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Revista Dr Plinio 295

Outubro de 2022

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Publicação Mensal<br />

Vol. XXV - Nº <strong>295</strong> Outubro de 2022<br />

Uma ordem<br />

universal angélica


À maneira do furta-cor<br />

das asas da borboleta<br />

Éconhecida a experiência pela qual, fazendo-se girar em alta velocidade um disco composto<br />

das cores do arco-íris, cria-se a ilusão de que o disco se tornou branco. É inegável que<br />

o branco tenha sua beleza, como síntese e matriz de todas as cores. Entretanto, há outro<br />

modo de as cores se inter-relacionarem como, por exemplo, notamos nas asas da borboleta azul<br />

e prata. Não que uma asa seja azul e outra prateada – seria um pesadelo –, mas, conforme o<br />

movimento da luz, o azul se transforma em prateado e o prateado em azul. Tem-se, por assim<br />

dizer, a ilusão de que uma cor habita na outra.<br />

O conjunto de verdades ou de virtudes numa alma só manifesta sua inteira beleza vista assim,<br />

na linha deste furta-cor do azul e prateado na asa da borboleta. Quer dizer, quando se<br />

olha uma virtude, de repente, fixando a atenção não apenas especulativa, mas também descritiva,<br />

percebe-se sair de dentro outra virtude.<br />

(Extraído de conferência de 18/10/1985)<br />

Divulgação (CC3.0)


Sumário<br />

Publicação Mensal<br />

Vol. XXV - Nº <strong>295</strong> Outubro de 2022<br />

Vol. XXV - Nº <strong>295</strong> Outubro de 2022<br />

Uma ordem<br />

universal angélica<br />

Na capa,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, em<br />

dezembro de 1974<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />

02372-020 São Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Northgraph Gráfica e Editora Ltda.<br />

Rua Enéias Luís Carlos Barbanti, 423<br />

02911-000 - São Paulo - SP<br />

Tel: (11) 3932-1955<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador........... R$ 300,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

Segunda página<br />

2 À maneira do furta-cor<br />

das asas da borboleta<br />

Editorial<br />

4 A verdadeira<br />

bomba atômica<br />

Piedade pliniana<br />

5 Levai a bom termo a<br />

obra que encetastes!<br />

Dona Lucilia<br />

6 Na ausência do “filhão”...<br />

Gesta marial de um varão católico<br />

8 Congregado mariano<br />

para toda a vida<br />

Reflexões teológicas<br />

12 Oferecimentos gaudiosos e<br />

o sacrifício redentor - II<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

16 Alguns conselhos espirituais<br />

Hagiografia<br />

20 Magníficos Príncipes celestes<br />

Calendário dos Santos<br />

24 Santos de Outubro<br />

O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

26 Os Anjos da Guarda e<br />

a ordem do universo<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

31 Ambientes, costumes e uma<br />

civilização postos em quadrinhos<br />

Última página<br />

36 Vas honorabile<br />

3


Editorial<br />

A verdadeira bomba atômica<br />

No tempo em que o Direito Internacional, com suas regras límpidas e geralmente aceitas, inspiradas<br />

na Lei Natural e na Doutrina da Igreja, estava profundamente alicerçado na consciência dos<br />

povos, a força não era o valor supremo da vida internacional. Havia à luz do Sol lugar decoroso e<br />

seguro para nações pequenas e grandes.<br />

Porém, com o declínio da influência católica no Ocidente, a moral se foi relaxando, não só no campo da<br />

vida doméstica, como também no dos costumes públicos, e o Direito Internacional foi sendo rapidamente<br />

amolgado, deturpado e, por fim, devorado pelo imperialismo.<br />

A consequência extrema desta evolução, temo-la diante dos olhos: o mundo dividido em dois blocos,<br />

dois imperialismos, e caminhando de uma guerra para outra.<br />

O progresso da Ciência aumenta as possibilidades de ação do homem. Quanto melhor ele for, tanto<br />

maior será sua capacidade de ação para o bem, se a Ciência lhe der uma larga margem de domínio sobre<br />

as forças da natureza. O reverso da medalha também é verdadeiro. Quanto pior o homem, tanto maior será<br />

sua capacidade para o mal, desde que a sua maldade possa servir-se de meios naturais poderosos.<br />

Ora, ao mesmo tempo em que a descristianização se acentuava no Ocidente, o domínio do homem sobre<br />

a matéria se ia tornando mais completo. Assim, sua capacidade de destruição cresceu. Em nossos dias,<br />

o máximo da degradação moral veio a coincidir com o máximo da capacidade de destruição.<br />

Quem se pode surpreender, pois, com o fato de que o mundo esteja coberto de ruínas e ameaçado de<br />

destruições sempre maiores? A mesma geração que consumou a ruína da moral internacional inventou a<br />

bomba atômica. Daí o que pode resultar?<br />

Têm-se aventado vários meios para conjurar a catástrofe: processos científicos que permitam circunscrever<br />

os efeitos da desagregação atômica, subterrâneos salvadores, etc... Quem não percebe como tudo<br />

isso é incerto? Quem pode asseverar que haja realmente um meio de defesa eficaz contra a bomba, susceptível<br />

de ser descoberto pelos cientistas? Quem pode garantir que os cientistas ainda não inventarão outros<br />

meios de destruição mais poderosos?<br />

Posta a questão neste terreno, onde está a solução? Ninguém a entrevê, e daí este desespero, esta depressão<br />

que paira no ambiente em que vivemos.<br />

A questão está colocada em termos errados. O mal não está na bomba atômica, está no homem. A verdadeira<br />

bomba atômica que está destruindo o mundo contemporâneo não é física, é moral. É a impiedade.<br />

Se, atendendo aos apelos de Fátima, a humanidade novamente voltar a Nosso Senhor Jesus Cristo; se<br />

novamente se restaurar o Direito Internacional sobre a única base que ele pode ter, a Rocha de Pedro, o<br />

que há de temer da bomba atômica?<br />

Mas enquanto os homens não voltarem à Igreja e continuarem a rolar pelo despenhadeiro da impiedade<br />

e da corrupção, que remédio pode haver para seus problemas?<br />

Estes são os termos verdadeiros da questão. E é porque ninguém os quer ver assim que a incógnita continua<br />

insolúvel. *<br />

* Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, <strong>Plinio</strong>. A semana em revista. Em: Santos Jornal, 10/10/1949.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Flávio Lourenço<br />

Virgem da Misericórdia - Igreja de São Brás, Anento, Espanha<br />

Levai a bom termo a<br />

obra que encetastes!<br />

Oh, minha Senhora e minha Mãe! Vosso Divino Filho ensinou que o homem sábio<br />

não para no meio de suas obras, mas, pelo contrário, leva-as a termo. É, pois, o<br />

oposto do estulto que principiou a construir uma torre e não pôde terminá-la.<br />

Por obra vossa começou a se levantar em minha pobre alma, tão cheia de infidelidades e<br />

imperfeições, a torre do bom propósito de uma fidelidade inteira.<br />

Como sois a Sede da Sabedoria, sem dúvida quereis levar a termo a obra que vossa misericórdia<br />

encetou. Mas – oh, apreensão! – esta edificação depende também de meu consentimento.<br />

E receio que, pelo peso de meus pecados, esta torre admirável fique inacabada.<br />

Minha Mãe, tenho medo de minha liberdade. Tomai-a toda para Vós e disponde de minha<br />

alma de tal maneira que, por um extremo de vossa misericórdia, não me seja possível<br />

criar obstáculos à realização de vossos desígnios.<br />

Fazei-me conhecer e amar o complemento misericordioso, e sem dúvida sublime, do que<br />

começastes a operar em mim, para que, sendo completa a vossa compaixão, seja também<br />

plena a minha entrega a Vós. Amém.<br />

(Composta em 9/1/1968)<br />

5


Dona Lucilia<br />

Dona Lucilia, até a extrema velhice, conservou uma ordem<br />

em todas as coisas que fazia. Não deixava nada para o dia<br />

seguinte, nem adiantava algo sem necessidade. Apesar<br />

de sempre preencher bem seu tempo, sentia grande<br />

isolamento quando não tinha a companhia de seu filho.<br />

Quando me ausentava de casa<br />

por ocasião de alguma viagem,<br />

eu percebia que o dia de<br />

Dona Lucilia continuava sempre o<br />

mesmo. Embora na São Paulo antiga<br />

fosse hábito levantar muito cedo, na<br />

família dela foi sempre costume<br />

despertar e deitar tarde.<br />

Ademais, contribuía para<br />

esse hábito o fato de ela<br />

padecer de uma enfermidade<br />

do fígado, e lhe fazia<br />

muito bem permanecer em<br />

repouso.<br />

Tudo muito<br />

ordenado, sem<br />

nenhum capricho<br />

Tendo se levantado, ela<br />

passava à toilette feita sem<br />

nenhum vagar excessivo,<br />

mas sem pressa. Na sua vida<br />

de dona de casa ela não<br />

tinha razão nenhuma para<br />

apressar-se. Mamãe era do<br />

tempo em que as coisas só<br />

se faziam depressa quando<br />

havia uma razão que obrigava<br />

a isso. A regra era o<br />

vagar, e a pressa era um<br />

castigo que as circunstâncias<br />

impunham.<br />

Fotos: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Tudo quanto ela fazia era muito<br />

ordenado, não tinha caprichos. Por<br />

exemplo, ela me contou que todas as<br />

partes da sua toilette – ela tinha cabelo<br />

comprido –, a hora de lavar a<br />

cabeça, pentear o cabelo, vestir-se,<br />

eram executadas segundo uma mesma<br />

sequência. Não variava nem interrompia<br />

nunca.<br />

Logo depois, Dona Lucilia rezava<br />

um pouco e ia almoçar.<br />

Após o almoço ela se dirigia à sala<br />

de jantar. Era um costume<br />

na família dela – que vigorava<br />

na São Paulo antiga<br />

– fazer a sala de estar na sala<br />

de jantar. As casas de hoje<br />

são diferentes. A sala das<br />

refeições é uma, a de estar é<br />

outra. No tempo dela as salas<br />

de jantar eram sempre algum<br />

tanto maiores do que o<br />

necessário para a mesa e alguns<br />

móveis e as pessoas ficavam<br />

ali depois da refeição,<br />

prosseguindo comodamente<br />

as conversas. Quando estava<br />

sozinha, mamãe continuava<br />

sentada ali.<br />

As tardes de<br />

Dona Lucilia<br />

Mais ou menos na hora<br />

em que eu costumava sair,<br />

ela se levantava, ia para meu<br />

escritório.<br />

Isso tudo variava, porque<br />

precisava entrar nas salas,<br />

6


ver uma coisa e outra, etc. A residência<br />

era grande, com empregadas em<br />

quantidade suficiente, não dava muito<br />

trabalho, mas Dona Lucilia gostava de<br />

tudo muito direitinho. Nunca deixava<br />

para outro dia uma tarefa própria daquele<br />

dia, mas também nunca adiantava<br />

uma coisa que pudesse ser deixada<br />

para o dia seguinte. Toda tarefa era<br />

executada na sua hora, até o momento<br />

do lanche feito na sala de jantar, entre<br />

cinco e cinco e meia da tarde. Habitualmente,<br />

a essa hora entrava ali uma<br />

luz do sol muito bonita. Mamãe ficava<br />

tomando aquele sol e contemplando<br />

as árvores da Praça Buenos Aires, que<br />

possuía também uma vegetação muito<br />

formosa, viçosa, bem cuidada; hoje está<br />

minguando com a poluição.<br />

Mais tarde ela fazia novas orações<br />

até a hora do jantar, tomado no silêncio.<br />

Ela arranjava um jeito de ter o<br />

tempo cheio, rezar bastante, conservar<br />

a ordem em tudo e não sentir melancolia.<br />

Esse era o modo de ela viver.<br />

Alegria com o filho<br />

que retorna<br />

No período em que fui deputado<br />

1 , eu passava os dias da semana no<br />

Rio de Janeiro. Não havendo avião<br />

naquele tempo, na sexta-feira à noite<br />

tomava um trem para São Paulo e<br />

chegava no sábado cedo. Comungava,<br />

depois ia para casa e ficava com<br />

mamãe até domingo à noite, quando<br />

viajava de novo para o Rio.<br />

Quando terminou o meu mandato,<br />

ordenei que se preparassem caixotes<br />

com os objetos que eu tinha<br />

levado ao Rio e tudo foi trazido de<br />

volta para São Paulo. Os caixotes<br />

chegaram antes de mim, porque desejei<br />

ver sair tudo do Rio a fim de<br />

evitar que alguma coisa ficasse para<br />

trás e desaparecessem os livros, papéis,<br />

roupas, uma porção de coisas<br />

que eu não podia perder.<br />

Ao entrar em casa, mamãe me fez<br />

muita festa com todas as formas de<br />

agrado possíveis. E, conversando comigo,<br />

ela disse:<br />

“Filhão, fiquei tão contente com<br />

os primeiros caixotes que chegaram<br />

que eu, já velha – ela tinha uns 60<br />

anos –, fiz uma infantilidade. Quando<br />

a empresa de transporte os deixou<br />

em casa, não tendo força para<br />

removê-los eu beijei cada um deles<br />

de contentamento, porque senti<br />

que era você que estava começando<br />

a voltar.”<br />

Percebi, na sua alegria, o isolamento<br />

em que ela estava.<br />

Esse era o sistema de vida de Dona<br />

Lucilia até sua morte, ocorrida<br />

quando tinha 92 anos. Na extrema<br />

velhice havia a mesma ordem em todas<br />

as coisas que fazia. v<br />

(Extraído de conferência de<br />

19/1/1983)<br />

1) Durante a Constituinte de 1934.<br />

7


Gesta marial de um varão católico<br />

J.P.Ramos<br />

Congregado mariano<br />

para toda a vida<br />

<strong>Plinio</strong> em 1921<br />

A partir da graça recebida<br />

aos pés da imagem de<br />

Nossa Senhora Auxiliadora,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tornou-se um<br />

grande devoto de Maria<br />

Santíssima. A confiança<br />

n’Ela fê-lo tomar a<br />

resolução de ser congregado<br />

mariano desde então,<br />

aos doze anos de idade.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1931<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Biblioteca do Colégio São Luís<br />

Miguel Hermoso Cuesta (CC3.0)<br />

Quando se é jovem, a vida se<br />

nos afigura como um longo<br />

caminho que temos diante<br />

de nós. Ao menos para mim, parecia-me<br />

um caminho atraente e, ao<br />

mesmo tempo, difícil e misterioso.<br />

“O que vou encontrar por este caminho?<br />

Alcançarei ou não aquilo que<br />

devo alcançar? Já em minha jovem<br />

idade conheço tantos homens fracassados...”<br />

O mar, a praia, os<br />

barcos furados...<br />

Certa ocasião vi um quadro que representava<br />

uma praia junto à qual estavam<br />

encostados três ou quatro barcos,<br />

diante de um vasto panorama marítimo.<br />

Notava-se que os barcos estavam<br />

avariados, batidos pela tempestade. E<br />

o quadro reproduzia só isto: barcos furados,<br />

o mar encapelado e a praia. As<br />

águas passavam e os barcos ficavam,<br />

pois já não prestavam para nada.<br />

Conheci algumas pessoas que me<br />

lembravam aqueles barcos. Eram<br />

homens, senhoras, que eu via não terem<br />

mais futuro, a vida deles estava<br />

espandongada. A única coisa que<br />

poderiam fazer, não faziam: amar<br />

a Deus completamente. Quanto ao<br />

resto, as esperanças terrenas defraudadas,<br />

não valiam mais nada.<br />

8


Inspetoria Salesiana de São Paulo<br />

Santuário do Sagrado Coração de Jesus<br />

Biblioteca do Colégio São Luís<br />

Eu pensava: “Serei também, se facilitar,<br />

um desses barcos encalhados?”<br />

Sentia, ao mesmo tempo, uma<br />

vontade e um receio de viver e de<br />

avançar. A minha grande pergunta<br />

era: a batalha é tão grande, os sacrifícios<br />

para fazer tão fortes, estarei à<br />

altura?<br />

Consultava as jovens profundidades<br />

de minha alma e, feita a pergunta<br />

a mim mesmo com toda a honestidade,<br />

a resposta era negativa no seguinte<br />

sentido: “Talvez eu chegue<br />

até a não ser dos barcos encalhados,<br />

mas, pelo contrário, dos navios gloriosos<br />

que atravessam a baía, entram<br />

pelo mar e vão combater ao longe…<br />

batalhas de glória. É possível que seja<br />

isto, porque sinto momentos em<br />

que estou bem e animado; mas há<br />

ocasiões nas quais sinto a desproporção<br />

de minhas forças com a luta. Eu<br />

vencerei?”<br />

E nessa indecisão, que chegava<br />

a me angustiar, eu me lembrava<br />

de um episódio de minha vida, ajoelhado<br />

diante do altar de Nossa Senhora<br />

Auxiliadora, na Igreja do Sagrado<br />

Coração de Jesus. Ali era um<br />

“barco” bem mais novo, feito há doze<br />

anos e já estava com um rombo…<br />

Mas eu rezei: “Salve Rainha, Mãe<br />

de misericórdia, vida, doçura, esperança<br />

nossa, salve!” Não sabia latim<br />

e entendia que “salve” queria dizer<br />

para Ela me salvar, e era o que eu<br />

desejava – em latim é uma saudação,<br />

como “bom dia” entre nós. Então,<br />

suplicava neste sentido: “Salve Rainha,<br />

Mãe de misericórdia!” Pedia<br />

de toda a alma e consegui,<br />

diante de circunstâncias<br />

difíceis, uma força, uma<br />

resistência as quais eu não<br />

imaginava que teria. Dê<br />

no que der, seja como for,<br />

n’Ela porei toda a minha<br />

confiança: “Salve Rainha,<br />

Mãe de misericórdia,<br />

vida, doçura, esperança nossa,<br />

salve!’”.<br />

Eu pensava: “Mãe de misericórdia…<br />

Tenho em casa uma mãe que<br />

tem tanta pena de mim. Mas quando<br />

a oração enuncia ‘Mãe de misericórdia’<br />

quer afirmar algo que não se<br />

diz de minha mãe, mas sim da Mãe<br />

de Jesus, toda feita de misericórdia.<br />

N’Ela só há misericórdia da qualidade<br />

mais requintada e perfeita, alta e<br />

transbordante, capaz de me inundar<br />

inteiro. É dessa que eu preciso porque,<br />

do contrário, não consigo”.<br />

Passo difícil, grande<br />

e glorioso<br />

Com confiança na Mãe de misericórdia<br />

eu me ergui alegre. Comecei<br />

uma longa caminhada e estou com<br />

76 anos. Não a interrompi durante<br />

todo esse tempo e, se Deus quiser,<br />

se a Mãe de misericórdia rezar por<br />

mim, não a interromperei até o momento<br />

do meu último suspiro.<br />

Altar de Nossa Senhora Auxiliadora<br />

Santuário do Sagrado Coração de<br />

Jesus, na década de 1920<br />

Inspetoria Salesiana de São Paulo<br />

9


Gesta marial de um varão católico<br />

Maria Cecília França Monteiro da Silva (Acervo Particular)<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Prédio do Colégio São Luís em fins de 1910<br />

Quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho<br />

da capela do Colégio São Luís<br />

O passo é difícil, grande e glorioso.<br />

Mas Nossa Senhora, fazendo-nos<br />

sentir a dificuldade desse passo, nos<br />

diz: “Meus filhos, perto de Mim nada<br />

é difícil! Porque darei forças para<br />

vencerem as dificuldades”.<br />

Imaginem uma mãe que pode tudo<br />

junto a Deus e recebe d’Ele poderes<br />

em todos os sentidos. Ela tem um filho<br />

que tem enorme dificuldade para<br />

fazer escaladas e ele precisa atravessar<br />

um caminho permeado de montanhas…<br />

Esta mãe poderia afastá-las<br />

do caminho e fazer uma autoestrada<br />

reta, ou dar ao filho força e coragem<br />

para ele subir todas as montanhas.<br />

O mais bonito seria<br />

ela fazer um tanto<br />

de cada coisa: tirar<br />

algumas montanhas<br />

misericordiosamente;<br />

mas, em<br />

outras ocasiões, o<br />

filho pedindo para<br />

afastar a montanha,<br />

ela não tira. Ele diz:<br />

— Então, o que<br />

vou fazer? Eu nem<br />

sequer sinto forças!<br />

— Comece a subir a montanha<br />

que as forças virão!<br />

Será um dos mais belos lances da<br />

caminhada o da montanha que Nossa<br />

Senhora não removeu. Algumas dificuldades<br />

serão grandes, outras pequenas.<br />

Quando as dificuldades forem<br />

grandes, grandes seremos nós. Quando<br />

forem pequenas, não precisaremos<br />

ser grandes. Ela, em todo caso, será<br />

grande afastando algumas montanhas<br />

e nos fazendo galgar outras.<br />

Neste sentido, minha alegria e<br />

consolação, que fizeram do meu<br />

passo para me tornar congregado<br />

mariano uma satisfação para a minha<br />

alma, foi a confiança de que<br />

Nossa Senhora não me abandonaria!<br />

Congregado mariano<br />

aos 12 anos<br />

Tive duas entradas na Congregação<br />

Mariana. Havia uma no Colégio<br />

São Luís, onde estudava, e outra na<br />

Igreja de Santa Cecília. Primeiro entrei<br />

na Congregação Mariana do Colégio<br />

São Luís.<br />

Aquele período de aflição que eu<br />

tive quando era bem mais moço, com<br />

uns doze anos, e durante o qual recorri<br />

a Nossa Senhora, deu-se exatamente<br />

nessa época em que me tornei<br />

congregado mariano do São Luís.<br />

Eu tinha pedido, junto com alguns<br />

outros alunos, para ingressar na Congregação<br />

Mariana. Mas havia razões<br />

para desconfiar que o padre não quisesse<br />

receber-me. Certo dia, estavam<br />

todos os alunos dentro da sala de aula,<br />

sem professor, estudando as lições dadas<br />

pelos mestres; um bedel acercou-<br />

-se da porta, abriu-a e disse: “<strong>Plinio</strong><br />

10


Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Corrêa de Oliveira, o Padre Romani –<br />

era o Diretor da Congregação Mariana<br />

– está chamando o senhor”.<br />

Entrei na sala dele, ele fez-me<br />

sentar e interrogou-me com amabilidade,<br />

mas com seriedade:<br />

— O que você acha que eu farei?<br />

Vou aceitá-lo como congregado mariano<br />

ou não?<br />

Mas ele perguntou-me em termos<br />

tais que deixava significado o seguinte:<br />

“Se você fosse eu, você se aceitaria<br />

na Congregação Mariana?”<br />

Eu achava que não era o caso de<br />

me admitir. Mas se dissesse “não”,<br />

barrava as portas. Ora, eu não queria<br />

fechar as portas que me conduziam<br />

a Nossa Senhora.<br />

Lembro-me de ter pensado, com<br />

emoção, eu que nunca fui emotivo:<br />

“E como é essa história agora?”<br />

Fiz uma fisionomia amável, mas<br />

não respondi, para ver se pela amabilidade<br />

do rosto eu entrava… Cada<br />

um se arranja como pode…<br />

Ele, então, me tocou as mãos e<br />

disse:<br />

— Você pode entrar!<br />

Relacionei este fato com a graça<br />

que recebera anteriormente de Nos-<br />

sa Senhora Auxiliadora, na Igreja do<br />

Coração de Jesus, e fui rezar à imagem<br />

da Santíssima Virgem que havia<br />

na capela do Colégio São Luís.<br />

Era um quadro de uma invocação<br />

que mais tarde teria grande papel na<br />

minha vida: Nossa Senhora do Bom<br />

Conselho.<br />

Assim, entrei para a Congregação<br />

Mariana.<br />

Nova admissão na<br />

Igreja Santa Cecília<br />

Mas depois saí do Colégio São Luís<br />

e estudei durante um ano numa escola<br />

leiga. Em seguida, inscrevi-me<br />

na Faculdade de Direito e passei mais<br />

uns três anos durante os quais não<br />

frequentava a Congregação Mariana.<br />

Eu não sabia que havia uma na Paróquia<br />

de Santa Cecília.<br />

Certo dia, indo à Missa nessa igreja,<br />

tomei conhecimento da existência<br />

da Congregação Mariana ali. Então<br />

pedi ao Diretor para ser recebido, ao<br />

que ele me disse:<br />

— Você não pode entrar sem mais<br />

nem menos. Tem que fazer um noviciado.<br />

<strong>Plinio</strong> como congregado<br />

mariano em 1930<br />

— Faço o noviciado com gosto,<br />

respondi; o senhor me receba como<br />

noviço e eu entro. Mas quero adverti-lo<br />

de que eu já era congregado<br />

mariano no Colégio São Luís.<br />

— Sim, mas nós não aceitamos.<br />

Ou você refaz seu noviciado, ou em<br />

nossa Congregação não pode entrar.<br />

A essas alturas as águas já tinham<br />

corrido e, graças a Nossa Senhora, eu<br />

estava bem mais firme e animado do<br />

que na minha primeira admissão. Mesmo<br />

assim, fiquei muito impressionado.<br />

Minha recepção como congregado<br />

mariano da Igreja de Santa Cecília<br />

foi feita com solenidade, pompa.<br />

Lembro-me do que senti nesta ocasião.<br />

De lá para cá tenho sido congregado<br />

mariano ininterruptamente, pela<br />

bondade da Santíssima Virgem.v<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em setembro de 1985<br />

(Extraído de conferência de<br />

14/9/1985)<br />

11


Reflexões teológicas<br />

Ivan Galvão<br />

Oferecimentos<br />

gaudiosos e<br />

o sacrifício<br />

redentor - II<br />

Tendo Nosso Senhor Jesus Cristo assumido a expiação dos<br />

nossos pecados, torna-se tão viva a nossa relação de remidos<br />

com o Redentor, que a partir disso o homem fica impossibilitado<br />

de pensar nas alegrias sem ter, ao mesmo tempo, um olhar<br />

para a Cruz. Aí entra a luta, a penitência e a dor que acabam<br />

adquirindo, no existir humano, um sentido de píncaro.<br />

T<br />

endo tratado anteriormente<br />

a respeito dos oferecimentos,<br />

consideremos agora a parte<br />

relativa ao sacrifício.<br />

A necessidade preponderante<br />

do sofrimento após<br />

a Redenção<br />

Entretanto, houve o pecado e tudo<br />

mudou. O Homem-Deus, ápice<br />

da Sabedoria e de todas as belezas,<br />

foi destinado a ser morto. A vinda<br />

d’Ele à Terra foi marcada pela dor,<br />

humilhação e pelo contrário de tudo<br />

quanto seria a ordem normal, se os<br />

homens não tivessem prevaricado.<br />

O pecado pôs uma espécie de<br />

crêpe lilás em toda essa celebração.<br />

Mas pôs também uma beleza a mais,<br />

desde que saibamos compreender.<br />

Eu não sei, se não tivesse havido<br />

o pecado, se os homens chegariam à<br />

compreensão de que Deus Se imolaria<br />

por eles.<br />

Acaba sendo que essa ordem de<br />

valores que enunciei não fica perturbada<br />

em nada por esse dado. Mas,<br />

pela desordem humana, o homem<br />

fica impossibilitado de pensar nessas<br />

coisas sem ter, ao mesmo tempo,<br />

um olhar para a Cruz. Porque, a partir<br />

do momento em que pecou, ele<br />

é feito para a dor, para a luta, para<br />

a agonia, no sentido grego da pala-<br />

12


vra. Entretanto, ele tende a fugir dela<br />

de todas as maneiras possíveis. O<br />

resultado é que, ou ele considera tudo<br />

em função da agonia ou considera<br />

errado.<br />

Isso é uma necessidade moral,<br />

psicológica, correspondente a uma<br />

outra realidade mais profunda: uma<br />

vez que Deus assumiu a expiação<br />

dos nossos pecados, por assim dizer,<br />

Ele adquiriu um título tão mais alto,<br />

em todo caso tão mais especial e, por<br />

assim dizer, tão mais insondável à<br />

nossa admiração, que a nós remidos<br />

não é lícito considerar qualquer coisa<br />

n’Ele que abstraia da Redenção.<br />

Para não ficar puramente uma<br />

ideia abstrata, dou um exemplo.<br />

Imaginem um rei que para vencer<br />

uma batalha deixa-se prender. O adversário<br />

diz: “Nós, ou invadimos o<br />

seu reino e o liquidamos ou vos entregais<br />

como prisioneiro.” Ele pensa:<br />

“Se eu me entregar como prisioneiro<br />

salvo o meu reino. Os meus súditos<br />

podem vir atacá-los e me resgatar.”<br />

Então ele se entrega e o povo<br />

não é destroçado.<br />

Depois um regente do reino vence<br />

e o liberta. Ele volta carregado de<br />

cicatrizes e, vamos dizer, coisa horrível,<br />

cego. O povo, o tempo inteiro<br />

em que olhasse para esse rei, se não<br />

o considerasse sempre em função do<br />

ato praticado por ele, todo o resto<br />

ficaria imperfeito. A própria glória<br />

maior da realeza deveria ter sempre<br />

em vista esse ato, pois é tão insondável<br />

o sacrifício realizado pelo rei que<br />

todo o resto careceria de sentido se<br />

não se levasse isso em consideração.<br />

Especulativamente poder-se-ia<br />

pensar de outro modo, mas é tão viva<br />

a relação do homem resgatado<br />

com quem o resgatou que este passa<br />

a ser para ele um redentor. Não se<br />

pode prescindir disso. Portanto, em<br />

todo culto a Deus, em toda a Religião<br />

Católica, em toda a consideração<br />

da vida esta presença preponderante<br />

do sofrimento, da luta, da dor<br />

é uma necessidade de justiça baseada<br />

num fato histórico insondável,<br />

que é a Redenção, que criou algo de<br />

ontológico – porque o que houve ficou<br />

existindo na ordem do ser – e é,<br />

de outro lado, uma necessidade psicológica.<br />

O homem debanda e prevarica<br />

se não fizer assim.<br />

Luta e dor: um píncaro para<br />

o qual todos são chamados<br />

A partir disso entra a luta, a penitência<br />

e a dor, as quais acabam tendo,<br />

no existir humano, um sentido de<br />

píncaro. Também a abnegação e tudo<br />

mais adquirem esse sentido que<br />

não exclui o resto, mas deve estar<br />

presente em tudo.<br />

Fala-se tanto no aspecto pagão<br />

da Renascença, é claro, mas neste<br />

aspecto está a negação da Redenção<br />

e de tudo quanto estou dizendo.<br />

Do mesmo modo, o otimismo<br />

norte-americano é o contrário<br />

do que acabamos de falar, ou seja,<br />

a prevalência da agonia como valor<br />

à luz do qual tudo deve ser visto,<br />

porque o homem pecou e Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo o resgatou.<br />

Nossa Senhora foi Co-Redentora<br />

do gênero humano e, portanto, tem<br />

na Redenção a parte que nós sabemos.<br />

Isso criou uma outra ordem de<br />

coisas, além da elevação para o gênero<br />

humano trazida pela Encarna-<br />

Cristo preso - Museu de Belas Artes, Valência<br />

Flávio Lourenço<br />

13


Reflexões teológicas<br />

Flávio Lourenço<br />

Oração no Horto - Museu de Belas Artes, Valência<br />

ção, a qual existiria mesmo se não tivesse<br />

havido o pecado.<br />

Assim nós teríamos o lado sacrifical<br />

explicado inteira e claramente.<br />

Nossa alma é aberta para alegrias, até<br />

enfáticas. A vocação de todo bom católico<br />

não é lacrimejante, mas possui<br />

no centro de tudo a alegria da batalha,<br />

da luta e, portanto, da dor, da<br />

agonia, em todos os sentidos legítimos<br />

e exatos desta palavra. Aqui está<br />

o sacrifício e o oferecimento.<br />

Ofertar tudo a Deus, porém<br />

sem cacoetes nervosos<br />

Põe-se a pergunta: aquela festa<br />

de Veneza poderia realizar-se<br />

sem a Missa? Violaria tudo quanto<br />

eu disse, pois seria excluir da comemoração<br />

das alegrias de Veneza<br />

o fato de que aqueles dons todos<br />

concedidos por Deus existem numa<br />

trama histórica desenvolvida de<br />

dentro do pecado. E que, portanto,<br />

a todo momento, naquela festa<br />

mesmo, há uma luta não só interior,<br />

mas a Igreja está continuamente<br />

sendo alvo de ciladas, os adversários<br />

do Estado veneziano estão<br />

sempre armando perigos contra<br />

ele. E, portanto, é preciso estar<br />

em atitude de defesa.<br />

E qual é o sentido do oferecimento?<br />

Cada vez que uma ação se abre e<br />

se completa, em qualquer ordem de<br />

coisas que seja, nessa perspectiva ela<br />

deve ser oferecida a Deus.<br />

Por exemplo, ao começar um trabalho,<br />

andarei bem se oferecê-lo a<br />

Deus, a Nosso Senhor Jesus Cristo e<br />

a Nossa Senhora. Porque foi um episódio<br />

da História querido pela Providência,<br />

eu agi de acordo com sua<br />

divina vontade e terminei o serviço<br />

de acordo com ela. No momento<br />

de começar, suplico: “Senhor, protegei-me<br />

para sair como Vós quereis.<br />

Dai-me mais do que tenho, para<br />

eu fazer melhor do que posso para<br />

Vós.” Na hora de terminar, digo:<br />

“Senhor, eis.” O oferecimento deveria<br />

ser próprio a todo trabalho.<br />

Por exemplo, como é adequado<br />

e bonito oferecer o fim desta conferência.<br />

“Nós vos damos graças, ó<br />

Deus, porque vos servistes de nós,<br />

pelos rogos de vossa Mãe Santíssima,<br />

para que fosse dito, nesta época<br />

de pecado, aquilo que em nenhum<br />

lugar foi considerado. Perdoai-nos,<br />

Senhor, se tudo não foi falado como<br />

deveria. Recebei isso benignamente,<br />

e sabemos que vos deu glória. Ó<br />

Maria Santíssima, tomai esses dons<br />

e oferecei-os a vosso Divino Filho;<br />

por vosso intermédio, eles Lhe serão<br />

gratos. Assim seja.”<br />

Isso se deveria fazer com tudo.<br />

Sem mania, sem estar oferecendo<br />

ninharia, enfim, sem estar transformando<br />

isso numa espécie de cacoete<br />

nervoso, a ponto fazer oferecimento<br />

de qualquer coisa. Então, chamo o<br />

elevador, faço o oferecimento; chega<br />

o elevador, eu agradeço: “Ó Deus,<br />

que para a minha invalidez suscitastes<br />

essa criatura elevador…”<br />

Eventualmente, uma alma chamada<br />

a isso de modo especial poderia ser<br />

assim. Eu não sou essa alma; prefiro<br />

pensar de um modo mais desanuviado.<br />

Mas, ter isso claro e nas ocasiões<br />

grandes, fazer o oferecimento de modo<br />

augusto. De vez em quando, numa<br />

ou noutra ocasião pequena, também;<br />

quando não me pese e não constitua<br />

um fardo para mim, mas ajude a respiração<br />

de minha alma que dá graças<br />

a Deus. Por que não?<br />

14


Perfeito oferecimento:<br />

pedir forças para ver<br />

a luta por inteiro<br />

Então, o que é propriamente o<br />

oferecimento? Eu volto ao conceito<br />

inicial. É aquilo feito segundo a<br />

vontade, com o apoio e o auxílio de<br />

Deus, e recebido por Ele.<br />

Seria como um joalheiro que termina<br />

uma joia e dá para a rainha:<br />

“Senhora, eis a joia destinada a vós.<br />

Vós a queríeis, vós me destes o desenho,<br />

a inspiração e a força para realizá-la,<br />

me ensinastes e me ajudastes<br />

a fazê-la. Ajoelhando-me, digo: Senhora,<br />

aqui está vosso filho.” Como<br />

estaria direito!<br />

O oferecimento tem também um<br />

aspecto de complementação da obra<br />

de Deus. Seria um pouco como um pai<br />

que dá para uma criança um caderno<br />

com desenhos para ela colorir. A<br />

criança colore e entrega ao pai, completando<br />

assim a obra iniciada pelo<br />

pai ao dar-lhe o caderno e os lápis.<br />

E mais: a obra realizada se projeta<br />

numa perspectiva histórica e alcança<br />

os esplendores do Padre Eterno. A<br />

ação cessou, mas nos esplendores do<br />

Padre Eterno ela permaneceu. Vou<br />

encontrá-la quando morrer.<br />

Então, tudo bem examinado, cada<br />

vez que acaba uma ação – poderia<br />

falar do início também – há algo<br />

à maneira de um juízo que eu formo<br />

sobre a minha ação e o apresento a<br />

Deus. Ele aceita, premia ou castiga.<br />

Sobre o oferecimento no começo<br />

de uma ação, não conheço modo<br />

mais belo do que a oração de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo no Horto das<br />

Oliveiras. Aquilo é o modo paradigmático<br />

pelo qual se começa uma<br />

ação: medir todo o bem que ela vai<br />

fazer, tudo quanto vai custar a mim<br />

e preparar a minha alma, pela antevisão<br />

disso, para receber o baque, e<br />

pedir as forças.<br />

Na hora de beber o cálice da consolação,<br />

entender que estou sorvendo<br />

também o do sofrimento. Beben-<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1992<br />

do aquela consolação, comprometo-<br />

-me especialmente a aguentar a dor.<br />

Isso me parece ter relação com o cálice<br />

que o Anjo trouxe para Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo (cf. Lc 22,43).<br />

Eu sei que o beber do cálice da<br />

Missa não tem esse significado, mas<br />

quando o padre o eleva e bebe, lembro-me<br />

da Agonia no Horto. A partir<br />

de então começam as calúnias, o<br />

desprezo, a flagelação... Assim se começa!<br />

Não conheço começo igual.<br />

Ali, de fato, Nosso Senhor já fez o<br />

sacrifício d’Ele no que diz respeito à<br />

alma. É de uma grandeza!<br />

Eu me abismo nessa consideração,<br />

e penso: “Vamos em frente! Terei<br />

que sofrer tudo isso. Eu medi, eu<br />

quero. Senhor, pelos rogos de vossa<br />

Mãe, dai-me forças!”<br />

Como seria bonito se antes de começarmos<br />

as nossas ações difíceis<br />

pensássemos nisso! Meço por inteiro<br />

todas as dificuldades que sinto, mas<br />

quero! Peço a Nossa Senhora que me<br />

dê forças, amor a Ela, una-me inteiramente<br />

a Ela para travar essa batalha,<br />

diante da qual cambaleio, mas quero<br />

travar. Entro cambaleando, mas vou<br />

em frente. Ofereço o que for. Eis aqui<br />

o servo do Senhor, faça-se em mim segundo<br />

a sua vontade. Fazer isso conscientemente.<br />

Agindo desse modo não<br />

dá mais ânimo? Eu acho que dá.<br />

O oferecimento a Deus<br />

do fim da História<br />

Sou propenso a achar que os últimos<br />

homens, quando perceberem ter<br />

chegado o fim do mundo, oferecerão<br />

como um sacrifício, junto com Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo, o mundo castigado<br />

e torturado, e a justiça vencedora<br />

como um triunfo. E a glória d’Ele<br />

se afirmará. Ali o sacrifício é de glória.<br />

Ele vem na glória porque esse sacrifício<br />

é o fim da História e, portanto,<br />

já é triunfante. O mundo liquidado,<br />

escangalhado, purificado. É o episódio<br />

final de uma História que começou<br />

com os comprazimentos de Deus.<br />

É o episódio final?<br />

É e não é. Porque o episódio verdadeiramente<br />

final é Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo que desce com todos os<br />

eleitos, em sua pompa e majestade,<br />

vitorioso sobre este mundo e oferece<br />

a Deus Pai o fim da História da humanidade.<br />

Aí é a glória e a vitória. É<br />

o oferecimento do Vencedor. v<br />

(Extraído de conferência de<br />

5/11/1982)<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

15


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Gabriel K.<br />

Alguns<br />

conselhos<br />

espirituais<br />

São João da Cruz - Mosteiro de São José, Ávila<br />

A vida contemplativa nos<br />

assemelha aos coros angélicos<br />

superiores. Entretanto, um dos<br />

maiores obstáculos para alcançá-<br />

-la é o apego às ninharias. Sofrer<br />

por amor a Deus, vencer o orgulho<br />

e a tibieza, e dominar a língua<br />

constituem meios indispensáveis<br />

para o progresso espiritual.<br />

Flávio Lourenço<br />

16<br />

Enterro de um monge trapista<br />

Museu de Belas Artes, Gante, Bélgica


Pediram-me para comentar algumas<br />

máximas espirituais<br />

extraídas de escritos de São<br />

João da Cruz 1 e de Dom Guéranger 2 .<br />

Superioridade da<br />

contemplação sobre a ação<br />

Flávio Aliança<br />

Flávio Lourenço<br />

Nossa inteligência não saberia<br />

apreciar a superioridade de uma alma<br />

que pudesse ser émula dos querubins<br />

e dos serafins, sobre aquela que<br />

não poderia ser assemelhada senão às<br />

hierarquias inferiores. Uma falsa modéstia,<br />

o amor do medíocre não saberia<br />

ter legitimamente curso nessas matérias.<br />

Importa, mais do que se poderia<br />

dizer, aos interesses da Santa Igreja<br />

e à gloria de Deus, que as almas verdadeiramente<br />

contemplativas se multiplicassem<br />

sobre a Terra. Elas são a<br />

mola oculta e o motor que dá o impulso<br />

na Terra a tudo quanto diz respeito<br />

à glória de Deus, ao Reino de seu Filho,<br />

ao cumprimento perfeito da vontade<br />

divina. Em vão multiplicar-se-ão<br />

Os cambistas - Museu de Belas<br />

Artes, Nancy, França<br />

Museu do Convento de Santa Catalina, Cusco, Peru<br />

as obras, indústrias e mesmo dedicações.<br />

Tudo será estéril se a Igreja militante<br />

não tiver santos que a sustentem<br />

no estado de contemplação, na<br />

via que o Mestre escolheu para resgatar<br />

o mundo.<br />

O autor dá a favor<br />

dos contemplativos um<br />

argumento muito bonito.<br />

Para provar ser, em<br />

si, a vida contemplativa<br />

superior à vida ativa,<br />

ele afirma que a primeira<br />

imita as hierarquias<br />

superiores dos<br />

Anjos, enquanto a segunda<br />

imita as categorias<br />

angélicas inferiores.<br />

E aquilo que é próprio<br />

às naturezas mais<br />

elevadas é intrinsecamente<br />

superior. De onde<br />

se chega à conclusão<br />

de ser a vida puramente<br />

contemplativa mais do<br />

que a vida ativa.<br />

Naturalmente, essas<br />

afirmações precisam<br />

ser consideradas com<br />

matizes, porque, ao tratar<br />

da questão, São To-<br />

más de Aquino afirma que melhor é<br />

a vida ao mesmo tempo contemplativa<br />

e ativa.<br />

Sem dúvida, ter ambas é mais do<br />

que uma só. Mas isso não quer dizer<br />

que a pura contemplação não seja<br />

superior à ação.<br />

É preciso considerar o ângulo sob<br />

o qual o assunto é visto para apreender<br />

a harmonia dessas afirmações e<br />

proposições.<br />

Inimigos da contemplação<br />

e do recolhimento<br />

Passo a comentar agora algumas<br />

sentenças de São João da Cruz.<br />

Ó poderoso Senhor, seca-se meu espírito<br />

porque se esquece de apascentar<br />

em Vós! Não vos conhecia eu, meu<br />

Senhor, porque queria ainda saber e<br />

saborear ninharias.<br />

É uma verdadeira maravilha!<br />

O amor da ninharia é uma das<br />

coisas mais invisceradas no gênero<br />

humano. Mesmo quando se tratam<br />

de assuntos sérios, por vezes,<br />

são considerados do ponto de vista<br />

da ninharia. Se vamos, por exemplo,<br />

a um restaurante, a uma praça pública<br />

ou a um veículo de transporte co-<br />

17


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

Flávio Lourenço<br />

letivo, encontramos todas as pessoas<br />

quietas, pensando em ninharias, ou<br />

conversando sobre as ninharias em<br />

que pensavam. Mas o gosto, o apego<br />

é pensar a respeito de ninharias.<br />

Ora, diz São João da Cruz com<br />

muita propriedade:<br />

Não vos conhecia eu, meu Senhor,<br />

porque queria ainda saber e saborear<br />

ninharias.<br />

Quem saboreia ninharias não pode<br />

saborear a Deus. Por quê? Porque<br />

não é possível gostar de duas<br />

coisas opostas ao mesmo tempo.<br />

Ora, Deus é infinito, altíssimo, insondável,<br />

transcendente. A ninharia<br />

é o contrário: é a “droguinha”, a coisinha,<br />

a bagatelinha.<br />

Não se deve tomar uma atitude<br />

mesquinha diante disso: “Ah, então<br />

não tem remédio, porque eu gosto<br />

tanto de ninharia, que nunca me<br />

descolarei dela.” Pelo contrário, trata-se<br />

de dizer: “Meu Deus, livrai-me<br />

da ninharia, dai-me o vosso Espírito<br />

Santo que me fará sentir a apetência<br />

das coisas grandes e me dará o horror<br />

à ninharia.”<br />

No Evangelho Nosso Senhor diz<br />

que, de todas as orações, a mais certamente<br />

obtida é aquela em que nós<br />

pedimos o Espírito Santo. Então, é o<br />

que se trata de pedir.<br />

Ó poderoso Senhor, seca-se meu espírito<br />

porque se esquece de apascentar<br />

em Vós!<br />

O espírito que se apascenta em<br />

Deus é aquele que gosta de pensar<br />

nas verdades da Igreja e da Doutrina<br />

Católica. É como uma ovelha que se<br />

nutre das coisas divinas. Quem não<br />

pensa nessas coisas e só cogita em<br />

ninharias, evidentemente o espírito<br />

dele se seca.<br />

Assim se dá com quem tem adoração<br />

pela máquina. É exatamente o<br />

espírito da ninharia, que se afasta de<br />

Deus.<br />

Hoje presenciei este fato curioso:<br />

um caminhão enorme, uma espécie<br />

de “dinossauro” de metal, com<br />

um banco altíssimo para um sujeito<br />

guiar, descarregou em frente à Igreja<br />

do Coração de Maria uma máquina<br />

escavadeira. O veículo parou, baixaram<br />

duas tábuas e a máquina começou<br />

a descer. Os primeiros automóveis<br />

que estavam na fila pararam<br />

a fim de assistir à descida da escavadeira<br />

de dentro do caminhão, e para<br />

ver se não havia o risco daquela coisa<br />

virar para trás.<br />

Preparação para a Missa - Igreja de Santa Maria Maior, Cáceres, Espanha<br />

Alegoria da inveja - Cappella<br />

degli Scrovegni, Pádua<br />

Não tinha perigo, já fora mil vezes<br />

estudado, a máquina é tão estúpida<br />

que não tem nada de imprevisto.<br />

De maneira que não havia razão<br />

nenhuma para essa torcida característica<br />

de ignorantes.<br />

Ninguém buzinou, ninguém manifestou<br />

pressa, houve um suspense...<br />

Quando a escavadeira desceu, houve<br />

uma espécie de alívio, de satisfação<br />

geral, um pouco de admiração também.<br />

“Que bicho singular essa escavadeira!<br />

Interessante isso!”<br />

Outro pensamento magnífico:<br />

Se queres chegar ao santo recolhimento,<br />

não hás de ir admitindo, mas<br />

negando.<br />

Sê avesso em admitir em tua alma<br />

coisas destituídas de substância espiritual,<br />

para que não te façam perder<br />

o gosto da devoção e o recolhimento.<br />

Quer dizer, os espíritos polêmicos,<br />

que se isolam das coisas do<br />

mundo, rompem com elas, esses são<br />

os que chegam ao recolhimento. Os<br />

espíritos conciliadores: “Ah! Tudo<br />

Gabriel K.<br />

18


muito bom...”, que prestam atenção<br />

em tudo, gostam de tudo e se abrem<br />

para tudo, esses são incapazes de recolhimento.<br />

Importância do sofrimento<br />

e da vitória sobre o orgulho,<br />

a tibieza e a língua<br />

O mais puro padecer traz e produz<br />

o mais puro entender.<br />

Outra proposição magnífica!<br />

De fato, só entendem as coisas até<br />

o fundo aqueles que sabem sofrer<br />

até o fim. Quem não é assim, não<br />

compreende nada com profundidade.<br />

É melhor sofrer por<br />

Deus do que fazer milagres.<br />

Como é verdadeiro<br />

isso!<br />

Encontra-se gente<br />

que fez milagres e<br />

foi para o Inferno. Porém,<br />

nós não encontramos<br />

pessoas que sofreram<br />

por Deus a vida inteira<br />

e foram para o Inferno.<br />

O maior milagre<br />

é o milagre moral<br />

do homem que sofre<br />

de todas as maneiras,<br />

por amor a Deus e não<br />

volta atrás nos seus sofrimentos.<br />

Logo, devemos<br />

considerar como<br />

verdadeira esta sentença:<br />

é realmente melhor<br />

sofrer por Deus do que<br />

fazer milagres.<br />

Quem se fia de si<br />

mesmo é pior que o demônio.<br />

Fiar-se de si mesmo<br />

corresponde a pensar<br />

o seguinte: “Tal graça –<br />

por exemplo, a virtude<br />

da castidade – eu não<br />

preciso pedir a Nossa<br />

Senhora porque consigo<br />

por mim mesmo. É<br />

questão daquela minha bem conhecida<br />

força de vontade, não é? Diante<br />

da ocasião, sabe que eu sou um colosso?<br />

Não preciso pedir. Vocês são<br />

um beatério aí, ficam pedindo. Mas<br />

eu, com a minha força de vontade e<br />

inteligência, não preciso. Na hora eu<br />

enfrento!”<br />

Resultado: se estatela no chão,<br />

cai o cavalo e o cavaleiro. E segundo<br />

uma expressão arcaica que eu conheci,<br />

“cai de costas e quebra o nariz”.<br />

Quer dizer, a queda é tão grande<br />

que a fratura atinge até o nariz. Mas<br />

por quê? Exatamente por fiar-se em<br />

si mesmo.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1965<br />

Quem opera com tibieza, perto está<br />

da queda.<br />

É outra verdade evidente.<br />

Algum tempo atrás uma pessoa<br />

me dizia, mas no fundo fazendo o<br />

elogio de si mesma:<br />

— Fulano é tíbio, mas muito correto.<br />

Respondi:<br />

— Sim, é apenas “muito correto”.<br />

Por isso está se desmilinguindo.<br />

É a mesma coisa que olhar para<br />

um agonizante e dizer: “Ele está<br />

vivinho e inteiro”. Por certo ele<br />

ainda não morreu, mas a vida o está<br />

abandonando. Como é essa história?<br />

É melhor vencer-se<br />

na língua, do que jejuar<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

a pão e água.<br />

É bem verdade. Entretanto,<br />

em nossos<br />

dias, qual a maior vitória<br />

a ser conquistada<br />

no uso da língua? Antes<br />

de tudo, não proferir<br />

palavras impuras.<br />

Mas também não dizer<br />

coisas que representem<br />

uma fraqueza diante<br />

do mundo. Agrados,<br />

gentilezas, atitudes que<br />

deem a impressão de<br />

sermos filhos deste século.<br />

Eis a vitória sobre<br />

a língua que se trata de<br />

obter. v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 23/11/1965)<br />

1) Entre outras obras,<br />

Avisos y sentencias espirituales.<br />

Sevilla: 1701.<br />

2) GUÉRANGER, Prosper.<br />

L’Année Liturgique.<br />

Tomo VI. Librairie Religieuse<br />

H. Oudin. Paris:<br />

1900. p. 442-443.<br />

19


Hagiografia<br />

Saanvel A.Khalid (CC3.0)<br />

Magníficos<br />

Cachoeira de Noori,<br />

Paquistão<br />

Príncipes celestes<br />

Desde toda a eternidade, foi designado para cada homem<br />

um Anjo Custódio a velar incansavelmente, dia e noite,<br />

por seu protegido, inspirando os bons pensamentos,<br />

defendendo dos assaltos inimigos. Aos Anjos devemos<br />

rogar em todos momentos difíceis da vida.<br />

Vicente Torres<br />

Deus dispensa a água às criaturas<br />

em condições muito<br />

diferentes. Se considerarmos<br />

o globo terrestre, notaremos como<br />

a água nos é concedida aos borbotões.<br />

Em primeiro lugar o oceano,<br />

depois todos os rios que saem de<br />

dentro da terra e correm para o mar<br />

e o enchem continuamente, além de<br />

tudo aquilo que na natureza está colocado<br />

em estado gasoso nas nuvens.<br />

Com esta criatura água quantas coisas<br />

maravilhosas Deus fez!<br />

Uma gota de orvalho<br />

Entretanto, Ele realizou também<br />

com a água uma pequena joia e a<br />

multiplicou indefinidamente por to-<br />

20<br />

Cristo Rei - Pinacoteca dos Museus Vaticanos, Roma


dos lugares onde há plantas. Quem<br />

não viu e não se encantou com uma<br />

gota de orvalho, contemplando-a tão<br />

pura, tão límpida e com um tal modo<br />

de guardar a luz que bate sobre ela,<br />

que a luz parece passear dentro da<br />

gotinha e se regalar de imergir naquela<br />

pureza?!<br />

De tal maneira a gota de orvalho<br />

me encanta que me lembro, em pequeno<br />

– quando estava sozinho porque<br />

não queria passar por extravagante<br />

–, de que, vendo o orvalho numa<br />

folha, eu a aproximava dos lábios<br />

e sorvia uma gota. Porque, sendo<br />

menininho, não podia me convencer<br />

de que uma coisa tão linda não tivesse<br />

um sabor muito gostoso.<br />

Quando punha aquilo nos lábios<br />

percebia que não era saboroso, mas<br />

arranjava um pretexto para mim<br />

mesmo a fim de conservar minha ilusão.<br />

E pensava: “Quando for adulto<br />

– sem essa gente que está por aí<br />

e não entende nem vê nada –, algum<br />

dia irei com um copo numa mata e<br />

o encherei de orvalho. Só essa gota<br />

não me faz sentir o inteiro sabor,<br />

mas se eu tivesse um copo cheio, que<br />

beleza e delícia seria! Mais gostosa<br />

do que o champanhe”.<br />

Algo semelhante ocorre com relação<br />

aos discursos, às conferências, à<br />

oratória...<br />

No momento, só tenho a oferecer<br />

uma gota de orvalho. É uma pequena<br />

reflexão sobre matéria piedosa.<br />

Embora tenha tratado desse assunto<br />

em diversas ocasiões, é um tema<br />

tão bonito, tão admirável, que merece<br />

ser aprofundado um pouco: os<br />

Anjos da Guarda.<br />

Anjos que regem os<br />

corpos celestes<br />

Como ensina a Teologia,<br />

os Anjos são divididos em<br />

nove categorias sobrepostas<br />

umas às outras. A mais alta é<br />

a dos Serafins, que veem Deus<br />

mais direta e plenamente, conhecem<br />

maravilhas que as categorias<br />

inferiores não chegam a ver, e<br />

lhes contam aquilo que eles contemplaram.<br />

Muita coisa que em Deus é mistério,<br />

Ele quer, na sua bondade, que<br />

os Anjos superiores entendam e<br />

contem para os que lhes estão abaixo.<br />

E assim as noções a respeito do<br />

Criador vão descendo e chegam à<br />

categoria menos excelsa, básica, que<br />

são exatamente os Anjos da Guarda.<br />

Entretanto, esses também são tão<br />

esplendorosos, tão magníficos, que,<br />

às vezes, os Santos aos quais aparecem<br />

pensam que eles são Deus. E<br />

Gabriel K.<br />

Anjo - Igreja dos<br />

Dominicanos, Cracóvia<br />

João C. V. Villa<br />

21


Hagiografia<br />

Robert Lehman Collection (CC3.0)<br />

os Anjos precisam dizer-lhes: “Não,<br />

Deus é excelsamente mais alto, não<br />

tem comparação!” Eles veem Deus<br />

face a face e contam um pouco a respeito<br />

do Criador.<br />

Deus outorgou para cada criatura<br />

humana um Anjo da Guarda. Como<br />

também se admite, cada estrela<br />

tem um Anjo especial para regê-la,<br />

de maneira que se tudo anda tão certo<br />

é porque os espíritos celestes estão<br />

conduzindo aquilo a funcionar<br />

direito. Os Anjos têm meios para isto<br />

porque são puros espíritos e reaí<br />

vem o castigo, qualquer hora pode<br />

acontecer isto com a Terra!”<br />

Nossos Anjos da Guarda, que não<br />

nos perdem de vista de dia nem de<br />

noite, pois quando dormimos eles<br />

velam por nós, veem que estamos<br />

lendo a notícia sobre Júpiter e obtêm<br />

a graça de Deus de poderem sussurrar<br />

à alma de cada um de nós – sem<br />

que percebamos que estão sussurrando,<br />

temos a impressão que é pensamento<br />

nosso – o seguinte: “Pense<br />

nisto porque, de repente, se houver<br />

um castigo, a ponta de um outro planeta<br />

poderá tocar na Terra e atingirá<br />

você; tenha medo, arrependa-se!”<br />

É o Anjo da Guarda que fala para a<br />

alma com carinho, bondade e, se diz<br />

com força, faz como o bom pai quando,<br />

às vezes, chicoteia o seu filho.<br />

Afirma a Sagrada Escritura: “O<br />

pai que poupa a vara ao seu filho<br />

odeia seu filho” (cf. Pr 13, 24). Poupar<br />

aqui quer dizer não chicotear<br />

quando é necessário. É a palavra de<br />

Deus, ditada pelo Espírito Santo.<br />

Mattes (CC3.0)<br />

A Virgem e o Menino - Museu Metropolitano de Nova Iorque<br />

cebem de Deus diretamente<br />

as ordens de como fazer.<br />

Então tudo sai perfeito.<br />

Recentemente, Júpiter<br />

foi perfurado por um outro<br />

corpo celeste. Isso sucedeu<br />

por ordem de Deus,<br />

pois tudo se dá porque o<br />

Criador quer e na medida<br />

em que Ele quer. É possível<br />

que de futuro aquilo tenha<br />

uma explicação, foi um aviso<br />

misericordioso para os<br />

homens: “Prestem atenção,<br />

Anjo da Anunciação - Museu de<br />

Belas Artes de Berna, Suíça<br />

22


Sob a tutela de fiéis custódios<br />

O Anjo da Guarda está continuamente<br />

debruçado sobre a pessoa.<br />

E quando um de nós, por exemplo,<br />

precisar andar sozinho pelas ruas<br />

das cidades contemporâneas, tão<br />

cheias de poluição e imorais, peça ao<br />

Anjo da Guarda na hora de sair de<br />

casa:<br />

“Meu Santo Anjo, acompanhai-<br />

-me, protegei-me, falai à minha alma,<br />

livrai-me dos maus olhares, evitai<br />

os inimigos que possivelmente<br />

querem me liquidar, os desastres<br />

que podem me massacrar, trazei-<br />

-me todo o bem, fazei acontecer isto,<br />

aquilo e aquilo outro”.<br />

E quando estiver caminhando,<br />

lembre-se de uma coisa reconfortante:<br />

o Anjo da Guarda nunca abandona<br />

o seu protegido. De maneira<br />

que, à medida que avança ouvindo<br />

os próprios passos ressoarem<br />

sobre o cimento da<br />

rua, pode pensar: “Meu<br />

Anjo da Guarda está me<br />

vendo”. E se alguém está<br />

tentado, diga: “Meu<br />

Santo Anjo, protegei-<br />

-me, afastai esse demônio<br />

de mim!”<br />

Sem dúvida, todos<br />

nós quereríamos muito<br />

conhecer nossos Anjos<br />

da Guarda. Sabemos<br />

que existem, a Teologia<br />

nos dá informações sobre<br />

eles, mas não os vemos.<br />

Entretanto, eles<br />

nos veem. Ao mesmo<br />

tempo em que estão velando<br />

por nós, contemplam<br />

a Deus face a face<br />

e conversam uns com<br />

os outros sobre o que<br />

eles veem na Terra, o<br />

andamento da Revolução<br />

e da Contra-Revolução<br />

e os desígnios divinos.<br />

E como Deus não<br />

lhes conta muita coisa<br />

que vai fazer, eles examinam o que<br />

o Criador realiza para ver se deduzem<br />

pela inteligência o que Ele fará,<br />

e conversam uns com os outros sobre<br />

isso mas, à maneira de um cântico,<br />

porque são superiores a nós em<br />

toda linha.<br />

O que vou dizer agora apresento<br />

como uma impressão exclusivamente<br />

pessoal, de maneira que se a<br />

Igreja disser que não é assim, rejeito<br />

imediatamente, porque Ela é infalível,<br />

eu sou falível.<br />

Tenho a impressão de que, desde<br />

toda a eternidade, cada um de nós<br />

foi escolhido para ser beneficiado<br />

com a tutela, a proteção de um Anjo.<br />

E cada Anjo Custódio tem uma<br />

certa parecença com seu custodiado.<br />

Se nós o conhecêssemos ficaríamos<br />

pasmos de ver como ele “sente”<br />

como nós, quer aquilo que os<br />

nossos lados bons desejam, gosta do<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em julho de 1994<br />

que gostamos, a ponto de nos sentirmos<br />

um parente próximo de um<br />

Príncipe celeste tão magnífico como<br />

aquele.<br />

Anjos da Excelsa Rainha<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Nossa Senhora, segundo muitos<br />

místicos, foi acompanhada na Terra<br />

por milhares de Anjos que A protegiam<br />

e A defendiam. Entre as meras<br />

criaturas, não há nenhuma que<br />

tenha, debaixo de nenhum ponto de<br />

vista, nenhuma medida, proporção<br />

com Nossa Senhora.<br />

A Virgem Maria é de uma perfeição,<br />

santidade, até de uma formosura<br />

incomparável, que ninguém é<br />

capaz de conceber. E se tal é a excelcitude<br />

de Nossa Senhora, como<br />

imaginar a estatura dos Anjos que<br />

A custodiaram e que A circundam<br />

agora no Céu? É algo a perder de<br />

vista!<br />

Pois bem, Ela é a Rainha<br />

dos Anjos; Ela tem<br />

pena de nós, olha-nos como<br />

para filhos doentes, de<br />

uma doença chamada pecado<br />

original, e reza por<br />

nós e nos obtém o que não<br />

poderíamos conseguir por<br />

nós mesmos. Daí o fato de<br />

dizermos na Salve Rainha:<br />

“Vida, doçura, esperança<br />

nossa, salve!”<br />

Assim, sugiro que, quando<br />

tiverem dificuldades,<br />

tentações, façam uma jaculatória<br />

rápida: “Santo Anjo<br />

do Senhor, meu zeloso<br />

guardador, já que a ti<br />

me confiou a piedade divina,<br />

sempre me rege, guarda,<br />

governa e ilumina”. E<br />

voltem o olhar para Aquela<br />

que é nossa e dos Anjos<br />

Rainha.<br />

Eis a gota de orvalho que<br />

eu tinha a oferecer. v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 30/7/1994)<br />

23


Fotos: Flávio Lourenço<br />

C<br />

alendário<br />

São Sigebaldo<br />

1. Santa Teresinha do Menino Jesus,<br />

virgem e Doutora da Igreja<br />

(†1897).<br />

Beato Eduardo James, presbítero e<br />

mártir (†1588). Educado no protestantismo,<br />

depois de sua conversão dirigiu-<br />

-se a Reims e a Roma, onde recebeu a<br />

ordenação sacerdotal. Exerceu seu ministério<br />

entre seus concidadãos durante<br />

cinco anos. Foi arrestado e encarcerado<br />

na Torre de Londres juntamente<br />

com o Beato Rodolfo Crockett, durante<br />

o reinado de Isabel I, sendo martirizado<br />

cerca de dois anos depois.<br />

2. XXVII Domingo do Tempo Comum.<br />

Santos Anjos da Guarda.<br />

3. São Dionísio Areopagita, bispo<br />

(†s. I). Convertido por São Paulo, foi<br />

o primeiro Bispo de Atenas.<br />

São Manoel Rodrigues de Moura,<br />

leigo (†1645). Martirizado juntamente<br />

com sua esposa e outros compatriotas<br />

em Cunhaú, Rio Grande do<br />

Norte, Brasil, defendendo a Fé Católica<br />

contra os invasores calvinistas.<br />

dos Santos – ––––––<br />

4. São Francisco de Assis, fundador<br />

(†1226).<br />

5. Santa Caritina, mártir (†s. IV).<br />

Beato Raimundo delle Vigne (ou<br />

de Cápua), presbítero (†1399). Conselheiro<br />

espiritual de Santa Catarina<br />

de Siena. Foi também professor e<br />

prior de vários conventos da Ordem<br />

dos Pregadores.<br />

6. São Pardulfo, abade (†737). Depois<br />

da Batalha de Poitiers, em 732, sob<br />

a ameaça de invasão dos turcos, tendo os<br />

monges deixado o convento por medo<br />

da devastação, Pardulfo permaneceu ali<br />

com apenas um monge. Os sarracenos<br />

não ousaram penetrar no mosteiro com<br />

sua presença. Pouco a pouco os demais<br />

religiosos retornaram e o abade tornou-<br />

-se para seus discípulos um exemplo vivo<br />

de Fé e de vida austera.<br />

Santa Fé<br />

Santa Fé, virgem e mártir (†s. IV).<br />

7. Nossa Senhora do Rosário.<br />

8. Nossa Senhora do Bom Remédio.<br />

Santo Evódio, bispo (†s. V). Nono<br />

Bispo de Rouen, França.<br />

Santa Pelágia, virgem e mártir (†c.<br />

302). Jovem de Antioquia, vítima da<br />

perseguição de Dioclesiano.<br />

9. XXVIII Domingo do Tempo Comum.<br />

10. Santo Eulâmpio, mártir<br />

(†s. IV). Foi martirizado juntamente<br />

com sua irmã Santa Eulâmpia, durante<br />

a perseguição de Diocleciano.<br />

Santa Tanca, virgem e mártir<br />

(†637). Nasceu em Troyes, França, e<br />

morreu defendendo sua virgindade.<br />

11. São Felipe, diácono (†s. I). Foi<br />

um dos primeiros sete diáconos eleitos<br />

pelos Apóstolos.<br />

Santa Maria Soledade (Manuela)<br />

Torres Acosta, virgem (†1887). Fundadora<br />

da Congregação das Servas de<br />

Maria Ministras dos Enfermos.<br />

12. Solenidade de Nossa Senhora<br />

da Conceição Aparecida.<br />

Santa Domnina, mártir (†c. 304).<br />

Durante a perseguição de Diocleciano,<br />

morreu no cárcere após sofrer<br />

inúmeros tormentos.<br />

13. São Teófilo, bispo (†s. II). Foi<br />

Bispo de Antioquia e combateu a heresia<br />

de Marcião.<br />

Beata Alexandrina Maria da Costa,<br />

virgem (†1955). Leiga portuguesa<br />

que, para defender sua virgindade,<br />

se lançou de uma janela. A queda<br />

lhe valeu uma paralisia completa<br />

durante o restante de sua vida. Assumiu<br />

esse sofrimento com serenidade<br />

e foi favorecida com carismas extraordinários.<br />

14. Santa Manequilde, virgem<br />

(†s. V).<br />

Beata Ana Maria Aranda Riera,<br />

virgem e mártir (†1936). Martirizada<br />

durante a perseguição religiosa na<br />

Guerra Civil Espanhola.<br />

15. Santa Teresa de Jesus, virgem<br />

e Doutora da Igreja (†1582). Foi favorecida<br />

com experiências místicas e,<br />

24


––––––––––––––– * Outubro * ––––<br />

sob muitas dificuldades, empreendeu<br />

a reforma de sua Ordem.<br />

São Severo, bispo (†s. V). Foi discípulo<br />

de São Lupo de Troyes, acompanhou<br />

São Germano de Auxerre a Bretanha<br />

para extirpar a heresia de Pelágio<br />

e também pregou o Evangelho entre<br />

os germanos.<br />

16. XXIX Domingo do Tempo Comum.<br />

Santa Margarida Maria Alacoque,<br />

virgem (†1690).<br />

17. Santo Inácio de Antioquia, bispo<br />

e mártir (†107).<br />

São Rufo e São Zósimo, mártires<br />

(†107). Companheiros de martírio de<br />

Santo Inácio de Antioquia.<br />

Beata Maria Natália de São Luís<br />

(Maria Luísa Josefa Vanot), virgem<br />

e mártir (†1794). Religiosa ursulina<br />

que, durante a Revolução Francesa,<br />

foi condenada à morte com quatro<br />

companheiras.<br />

18. São Lucas, evangelista (†s. I).<br />

Autor dos Atos dos Apóstolos.<br />

São Pedro de Alcântara,<br />

presbítero (†1562). Frade<br />

franciscano, empreendeu<br />

grandes reformas em<br />

sua Ordem. Foi notável pregador<br />

e místico, e aconselhou<br />

a Santa Teresa de Jesus<br />

em sua obra reformadora do<br />

Carmelo.<br />

19. São Paulo da Cruz,<br />

presbítero (†1775). Fundador<br />

da Congregação dos Clérigos<br />

Regulares da Cruz da<br />

Paixão de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo (os Passionistas).<br />

Joel, profeta (†s. IV a. C.).<br />

Segundo dos doze profetas<br />

menores, anunciou o grande<br />

dia do Senhor e o mistério da<br />

efusão do Espírito sobre toda<br />

criatura, considerado prenúncio<br />

de Pentecostes.<br />

20. São Cornélio, centurião (†s. I).<br />

Militar romano, foi o primeiro gentio<br />

a ser batizado por São Pedro.<br />

Santa Maria Bertila (Ana Francisca)<br />

Boscardin, virgem (†1922). Pertencia<br />

à Congregação das Irmãs de Santa<br />

Dorotéia dos Sagrados Corações.<br />

21. Santa Úrsula, virgem e mártir<br />

(†c. s. IV). Nobre da Grã-Bretanha,<br />

martirizada em Colônia, Alemanha,<br />

pelos hunos, morrendo traspassada<br />

por uma flecha.<br />

Santa Celina, mãe de família (†post<br />

458). Foi mãe dos bispos São Princípio<br />

de Soissons e São Remígio de Reims.<br />

22. São Leotádio, bispo (†s. VII).<br />

Membro de nobre família francesa,<br />

tornou-se monge em Moissac e foi sucessor<br />

de Santo Ansberto como abade<br />

do mosteiro. Posteriormente foi<br />

eleito Bispo de Auch.<br />

Santa Nunila e Santa Alódia, virgens<br />

e mártires (†851). Por fidelidade<br />

à Fé Católica foram degoladas na<br />

perseguição moura durante o reina-<br />

Martírio de Santa Nunila e Santa Alódia<br />

do de Abdar-Rahman II, Rei de Córdoba.<br />

23. XXX Domingo do Tempo Comum.<br />

24. Santo Evergislo, bispo e mártir<br />

(†c. 590). Discípulo e sucessor de São<br />

Severino, Bispo de Colônia, foi enviado<br />

a Poitiers para restabelecer a ordem<br />

e disciplina no convento de Santa<br />

Cruz, fundado por Santa Radegunda,<br />

sendo assassinado no caminho por<br />

alguns ladrões.<br />

25. São Crispim, mártir (†c. s. III).<br />

Beata Maria Teresa Ferragud Roig,<br />

mártir (†1936).<br />

26. São Sigebaldo, bispo (†741).<br />

27. Santo Oterano, monge (†s. VI).<br />

Foi um dos primeiros discípulos de<br />

São Columbano.<br />

28. São Simão e São Judas Tadeu,<br />

Apóstolos (†s. I).<br />

São Vicente, Santa Sabina e Santa<br />

Cristeta, mártires (†c. 305). Mártires<br />

de Ávila, Espanha.<br />

29. Beato Cayetano Errico,<br />

presbítero (†1860). Fundador<br />

da Congregação dos<br />

Missionários dos Sagrados<br />

Corações de Jesus e de Maria.<br />

30. XXXI Domingo do<br />

Tempo Comum.<br />

31. Santo Epímaco de Pelúsio,<br />

mártir (†c. 250). Durante<br />

a perseguição de Décio,<br />

ao ver como o prefeito<br />

obrigava os cristãos a oferecer<br />

sacrifícios aos ídolos,<br />

tentou destruir a ara, sendo<br />

imediatamente detido, torturado<br />

e degolado.<br />

Santo Antonino, bispo<br />

(†c. 661). Trabalhou com diligência<br />

para acabar com a heresia<br />

ariana dos lombardos.<br />

25


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Vicente Torres<br />

Os Anjos da Guarda<br />

e a ordem do<br />

3AFhUqnY1kKxHA at GCI (CC3.0)<br />

universo<br />

A criança inocente sente o desejo de<br />

conhecer grandezas extraordinárias.<br />

Instintivamente ela faz um exercício<br />

de transcendência, pelo qual considera<br />

que todas as criaturas constituem<br />

meios de chegar até o Criador. O papel<br />

do Anjo é ajudar o espírito humano a<br />

ter cogitações que o elevem ao mais<br />

alto dos píncaros, ou seja, a Deus.<br />

Para tratar da relação entre o estado<br />

de inocência, a ordem do<br />

universo e os Anjos, começo por<br />

mencionar uma dificuldade encontrada<br />

naquilo que costumamos chamar<br />

de exercício de transcendência.<br />

Operação natural para<br />

a alma inocente<br />

Até certo ponto, esse exercício dá<br />

a muitos a impressão de um ser um<br />

esforço hercúleo do pensamento para<br />

destacar-se das coisinhas corriqueiras<br />

a fim de elevar-se às realidades<br />

transcendentes. Mais ou menos<br />

como uma pessoa que ache atraente<br />

fazer alpinismo, porém não conseguiria<br />

passar a vida inteira subindo e<br />

descendo montanhas.<br />

Os pesos de alma que tal dificuldade<br />

denuncia servem para contrastar<br />

melhor o que o estado de espírito<br />

da inocência tem de angélico com<br />

aquilo que se chama o “homem carnal”.<br />

Eu sustento que esta operação,<br />

tão penosa depois das influências<br />

que degradam a alma – pecados,<br />

egoísmos, ingratidões, etc. –, é natural<br />

para a alma inocente. A primeira<br />

impostação da alma, embora concebida<br />

no pecado original e, portanto,<br />

com tendência para se resvalar, é<br />

o exercício de transcendência. Entretanto,<br />

há uma ação calculada para<br />

desviá-la, logo nos primeiros reflexos<br />

e levá-la para outro lado.<br />

Esse exercício não seria feito propriamente<br />

de baixo para cima, peça<br />

por peça, mas de um modo diferente.<br />

Eu quero descrever para evitar<br />

ideias erradas.<br />

Por exemplo, é justo, e respeito<br />

muito, que se faça uma distinção entre<br />

a introspecção e a extroversão.<br />

Mas isso é bom na medida em que<br />

não nos leve a perder de vista a seguinte<br />

verdade originária, a qual se<br />

encontra no estado da inocência: a<br />

26


Francisco Barros<br />

A criança inocente sente dentro<br />

de sua alma o desejo de grandezas<br />

extraordinárias a conhecer, de uma<br />

zona etérea e magnífica da realidade<br />

com a qual ela quer se relacionar<br />

e para a qual voa. Não sente o tempo<br />

inteiro, mas vai tomando conhecimento<br />

disso junto com o chocalho,<br />

a mamadeira, tudo misturado; entretanto,<br />

esse é o fundo de quadro<br />

que de vez em quando renasce e de<br />

algum modo está sempre presente, e<br />

à luz do qual a criança vai vendo as<br />

várias coisas com que toma contato.<br />

Portanto, não é um pequeno filósofo,<br />

com as pernas trançadas no berço,<br />

mãozinha no queixo e pensando:<br />

cogito, ergo sum 1 . Absolutamente não<br />

é isso: a criança esperneia, tem vagidos,<br />

dorme fora de hora... Quando<br />

começa a tomar conhecimento, fá-lo<br />

nessa natural desordem: ora é o rosto<br />

da mãe, ora é o barulho da rua, ora o<br />

chocalho, ora o berço...<br />

Não obstante, o fundo da própria<br />

alma que a criança conhece junto<br />

com as outras coisas vai orientando-a<br />

para o lado das grandezas e, de<br />

vez em quando, ela faz uma sucessão<br />

de imagens pela qual compara o<br />

que está conhecendo com aquilo<br />

para que sua alma tende.<br />

Assim, esses anseios da alalma<br />

vê a si mesma e o mundo fora<br />

com o mesmo olhar primeiro. Pode-<br />

-se distinguir como alguém que, conversando<br />

com duas pessoas em uma<br />

sala, vê ambas sentadas em um sofá.<br />

Distingue-se uma da outra, mas essa<br />

distinção não impede que, com o<br />

mesmo olhar, esteja vendo as duas.<br />

Assim também, na noção do ser<br />

entra o conhecimento do mundo exterior<br />

e do interior no mesmo olhar,<br />

e abarca a ideia de que eu sou e os<br />

outros são. Estas noções entram distintas,<br />

não separadas. Isto proporciona<br />

que o gáudio da inocência flua<br />

logo nos primeiros instantes da vida,<br />

e a transcendência se faça<br />

como um homem dotado<br />

de constituição física<br />

normal respira.<br />

Ação angélica no<br />

indivíduo, na História<br />

ma vão se robustecendo no mais alto<br />

e ela vai fazendo a transcendência de<br />

cima para baixo. É quase um exercício<br />

de descendência.<br />

Mas, às vezes, a criança encontra<br />

coisas externas magníficas que despertam<br />

nela aquilo que a sua alma deseja.<br />

Por esta ação mútua, feita sem esforço<br />

no próprio viver e respirar, é que ela<br />

vai se tornando uma viajante, peregrina<br />

rumo às magnificências.<br />

E aqui entra o lado angélico.<br />

A meu ver, quando e na medida<br />

em que faz isto, o homem torna-se<br />

como que o irmão mais moço, o caçula<br />

do Anjo da Guarda que o toma,<br />

o ajuda nesta trajetória mais importante<br />

e delicada do que todas as outras.<br />

E assim a alma vai caminhando<br />

nessa direção com uma regularidade<br />

e naturalidade inteiras porque esse é<br />

o viver dela. Ela poderá ter, em certos<br />

momentos, tentações, são as provas<br />

do caminho. No entanto, o mais<br />

importante não são as provas e sim o<br />

traçado da estrada. As provas, com a<br />

ajuda de Nossa Senhora, serão vencidas<br />

uma a uma quando se apresentarem,<br />

mas o traçado do caminho é a<br />

grande questão, e este corre por aí,<br />

de tal maneira que cem outras faculdades<br />

da alma afloram sob essa luz.<br />

Também a ação angélica na História,<br />

embora seja extrínseca, não exclui<br />

afinidades, inter-relacionamentos<br />

possantes. Admitir a ação angélica<br />

Parque Rural de Anaga,<br />

Canárias, Espanha<br />

Flávio Lourenço<br />

Anjo da Guarda - Paróquia<br />

São Pedro Apóstolo,<br />

Montreal, Canadá<br />

27


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Flávio Lourenço<br />

como tão extrínseca que cada uma é<br />

quase como um milagre de Lourdes,<br />

o qual ocorre de vez em quando deixando<br />

as pessoas pasmas, também é<br />

errado. Por certo, há intervenções angélicas<br />

muito palpáveis, visíveis, notórias<br />

que são assim, mas tenho a impressão<br />

de que a ação real é uma espécie<br />

de quase atuação de irmão a irmão,<br />

porque o Anjo está junto de nós<br />

e nós juntos dele, ele se nos comunica<br />

e nós nos comunicamos a ele.<br />

Interpenetração entre o<br />

mundo exterior e o interior...<br />

Há em nós uma relação entre a<br />

nossa alma e a ação externa que praticamos.<br />

De maneira que, quando<br />

nossa alma deliberou por um determinado<br />

ato, ela gradua todas as suas<br />

energias, suas disposições para a<br />

efetivação daquela ação; entretanto<br />

a qualidade do ato – não me refiro<br />

apenas à qualidade moral, mas também<br />

à metafísica – de algum modo<br />

se reflete sobre a alma, porque o homem,<br />

ao praticar a ação, põe-se numa<br />

certa clave e fica passageiramente<br />

com esses reflexos. Isso faz parte<br />

dessa interpenetração entre o mundo<br />

exterior e o interior.<br />

Julgo que nos Anjos isso é muito<br />

mais vigoroso, e que não só eles são<br />

chamados para ministérios especialmente<br />

adequados à natureza de cada<br />

um, mas ao realizarem as várias<br />

ações do seu ministério todos eles<br />

refulgem e vibram – se pudéssemos<br />

dizer “vibrar” de um ser espiritual –<br />

de um determinado modo.<br />

De maneira que quando um Anjo<br />

tem aquele refulgir, todos os espíritos<br />

angélicos que estão participando com<br />

O sonho do cavalheiro - Museu Diocesano, Badajoz, Espanha<br />

ele daquela ação possuem isso entre<br />

si, em coro; e depois os outros do Céu<br />

recebem, há um reluzir recíproco.<br />

Também uma pessoa devota de um<br />

determinado Anjo recebe essa refulgência<br />

ou ao menos pode receber.<br />

Mas como o Anjo é muito mais possante<br />

do que o homem, ele comunica<br />

a jorros o que nós transmitimos a<br />

conta-gotas; a natureza dele se enche<br />

com as graças esplêndidas que ele recebe<br />

e se comunicam a nós de cheio.<br />

A inocência leva a ter comunhão<br />

com os Anjos. E o estado normal do<br />

batizado é ter esta comunhão, embora<br />

subconsciente.<br />

...o natural e o sobrenatural<br />

Entre o sobrenatural e o angélico<br />

há uma distinção. Um dos modos<br />

de a graça agir é através dos Anjos,<br />

e a pessoa pode ter um certo discernimento<br />

do sobrenatural em si sem<br />

perceber que é angélico. No mais<br />

das vezes, as coisas se interpenetram<br />

de tal maneira que não creio que<br />

uma pessoa consiga distinguir.<br />

Aliás, devemos considerar que o<br />

natural e o sobrenatural não formam<br />

gavetas no ser humano. São campos<br />

distintos para a cogitação científica do<br />

homem; em quem tem ambas as coisas<br />

psicologicamente elas não formam<br />

gavetas, mas se interpenetram a todo<br />

momento como o sangue na carne.<br />

Sou propenso a achar – salvo ensinamento<br />

em sentido contrário<br />

da Igreja – que se os homens tiverem<br />

noção clara dessa interpenetração<br />

angélica, e esta for uma verdade<br />

bem realçada por ocasião do Reino<br />

de Maria, haverá uma grande elevação,<br />

e a ideia desta ação dos Anjos<br />

na inocência produzirá um fulgor e<br />

um esplendor incalculáveis.<br />

Uma pergunta que se põe é a seguinte:<br />

Se o universo criado e ordenado<br />

por Deus é tão perfeito, por<br />

que existe Anjo da Guarda? Este<br />

evita, de fato, coisas ruins que aconteceriam<br />

e, portanto, o universo é<br />

imperfeito?<br />

28


Gabriel K.<br />

Caridade - Museu de Belas Artes, Montreal<br />

Estalactite e estalagmite<br />

Contudo, a respeito do papel do<br />

Anjo da Guarda no universo e junto às<br />

almas, há um elemento que me parece<br />

importante. Para o normal progresso<br />

da inocência são necessárias duas circunstâncias:<br />

de um lado, o isolamento<br />

interior, de outro, a comunicação.<br />

Na medida em que a alma é fiel a<br />

essa impostação primeira, é fácil para<br />

ela fazer exercícios de transcendência,<br />

talvez à maneira de estalactite<br />

e estalagmite, ou seja, a pessoa vai<br />

relacionando as coisas que vê com o<br />

que vem de cima, encantando-se e se<br />

endireitando em função disso, e notando<br />

na coisa inferior um símile do<br />

que está em cima.<br />

Por exemplo, antigamente era<br />

normal um menino gostar de espada.<br />

Gostava por ver nela um modo de<br />

dar corpo a uma porção de impressões,<br />

desejos, ideias, estados de espírito<br />

que vibravam na sua inocência,<br />

mas que ele precisava de algo material<br />

para simbolizar.<br />

Isso corresponde a uma disposição<br />

de alma vinda do olhar conjunto<br />

que a pessoa tem sobre si e o universo;<br />

olhar inspirado pelo senso do ser<br />

Alguém dirá: “Tem a imperfeição<br />

humana.” Entretanto é preciso<br />

andar com cuidado. Nossa Senhora<br />

tinha milhões de Anjos da Guarda.<br />

Para quê, se Ela fazia tudo perfeito?<br />

Então, a perfeição específica do<br />

universo não é a de uma máquina,<br />

como o comum das pessoas imagina.<br />

Tenho a impressão de que o universo<br />

não funcionaria sem Anjos da<br />

Guarda e, portanto, eles não são superfluidades.<br />

Por certo, intercorrem<br />

muitos fatores que não conhecemos,<br />

os quais poderiam perturbar<br />

a ordem do universo, e que os Anjos<br />

da Guarda evitam. Ademais, eles<br />

não apenas evitam o mal, mas promovem<br />

o bem.<br />

Assalto à diligência - Castelo de Chapultepes, Cidade de México<br />

Flávio Lourenço<br />

29


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

e por meio do qual, na linha metafísica<br />

e sobrenatural, a alma é apetente<br />

de grandes coisas e nelas cogita.<br />

No menino cuja alma esteja nessas<br />

condições e a quem tudo quanto<br />

se refira ao heroísmo diz muito, a espada<br />

desencadeia o processo e a relação<br />

simbólica que dá corpo àquilo<br />

que ainda não atingira toda a maturação<br />

humana porque faltava um<br />

símbolo. Ao encontrar o símbolo, o<br />

processo mental e da inocência dele<br />

se encerra com gáudio.<br />

Assim, a criança vai vendo uma série<br />

de coisas de cima para baixo, porque<br />

o analogado primário 2 do símbolo<br />

existe vivo no espírito dela, por onde<br />

tende a ver de modo simbólico uma<br />

quantidade incontável de criaturas.<br />

Seria um movimento natural do<br />

senso do ser, portanto metafísico,<br />

no qual a graça penetra e atua muitas<br />

vezes pelo Anjo. A semelhança<br />

do Anjo com o seu protegido, a afinidade<br />

existente entre eles desempenha<br />

o seu papel na moção que o Anjo<br />

exerce sobre o homem.<br />

Flávio Lourenço<br />

Mesmo porque, sendo o homem<br />

sociável por natureza, o é com os<br />

Anjos também. O instinto de sociabilidade<br />

seria incompleto se o considerássemos<br />

existente apenas entre<br />

os homens. Dessa analogia entre<br />

o Anjo da Guarda e seu custodiado,<br />

este instinto toma misteriosamente<br />

um movimento do qual Deus se serve<br />

para a realização de seus planos.<br />

Reino de Maria e<br />

devoção aos Anjos<br />

Estou tratando de um processo que<br />

conheço melhor em mim do que num<br />

outro. Por isso, ao falar do processo<br />

humano, tenho que dar o meu depoimento.<br />

Sustento que esse processo<br />

se dá com todos os homens, uns mais<br />

outros menos, mas todos têm meios e<br />

graças para isso. Aliás, a própria noção<br />

do Reino de Maria vem da retidão<br />

desse processo em todos os homens,<br />

criando as condições para esse Reino.<br />

Nesta perspectiva, o acender o<br />

amor a Deus na alma humana não<br />

pode ser concebido sem a assistência<br />

dos Anjos. O papel próprio do Anjo é<br />

ajudar o espírito humano a ter aquelas<br />

cogitações que o elevem ao mais<br />

alto dos píncaros, ou seja, Deus.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1980<br />

Então, o exercício de transcendência,<br />

pelo qual todas as criaturas constituem<br />

meios de chegar até o Criador<br />

e, portanto, a visualização do universo<br />

enquanto caminho para Deus, parece<br />

impossível sem o ministério dos Anjos.<br />

Há uma ação santificante da Igreja<br />

Católica que é o vaso espiritual no<br />

qual se derrama, para as almas subirem<br />

até Deus, a ação angélica exercida<br />

por cima do Magistério eclesiástico,<br />

nunca em desacordo com ele,<br />

pois este é infalível. Assim, com uma<br />

vida que o mero ensino não tem, a<br />

graça faz germinar no homem os impulsos<br />

para a elevação suprema. Portanto,<br />

a missão santificante da Igreja,<br />

que nos une a Deus através dos<br />

sacramentos, acende em nós o amor<br />

a Deus com o ministério dos Anjos.<br />

Estas verdades suporiam para o<br />

Reino de Maria uma intensidade extremamente<br />

grande da devoção aos<br />

Anjos.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

27/11/1980)<br />

1) Do latim: penso, logo existo.<br />

2) Termo utilizado em Filosofia, significando<br />

matriz, padrão.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

30<br />

Anjo da Guarda - Paróquia de Almenno<br />

San Salvatore, Bergamo, Itália


Luzes da Civilização Cristã<br />

Ambientes, costumes<br />

e uma civilização postos<br />

em quadrinhos<br />

Ilustrações: J. Pinchon<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> guardou profundas recordações<br />

da viagem a Paris no tempo de sua<br />

primeira infância. Anos depois, o gosto<br />

pelos ambientes e por sua psicologia, como<br />

também pela civilização, fez desabrochar<br />

preciosos comentários ao tomar contato<br />

com as histórias de Bécassine.<br />

T<br />

emos a marquesa dentro de um bonde. Em certo<br />

momento, a Madame de Grand-Air perde a fortuna,<br />

embora depois vá recuperá-la. No tempo em<br />

que tinha riqueza, ela não tomava bonde porque o seu<br />

nível não correspondia ao das pessoas que utilizavam esse<br />

meio de transporte.<br />

Descrevendo tipos e mentalidades<br />

Dentro dessa cena aparece um homem de cartola,<br />

com ares graves, barba e bigode bem arranjados. Seus<br />

sapatos falam contra a hipótese de uma roupa suntuosa.<br />

Percebam como a calça termina no pé e logo acima<br />

está tudo amarfanhado. É um personagem solene, mas<br />

tristonho e empobrecido. Vê-se que ele foi mais do que<br />

é. Na realidade, ele nunca foi grande coisa, mas quando<br />

foi alguma coisinha, tentou aparentar muito mais do que<br />

era. Agora está sentado num banco do fundo do bonde,<br />

tal qual um juiz no seu tribunal. Também carrega uma<br />

bengala, que é um pedaço de pau, sobre a qual coloca as<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

mãos, dando a ideia de estarem enluvadas. Ele põe<br />

a mão de um jeito majestoso e permanece alheio<br />

àquele ambiente inferior a ele.<br />

À esquerda dele está uma velha cozinheira que<br />

vai para a casa da patroa com uma cesta cheia de<br />

artigos que comprou. É uma velha bonachona. O<br />

seu vestido é próprio de pessoas mais modestas, embora<br />

seja quente e de boa qualidade. Ela não usa<br />

chapéu, mas uma espécie de touquinha que lhe<br />

confere certo realce.<br />

Em todos os lugares há quem<br />

queira representar o que não é...<br />

Pelo desenho de Pinchon vê-se que entre<br />

os adultos figura uma moça com um<br />

vestido ordinário, mas vistoso, novinho, com<br />

uma gola branca de renda, dessas rendas comerciais de<br />

quinta ordem, mas muito vistosa. Leva também um chapéu<br />

com um laço enorme. É Marie Quilouche que ficou<br />

moça, a prima-irmã de Bécassine, companheira de brincadeiras,<br />

mas perpetuamente mal-humorada e briguenta,<br />

sempre de nariz pontudo, devorada pela ambição de subir<br />

e, por isso, uma pessoa agitada e atormentada. A Bécassine,<br />

no entanto, está ali bonachona, segurando o seu guarda-chuva<br />

do modo mais desgracioso possível, com um pano<br />

que bem podia servir para lavar pratos, embrulhando o<br />

saco que ela leva. Sempre contentona!<br />

Em geral, todas as grandes cidades são o paraíso dos<br />

blefadores e aventureiros. As pessoas que não são nada<br />

procuram aparentar ter grande personalidade, arranjam<br />

uns dinheirinhos e compram roupas ordinárias vistosas,<br />

como a da Marie Quilouche.<br />

Em outra cena, Bécassine fala com um homem. Observem<br />

que é um indivíduo de quinta ordem, espalhafatoso,<br />

ordinário, aventureiro; é um zero. Por estar zangado<br />

com ela, por uma razão qualquer, ele toma ares de<br />

um Napoleão de sertão, procurando enfrentá-la.<br />

Notem o modo de ele se vestir. Corresponde, em ponto<br />

caricato, à moda do tempo: paletó e calças, e estão muito<br />

acima do tornozelo, dobradas em cima. Os sapatos são<br />

mais ou menos como os de hoje, aparece uma boa parte da<br />

meia. As calças quase coladas à perna e o paletó muito abotoado,<br />

desenhando muito a cintura. Depois, uma flor enorme,<br />

quase se diria um repolho vermelho colocado na lapela;<br />

colarinho muito vistoso; costeletas e bigode; um enorme<br />

chapéu panamá. Ele está encrespando com Bécassine.<br />

Ingenuidade bretã e teatralidade italiana<br />

Em geral os povos europeus vivem de meter alfinetadas<br />

uns nos outros. Os franceses caçoam dos italianos e vice-versa.<br />

Assim, em uma das ilustrações vem um debique<br />

a um pintor italiano. Ele havia pintado a casa da Madame<br />

de Grand-Air. É o tipo do pintor que foi para Paris cheio<br />

do estro artístico dos italianos. No desenho ele<br />

está com roupa de trabalho, portanto, uma espécie<br />

de camisolão apropriado para receber<br />

manchas de tinta. Ademais, está com um<br />

chapeuzinho que tem uma razão de ser: é<br />

para impedir que a tinta caia sobre o cabe-<br />

32


lo e produza emaranhados inextricáveis. Na verdade, ele<br />

protege pouco, porque o que esse homem tem de cabelo<br />

para fora do chapéu é uma coisa fenomenal!<br />

A Bécassine tomou-se de entusiasmo pelo pintor e leva a<br />

sério toda a teatralidade dele. E ele está encantado porque,<br />

afinal, encontrou alguém a quem possa teatralizar. Vejam<br />

os ares de mestre que o pintor toma para explicar uma coisa<br />

a ela. Depois dos ares grandiosos, ele acaba tendo uma atitude<br />

mais condescendente diante da camponesa, a qual está,<br />

ao pé da letra, deslumbrada. Ela não sabe o que dizer de<br />

um homem com tanto talento e tanta capacidade!<br />

Contraste entre sociedade orgânica<br />

e civilização da massa<br />

O tio Corentin está passeando com a Bécassine, provavelmente<br />

numa cidade da própria Bretanha. Mais<br />

atrás está um ônibus e, no primeiro plano, um automóvel<br />

de modelo arcaico, característico daquele tempo. Diante<br />

dele há um policial levantando um bastão, proibindo-<br />

-os de passar, talvez por alguma questão de trânsito. Tio<br />

Corentin era líder de Clocher-les-Bécasses, considerado<br />

mais ou menos como o tio da aldeia inteira, portanto, um<br />

homem muito imponente. Enfim, é um líder natural que<br />

vai à cidade e encontra um líder artificial, o policial.<br />

O que vale mais: ser o tio Corentin ou o policial? É claro<br />

que vale mais ser o tio Corentin, porque é um produto<br />

natural de seu próprio ambiente. Ele não tem um cargo,<br />

mas manda pela superioridade de sua micro-personalidade<br />

no micro-mundo onde ele floresce. Pouco se importa<br />

de ir à cidade vestido com as suas roupas de camponês. É<br />

a França antiga da sociedade orgânica, do campo, que vai<br />

para a cidade onde encontra o Estado, o poder e o funcionalismo<br />

público, cuja função é dizer: “Não pode!”<br />

Habituado a ser tratado com todas as atenções em<br />

Clocher-les-Bécasses, ele estranha que esse homem nunca<br />

tenha ouvido falar do tio Corentin. E quando vai passar,<br />

o policial não manda abrir caminho para ele, mas,<br />

tratando todos como iguais diante da lei, ameaça dar<br />

uma porretada em sua cabeça. É a lei e o porrete que vão<br />

dominar a sociedade orgânica.<br />

Quadrinhos ricos em pormenores<br />

Temos agora um burguês, Monsieur de la Haute-Science,<br />

quem escreveu um livro sobre “a influência exercida<br />

pelas escamas das sardinhas na arquitetura bretã da Idade<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

Média. É um especialista. Passou a vida inteira estudando<br />

esses assuntos. Por causa disso ele está rodeado e bloqueado<br />

de papéis. Naturalmente, é um pouco caricaturizado.<br />

Ele lê um livro enorme e, junto de si, há outro de tamanho<br />

formidável sobre o qual encontra-se um tinteiro<br />

com uma pena, porque naquele tempo ainda não tinham<br />

aparecido as canetas-tinteiro. Mais adiante há um<br />

rolo com documentos e outra coisa que sai do bolso dele.<br />

Além disso, vê-se que ele está instalado com conforto.<br />

A lâmpada usada por ele é de querosene, pois a luz aparece<br />

embaixo.<br />

Por fim, vemos a história numa usina. Há dois sindicalizados,<br />

igualitários, revoltados contra o proprietário.<br />

São contra a Madame de Grand-Air e a Bécassine. É a<br />

luta social que começa. Ela já vinha de antes, mas toma<br />

este aspecto aguerrido e agressivo na França, mais ou<br />

menos por essa época.<br />

A Bécassine representa a antiga criadagem, com a naturalidade<br />

da sociedade orgânica e campestre, enquanto os outros<br />

representam a revolta da sindicalização e a civilização<br />

da massa, acumuladas pelas grandes indústrias das cidades<br />

enormes, onde eles não são absolutamente nada. A Bécassine<br />

procura falar com eles, mas lhe respondem com ódio. A<br />

figura está caricaturizada; afinal, trata-se de um álbum para<br />

crianças e, portanto, deve ter qualquer coisa um pouco caricatural<br />

para divertir, ao mesmo tempo que ensina.<br />

Algum dia comentarei a Bécassine!<br />

Quando, em criança, lia os livros de Bécassine, gostava<br />

enormemente! Eu tinha uns doze anos mais ou menos,<br />

já havia estado em Paris aos quatro anos de idade<br />

e conservava na memória as coisas do mundo da França<br />

e da Alemanha que eu vira então. Foram os dois países<br />

que conheci. Mas a França me deixou uma recordação<br />

mais profunda, porque passei muito mais tempo lá<br />

do que na Alemanha.<br />

34


Em Paris, passamos uns seis meses. Ficamos hospedados<br />

num bom hotel chamado Hotel Royal, o qual deixou<br />

uma profunda recordação em meu espírito. Quando voltei<br />

à França, muitíssimo tempo depois, na década de 1950,<br />

procurei por esse hotel, mas como eu nunca fui bom para<br />

procurar nada, o resultado foi que não o encontrei. Chegando<br />

em casa não falei nada, nem sequer para minha irmã<br />

que esteve comigo naquela primeira viagem.<br />

Tempos depois soube que ela, indo a Paris, procurou<br />

o hotel e, sendo muito mais esperta do que eu, o encontrou.<br />

Com efeito, aquilo tudo deixou em nossa memória<br />

uma impressão profunda: os hóspedes, os quartos, a governanta<br />

que tivemos lá.<br />

Encantavam-me uma porção de aspectos do hotel, das<br />

pessoas, da cidade e conservei-os na memória. Quando lia<br />

a Bécassine, lembrava-me do que tinha visto em Paris, representando<br />

os “ambientes e costumes” 1 que começavam<br />

a germinar na minha cabeça. O gosto pelo ambiente e por<br />

sua psicologia, como também pela civilização. Eu não me<br />

dava conta, mas aquilo estava no meu feitio nativo e eu procurava<br />

alimentar, desde logo, com as minhas observações.<br />

Os comentários sobre a Bécassine e o ambiente dela, com<br />

a segurança com que os faço, naquele tempo eu não ousaria<br />

fazer. De um lado, porque eu era menino e não sabia me exprimir<br />

como hoje, mas, de outro, poucas pessoas compreenderiam<br />

tais apreciações, pois poucos admitiriam que, de fato,<br />

tantos princípios estivessem inseridos nesses desenhos. Tomavam<br />

a história como um brinquedo para distrair crianças,<br />

não se podia aprofundar. E fiquei com a seguinte ideia na cabeça:<br />

a Bécassine é um verdadeiro monumento!<br />

Muitos anos depois, na década de 1950 ou 1960, se a<br />

minha memória não me falha, deitei novamente a mão<br />

num livro de Bécassine e pensei: “Dia virá em que comentarei<br />

a Bécassine num auditório nosso.” Pois bem,<br />

essa longa esperança se realizou, embora sendo eu mais<br />

velho do que a Madame de Grand-Air. Tenho muito gosto<br />

em vê-la realizada em conferências como esta. v<br />

(Extraído de conferência de 30/5/1980)<br />

1) Referência à seção Ambientes, Costumes, Civilizações que <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> escreveria durante vários anos na revista Catolicismo.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma conferência em maio de 1980<br />

<strong>Plinio</strong> e<br />

Rosée<br />

em Paris<br />

35


Flávio Lourenço<br />

A Virgem e o Menino<br />

Museu Episcopal<br />

de Vic, Barcelona<br />

Vas honorabile<br />

Na Ladainha Lauretana há uma invocação muito bonita: Vas honorabile – Vaso de<br />

honra. Com efeito, Nossa Senhora é o ponto de polarização de tudo quanto há de bem e<br />

de honorífico nas criaturas. Toda honra existente em todos os séculos está ligada a Ela e<br />

é uma participação da honra por Ela recebida.<br />

A Santíssima Virgem possui tanta consciência de sua imensa dignidade que é impossível vê-<br />

-La e não sentir n’Ela uma verdadeira Rainha.<br />

As aparições de Nossa Senhora nos falam da sua suavidade, bondade, doçura... Entretanto,<br />

em certo momento, A apresentam como Rainha imensamente majestosa. Pode estar vestida com<br />

simplicidade, mas Ela é sempre um Vaso de honra.<br />

Sua participação com Deus e a consciência disso Lhe conferem um prestígio que todas as honras<br />

do mundo não podem dar. Tudo é lataria ordinária; brilhantes e pérolas são pedregulhos<br />

desprezíveis em comparação com isso que está n’Ela.<br />

Toda a sua glória Lhe vem não do que usa ou aparenta, mas de algo que está dentro d’Ela e<br />

irradia para fora.<br />

(Extraído de conferência de 21/4/1966)

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