário

para as mulheres do seu país,

ao utilizar o hijab de forma

incorreta. Na segunda parte

da fase de grupos do mundial,

durante o jogo entre o Irão e o

País de Gales, uma adepta iraniana

foi censurada por seguranças,

após mostrar uma camisola

com o nome da jovem.

O homem que a acompanhava

também acabou por ser censurado

ao segurar uma bandeira

do Irão com as palavras

“Women, Life, Freedom”.

Fotografia: Getty Images

Fotografia: Lance!

Fotografia: Reprodução/Twitter

Fotografia: Kirill Kudryavtsev / AFP

52


Desporto

Altos e Baixos

Fora de Jogo

No jogo de Portugal contra

Marrocos, a seleção marroquina

chocou o mundo, ao conquistar

a vitória e a classificação

para a semifinal. Com isso,

Marrocos conseguiu acabar o

campeonato em quarto lugar

e fazer história, ao ter sido a

primeira vez que uma equipa

africana chegou tão longe em

quase cem anos do torneio.

No entanto, apesar da

surpreendente prestação da

equipa de Marrocos, algumas

seleções acabaram por

ficar aquém das expectativas.

Foi o caso da Alemanha, por

exemplo, que deixou a competição

para trás ao ser eliminada

na fase de grupos. O

mesmo aconteceu à Bélgica

e à Dinamarca, que também

disseram adeus ao Mundial,

após a Bélgica perder contra

Marrocos, e a Dinamarca

contra todos os seus rivais. A

participação da Espanha também

não foi a que se esperava.

A seleção espanhola ficou-se

pelos oitavos de final, após a

derrota contra Marrocos. Por

fim, para a lista das decepções

deste mundial, entra o Uruguai,

que pela quarta vez não

ultrapassou a fase de grupos.

A altura do Mundial é o

momento em que o mundo

inteiro faz um intervalo para

pôr os olhos no futebol. Ser

convocado para o campeonato

é, para qualquer jogador, um

prestígio, pois apenas os verdadeiros

craques são convocados.

Em 2022, uma série de

bons jogadores ficou de fora:

- David Alaba: Áustria

- Mohamed Salah: Egito

- Karin Benzema: França

- N’Golo Kanté: França

- Paul Pogba: França

- Erling Haaland: Noruega

- Riyad Mahrez: Argélia

- Zlatan Ibrahimovic: Suécia

- Gianluigi Donnarumma:

Itália

- Luiz Díaz: Colômbia

- Marco Reus: Alemanha

Caminhos distintos, um só destino

Duas seleções que partiram

para este Campeonato do

Mundo inseridas no lote de

favoritas a levantar o troféu.

Apesar disso, o caminho de

ambas as equipas até ao palco

mais sonhado ficou marcado

por exibições de luxo, mas

também alguns percalços.

Num grupo com Polónia

e México, a seleção argentina

acabaria mesmo por entrar

com o “pé esquerdo” na

competição, com uma derrota

surpreendente frente à Arábia

Saudita (1-2). As críticas num

panorama internacional, não

tardaram em chegar, colocando

mesmo em causa o valor do

plantel comandado por Lionel

Scaloni. Obrigados a melhores

resultados nas duas partidas

que restavam com vista à

passagem aos oitavos de final

da competição, o astro Lionel

Messi conduziu a alviceleste

a duas vitórias fundamentais,

apontando um golo e uma

assistência na conquista dos

3 pontos frente ao México,

juntamente com uma partida

mágica na vitória de 0-2 face

ao conjunto polonês, a encerrar

a primeira fase do torneio.

Destacar as entradas de Enzo

Fernández e Julián Álvarez

no onze titular da Argentina,

como pilares para a melhoria

significativa na qualidade

de jogo. Na fase posterior do

torneio, a seleção argentina

defrontou e bateu a Austrália

por 2-1, com o golo inaugural

a ser apontado pelo capitão

Lionel Messi e com o placar

a ser aumentado pelo avançado

de 22 anos do Manchester

City, Julián Alvárez, numa falha

tremenda do guarda-redes

dos socceroos, Mathew Ryan.

Os Países Baixos foram os adversários

nos quartos de final.

Em mais um momento de genialidade

de La Pulga, o avançado

que atua no PSG descobre

o lateral direito Nahuel

Molina dentro da grande área

através de um passe milimétrico

que dá origem ao primeiro

golo do encontro. Depois

de Messi converter o pénalti

que aumenta a vantagem ao

minuto 73, parecia que a passagem

às meias-finais estava

consumada, mas a “laranja

mecânica” não atirou a toalha

ao chão, conseguindo mesmo

empatar a partida perto do

apito final, através do segundo

golo de Weghorst, fruto

de um livre estudado. O jogo

acabaria por ficar decidido na

marcação de grandes penalidades,

onde Emiliano Martínez.

guarda-redes que atua ao

serviço do Aston Villa, foi o

grande herói, conseguindo parar

as cobranças de Virgil van

Dijk e Berghuis. Nas meias-

-finais, o conjunto alviceleste

enfrentou a Croácia, finalista

vencida no Campeonato do

Mundo de 2018. Num jogo

que se antevia equilibrado,

a turma de Zlatko Dalic não

teve argumentos para travar

o poderio ofensivo argentino,

com a dupla Messi-Álvarez

mais uma vez em destaque. O

terceiro golo que ditou o resultado

final de 3-0, parte de

mais um momento de brilhantismo

do camisola 10. Numa

arrancada individual notável,

Lionel Messi deixa Gvardiol

(um dos jogadores em destaque

nesta competição) para

trás e assiste para uma finalização

fácil do jovem jogador

formado no River Plate.

A França partiu para este

Mundial como a detentora

do troféu e com vontade de

revalidar esse mesmo título.

Apesar do plantel rodeado de

estrelas em todas as posições

do terreno, a seleção gaulesa

seguiu para o Qatar com três

ausências de peso: os médios

N´golo Kanté e Paul Pogba,

e o atual vencedor do Ballon

D´or, Karim Benzema, todos

por lesão. Na partida inaugural

dos Les Bleus frente à Austrália,

Olivier Giroud mostrou

que estava pronto para ocupar

a vaga deixada pelo ponta-de-

-lança do Real Madrid, apontando

dois golos na vitória por

4-1. Também Kylian Mbappé,

figura principal desta equipa,

chamou para si a responsabilidade,

marcando um golo e

dando uma assistência numa

bela arrancada pelo corredor

esquerdo. No Estádio 974,

França e Dinamarca (os conjuntos,

à teoria, mais capacitados

para passar este grupo)

defrontaram-se num encontro

que pautou pelo equilíbrio.

Mbappé inaugurou o marcador

numa excelente combinação

com Theo Hernández,

contudo, a vantagem demorou

menos de 10 minutos, com

Andreas Christensen a igualar

o resultado no seguimento

de um pontapé de canto. Este

golo de pouco serviu, já que o

avançado de 24 anos do PSG

decidiu faturar pela segunda

vez ao minuto 85, garantindo

assim os 3 pontos para a turma

gaulesa. No último jogo

da fase de grupos, já com o

primeiro lugar praticamente

assegurando, o técnico Didier

Deschamps opta por jogar

com as suas segundas linhas,

dando assim mais minutos a

jogadores como Kolo Muani

ou Guendouzi. Os gauleses

acabariam por sair derrotados

frente à Tunísia com Khazri a

marcar o único golo da partida.

Na primeira ronda a eliminar,

a França venceu de forma

tranquila a Polónia de Robert

Lewandowski por 3-1, com

Mbappé a ser novamente o jogador

em destaque. O jovem

avançado serviu Giroud para

o primeiro, e ajudou o compatriota

a tornar-se no maior

marcador da história da seleção

francesa com 55 golos,

ultrapassando Thierry Henry.

Para além disso, Kyllian

Mbappé, com dois remates

muito colocados, selou o

triunfo da equipa. O jogo dos

quartos de final para a França,

nada teve a ver com o jogo

dos oitavos, com a Inglaterra

a não ter medo de jogar num

bloco mais subido. As ocasiões

surgiram de ambos os lados,

mas a vitória sorriu para

o lado gaulês, com os golos a

serem apontados por Tchouaméni,

num remate muito

distante, mas que acaba por

entrar junto à malha lateral, e

por Olivier Giroud de cabeça.

O experiente ponta-de-lança

de 36 anos acabou mesmo por

ser um dos destaques de toda

prova. O jogo fica marcado

pela penalidade desperdiçada

por Harry Kane nos últimos

10 minutos, que restabeleceria

o resultado em 2-2. Marrocos,

a surpresa do Campeonato do

Mundo de 2022, foi a adversária

nas semi-finais. Num jogo

em que o segredo esteve na

eficácia, Theo Hernández fez

o primeiro tento numa jogada

de insistência, e Kolo Muani,

depois de um magnífico trabalho

de Mbappé dentro da área,

empurrou a bola para dentro

da redes e carimbou a passagem

dos Les Bleus à final.

53


Desporto

Rumo à terceira estrela

Dois países com uma tradição

enorme no futebol: de um

lado a Argentina, país de futebolistas

lendários como Maradona,

Batistuta e Zanetti, e do

outro a França, terra de outros

tantos como Zidane, Platini e

Vieira. De um lado a Argentina,

campeã do mundo em 1978

e 1986, e do outro a França,

que ergueu o respetivo troféu

em 1998 e 2018. Ambas as seleções

tinham o sonho de somar

mais uma estrela nos seus

uniformes, mas apenas uma

conseguiu tal feito: Argentina.

Resumo do jogo

Início do 1º tempo

- 21´ É penálti! Dembélé

rasteira Di Maria já dentro

da área, depois de uma

bela finta sobre o seu opositor

direto. O árbitro Szymon

Marciniak não teve dúvidas

em apontar para a marca de

11 metros. Oportunidade

de ouro para Messi adiantar

a Argentina no marcador.

- 23´ GOLOOOOO!

ARGENTINA 1-0 FRANÇA

Messi não treme na marcação

da grande penalidade,

rematando para o canto superior

esquerdo da baliza de

Lloris. O guarda-redes francês

atirou-se na direção oposta.

- 35´ GOLOOOOO!

ARGENTINA 2-0 FRANÇA

Contra-ataque letal por

parte da seleção alviceleste.

Alexis Mac Allister joga

rapidamente em Messi, que

num toque subtil encontra Álvarez

na linha. O avançado

do Manchester City coloca

de primeira na profundidade

para Mac Allister, que serve

por fim, Ángel Di María. O

extremo da Juventus finaliza

com o pé esquerdo ao primeiro

toque, para o canto inferior

esquerdo da baliza francesa.

- 45 + 7´ O árbitro

apita para o final do primeiro

tempo. As equipas dirigem-se

para os balneários

Início do 2º tempo

- 79´ É penálti! Kylian

Mbappé coloca a bola nas costas

da defesa argentina, e Kolo

Muani antecipa-se a Otamendi.

Já na entrada da área, o central

rasteira o avançado que

atua no Eintracht Frankfurt.

- 80´ GOLOOOOO!

ARGENTINA 2-1 FRANÇA

Mbappé assumiu a responsabilidade

e atirou forte para o

lado direito da baliza defendida

por Emi Martínez. O guarda-redes

até adivinhou o lado,

mas não chegou a tempo de

impedir que a bola entrasse no

fundo das redes. Os franceses

não atiram a toalha ao chão!

- 81´ GOLOOOOO!

ARGENTINA 2-2 FRANÇA

Inacreditável! Num espaço de

um minuto a França consegue

chegar à igualdade no marcador

por Kylian Mbappé. Rabiot

levanta a bola, Mbappé

ganha de cabeça sobre Molina

e tabela com Kolo Muani

para uma finalização excecional

de primeira sem a bola

cair no chão. Temos jogo!

- 90 + 8´ Surge

o apito para o final

do tempo regulamentar!

Início do 1º tempo do

prolongamento

- 105´ O árbitro

apita para o intervalo!

Início do 2º tempo do

prolongamento

- 108´ GOLOOOOO!

ARGENTINA 3-2 FRANÇA

Lionel Messi marca o

golo que pode ter dado o título

à seleção argentina. Uma

bela triangulação entre Enzo

Fernández, Messi e Lauturo,

que deixa este último em

posição para finalizar. Lloris

defende o disparo do avançado

da Inter, mas nada consegue

fazer para travar a recarga

do capitão da Argentina.

- 116´ É penálti!

Mbappé remata e Montiel

interceta a bola com o braço.

Momento muito emo

tivo perto do fim do jogo!

- 118´ GOLOOOOO!

ARGENTINA 3-3 FRANÇA

Mbappé não se deixa intimidar

pela pressão e faz assim

o seu hat-trick na partida.

Remate forte para o

lado direito da baliza, enganando

Emiliano Martínez.

- 120 + 3´ Defesa assombrosa

de Emi Martínez!

Kolo Muani isolado frente

ao guarda-redes argentino remata

de forma violenta, mas

o guardião impede o golo

com o seu pé direito, negando

assim os festejos gauleses.

- 120 + 3´ O árbitro

apita para o fim do prolongamento!

A final do Mundial

vai ser decidida na marcação

de grandes penalidades.

Fotografia: Twitter

Grandes Penalidades

- Golo! França 1-0 Argentina.

Mbappé chuta com

força para a esquerda e

Emiliano Martínez, apesar

de tocar na bola, não consegue

mudar a trajetória

- Golo! França 1-1 Argentina.

Messi, com muita

tranquilidade, bate para o seu

lado esquerdo e trai Lloris.

- Defesa de Emiliano

Martínez. França 1-1 Argentina.

Coman bate para o mesmo

lado de Mbappé, mas desta

vez o guardião argentino consegue

desviar a bola para fora.

- Golo! França 1-2 Argentina.

Paulo Dybala remata

rasteiro para o meio, com

o guarda-redes da França a

mergulhar para a esquerda.

- Tchouaméni atira

para fora! França 1-2

Argentina. O médio francês

remata para a esquerda,

mas o remate passa ao lado.

- Golo! França 1-3 Argentina.

Leandro Paredes remata

para a esquerda, junto ao

poste da baliza. Lloris ainda se

esticou, mas nada pôde fazer.

- Golo! França 2-3 Argentina.

Kolo Muani solta um

remate violento para a esquerda.

Sem hipóteses para Dibu.

- Golooooo! França

2-4 Argentina.

ARGENTINA É CAMPEÃ

MUNDIAL DE FUTEBOL!

Montiel assume a cobrança

e não desperdiça, atirando

a contar para o lado esquerdo.

Fotografia: Outlook Índia

54


Desporto

Resultado final

FRANÇA 3(2) - 3(4) ARGENTINA

Numa final recheada de

golos, a Argentina levou a

melhor contra o conjunto

francês na decisão por grandes

penalidades. Considerada

por muitos a melhor final de

sempre da história do Mundial,

emoção e momentos de

magia não faltaram, sobretudo

por parte das figuras centrais

das duas equipas: Lionel

Messi e Kylian Mbappé.

Prémios individuais

Bola de Ouro (melhor

jogador): Lionel Messi

(Argentina)

Chuteira de Ouro (melhor

marcador): Kylian

Mbappé (França)

O craque da seleção francesa

mostrou mais uma vez

toda a sua qualidade no maior

evento desportivo a nível global.

Depois de ser um dos

elementos-chave na conquista

da competição em 2018,

Mbappé somou 8 golos nesta

última edição, sendo 3 deles

marcados na final. O jogador

de 24 anos está a 5 golos de

ultrapassar Miroslav Klose

como o melhor marcador

de sempre em Mundiais.

Países Baixos e contra a França,

defendendo duas e uma

cobrança, respetivamente.

Protagonizou ainda uma defesa

monumental a remate de

Kolo Muani nos acréscimos

do prolongamento, que caso

entrasse, muito provavelmente

daria o título aos Les Bleus.

Melhor Jogador Jovem

(revelação): Enzo Fernández

(Argentina)

O médio de 21 revolucionou

a forma de jogar da

Argentina, mal entrou no 11

escolhido por Lionel Scaloni.

Com a sua capacidade de

passe e leitura de jogo, Enzo

Fernández foi o pêndulo para

a organização do conjunto

alviceleste, comandando as

transições defesa-ataque da

equipa. O golo contra o México

trouxe ainda mais visibilidade

a toda a sua qualidade.

Naquele que, segundo Messi,

seria o seu último Mundial,

o astro argentino foi figura

principal da conquista do único

grande troféu que faltava na

sua recheada prateleira, apontando

7 golos e 3 assistências.

Com exibições memoráveis

durante toda a campanha, La

Pulga afirmou a sua posição

como um dos melhores jogadores

de todos os tempos.

Luva de Ouro (melhor

guarda-Redes): Emiliano

Martínez (Argentina)

A par de Lionel Messi,

um dos jogadores mais decisivos

da seleção alviceleste.

O guarda-redes de 30 anos

foi gigante nas decisões por

grandes penalidades contra os

Fotografia: Kirill Kudryavtsev / AFP

Fotografia: FIFPro

55


Editorial

Por um país mais inclusivo

Estou mais do que nunca influenciado pela convicção de que a igualdade

social é a única base da felicidade humana.” - Nelson Mandela

EDITORIAL

Jornal Sentinela

A falta de acessibilidade

e qualidade de vida para

pessoas com deficiência

é um dos maiores problemas

em Portugal. Embora

estejam a ser tomadas várias

medidas, ainda há um

longo caminho a percorrer.

Infelizmente, em Portugal,

ninguém está preparado para

lidar com algo fora da norma.

São muitos os casos onde a

falta de inclusão está intrínseca

na sociedade. À custa da

ignorância dos cidadãos em

relação a este tema, ter autonomia,

arranjar emprego, ou até

mesmo fazer amigos, pode-se

tornar um desafio. Há medidas

que devem ser tomadas.

Um primeiro passo fundamental

seria uma mudança

no sistema de ensino. A

necessidade de ensinar leis

de física ou estudar os Descobrimentos

não é superior à

de preparar todos os cidadãos,

desde pequenos, a construir

e perpetuar uma sociedade

justa e igualitária. A maioria

dos jovens adultos “perdeu”

tempo numa disciplina chamada

de Cidadania. Na teoria,

prepara os jovens para a

vida e para os desafios sociais

que possam enfrentar. Na

prática, tinham reuniões sobre

o comportamento escolar.

O Estado ajuda as pessoas

com estas dificuldades fornecendo

alguns recursos, como

cadeiras de rodas e outros

instrumentos. No entanto, o

tempo de espera acaba por ser

longo, e as pessoas recebem

estes apoios dois ou três anos

depois. Não basta dar a estas

pessoas os instrumentos que

precisam, se depois não criam,

na cidade, as acessibilidades

necessárias para que possam

ter uma vida normal, ou pelo

menos tentar. Segundo a Convenção

sobre os Direitos das

Pessoas com Deficiência, as

mesmas devem ter acesso a

“condições de igualdade com

os demais, ao ambiente físico,

ao transporte, à informação

e comunicações”. Isto inclui

“as tecnologias e sistemas de

informação e comunicação,

bem como outras instalações

e serviços abertos ou prestados

ao público, tanto nas

áreas urbanas como rurais”.

Não conseguir entrar em

monumentos, escolas, espaços

de lazer, usar elevadores

sem tamanho ou linguagem

próprios (braille ou voz, por

exemplo) e, até mesmo, em

centros de saúde, é uma realidade

demasiado presente

em pleno século XXI.

Acreditamos que ninguém

gostaria de ter a sua liberdade

individual condicionada.

O jornal Sentinela é inclusivo

e esforça-se para dar mais

visibilidade a estes problemas

que precisam de ser alterados

com urgência. Os direitos de

um cidadão não diferenciam

géneros, sexos, classes sociais

e, muito menos, as características

físicas ou cognitivas de

um indivíduo. Temos o dever

de vigiar e alertar. Não

só de vigia pela verdade,

mas de vigia pela igualdade.

Bruna Jardim Carla Silva Maria Andrade

Pedro Pimparel Serafim

Rita Silva

56


Opinião

Black Friday: Aproveite os descontos e seja enganado

sem perceber

CRÓNICA

Maria Andrade

25 de novembro de 2022

(última sexta-feira do mês) -

dia da Black Friday no mundo

todo. As lojas ainda nem

abriram portas e a multidão

que existe no exterior faz parecer

que o Justin Bieber vai

dar um concerto na Apple

Store de um shopping qualquer

no Texas. Já no interior

da loja, aquilo que acontece

é tudo menos parecido com

um concerto, a não ser que

seja daqueles de Punk Rock.

Falta exatamente um mês

para o dia de Natal e todos

querem encontrar o presente

perfeito para dar, mas calma,

uma caixa de chocolates ou

meias é sempre uma boa solução

e salvou muitas das minhas

tias ao longo dos anos.

- Está aqui a falar mal da

Black Friday, mas aposto que

comprou mil e uma coisas no

dia. - Pensam vocês indignados.

A verdade é que não comprei

mesmo nada. Para mim,

não é difícil resistir aos descontos,

uma vez que sou estudante

universitária e deslocada.

Estou sempre sem dinheiro

e os descontos não passam de

meros números presentes em

milhões de anúncios. Neste

caso, sendo uma boa oportunidade

de negócio ou uma fraude,

não é algo que me importe

pois não posso comprar nada.

No entanto, parece que o

comerciante não se contenta

com um dia de promoções,

isto fez com que o Black November,

a Black Week e até

mesmo o Black October aparecessem

em algumas lojas.

Já repararam que são inúmeros

os ramos que não aderem

a estes descontos? Nunca

vi a BMW a fazer uma promoção

de 50% na compra de um

dos seus automóveis. Ou até

mesmo a Ferrari a fazer a típica

publicidade “2 pelo preço

de 1”. As agências funerárias

também não aplicam qualquer

tipo de descontos durante esta

altura. Suponho que seja por

já terem as vendas garantidas

ao longo de todo o ano.

Para vos matar a curiosidade

de como poderiam ser os

anúncios, na minha cabeça

seria algo do género: “Morra

no Natal e receba 30% de

desconto no seu caixão.”.

Se pensarmos bem, a maior

parte das vezes os descontos

nem são assim tão bons. Muitas

das vezes nem são descontos.

No entanto, há que evitar

ao máximo que a Black Friday

se transforme numa Black

Fraude. Para isso, existem

dicas essenciais como, por

exemplo, levantar a etiqueta

do preço para confirmar

que o preço anterior não era

igual, fazer as contas na calculadora

do telemóvel antes

de chegar à caixa, desconfiar

dos descontos de 50% porque

a esmola nunca é grande dessa

forma e, verificar os produtos

online. Se é para ser “roubado”

ao menos é no conforto

do teu sofá e não nas enormes

filas dos shoppings. Aproveitem

bem estas dicas. Quem

vos avisa, vosso amigo é.

Ilustração: Margarida Antunes

57


Editorial Opinião

Está tudo bem?

CRÓNICA

Luís Guedes

Há coisas no ser humano

que, realmente, me fazem

valorizar, cada vez mais, a

minha cadela. Tudo bem que

a Fibi não é particularmente

inteligente. Tem medo da

sombra. De vassouras. Apresenta

muitas dificuldades em

abrir portas já semiabertas.

Para o meu pequeno canídeo,

tudo é um desafio, na verdade.

Apesar da sua inoperância

em muitos aspetos da vida

quotidiana, a Fibi é uma amiga

que eu valorizo. Não só por

me fazer companhia em noites

de Liga dos Campeões, mas

principalmente porque nunca

me pergunta se está tudo bem.

- Espera, mas está tudo

bem? - questionam vocês.

E é aí que eu respondo:

tudo o quê, meus amigos?

Não é? Porque é que permitimos,

enquanto sociedade,

que uma das primeiras falas

presentes em qualquer diálogo

seja do mais intrusivo

que existe? É que quando me

perguntam sobre tudo, obrigam-me

a pensar, lá está, em

tudo. Na minha vida amorosa,

na minha carreira, na minha

família, na seleção nacional.

E é assim, eu confesso que

estou um bocadinho farto do

William Carvalho. Portanto,

não, Patrícia. Não está tudo

bem. Acho que há soluções

bastante melhores, para te ser

muito sincero. No entanto,

constato que não estás muito

interessada nesta visão que eu

tenho de jogar com o Renato

Sanches a trinco. Se calhar, esperavas

um mero, um simples,

um mísero “tá tudo”. Também

te posso presentear com um

“vai-se andando”, que, no

fundo, é o mesmo que responder

“alicate”. Em termos de

conteúdo, de pertinência, de

suminho… ambos são zero.

Que parvos somos, não é?

Incluo-me, atenção! É giro

reparar que tudo isto é uma

espécie de espetáculo non-stop

de ilusionismo. Andamos

a enganar-nos uns aos outros

e gostamos de ser enganados,

quer-me parecer, sem qualquer

tipo de ironia! Com tudo o que

isso tem de bom e de mau. O

que seria sermos honestos?

Que tragédia! Imaginem, a

caminho do metropolitano,

retribuir a pergunta à Patrícia

e receber algo deste género.

- Olha, Luís, sabes… ultimamente,

tenho sentido que

o meu namorado já não me

deseja tanto como outrora. E

não me perguntes porquê, mas

aquela Paula dos Recursos

Humanos deve querer molho.

No que toca a família, nada a

dizer. Aliás, algo a dizer. Sabes

o meu irmão mais novo?

O Ruizinho? Quer dizer, o

Rui… está um matulão! Há

dias, apanhei-o trancado na

casa de banho com um poster

da Sónia Araújo! Ele sempre

quis muito ser apresentador.

Mas olha, no trabalho, tudo

mal. Farto do meu chefe. Há

dias, apanhou-me no TikTok

e perguntou se era para isso

que lhe pagava. É assim, claro

que não, mas quer dizer, saúde

mental, não é? Fazer pausas é

muito importante em contexto

laboral! Enfim, e contigo?

É assim, comigo, se calhar,

depois de tanta informação,

preciso de um momento de recobro.

Como nas vacinas, sabem?

Para processar a injeção.

Posto isto, proponho-me a ser

a voz dos oprimidos. Daqueles

que, diariamente, lutam contra

estes seres humanos que,

tal como nós, respiram, mas

ao contrário de nós, fazem

perguntas vagas, esperando

respostas igualmente vagas.

Comecemos por algo que

não nos dê sensação de início

de conversa. Deixemos o “então,

está tudo bem?” e passemos,

quiçá, a um “olha, gostas

de pão?”. Desprovido de sentido?

Sim, mas e se vos dissesse

que tenho um amigo que já

foi bem-sucedido em termos

amorosos com esta primeira

abordagem? Provavelmente,

achariam que estava a mentir.

O que é compreensível.

O mais engraçado no meio

disto tudo é que não estou.

Já não o vejo há algum

tempo, tenho de lhe perguntar

como é que está.

Ilustração: Margarida Antunes

58


Opinião

“Por favor, não matem os velhinhos!”

OPINIÃO

Pedro Pimparel Serafim

É incrível como em pleno

século XXI, onde rapidamente

temos acesso a todo tipo de

conteúdo, a Sociedade teima

em dar a sua opinião sem possuir

qualquer conhecimento

das matérias em questão. O

vício pela procura da relevância

leva as pessoas a formarem

um ideal sem a devida recolha

de bases informativas. Desta

forma, são criadas posições

pessoais pouco sustentadas e,

muitas das vezes, sem qualquer

credibilidade. O caso

da legalização da Eutanásia

em Portugal remonta a 1995

mas é desde 2018 que este

assunto tem ganho uma força

maior, tanto em termos mediáticos

como Parlamentares.

As regras para se ser eutanasiado

são bem claras e,

têm a meu ver, uma estrutura

sólida e que apela na sua totalidade

à razão. A primeira e

provavelmente a mais óbvia

passa pela obrigatoriedade de

se ser maior de idade a fim

de se tomar uma decisão tão

cirúrgica. O ponto de situação

do indivíduo é outro dos

fatores a ter em conta, já que

o processo só pode entrar em

ação num caso de dor extrema

ou agonia prolongada associada

a uma doença incurável e

fatal. Resumidamente, a pessoa

já sabe que é uma questão

de tempo até o término da sua

vida. A Eutanásia seria assim

uma escapatória para as dores

que são praticamente insuportáveis.

De salientar, que se

trata de uma decisão pessoal e

revogável, ou seja, determinada

pelo próprio e sempre com

a possibilidade de desistência

em qualquer circunstância.

Por fim, salientar que outro

dos pressupostos passa pela

sanidade mental do indivíduo.

O mesmo tem que estar apto

do foro psicológico para que

o seu desejo possa ir avante.

Mal eu descobri estas regras, a

confusão instalou-se na minha

cabeça. Na altura senti que me

estava a escapar algum pormenor

para haver tanta gente

contra esta medida. Algum

super argumento que colocasse

em causa os valores éticos

e morais neste aceso debate.

Fiquei estupefacto quando

me apercebi dos argumentos

contra defendidos por múltiplas

entidades e, rapidamente

cheguei à conclusão, que não

é a racionalidade o mote para

pôr em causa este princípio.

Um dos argumentos defendidos

pelos opositores à

Eutanásia passa pela seguinte

premissa: “Só Deus pode tirar

uma vida”. Apesar de respeitar

por completo a religiosidade,

o meu cepticismo leva-

-me sempre a olhar de forma

desconfiada para tudo aquilo

que não consigo analisar com

os meus próprios sentidos. Se

por um lado tenho um enorme

respeito, por outro não posso

aceitar que certas medidas não

prosperem por puras crenças

pessoais. Infelizmente não é

só neste caso em específico

que causas espirituais servem

de travão ao progresso e que

são vistas como um motivo

superior ao próprio pensamento.

A minha perplexidade

aumentou quando num debate

quinzenal em 2018, Assunção

Cristas, na altura presidente

do CDS-PP, referiu o seguinte:

“o Sr. Minsitro não é capaz

de dizer se na sua grelha

de prioridades precisamos de

melhorar os cuidados paleativos

ou destituir a Eutanásia,

que certamente sai mais barato”.

A questão da poupança

obviamente não pode ser um

fator a ter em conta quando

este assunto vem à tona.

O objetivo da Eutanásia não

passa por uma redução de

custos como é lógico. António

Filipe, deputado do PCP,

acredita que o Estado tem o

dever de “mobilizar os avanços

tecnológicos e científicos

para assegurar o aumento da

esperança de vida e não para

a encurtar”. Numa primeira

leitura este comentário pode

parecer acertado, mas o que

é certo é que o aparecimento

desta nova realidade não colocará

certamente em causa

o desenvolvimento de outras

plataformas de apoio associadas

à saúde. A Eutanásia

não passa a ser uma primeira

hipótese para a resolução de

problemas, logo, por consequência,

em nada afetará outros

mecanismos que terão como

objetivo a mais rápida e segura

recuperação dos pacientes.

Em suma, eu sou a favor da

morte medicamente assistida.

Tal como dizia o escritor brasileiro

Jean Carlos de Andrade,

“nós somos donos de nós

mesmos, podemos fazer tudo,

somos livres e desimpedidos”.

Uma pessoa tem o direito de

decidir aquilo que é melhor

para si numa fase da vida onde

não parece haver luz ao fundo

do túnel. Todos aqueles que se

opõem a esta ideia, ainda não

encontraram fundamentos válidos

que contrariem esta proposta.

A Eutanásia não é sinónimo

de “matar velhinhos”.

59


Opinião

O Mundial da falta de direitos humanos, e um cheque

rechonchudo para o acompanhar

OPINIÃO

Maria Barradas

O Mundial da vergonha foi

inaugurado dia 20 de novembro

com uma derrota do Catar,

mas, apesar da merecida

derrota, não é suficiente para

desvalorizar as suas vitórias

monetárias e a derrota de todos

aqueles que priorizam os

bons dos direitos humanos.

Claramente, essas pessoas

não são nem os jogadores,

nem os treinadores, nem as

federações ou a própria FIFA

em si. Num mundo futebolístico

de cheques rechonchudos,

com mais do que cinco

zeros à direita, a cegueira

é rainha. Fazem vista grossa

para cada um dos lados, e

olham em frente como se de

cavalos com palas nos olhos

se tratassem. Mais vale um

burro, que cavalo hipócrita.

E mesmo com a primeira

derrota do Catar, o mundo

perdeu com a localização deste

mundial. As famílias dos

6500 trabalhadores que morreram

nos últimos 10 anos,

somente para a preparação de

um campeonato de futebol,

perderam. O feminismo, a comunidade

LGBT, a imprensa

e consequentemente a liberdade

de expressão, perderam.

Meter o Catar no mapa, um

país que viola os direitos que

qualquer ser humano devia

poder dar como garantidos e

que nada quer saber de futebol,

sob as circunstâncias em

que se encontra, é um perfeito

disparate, no mínimo. Primeiro

comprometem-se em

cumprir aquilo que já deviam

cumprir há muito tempo e,

meses, semanas até, antes do

início do mundial, mudam de

registo e impõe que milhares

de pessoas se ajoelhem perante

o que é seu por direito. Dar

a oportunidade às mulheres

não cataris de conduzir quando

as próprias habitantes não

possuem a mesma possibilidade

é desafiar os conceitos

de sororidade e feminismo.

Um cartão vermelho não

só para a FIFA, mas para todos

aqueles que compactuam

com um mundial que só pode

ser descrito como vergonhoso.

E a questão que se coloca é a

seguinte: como é que se bane

a Rússia de participar neste

grande campeonato de futebol

como castigo pelas atrocidades

da guerra que o país começou

contra a Ucrânia e não

se proíbe o Catar de realizar

um evento desta dimensão?

É bastante claro que ninguém

associado ao mundo

do futebol parece estar preocupado

em promover algo

que está intrinsecamente

ligado ao ódio. É de admirar

que ninguém com influência

no meio se tenha

chegado à frente para anunciar

a sua não participação.

Se houver quem disser

que história está a ser feita,

tem toda a razão. Mas ninguém

disse que a história é

sempre boa, afinal aquela

que aprendemos na disciplina

de história nem sempre o é.

Rola a bola no mundial,

mas os direitos humanos

ficaram fora de jogo.

ESTATUTO EDITORIAL

O Sentinela é um jornal

académico de cariz generalista,

realizado no âmbito da

licenciatura em Ciências da

Comunicação da Faculdade

de Letras da Universidade do

Porto. Guiado pelo lema “de

vigia pela verdade”, somos

um jornal que se segue pelos

parâmetros da inclusão, tentando,

sempre que possível,

informar de acordo com a visão

dos diferentes núcleos sociais.

O nome Sentinela surge

desta forma, de uma maneira

de estar que nos caracteriza:

estamos sempre em alerta para

mostrar ao público as diferentes

versões da mesma história.

Para além da versão impressa,

o jornal Sentinela

possuí também uma versão

online. Faz scan do

Qr Code para explorares!

INSTAGRAM:

jornal.sentinela

SITE OFICIAL:

https://jornalsentinela202.wixsite.com/sentinela

PODCAST:

Preto no Branco (disponível no Spotify)

REDATORES:

Bruna Jardim, Carla Silva, Maria Andrade, Pedro

Pimparel Serafim e Rita Silva

FOTOGRAFIA:

Bruna Jardim e Maria Andrade

DESIGN:

Bruna Jardim

REVISÃO:

Carla Silva, Maria Andrade, Pedro Pimparel Serafim e

Rita Silva

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