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Southern Storms - Compass #1 Brittaine Cherry (1)

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Tudo o que eu queria era fugir, nunca esperei colidir com

seus braços...

Depois de deixar a vida da cidade para trás para escapar do

meu casamento sem amor, mudei-me para a pequena cidade de

Havenbarrow para um novo começo.

O que eu não esperava era me sentir atraída pela ovelha

negra da cidade.

Eles o chamavam de perturbado. Frio. Um homem com um

passado sombrio.

O que todo mundo parecia não sentir em Jax eram os

respingos de luz em seus olhos. Os atos aleatórios de bondade

que ele realizava quando ninguém estava observando. O jeito que

ele me fazia sorrir.

Jax ajudou a desempacotar a bagagem que eu carregava

comigo. Ele era paciente com minha dor e gentil com minhas

cicatrizes. Ele foi o silêncio durante o meu furacão.

No entanto, quando nosso passado voltou a

assombrar nossos dias atuais, percebemos

rapidamente que às vezes as histórias de amor

não terminam como esperamos.

Às vezes, você fica apenas com os danos

da tempestade.


“Teu destino é o destino comum de todos; em cada vida

alguma chuva deve cair.”

– Henry Wadsworth Longfellow


Jax

Treze anos de idade

SUN,

LAMENTO se a aborreci com as minhas últimas cartas.

Não sei o que fazer. Está tudo devastado por minha causa, e já

não tenho ninguém com quem falar. Meu irmão me odeia. Meu

pai me odeia. Ele me odeia tanto, que eu não sei o que fazer.

Não consigo parar de chorar, e quero fugir para sempre e

nunca mais olhar para trás. Você disse que eu poderia fugir

para você se precisasse lembra? Será que posso? Posso ir ficar

contigo? Talvez teus pais possam vir me buscar. Você sabe o

meu endereço. Estarei pronto, se vier. Odeio isto aqui. É tudo

culpa minha. Eu quero fugir. Por favor, deixe-me fugir para

você.

Tem medo de mim agora por causa do que eu fiz? É por

isso que não vai me escrever de volta? Foi um engano. Juro

que foi um engano. Eu não queria fazer isso. Ela era a

minha melhor amiga, como você é minha melhor amiga.


Por favor, escreva-me de volta.

Eu sinto muito.

Eu sinto muito.

Eu sinto muito.

Não quero mais ficar aqui. Não quero mais me sentir

assim. Eu odeio isso. E sinto muito.

Por favor, escreva-me de volta.

Por favor, Sun. Eu preciso de você.

MOON


Kennedy

Presente

— POR FAVOR, NÃO ME ENVERGONHE HOJE À NOITE, — disse

Penn enquanto arrumava a gravata pela quinquagésima vez

nessa noite.

O papel de parede de nossa casa estava manchado da

fumaça de cigarro e promessas quebradas. Meu marido

quebrou algumas promessas e eu também quebrei algumas

por minha conta. Um casamento era para ser assim? Dias se

transformando em semanas que se transformaram em meses

e anos de promessas quebradas? A palavra “aceito” vinha em

letras miúdas que ninguém nunca leu verdadeiramente.

Percorremos os termos do acordo e no fim clicamos no campo

— concordo, — sem saber as consequências ocultas do que

aceitamos.

Eu tinha desrespeitado meus votos, mas ele também

tinha desrespeitado os dele.


Promessas, promessas, tantas promessas quebradas.

Naquela noite, prometi a ele que não o prejudicaria na

frente de seus colegas de trabalho e clientes, durante o

evento de sua empresa imobiliária. Essa noite era uma

grande oportunidade para Penn, tomar um vinho e jantar

com pessoas muito ricas que estavam em busca de grandes

propriedades. Quanto mais fáceis às coisas corressem nessa

noite, melhor era a oportunidade que Penn tinha de

desenvolver conexões com os clientes. Ele não me queria lá,

mas seu patrão insistiu na presença dos cônjuges.

Prometi a Penn que também não traria à tona nosso

passado. E não pretendia quebrar minha promessa no jantar

naquela noite. Tomei meu remédio para ansiedade. Fiz meus

exercícios de respiração. E só fechei meus olhos quando

cruzamos com carros os para o evento. Enquanto estávamos

na estrada, eu estava bem. Normal, até – bem – o meu tipo de

normal.

Minhas promessas estavam ilesas.

Tudo estava perfeito, tão perfeito quanto poderia ter

sido, considerando meus problemas, e então Marybeth – a

linda e deslumbrante Marybeth – se inclinou em minha

direção durante a refeição. Havia cinco casais em nossa

mesa, que incluíam a colega de trabalho de Penn, Marybeth.

Os outros eram clientes dele em potencial que valiam

mais dinheiro do que eu jamais poderia imaginar.


Gostaria de ser mais parecida com Marybeth. Ela era

perfeita. A mãe perfeita, a esposa perfeita, a corretora de

imóveis perfeita. E ainda cheirava a Chanel nº 5, e seu

pescoço pingava diamantes. Seu sorriso branco perolado fazia

os outros sorrirem com os lábios fechados, pois sabiam que

não podiam se igualar ao nível de ‘Uau’ que o sorriso de

Marybeth proporcionava. Ela era tudo o que eu não era e

tudo o que eu sonhava em ser.

Houve um tempo na minha vida em que eu me amava

tanto que nunca invejaria a vida de outra mulher.

O que aconteceu comigo?

Quando minhas forças se esvaíram do meu corpo?

Então a perfeita Marybeth tocou meu pulso levemente e

sorriu com os lábios e seus olhos cor de avelã. — Tatuagem

intrigante, Kennedy. O que significa?

Nesse momento, a promessa que fiz a Penn se dissolveu.

Primeiro, houve uma rachadura nos cantos da minha

promessa e depois todas as peças se partiram.

— É… minha… — Respirei fundo quando me virei para

ver Penn me olhando intensamente. E vi em seu olhar azul –

decepção, porque ele conhecia os sinais dos meus defeitos.

Ele sabia quando eu estava escorregando, escorregando,

escorregando. Meu corpo tremia, minha voz falhava e

minha respiração ficava ofegante. — É… bem…


Olhei para a tatuagem na minha pele: uma margarida

com um D ao contrário no meio da flor.

— Minha… é… — Engoli o fôlego apertado na minha

garganta e fechei os olhos. E lágrimas estavam aguardando

para se libertar, e eu odiava que estava prestes a deixá-las

cair. — É para meus pais e minha… — Abri os olhos e olhei

para Penn, cujos olhos estavam gritando ‘NÃO’, mas não

podia não terminar a conversa. — Nossa filha. O D ao

contrário é para a nossa filha.

Seus lábios se separaram quando a realização se

instalou em sua mente. E recostou-se na cadeira com um

olhar de culpa nos olhos. Claro que ela sabia do acidente.

Todo mundo sabia do acidente; eles apenas preferiram andar

na ponta dos pés ao redor do tópico em vez de enfrentá-lo de

frente. A morte deixava as pessoas desconfortáveis, e eu não

podia culpá-las por não querer falar sobre isso. Era um

assunto tão estranho de abordar.

Eu tracei o D na minha pele conforme as lágrimas

começaram a rolar por meu rosto. — O nome da minha filha

era… — eu queria dizer a ela. Precisava continuar falando

sobre eles para mantê-los vivos em mim. Era o pequeno

conforto que eu precisava, mas às vezes as palavras saíam

um pouco bambas.

— Kennedy. — Uma mão pousou no meu pulso,

cobrindo a tatuagem. Olhei para cima e vi Penn me

encarando, balançando a cabeça levemente enquanto


ele apertava meu pulso um pouco apertado demais. — Talvez

você devesse ir retocar sua maquiagem, ficar um minuto

sozinha.

Traduzido como: Você está me envergonhando

novamente – se recomponha.

Ele já não sentia mais pena de mim. Depois de mais de

um ano, por que ele deveria? Ele tinha sido capaz de se curar

da nossa tragédia. Eu deveria ter conseguido fazer o mesmo,

mas, por alguma razão, não estava melhor.

Tudo que eu queria fazer era ficar melhor.

Limpei as lágrimas dos meus olhos só para cair mais

rapidamente. — Sim. Claro. Desculpe, eu só… — Empurrei

minha cadeira para longe da mesa e me desculpei. — Sinto

muito, — murmurei.

Os olhos de Marybeth estavam cheios de culpa. Sua

mão pressionou contra seu peito quando me virei para me

afastar, e ouvi-a sussurrar um pedido de desculpas a Penn.

— Não, não, você não fez nada errado, Marybeth, —

disse Penn, parecendo se desculpar ao confortar sua colega

de trabalho em vez de sua própria esposa. — Ela

simplesmente fica assim. Você não fez nada errado. Ela é

muito emotiva, precisa aprender a se recompor melhor.

Realmente, na idade dela…

Muito emotiva.


Fui ao banheiro para me refazer, e quando me olhei no

espelho, fiquei impressionada com o reflexo olhando para

mim. Quando foi que eu me perdi? Quando eu perdi minha

cor e minha luz? As bolsas debaixo dos meus olhos sempre

foram tão proeminentes? Quanto peso eu tinha perdido para

fazer minhas bochechas parecerem tão ocas?

Quando a porta do banheiro abriu, uma mulher entrou

– Laura, esposa de um dos colegas de Penn.

Laura era uma mulher mais velha, provavelmente com

cinquenta e poucos anos. Ela sempre foi tão gentil comigo,

mesmo que eu muitas vezes parecesse embaraçada e

desconfortável na maioria das situações. Durante o ano

passado, Penn fez parecer que eu era mais um fardo nas

reuniões de trabalho do que um trunfo. Disse-me inúmeras

vezes que eu ficaria melhor em casa.

— Você está bem, querida? — Laura perguntou com

uma expressão sincera no rosto. O cabelo castanho escuro

dela tinha mechas naturalmente grisalhas.

Rindo levemente comigo mesma, enxuguei meus olhos o

melhor que pude. — Sim, desculpa. Estou muito emotiva…

— Você não é muito emotiva, — ela interrompeu, me

alcançando uma toalha de papel. — Você não está

exagerando. Perdi um filho quando era mais nova – um

aborto espontâneo, mas, ainda assim, uma criança – e

isso quase me destruiu. Minha graça salvadora foi


meu marido. Ele foi minha rocha quando eu desmoronei.

Agora, não pretendo bisbilhotar, mas não pude deixar de ver

como Penn estava tratando você lá fora. Querida, não se

ofenda com o que estou prestes a dizer, mas não é assim que

um marido deve tratar sua esposa. Você nunca deve ser

menosprezada quando estiver no fundo do poço. Ele deveria

levantar você, não chutá-la de volta.

Abri os lábios para responder, mas eu não sabia como.

Laura limpou as lágrimas dos meus olhos e me oferece

um pequeno sorriso.

— Mais uma vez, não é da minha conta, e Jonathan me

mataria se soubesse que me envolvi nos assuntos dos outros,

mas… você merece ser curada, e deveria ter permissão para

falar sobre sua filha sem se envergonhar. Você sabe o seu

valor. Então cobre mais.

Engoli em seco quando ela me deu um abraço que eu

nem sabia que minha alma precisava. Meu corpo derreteu

contra o de Laura e ela me segurou enquanto eu chorava em

seus braços.

— Está tudo bem, querida. Você está bem. Não

engarrafe. Deixe sair.

Depois que me acalmei um pouco em seus braços, ela

me soltou e me deu um sorriso. — A propósito, eu li


todos os seus romances. Seus livros são mágicos, suas

palavras são acalentadoras. Mal posso esperar pelos

próximos.

Eu tinha publicado romances nos últimos cinco anos,

mas depois do acidente, não consegui escrever uma única

palavra. Meu agente me disse para levar meu tempo, e que as

palavras voltariam para mim, mas ultimamente eu estava

começando a pensar que isso não era verdade. Eu perdi a

minha musa, por isso as minhas palavras também

desapareceram.

O carro estava silencioso no retorno para casa, minhas

costas estavam viradas para Penn enquanto eu mantinha

meus olhos fechados durante todo o trajeto de volta. Quando

entramos em casa, Penn finalmente desencadeou sua raiva

reprimida.

— Você prometeu que não faria isso, — ele disse com

um suspiro, passando as mãos por seus cabelos penteados

com gel. — Você jurou que não teria outro episódio em

público outra vez! Quer dizer, caramba, Kennedy! Você não se

cansa de parecer uma psicopata? — Suas palavras me

chocam.

Já esperava isso dele porque essas palavras vinham

sempre depois de um dos meus colapsos. Quando aconteceu

na primeira vez, ele tinha compreendido porque também

estava de luto. Mas com o passar dos meses, a sua

compreensão tornou-se amarga. Ele estava exausto


de mim, e eu não podia censurá-lo.

Eu também estava exausta. Só queria que ele pudesse

ver que eu estava tentando o meu melhor. Eu estava

tentando o meu melhor para ser normal, para ser eu

novamente.

Eu estava tentando.

Olhei para ele, incerta sobre o que dizer, porque as

desculpas pareciam tão vazias depois de tantas tentativas

fracassadas de tentar recuperar meu antigo eu outra vez.

Ele tirou o paletó e o jogou sobre a cadeira da sala antes

de desabotoar as abotoaduras. — Eu gostaria que você nunca

tivesse feito essa tatuagem idiota. É um lembrete de um

momento fodido, Kennedy. Não entendo por que você quer

olhar para isso todos os dias.

Suas palavras foram duras, mais uma vez, e eu não o

culpo outra vez. Apenas fiquei em silêncio, olhando para a

tatuagem no meu pulso. Ele não entendia, mas eu precisava

desse lembrete diário. Eu precisava sentir minha filha na

minha pele. Eu precisava sentir como se ela ainda estivesse

comigo.

— Você tem algo a dizer? — Ele perguntou,

desafivelando suas calças. E inclinou a cabeça em minha

direção, como se fosse um pai desapontado, em vez de

um cônjuge amoroso e preocupado. — Qualquer coisa?


— Eu quero… — Engoli em seco e olhei para o chão. —

Eu sinto… sinto…

— Você sente muito, — ele cuspiu, balançando a

cabeça. — Claro que você sente. Você sempre sente muito.

Toda a sua vida é um pedido de desculpas.

Ele estava zangado, e eu entendia a razão, mas não

compreendia sua agressão. Podiam ter sido as doses de

uísque que ele bebeu, durante o jantar. Meu marido ficava

muito mais expansivo e rude comigo quando bebia. O seu

fusível queimava até ao fim.

— Você sabe o que…? Não posso. — Suspirou, passando

as mãos pelos cabelos antes de se sentar no sofá à minha

frente. Ele pegou um maço de cigarros e acendeu um. — Eu

não posso mais fazer isso.

— Eu sei. — Engoli em seco e fechei os olhos. — Sei que

às vezes posso ser muito…

— Às vezes? Kennedy. Isso é o tempo todo. Você não

está normal há muito tempo e é cansativo. É difícil. Não

trabalha em nenhum romance novo há meses, quase não sai

de casa. Entrar em um carro é uma tarefa árdua. E isso está

me sufocando. Você está me sufocando. Eu não posso

continuar fazendo isso. Eu não posso… — ele declara

balançando a cabeça. — Nunca deveria ter feito isso em

primeiro lugar.


— Feito o que?

— Ter casado com você. Nós nunca deveríamos ter nos

casado. Meus pais me disseram que era uma péssima ideia,

mas eu era jovem e estúpido, e olha onde isso me levou. Eles

me avisaram que você estava apenas tentando me prender,

mas eu discordei.

Eu sacudi minha cabeça enquanto olhava em sua

direção. — Penn…

— Mas aqui estou eu – preso. Eu deveria ter ouvido. Eu

deveria ter corrido naquela época e não ter sido um idiota.

— Você… você está chateado. Eu sei que errei hoje,

mas…

— Pare de falar. Você não entende, Kennedy? Só casei

com você porque você estava grávida e agora nem tenho mais

uma filha, e isso por sua causa, — ele cuspiu.

Meu peito parecia que estava desabando.

Suas palavras doíam, mesmo estando tão distantes seus

comentários já não deviam mais me magoar. Já não nos

aproximávamos há algum tempo, sem sexo e sem frequentar

suas festas de trabalho. Não me lembrava da última vez em

que nós rimos. O meu coração quase nunca batia por ele.

Mesmo assim, o veneno na sua língua causou-me um caos na

mente, derramando nas minhas células cerebrais e

envenenando a minha autovalorização – não que


ainda houvesse muito disso.

Ele continuou. Continuou cavando, continuou me

destruindo com suas palavras. — Meu pai estava certo – você

deveria ter feito um aborto. Isso nos pouparia muito tempo.

Meu coração…

Meus batimentos… todos eles pararam.

Destruído…

Eu estava desmoronando.

Meus joelhos dobraram embaixo de mim e o chão frio e

duro de madeira amparou meu corpo. Comecei a soluçar em

minhas mãos, e não havia ninguém por perto para me

confortar. Penn estava cansado de tudo, cansado de mim,

cansado disso – meus ataques de pânico, meus colapsos,

minhas dificuldades.

Eu soube claramente naquele momento.

Nosso relacionamento, nosso casamento, nossas

promessas terminaram.

Ele inclinou a cabeça na minha direção e parecia

imperturbável com tudo. Talvez você deva ir a outro lugar

hoje à noite. Por um tempo, na verdade. Algumas semanas,

alguns meses… vá descobrir alguma coisa, porque você ficar

aqui não vai dar mais certo.


— Para onde irei? — Engasguei, confusa.

— Eu não sei, Kennedy. Vá para sua irmã ou algo

assim.

Yoana…

Já não a via há mais de um ano. Como poderia aparecer

depois de todo este tempo sem uma única palavra? O que é

que ela diria? Porque me daria conforto depois de todo este

tempo, depois de eu ter desaparecido? Tudo o que ela recebeu

de mim foram mensagens de texto aqui e ali dizendo que eu

estava bem, embora não estivesse. Ela não me devia nada,

mas continuava me dando tudo. Ela escrevia-me longas

mensagens me contando sobre a sua vida, mantendo-me

atualizada sobre tudo e qualquer coisa. Tudo o que eu podia

fazer era enviar-lhe alguns emojis de vez em quando, porque

enquanto a sua vida avançava, a minha ficava estagnada.

A última mensagem que ela tinha enviado era sobre a

sua lua de mel, que finalmente ela estava prestes a ir após

dois anos de casamento. A anterior era um pedido para que

eu a visitasse. Antes disso?

Ela deixou uma longa mensagem de voz sobre como ela

e Nathan reformaram uma casa e estavam prestes a colocá-la

no mercado. Desde que os dois se casaram, ambos gostaram

tanto da ideia de reformar casas, e vendê-las. O fato de eles

terem conseguido trabalhar juntos e ainda serem tão

felizes me lembrou muito de nossos pais. Mamãe e


papai eram exatamente da mesma maneira.

Penn e eu? Não poderíamos ter sido mais opostos.

Quando eu disse a ele que queria ser autora, ele riu de mim,

dizendo que eu não tinha a educação certa para isso. Quando

recebi meu primeiro contrato de um livro, ele disse que era

sorte. Quando meus cheques de royalties chegaram, ele me

disse para não gastá-los, porque provavelmente não viria

mais.

Penn foi até o escritório e voltou com um envelope. — Eu

ia dar isso a você antes do acidente, mas adiei por motivos

óbvios. Basta assinar na linha pontilhada e deixá-los na mesa

do corredor antes de sair.

Então ele saiu da sala, deixando-me sentada ali emotiva

demais, enquanto colocava o prego no caixão do nosso

casamento. Papéis do divórcio.

Eu assinei todos eles com meu peito doendo.

Empacotei minhas coisas em três malas, levando

apenas as coisas importantes, apenas os itens que

significavam o mundo para mim. Então chamei um táxi e

comecei a viagem de quarenta e cinco minutos para ver uma

irmã que não tinha ideia de que eu apareceria em sua porta

para pedir abrigo.


Depois que o motorista me deixou na sua casa na

cidade de Rival, Kentucky, arrastei minhas malas para a

varanda.

Um suspiro de alívio tomou conta de mim quando vi o

carro deles estacionado na garagem.

Corri e bati à porta. Passava das dez da noite e havia

uma boa chance de Yoana já estar dormindo. Ela nunca

tinha sido uma coruja da noite, sempre acordava cedo.

— Quem é? — Uma voz profunda questiona – de

Nathan, é claro.

Eu falei. — Yoana, sou eu, — e engasguei, com os

soluços pesando na minha garganta. — É Kennedy. Eu, bem,

eu preciso… — Engoli o medo no meu peito e fechei os olhos.

— Eu preciso de você.

A porta abriu e lá estava ela, de pijama, olhando para

mim com o olhar mais preocupado de todos os tempos.

Minha irmã mais velha parecia uma deusa mesmo agora

quando tinha sido acordada no meio da noite. Nossa, eu

precisava dela. Eu precisava tanto dela, que isso fez meu

estômago doer fisicamente ao ver seus olhos me encarando...

os olhos que pareciam muito com os de mamãe.

— Você está bem? — Ela perguntou, e essas três

palavras quebraram a concha das minhas mágoas. A

sinceridade em sua voz me machucou mais do que eu


poderia dizer – o cuidado, a gentileza, o amor. Passei o ano

passado mentindo para minha irmã sobre meu bem-estar,

por estupidez e lutando com demônios internos, e mesmo

assim, sem um momento de hesitação, ela estava me

perguntando se eu estava bem.

Meus lábios se separaram, mas nenhuma palavra saiu.

Lágrimas começam a inundar meus olhos, e eu cobri meu

rosto enquanto soluçava incontrolavelmente nas palmas das

minhas mãos. — Sinto muito, Yoana, — eu chorei,

balançando a cabeça com vergonha e dor. — Me desculpe, me

desculpe, me desculpe.

Ela não parecia precisar das minhas desculpas. Ela não

me martelou com perguntas sobre a minha situação, não me

repreendeu por afastá-la. Em vez disso, ela deu um passo à

frente, passou os braços em volta de mim e me abraçou com

força.

— Tudo bem, Kennedy. Está bem. Entendi. Entendi.

E me segurou firme. Pela primeira vez no ano passado,

comecei a respirar novamente e minha irmã não me deixou ir.

Ao me abraçar, ela me fez uma pergunta muito, muito

importante provavelmente a mais importante que eu já ouvira

há muito tempo. — Vinho?

— Sim. — Eu ri e fiquei surpresa com o quão

genuíno parecia. — Vinho.


Kennedy

NOVOS COMEÇOS DEVEM VIR com uma etiqueta de aviso.

Atenção: novos começos não vão impedir que memórias

antigas inundem seu cérebro, resultando em ataques de

pânico, desconforto social e surtos de todas as emoções

possíveis decorrentes da depressão, colidindo com a gratidão e

crepitando em faíscas de raiva. Nenhum sentimento é

esquecido.

Fazia três dias que eu dormia no quarto de hóspedes da

minha irmã, e Penn não tinha me procurado nenhuma vez.

Eu tentei o meu melhor para não revelar os pensamentos

confusos que passavam por minha mente. Não queria que

meu fardo pesasse muito sobre minha irmã e Nathan – eles

não mereciam isso. Eles mereciam apenas o meu

agradecimento, não a triste mulher que eu tinha sido

durante o ano passado. Esse era o problema com Penn


– ele viu a minha tristeza e comprovou que não valia a pena

amar esse meu lado. Por isso, eu estava trabalhando cada vez

mais para não deixar esse lado meu escapar. Não queria

afastar mais as pessoas com minha dor.

Gostaria que as pessoas ficassem.

Fingir para mantê-los por perto, Kennedy. Esse é meu

mantra.

É um fato comprovado que, se você sorrir mais, as

pessoas vão pensar que você é feliz. Isso é ciência básica.

Estava sorrindo tanto nos últimos dias desde que cheguei à

casa de Yoana que minhas bochechas estavam doloridas. Às

vezes, eu me refugiava no banheiro apenas para deixar o

sorriso desaparecer por um momento antes de colocá-lo de

volta em meus lábios.

Até agora, não tinha sido interpelada por causa dos

meus sorrisos falsos, o que significava que esses sorrisos

mereciam um Oscar.

— Está bem, não espie! — Yoana me alertou enquanto

me guiava pelas ruas de uma pequena cidade chamada

Havenbarrow. A cidade ficava apenas a quinze minutos da

sua casa e ela disse que era a cidade mais bonita que já

existiu. Nos últimos dias, ela só falava da beleza da pequena

cidade.

Eu não poderia ter espiado mesmo que quisesse,

graças à bandana que cobria os meus olhos. Já


andávamos por algum tempo, eu tropeçava a cada poucos

minutos enquanto Yoana fazia o possível para me impedir de

cair.

— A venda é realmente necessária? — Perguntei, um

pouco confusa com todas as palhaçadas da minha irmã

enquanto me guiava. No momento em que estacionamos o

carro dela na cidade, Yoana ordenou que eu fechasse os

olhos. Então, ela me levou para essa aventura.

— Sim! Agora fique quieta e continue. Estamos quase lá.

Espere! Pare! Carro! — Ela gritou, me puxando para trás.

— Que diabos! — Eu gritei, fazendo Yoana cair na

gargalhada.

— Só estou brincando. Não estamos nem perto da rua.

Eu apenas achei que seria engraçado.

— Oh, como eu senti falta do seu senso de humor. —

Meu tom era brincalhão, mas eu realmente tinha sentido falta

do senso de humor dela. Tinha perdido praticamente tudo

sobre estar perto de minha irmã, desde que eu tinha

procurado por ela, ela não foi nada além de uma santa para

mim.

— Apenas mais uma curva à esquerda, — me disse com

as mãos nos meus ombros, depois me virou para a direita.

— Eu quis dizer direita, direita! Ok, mais alguns

passos para frente… dois passos para trás.


— Estamos fazendo a coreografia de Paula Abdul em

‘Opposites Attract’? Porque se sim, preciso trocar de sapatos,

— eu lhe disse.

— Cala a boca, mulher. Já estamos aqui. Apenas mova

um pouco para a esquerda. — Eu obedeço. — Um pouco

mais. — Embaralhei meus pés um pouco mais. — Ok, bom,

bom. Agora um pouquinho para a direita.

— Yoana! — Eu gritei.

Ela riu, e o som me fez sorrir também. — Ok, ok,

desculpe. Só quero que a surpresa seja perfeita, só isso.

— Está bem, então me diga o que devo fazer. Posso ver a

surpresa agora? Não que tivesse que me dar alguma coisa,

porque já fizeram mais do que o suficiente ao me deixarem

dormir no quarto de hóspedes. Além disso, o fato de que

você…

— Kennedy.

— Sim?

— Cale-se.

— Ok.

— Tudo bem, obrigada. Agora, em três, vou tirar sua

venda para mostrar a coisa mais emocionante de todos os

tempos. Um, dois, três! — Ela retirou a venda e revelou

que estávamos em frente a uma casa. Uma casa muito


fofa recém-pintada com uma cerca em volta do quintal, onde

crescia uma vegetação selvagem. Nos degraus da frente da

casa estava o marido de Yoana – Nathan com duas garrafas

de champanhe nas mãos e o maior sorriso pateta que já vi em

seu rosto.

Olhei de relance para minha irmã, confusa e culpada

por achar ter perdido alguma coisa. — O que está

acontecendo afinal?

— Surpresa! — Ela chiou. — É a sua nova casa!

— Minha nova o quê… — Virei para encarar Yoana

quando meu queixo caiu. — Minha nova o quê? — Exclamei,

com a perplexidade me atingindo a uma nova velocidade.

— Sua nova casa. Como você sabe, nós recentemente

resolvemos reformar casas para vender, e essa foi a nossa

última novidade na pequena cidade mais fofa conhecida pela

humanidade. Estávamos prestes a colocá-la no mercado, mas

decidimos adiar para que você tenha um lugar para ficar, que

seja apenas seu. — Ela estava falando como se tudo o que

estivesse dizendo não fosse uma insanidade completa

enquanto caminhava em direção à varanda. — O quintal

ainda não foi concluído, mas os paisagistas começarão em

alguns dias e há pouco ou nenhum mobiliário. Ok, não há

nada lá dentro, mas pedi algumas peças que acho que você

gostaria e elas chegarão nos próximos dias. Peguei uma

lavadora e secadora que será entregue e, por enquanto,

há uma geladeira azul antiga na cozinha que você


tem como cortesia de Nathan e eu da nossa garagem.

Também mandei Nathan correr para a loja e comprar alguns

itens essenciais - uma bela cama de casal queen, alguns

utensílios, e uma mesa de cozinha barata, todos os itens

básicos do banheiro e...

— Por que você faria isso? — Engasguei, atordoada e

confusa com toda essa bondade indevida que Yoana estava

me mostrando. — Isso é uma loucura. — Eu não merecia

isto, não podia ficar numa casa que estavam prestes a

colocar no mercado. Não podia tirar tanto da minha irmã

quando lhe tinha dado tão pouco durante o ano passado.

Acima de tudo, já tinha tirado as coisas mais

importantes da vida dela.

— Por que eu faria isso? — Perguntou surpresa com a

minha pergunta. E colocou as mãos nos meus ombros e

estreitou os olhos. — Kennedy… você é minha irmã. Eu faria

qualquer coisa por você.

Quando eu pensava em anjos na terra, a minha irmã

mais velha era sempre a primeira a surgir-me à cabeça.

Yoana era uma santa mais do que os santos, uma praticante

do bem. Corações como os dela eram tão poucos e raros. Era

linda tanto por dentro quanto por fora, embora a maioria das

pessoas notasse sua beleza exterior primeiro. Yoana

McKenzie Lost era a imagem cuspida da nossa mãe. Ela

tinha os cachos pretos da mamãe, a pele escura, e os

olhos de corça e uma covinha profunda em sua


bochecha esquerda. Sempre que sentia falta da minha mãe,

tinha a sorte de poder olhar nos olhos da minha irmã.

Eu, por outro lado – eu era a combinação perfeita de

meus pais, a personificação da história de amor deles. Recebi

o sorriso de mamãe, nos lábios o arco do Cupido. E tenho o

nariz esbelto e torto do papai e suas bochechas de esquilo.

Mamãe e eu tínhamos marcas de nascença iguais em nossas

omoplatas e a mesma covinha em nossos queixos. Meus

cachos soltos, cor de mel, eram uma mistura da genética de

meus pais.

E meus olhos? Eles pertenciam ao meu pai. Eu tinha os

olhos do papai que intercalavam entre castanho e verde

dançando dentro de suas íris. Sempre que sentia falta dele,

olhava no espelho. Algumas pessoas olhavam para mim e me

chamavam de birracial, mas eu simplesmente me chamava

de filha de Aaron e Renee.

Minha irmã e eu éramos a prova viva da história épica

de nossos pais – o maior amor de todos. Mesmo que papai

não fosse pai biológico de Yoana, não havia dúvida de que ele

era o pai dela. Quando minha mãe estava perdida e sozinha

com uma criança de dois anos, papai levou ambas as

meninas como se fosse sua no momento em que ele as viu.

É preciso um tipo especial de homem para amar uma

criança que não têm seu sangue. Nunca houve um

segundo em que o meu pai tratasse Yoana de maneira

diferente do que ele tratou a mim. Por vezes, quando


eu era mais nova, até sentia que ele a amava um pouco mais

do que a mim. Ele não fazia isso de propósito, claro, e quanto

mais velha ficava, mais eu entendia. Yoana tinha um item

faltando em seu álbum da vida, e papai garantiu a ela que

seu álbum estivesse cheio de amor, mesmo que ela nunca

conhecesse seu pai biológico.

Ela era filha dele – talvez não de sangue, mas

definitivamente do coração. Os seus corações batiam em

sincronia e, por vezes, eu podia jurar que Yoana tinha o

sorriso de papai.

Não passou um dia em que não sentia falta dos meus

pais, mas felizmente tenho minha irmã para me abraçar

agora. Eu gostaria de ter percebido isso antes. Em vez disso,

eu a afastei porque achei que ela me culpava pelo acidente.

Foi por causa de Yoana que senti como se o céu nublado

que me seguia pelo ano passado finalmente estivesse

clareando os dias ensolarados e as noites ficando mais

calmas. Pelo resto da minha vida, eu devo a ela o amor

incondicional que me concedeu.

Eles me mostraram a casa, me deixando chocada com o

quão bonita era, especialmente com base nas fotografias

anteriores que me mostraram. Quando estava quase na hora

de irem pegar o voo para a lua de mel, Yoana fez questão de

me dar uma lista de tarefas enquanto eles estivessem

fora.


— Agora, repita o que eu disse, — ela ordenou.

— Medite de manhã e de noite, não importa o que

aconteça, mesmo que apenas por cinco minutos para

respirar. Sim, mãe, — gemi sarcasticamente aborrecida, mas

sinceramente estou muito agradecida pelo amor de Yoana.

Ela tinha na alma tanto do entusiasmo de mamãe. Estar

perto dela era como estar envolta no mais quente dos

cobertores pesados, um conforto instantâneo.

— E aqueles bosques atrás da casa – não tenha medo de

atravessá-los. Eu sei que eles não são exatamente da sua

propriedade, mas duvido que o homem que os possui se

importe ou note. Quando Nathan e eu trabalhamos aqui, nos

perdemos lá atrás, o lugar me lembrou de quando mamãe e

papai nos levavam para passear quando éramos crianças.

Lembra quantas vezes nos perdíamos?

Sorri. — Ah, sim, e quando mamãe ficava nervosa a

medida que ia escurecendo, papai dizia: 'Você não pode se

perder se estiver cercado pela natureza. A natureza é o nosso

lar´. — Sorri com a lembrança antes de meus lábios

começarem a se abaixar.

— Sinto falta deles, — Yoana confessou.

— Eu também. — Muito. Eu não tinha dúvida de que

me encontraria vagando por aqueles bosques para

algumas sessões de meditação.


Quando éramos pequenas, meus pais mandavam minha

irmã e eu meditar todas as manhãs e noites. Papai nos

ensinou ioga e mamãe técnicas de respiração. Essas lições

realmente ajudaram a moldar minha vida, mas quando as

coisas deram errado, a meditação foi à primeira coisa que

desapareceu da minha rotina diária. Engraçado como as

pessoas perdem seus princípios básicos e crenças quando

seu mundo está de cabeça para baixo.

As outras tarefas da minha lista de tarefas da Yoana:

Encontrar uma coisa para me fazer sorrir todos os dias;

Mantenha um diário para lentamente voltar a escrever;

Consiga luz solar diária quando o tempo permitir;

Explore Havenbarrow;

Yoana me cutucou de lado. — Agora que tudo isso está

resolvido, você quer sair para pegar algo para o jantar?

— Na verdade, estou ficando um pouco cansada. Além

disso, você não tem um avião para a Costa Rica para pegar?

Uma expressão vaga passou por seu rosto enquanto

olhava para o relógio. — Oh, certo. Isso.

— Sim, isso. — Eu ri. — Apenas a primeira parte da lua

de mel mais épica de todas as luas de mel.


Ela me mostrou olhos de cachorrinho. — Tem certeza

que não quer vir conosco?

— Uh, não. Confiem em mim, ficar de vela para vocês

dois no cinema, é uma coisa, agora eu ir junto à viagem de

lua de mel, com certeza, eu cruzaria linha.

— Bem. Só não sei o que vou fazer sem você por tanto

tempo. Sinto que acabei de ter você de volta. — Ela faz uma

pausa e morde o lábio inferior enquanto seus olhos ficam

molhados e sem brilho. — Não quero te perder novamente.

— Não se preocupe. Quando você voltar, eu estarei

ainda melhor. Você não vai me perder de novo. — Funguei

um pouco, vendo Yoana se emocionar. — Não comece a

chorar porque sabe que sou uma rainha soluçante e

solidária. Apenas me abrace e vá embora, sim?

Ela me puxou para um abraço. — Eu ligo para você

todos os dias, ok? Não me importo com a diferença de

horário. Vamos verificar todas as mídias sociais e, se você

precisar de mim, não importa o quê, Kennedy, estarei aqui

para você.

— Eu sei. Obrigada. Agora vá! — Ordenei, acenando

para o casal feliz em direção à porta. Inclinei-me, beijei a

bochecha de Yoana e dei um abraço apertado em Nathan. —

Você cuida dela ou você morre, combinado?


— Sim, sim. Capitão. Ouça a cidade aqui tem ótimos

lugares para comer e passear. Não tenha medo de entrar em

contato se alguém lhe der dificuldades. Eu sei como essas

pessoas de cidade pequena podem ser grosseiras. Você é

minha irmã agora e não tenho medo de chutar a bunda de

alguém mesmo do exterior.

Eu ri. — Vão, meninos. Amo vocês, fiquem seguros, e

façam como mamãe e papai sempre disseram em suas

aventuras – não tenham medo do desconhecido.

— O mesmo vale para você, mana. Não tenha medo do

desconhecido, — ecoou Yoana.

Nathan se despediu e saiu para dar um momento a

Yoana e a mim. Meu peito doía com o pensamento dela me

deixando, mas eu fiz o meu melhor para esconder essa dor.

— O que Penn fez com você foi cruel, e se eu pudesse,

pessoalmente eu cortaria o pau dele, mas esse capítulo da

sua vida acabou. Lembra o que mamãe e papai disseram para

fazer quando alguém faz você se sentir fraco?

Balancei a cabeça enquanto as lágrimas começaram a se

formar nos meus olhos. — Quando alguém faz você se sentir

fraco, faça algo para se sentir mais forte.

— Exatamente, e é isso que você fará a partir de agora.

Você está se redescobrindo. Você está começando de

novo, e quem tem a coragem de começar novamente é

forte. Você é tão forte. Mamãe e papai ficariam tão


orgulhosos de você. Sei que eu estou.

Basta de Yoana me fazer chorar. — Nossa, apenas saia

daqui, sim? Você vai me deixar chorando sozinha como uma

idiota em uma cidade pequena.

— Ok, eu te amo. Vou ligar assim que chegarmos ao

aeroporto.

Dissemos mais um adeus porque dizer adeus sempre

era um processo extremamente longo. Quando minha irmã

fechou a porta da frente, respirei fundo e permiti que as

lágrimas caíssem por minhas bochechas.

Inclinando minhas costas contra a porta de madeira,

fechei os olhos e senti a onda de solidão batendo no meu

peito. Acabou que não importava quão grande ou pequena a

casa era, não importava o quão quente ou fria a casa estava,

e não importava quantas coisas estavam guardadas dentro

das paredes – quando a solidão aparecia ainda me sentia

extremamente triste.

Nesse momento, meu celular tocou.

Yoana: Eu me esqueci de te contar! Deixei um presente

para você. Coloquei-o na calçada para um pouco de conforto.

Engoli em seco e me recompus enquanto saía para

encontrar a surpresa. No momento em que saí mais lágrimas

brotaram dos meus olhos.


Ali, estacionado bem na minha frente, estava um

presente do passado que pretendia me trazer um pouco de

conforto: o conversível dos meus pais. Aquele veículo velho

representava minhas duas pessoas favoritas, pessoas que eu

havia perdido. Era de uma cor amarela opaca com desenhos

por toda parte. Mamãe e papai queriam que desenhássemos

nossos momentos favoritos no carro durante toda a infância,

criando memórias duradouras que poderíamos recordar ao

longo dos anos.

Enquanto andava em volta do carro, captei todas as

lembranças inscritas nele. Celebrações de aniversário.

Exibições de arte. Férias em família. Não pude deixar de

sentir um sorriso curvar meus lábios. Era uma lembrança

instantânea de quem no fundo eu realmente era.

Lembrei-me de dirigir pela estrada com minha família,

ouvindo Lauryn Hill enquanto nossos cabelos sopravam ao

vento sem medos e muita felicidade. Yoana estava sentada ao

meu lado no carro, e sua risada era contagiante. Ela caía em

um ataque de riso quando ela e eu sopramos bolhas no banco

de trás do carro. Você não conseguiria ficar infeliz com essas

três pessoas em sua vida e esse tipo de alegria.

Pulei no banco do motorista e respirei fundo quando um

perfume particular tomou conta de mim.

Mamãe.


Olhei para o banco do passageiro, onde tinha uma cesta

cheia de guloseimas e uma carta. O perfume favorito de

mamãe estava lá, e eu sabia que era o que estava sentindo.

Yoana deve ter borrifado nos assentos do carro a fragrância.

Orquídeas e mel.

Junto com o perfume havia uma garrafa de uísque e um

pote com grão de café.

Abri a carta e li as palavras.

Kennedy,

Odeio ter que deixar você tão rapidamente depois que nos

reconectamos, mas achei que você poderia usar um pedaço de

sua família enquanto se redescobrisse. Portanto, deixei para

você um pote dos grãos de café favoritos da mamãe para

tomar nas manhãs e uma garrafa do uísque favorito do papai

nas suas noites.

Te amo irmã. Me chame se precisar de mim. Estou a

apenas um voo de distância.

E tente não pensar demais em tudo. Você está no

caminho certo, mesmo nos dias em que não está.

Yoana


Enquanto olhava para as estrelas que pintavam a

atmosfera de Havenbarrow, abri a garrafa de uísque e passei

o resto da noite fazendo pedidos às estrelas por melhores

dias. Pedi a mamãe e papai que me enviassem um sinal de

que, não importando o quê, tudo ficaria bem. Pedi orientação,

oração e milagres.

Eu poderia realmente precisar de um milagre na minha

vida.

Quando a manhã chegou, tive uma forte sensação de

que finalmente seria capaz de sentir o sol depois de tantos

dias de escuridão.


Kennedy

— CUIDADO, Louise. Não esmague esses arbustos, —

uma voz sussurrou enquanto eu bocejava no banco de trás

do conversível que dormi na noite anterior. E fui arrancada

do meu descanso quando ouvi um farfalhar no quintal.

Meu coração pulou no meu peito quando me levantei e

fiquei sentada.

— Ah, quieta, Kate. Se eu pisasse nesses arbustos faria

um favor a eles – confie em mim, — a outra mulher

sussurrou em resposta. Elas andavam na ponta dos pés pela

propriedade, espiando nas janelas enquanto ambas

seguravam recipientes de plástico nas mãos.

— Você acha que é uma família grande? — Louise

perguntou. — Deus sabe que a última coisa que precisamos é

de mais crianças correndo pelo bairro.

— Eu não sei, mas com base na falta de móveis na casa,

eles podem estar em dificuldades.


Eu levantei uma sobrancelha para as mulheres

bisbilhoteiras, que não tinham me notado sentada a alguns

metros delas.

— Espero que contratem alguém para cuidar desta

pocilga que está esse quintal. Não preciso que o valor das

propriedades desça por causa do recém-chegado. A última

família que ficou aqui já fez estragos suficientes, — Louise

bufou de nojo.

— Posso ajudar senhoras? — Entrei, vendo as

intrometidas saltarem em seus sapatos Louboutin ao som da

minha voz. Elas recuperaram o equilíbrio e felizmente

mantiveram os potes em suas mãos enquanto giravam para

me ver sentada no meu carro.

— Oh meu Deus, querida, você não deve se aproximar

das pessoas assim, — disse a de vestido de verão amarelo –

Kate, eu percebi – conforme segurava uma mão contra o

peito. — Você quase me deu um ataque cardíaco.

Quase que revirei os olhos para a ironia de tudo isto,

mas dei-lhe apenas o meu melhor sorriso do Sul ao sair do

carro e caminhar em sua direção. — Desculpem por isso. Não

queria assustá-la.

Os olhos de Louise dançaram sobre minha roupa

vibrante e depois trancaram nos meus olhos. — Bem, sim,

você deve ter mais cuidado.


— Farei melhor da próxima vez. Então, como posso

ajudá-las?

Kate deu um passo à frente com seus perfeitos cachos

loiros balançando no rosto. — Oh, sim. Nós somos suas

vizinhas! Vimos que estava de mudança ontem à noite e

pensamos em passar por aqui para dizer ‘Olá’. Eu sou Kate, e

esta é Louise.

— Sem qualquer parentesco, — disseram elas em

uníssono, e depois riram. — Estou brincando, somos gêmeas!

Porque é evidente que são.

— Eu moro a duas casas abaixo de você, à esquerda, e

Kate mora duas casas abaixo, à direita, — disse Louise. —

Você está bem no meio do sanduíche das gêmeas.

Que sorte a minha!

— Bem, eu sou Kennedy. Prazer em conhecê-las.

Elas mantiveram seus grandes sorrisos no rosto

enquanto olhavam para o conversível dos meus pais. Então

seus olhares dançaram através da minha aparência e de volta

para o carro.

— Devo dizer que esse é um carro de aparência única, —

Louise refletiu, com seu tom pingando julgamento. — Você

dirige por aí, ou é para… exposição?


— Pertencia aos meus pais. Ele contém um pouco de

história de família. Ainda não experimentei levá-lo para a

estrada, mas talvez possa tentar em algum momento. —

Talvez amanhã. Talvez daqui a um ano. Quem sabe...

As mulheres fizeram uma careta. — Interessante, —

disseram, mais uma vez, ao mesmo tempo.

— São para mim? — Perguntei, tentando o meu melhor

para mudar a conversa e fazê-las irem embora. Se eu

soubesse alguma coisa sobre cidades pequenas de todos os

livros que já li, sabia que essas gêmeas eram a receita

perfeita para problemas.

— Oh, sim. Cada uma de nós fez uma torta para você. A

melhor torta de morango e de maçã que você já experimentou

na sua vida. Ficamos acordadas até tarde ontem à noite

assando quando vimos sua mudança.

— Vocês não deveriam…, — eu disse.

— Querida, é claro que sim. Afinal, somos suas novas

vizinhas. Levamos a sério a hospitalidade do sul por esses

lados, — comentou Kate, ainda carrancuda avaliando minha

propriedade.

Louise pigarreou. — Falando em paisagismo... —

Estávamos falando em paisagismo? — ...quem lidará com o

seu? Posso te apresentar algumas pessoas que fazem um

ótimo trabalho.


— Bem, obrigada, mas temos tudo isso alinhado. Eu não

sou a proprietária da casa.

— Oh meu Deus. — Kate gemeu com os dedos pousados

nos lábios. — Você é uma invasora? Na verdade, não mora

aqui? Quer dizer, acho que isso explica o carro, mas isso é

completamente ilegal.

— Devemos informar ao xerife Reid, — afirmou a outra

severamente.

Essas mulheres estão realmente falando sério? Estou

parecendo uma delinquente? Ashton Kutcher está escondido

nos arbustos esmagados por Louboutin?

— Não, não. O que eu quero dizer é que estou alugando

a casa da minha irmã e cunhado pelos próximos meses antes

que eles a vendam. Os paisagistas devem aparecer nos

próximos dias para começar o trabalho.

— Oh, graças a Deus! — Louise exclamou. — Não

poderia, pela minha vida, deixar esta selvageria ir mais longe.

Já estamos lidando com a louca da Joy Jones ao lado, com

seu jardim desgrenhado. Se eu tivesse a oportunidade,

compraria a casa, dessa esquisita.

Ela disse esquisita como se fosse uma coisa ruim.

Pessoalmente me sentia mais atraída pelos esquisitos do

mundo. Eles pareciam muito menos críticos.


Olhei para a propriedade ao lado que era a graça

salvadora de me impedir de ser vizinha direta de Louise. A

casa era exatamente como ela a descrevia – um tanto

desgrenhada – mas ainda assim, era de alguma forma

perfeita. Flores silvestres floresciam como se tivessem sido

plantadas para serem livres. Não havia uma verdadeira

concordância ou razão para a forma como elas cresciam, mas

parecia uma obra de arte.

As mulheres provavelmente me odiariam se eu dissesse

que amei aquele jardim. A liberdade de tudo brandiu para a

parte enjaulada da minha alma. Eu queria ser como essas

flores.

Livre. Sem amarras. Como o vento.

— Seu marido morreu há anos, e Crazy Joy não sai de

casa desde então, — explicou Louise. — Você já viu o Hey

Arnold! Esse desenho animado dos anos 90? Havia aquele

personagem, Stoop Kid, que tinha muito medo de sair na

varanda? Bem, essa é Crazy Joy em poucas palavras. Ela

está com muito medo para atravessar o jardim da frente

desde que o marido morreu.

— Se ele não tivesse deixado dinheiro para Joy e a casa

deles não tivesse sido paga, tenho certeza que ela ficaria sem

teto. Não sou de fofocar, Deus me livre, mas essa mulher é

maluca, — acrescentou Kate. — Há rumores de que ela

acredita que alienígenas vão dominar o mundo em

breve. Todas as cartas que ela escreve todas as


manhãs na varanda são cartas para a Área 51.

Completamente maluca.

Quanto mais elas falavam, mais eu queria conhecer essa

vizinha.

— Faça o que fizer com seu paisagismo, não cometa os

mesmos erros que Joy cometeu com a sua propriedade, —

avisou Kate. — Especialmente com isso, — insistiu ela,

apontando para o quintal da Joy.

Arqueei uma sobrancelha. — Com o que?

Os olhos dela se arregalaram em confusão. — Você não

vê isso?

— Vejo o quê?

— Aquelas flores azuis! — Ela sussurrou, gesticulando

como uma mulher louca. — Ela plantou flores azuis na frente

e no meio!

Esperei alguns momentos para Kate continuar seu

pensamento, mas seus lábios se fecharam como se essa fosse

à conclusão.

Louise deve ter percebido minha confusão. — Flores

azuis! Simplesmente não são naturais.

Oh meu Deus.


Se Yoana e Nathan soubessem quem eram meus

vizinhos, eu tenho quase certeza de que eles teriam

reconsiderado eu ficar nessa casa.

Sorri para as duas loucas. — Vou manter isso em

mente. Agora, é melhor eu voltar para...

— Detesto bisbilhotar, querida, mas você estava

dormindo no seu carro quando chegamos? Você não tem

cama em casa? — Louise perguntou.

Você não tem boas maneiras?

Esta mulher queria inventar as histórias mais absurdas

sobre o que quer que haja sobre minha vida. Por experiência

eu via o melhor nas pessoas – as quais, sim, vinham com

suas lutas – mas Louise e sua irmã, obviamente, tinham a

tendência de ver o pior.

Mordi minha língua. A última coisa que eu queria fazer

era transformar vizinhos em inimigos. Essas duas mulheres

pareciam o tipo que criariam o inferno se sentissem que

tinham um motivo para fazê-lo.

— Às vezes gosto de dormir sob as estrelas. Além disso,

meus móveis não serão entregues até a próxima semana.

Mais uma vez obrigada pelas tortas, senhoras. Foi um prazer

conhecê-las.


Seus olhares se moveram através de mim mais uma vez,

e então elas sorriram assustadoramente ao mesmo tempo.

Stephen King teria tido um dia cheio com estas duas.

— Vamos ver você por aí, tenho certeza. Bem-vinda a

Havenbarrow. Se você não quer ser vista pela cidade dirigindo

isso aí, a herança de família, tenho certeza de que pode

chamar o aplicativo Cuber, — Louise disse com aquele sorriso

maligno.

— Você quer dizer Uber? — Eu perguntei.

Louise riu e acenou com a mão na minha direção. —

Não, querida, quero dizer o aplicativo Cuber. Não temos nada

disso Uber ou Lyft na cidade, mas Connor Roe criou seu

próprio aplicativo chamado Cuber. Ele tem dezessete anos,

mas o garoto é rápido. Além disso, o carro dele parece mais…

estável do que o seu.

Ah, se ela soubesse o quanto seu comentário me fez

querer dirigir o carro de mamãe e papai pela cidade, não teria

dito isso. Eu tinha lidado com valentões suficientes no

passado. E tinha pouco espaço sobrando no meu coração

para seus tons desagradáveis.

Ainda assim, eu não tinha dirigido desde o acidente. A

verdade era que eu não sabia se seria capaz de fazê-lo tão

cedo.


— Não se sinta uma forasteira enquanto estiver aqui.

Lembre-se, se precisar de alguma informação sobre alguma

coisa ou alguém nesta cidade, pode sempre nos perguntar,

querida. Somos muito bem informadas sobre tudo o que se

passa por aqui. Afinal de contas, o marido de Kate é o

Presidente da Câmara, por isso a nossa função é sermos

informadas. Outra coisa, se desejar, pode ir às nossas casas

para se inspirar no paisagismo. Lembre-se – duas para a

esquerda e duas para a direita e você vai nos encontrar! —

Louise disse antes que ambos se apressassem para sair.

Nota mental: não vire à esquerda ou à direita ao sair de

casa.

Ao meio-dia, mais uma dúzia de vizinhos apareceram

com sobremesas a reboque, todos alegando que queriam se

apresentar. Se eu não tivesse ficado fatigada da minha vida

antes de me mudar para Havenbarrow, já teria ficado quando

recebi o meu quarto pão de banana sem glúten, sem nozes e

sem sabor.

Pelo número de perguntas e de intromissões que tinha

sofrido, eu tinha certeza de que as mulheres da cidade teriam

muito o que dizer sobre mim na sua próxima reunião do

clube do livro.


Para conseguir uma pausa da loucura, coloquei um

tênis e peguei meu diário. Eu não queria contato humano por

um bom tempo. Eu precisava voltar ao básico.

Só eu, meu diário e a floresta.


Kennedy

ALGO SOBRE A NATUREZA sempre me fez sentir em paz, algo

sobre o modo como as árvores cresciam por vontade própria e

se inclinavam em direção ao sol para beijos de luz. Algo sobre

a maneira como seus galhos acenavam e dançavam com o

ritmo do vento, enquanto suas raízes permaneciam

solidamente plantadas no lugar, como o ar fresco cheirava a

uma mistura de flores e folhas.

A forma como as aves cantavam… adorava as canções

que cantavam no início de cada primavera, revelando a forma

com que despertavam para um novo começo. Adorava a

forma como as aves se moviam pelos ambientes da natureza,

como se pertencessem a qualquer lugar, como se moviam

livremente e sem restrições. Era tudo o que eu queria na vida,

movimentar-me livremente como as aves enquanto ainda

tinha as minhas raízes solidamente colocadas no chão.

Parecia ridícula – a ideia tanto de voar como de se manter

firme – mas o meu sonho era pertencer a um lugar onde

ainda fosse livre.


Estava vagando pela floresta atrás da minha casa nos

últimos 45 minutos em busca de um lugar para relaxar e

anotar meus desejos, meus sonhos e minhas esperanças.

Eu não havia deixado nenhum tipo de roteiro para voltar

para minha casa e esperava poder encontrar o meu caminho

sozinha. Na pior das hipóteses? Eu dormiria debaixo das

árvores. Não seria a primeira vez, e eu duvidava que fosse a

última.

Quando abri caminho por alguns galhos, fiquei surpresa

ao encontrar um campo aberto, livre de árvores e cheio de

flores de todos os tipos. A flor que mais se destacou foi a que

mais me deixou sem fôlego.

Margaridas.

Centenas e centenas de margaridas amarelas vibrantes

que pareciam ter sido colocadas ali de propósito. Meus olhos

brilharam com lágrimas enquanto eu tentava o meu melhor

para controlar minha respiração. No meio do campo havia um

banco branco, e eu não pude deixar de me encontrar

andando pelo trajeto feito pelo homem em direção a ele. Era

lindo. A maneira como o sol passava sobre as flores as faziam

brilhar e era de tirar o fôlego.

Não conseguia imaginar um lugar melhor para sentar,

respirar e escrever.

Então fiz exatamente isso.


Comecei a rabiscar no caderno, me perdendo enquanto

derramava todo e qualquer sentimento que ocorresse. Não

fazia ideia de quanto tempo passara enquanto passava a

caneta pelo papel e não me importava. Estava mais

preocupada em colocar minhas verdades – não importando

quão bagunçadas elas estivessem – no papel.

O céu da tarde começou a escurecer, e lampiões solares

entrelaçados pelas margaridas começaram a iluminar o

espaço, fazendo com que tudo se tornasse muito mais

mágico.

— O que diabos você está fazendo aqui? — Uma voz

latiu na minha direção, me fazendo pular do banco. Minha

caneta e caderno voaram das minhas mãos, aterrissando

entre as flores. Eu me virei para ver um homem parado atrás

de mim e uma explosão de choque e nervosismo passou por

mim.

— Olá... olá. Eu sou Ke…

— Eu não perguntei quem você era, — ele interrompeu,

com sua voz baixa e severa. — Perguntei o que diabos você

está fazendo aqui.

Ele era um homem bem constituído. Seus ombros eram

largos, seus bíceps eram impressionantes, e seu sorriso era –

bem, inexistente. Mas seus olhos? Perdi-me naqueles olhos

sombrios que se pareciam com o céu à meia-noite. Eu

sabia que era ridículo, mas podia jurar que já tinha


visto aqueles olhos antes. Talvez num sonho, ou talvez numa

fantasia, mas, de qualquer forma, senti uma atração por esse

estranho cruel. Conhecia aquelas íris escuras que me

sugavam, e a forma como ele inclinava a cabeça para mim,

completamente perplexo, me fazia sentir como se ele talvez

também me conhecesse.

Mas desde quando?

De onde?

— Eu sei... — Comecei, mas fui rapidamente

interrompida por sua agressividade.

— Você é surda? — Ele me repreendeu.

Talvez eu não o conhecesse. Eu me lembraria de

conhecer alguém tão rude quanto ele e me lembraria de ficar

longe, muito longe. — Não. Não, de jeito nenhum. — Corri

para pegar meu diário e a caneta que voaram alguns

momentos atrás. Quando dei um passo à frente, confusa,

tropecei nos meus pés e cambaleei, tentando me equilibrar.

— Cuidado! — Ele me alertou e sua voz era uma mistura

de aborrecimento e preocupação – não preocupação comigo,

obviamente. Ele parecia mais preocupado com as margaridas.

Felizmente, eu não caí. E fiz o meu melhor para andar

na ponta dos pés pelas flores enquanto pegava minhas

coisas. — Desculpe. Eu estava vagando pela floresta

quando eu...


— Invadiu.

— O que?

— Você está invadindo. Esta terra é propriedade

privada.

Eu ri um pouco enquanto abraçava o livro no meu peito.

— Sim, eu ouvi, mas…

— Então você sabia?

— Bem, sim, mas…

— Não há, mas. Você ouviu e desobedeceu a lei. Retirese

da minha propriedade antes que eu precise envolver a

polícia.

Eu bufei, atordoada por suas palavras. — Isso é sério?

Estava apenas tentando respirar um pouco de ar fresco e

explorar e…

— Invadiu, — ele interrompeu - novamente.

— Pare de me interromper! — Meu rosto estava ficando

quente com a grosseria dele e a raiva começou a borbulhar

dentro de mim.

— Eu vou quando você não estiver em minha

propriedade.


O homem com os olhos mais intensos e tristes que eu já

vi estava começando a me irritar. Ele estava sendo tão

grosseiro, duro e frio. Como achava certo ser tão indelicado

com uma pessoa que nem sequer conhecia?

Decidi chamá-lo ironicamente de Sr. Celebridade, vendo

como ele era tão encantador.

— Você não precisa ser tão indelicado, — resmunguei,

balançando a cabeça em descrença. — Eu não estava

prejudicando ninguém nem nada por estar aqui fora. A ideia

de que as pessoas podem possuir a natureza é um conceito

completamente ridículo de qualquer maneira. Essas árvores

estavam aqui antes de você nascer, estarão aqui muito tempo

depois que você morrer, e você ainda está tentando

reivindicá-las como suas. Isso é loucura para mim.

— Suponho que fique bem com estranhos vagueando

por seu terreno. —

— Isso não é o mesmo.

— Não é o terreno onde a casa foi construída antes de

você nascer? Será que não estará lá depois de a casa desabar

e você morrer? Mas acho que as pessoas invadindo o teu

espaço é diferente, porque a casa é tua e não minha.

— Seu sarcasmo não foi apreciado, — eu rebati, falando

com firmeza, apesar do meu nervosismo.


Comecei a dar um passo à frente para sair do campo de

flores e acidentalmente esmaguei algumas margaridas. Ele

pulou em minha direção.

— Cuidado! — Gritou.

E se inclinando no chão começou a tentar reparar o

dano que eu havia causado. A careta em seu rosto se

transformou em uma expressão severa enquanto as

margaridas estavam frouxas em suas mãos. Suas mãos eram

tão grandes que parecia que ele era um gigante brincando

com flores em miniatura. Seus lábios se moveram um pouco

quando ele murmurou algo baixinho, mas eu não consegui

discernir o que estava dizendo.

— Lamento, eu não ouvi…, — afirmei, e meu coração

ainda estava na minha garganta de tão nervosa que eu

estava.

— Provavelmente porque eu não estava falando com

você.

— Certo. Desculpe. Além disso, sinto muito por

qualquer dano que causei às suas flores.

Ele continuou sussurrando baixinho. Lembram-se do

Cesar Millan, o cara que sussurrava com os cães? Bem, neste

momento estava lidando com o Sr. Celebridade, o

sussurrador humano – não porque ele tivesse uma forma

profunda de entender os humanos, mas porque tudo o


que ele fazia era sussurrar.

— Se houver algo que eu possa fazer…

— Apenas vá, — afirmou com sua voz baixa e

controlada.

— Sem ofensa, mas você tem um temperamento terrível.

— Sem ofensa, mas eu não dou a mínima para o que

você pensa de mim.

— Idiota, — murmurei.

— Então você já ouviu falar.

— Ouvi o que?

— Sobre o meu papel na história fodida desta cidade, —

resmungou. — Eu sou o idiota da cidade. Apenas vivendo de

acordo com meu papel.

— Posso ver que você o leva a sério.

— Sou um profissional.

— Espero que você seja apenas uma pequena parte da

história desta cidade.

— Não há pequenas partes numa pequena cidade,

apenas pequenos clichês mentais. Tenho certeza que você vai

se encaixar bem. Agora, se me desse o prazer de sair da

minha propriedade, isso seria ótimo.


Uau.

Muito bem, Sr. Celebridade.

Posso apoiar alguém que encara seriamente sua carreira

de ator, sem qualquer problema. E rapaz, ele era bom. Ele

merecia um prêmio por sua atuação. Acreditava em todos os

comentários arrogantes que ele proferiu.

Se Louise, Kate e o Sr. Celebridade fossem os pontos

altos desta cidade, eu estaria em uma festa.

Ele não olhou para mim. Aqueles olhos escuros e

misteriosos não focaram nos meus novamente. Ele manteve o

olhar fixo nas margaridas com uma expressão tão carrancuda

que alguém pensaria que eu pisara em sua amada e a

esmagara até a morte.

Murmurei outro pedido de desculpas sem resposta e

comecei minha jornada de volta para casa – bem, tentei

encontrar o caminho de volta. Mas acabei caminhando em

círculos na floresta, e me encontrei de volta no campo das

margaridas. E o Sr. Celebridade estava sentado no meio do

campo, no banco branco, e soltou um suspiro pesado quando

me viu.

— Vá direto para minha casa. Vai até a Merry Road.

Com sorte, poderá descobrir onde vive quando chegar à

estrada principal.

— Certo. Claro. Obrigada.


Ele não disse mais nada.

Enquanto andava pelo quarteirão para encontrar meu

caminho de volta para minha casa, não pude deixar de rir do

fato de o Sr. Celebridade morar em uma rua chamada Merry 1 .

Ele estava longe de ser feliz. E Avenida Scrooge 2 parecia

muito mais adequada.

1 - Feliz em inglês;

2 - Ebenezer Scrooge é um personagem principal da história Um Conto de Natal, de Charles

Dickens. O personagem mais tarde serviria como inspiração para Carl Barks criar o Tio Patinhas. No

início da história Scrooge apresenta uma frieza desmedida no coração, além de ser ganancioso e

avarento;


Jax

AS PESSOAS ERAM AS PIORES.

Infelizmente, meu trabalho diário exigia que eu tivesse

um contato próximo com os seres humanos regularmente. Eu

era o único encanador da cidade, por isso, é desnecessário

dizer que passava muito tempo lidando com a merda de

Havenbarrow. Houve tantos dias em que desejei ter-me

tornado um escritor, ou escultor – ou literalmente qualquer

coisa que envolvesse o mínimo contato humano possível. Ah,

você precisa de alguém que fique em Marte por cinquenta

anos? Não há problema, chefe. Inscreva-me.

Inferno, ser veterinário teria sido melhor que isso. Pelo

menos, eu teria sido capaz de interagir com animais fofos

enquanto lidava com os seus donos idiotas que achavam que

não havia problema em dar vinho aos seus cães porque LOL

YOLO 3 .

3 - Yolo é um lema em inglês, um acrônimo que significa You Only Live Once, cuja tradução é Você Só

Vive Uma Vez.


Desnecessário dizer que eu não sou uma pessoa do

povo. E também achava que eles eram demais para o meu

gosto. Tinha cruzado com muitos tipos diferentes de

indivíduos na minha vida e tinha aprendido rapidamente que

a maioria deles não era para mim. Portanto, encontrar uma

mulher invadindo o meu bosque não foi à coisa mais

excitante que me aconteceu ontem à tarde. Mesmo que ela

fosse bonita, ela ainda era, apesar de tudo, humana. Sua

beleza não era suficiente para que eu não me importasse que

ela estivesse em minha propriedade. Queria dela a mesma

coisa que desejava de praticamente toda esta gente na cidade:

ser deixado em paz.

— Que diabos está preso aí dentro? — Eu resmunguei

enquanto olhava para a pia entupida do banheiro principal

dos Jeffersons.

Marie Jefferson era uma senhora velha com olhos

bondosos. Ela estava no início dos seus 60 anos e usava

sempre as suas pérolas à volta do pescoço, com a roupa mais

cara e vibrante conhecida pela humanidade. Estava sempre

com roupas de grife, e se não fosse de grife, mesmo assim era

cara como o inferno. A maioria das pessoas em Havenbarrow

recebia grandes salários ou vinha de uma família abastada, e

Marie não era diferente. Ela simplesmente não tinha a

mesma atitude arrogante que muita gente da cidade tinha.


Na escala de pessoas que eu odiava, ela era uma das

poucas e distantes entre as quais eu podia tolerar, o que era

bom, considerando que seu marido, Eddie, era meu terapeuta

e era desde os treze anos de idade.

— Oh, bem, você sabe… — Marie encolheu os ombros e

girou o dedo nos cabelos tingidos de loiro morango. — Ontem

à noite, Eddie e eu ficamos um pouco selvagens, e bem… —

Ela pigarreou e suas bochechas ficaram vermelhas. — Jax, é

um pouco embaraçoso. Eddie me disse para não lhe contar a

verdade, mas sou uma péssima mentirosa.

O seu olhar passou por mim e travou em Connor, meu

assistente, que tinha acabado recentemente o seu primeiro

ano no ensino médio. Ele era o meu único empregado por

uma simples razão: ninguém mais na cidade tinha coragem

suficiente para trabalhar comigo. Connor era diferente,

porém. Ele era o golpista da cidade. Se havia uma maneira de

obter lucro, Connor estava em cima dele. Não me

surpreenderia se ele ficasse milionário antes de fazer vinte e

um anos. As rodas da sua cabeça estavam sempre rodando

com ideias sobre como ganhar mais dinheiro.

Eu trabalhava com ele há quase um ano, o que era

muito mais tempo do que qualquer outro empregado meu

tinha durado. Todo mundo antes dele saiu chorando ou me

chamando de idiota. Alguns choraram e me chamaram de

idiota ao mesmo tempo.


Connor era diferente. Ele não levou a sério nenhum dos

meus comentários agressivos e enérgicos. Estava

determinado a comparecer para receber seu salário e a se

divertir fazendo isso também. Mesmo quando eu estava de

mau humor, Connor agia como se fôssemos melhores amigos.

Na verdade, funcionava muito bem a meu favor. Nós

éramos um estranho perfeito casal. Éramos como o policial

bom, e o policial mau. Quando eu era mal-humorado com os

clientes, Connor vinha com seu charme para conquistá-los.

Regularmente ele ia embora com mais gorjetas do que eu

porque as pessoas gostavam dele. E não poderia culpá-los.

É triste dizer isso, mas com o tempo, tenho me afeiçoado

ao merdinha também.

Passei o braço pela testa. — Bom, não se envergonhe,

Marie. Ou você pode nos dizer agora, ou eu desmontarei os

canos. E de qualquer forma, descobriremos o que há lá, mas

se você me disser agora, posso evitar um trabalho extra.

— Oh, céus. — Ela corou e apertou as pérolas no

pescoço. — Ok, bem… há bolinhas anais lá embaixo. Nem

são grandes nem nada! Apenas uma sequência muito

pequena delas.

Connor instantaneamente caiu na gargalhada. Lancei

um olhar severo para ele calar quando meu corpo se

encolheu com a ideia do que Marie tinha acabado de me

dizer. A ideia da pequena e doce Marie usando


bolinhas anais trouxe um nível de desconforto que eu não

estava pronto para enfrentar. Em que tipo de merda esquisita

meu terapeuta se meteu? Nossa, perturbado nem sequer

chegava perto de como eu estava me sentindo.

Inferno, agora eu estava segurando minhas próprias

pérolas.

— Nós usamos apenas uma vez, enquanto Eddie e eu

estávamos… hum, bem… — Ela corou ainda mais e se

inclinou em minha direção. — Veja bem, eu estava com as

mãos e os joelhos no balcão da pia. — Ela fez uma pausa e

gesticula. — Não se preocupe, eu limpei tudo antes de você

aparecer. Não há se...

— Ok, sabe o que, Marie? Eu acho que conseguimos a

partir daqui. Que tal ir cuidar do que precisa ser feito na

casa? Terminarei em pouco tempo.

Olhei por cima do ombro para ver Connor parado ali

com os braços cruzados e o rosto mais vermelho da história

de todos os tempos. Suas bochechas estavam inchadas como

Alvin, o maldito esquilo, e eu sabia que se o cutucasse, ele

explodiria.

Quando Marie estava fora de vista, Connor soltou uma

risada, curvando-se e agarrando seu estômago enquanto ele

uivava em uma luta de risadinhas.


— Oh meu Deus, essa é a merda mais desagradável que

eu já ouvi! Ela tem cem anos! — Ele exclamou.

— Ela está na casa dos sessenta, não cem, e você teria

sorte de ter a idade dela e ainda ter uma vida sexual.

Ele estremeceu com o pensamento. — Isso é nojento.

Não quero que meu pau enrugado deslize em alguém dessa

idade.

— Olha a boca, Connor.

— Só estou dizendo que é nojento.

— Olha a boca, Connor. — Repeti.

Ele gemeu. — Desculpe, Jax.

— Apenas me dê uma chave inglesa, sim? — Arregacei

as mangas e manobrei embaixo da pia para começar.

— Ei, Jax... toc, toc, — disse Connor, segurando a chave

na minha direção. Eu juro, esse cara faz mais piadas ruins

do que um pai do centro-oeste.

— Quem bate?

— As bolinhas anais de Marie.

Pelo amor de Deus. — As bolinhas anais de Marie quem?

Ele riu antes de começar a falar novamente. — Não,

é isso. Essa é a piada. A piada é que você está prestes a


tocar nas bolinhas anais de Marie, e se isso não é engraçado,

não sei o que é.

Continuou rindo o tempo todo que eu trabalhei, e não

esperava nada menos do garoto pateta.

Depois que as bolinhas foram removidas com sucesso

do cano da pia, lavei minhas mãos agressivamente e fechei a

torneira. — Vá jogar as coisas na caminhonete. Encontro você

lá fora.

— Certo, capitão.

Ele se apressou e, enquanto eu saía do banheiro,

encontrei Eddie entrando em casa com uma pasta nas mãos.

Ele passava as manhãs no parque, lendo jornal em seus dias

de folga.

Eddie estava na casa dos sessenta também, e as rugas

em seu rosto contavam as histórias de seu passado. Suas

linhas de expressão eram profundas.

Acenou na minha direção com um pequeno sorriso. —

Vejo que você ainda está vivo depois de perder duas semanas

de terapia, — comentou com um sorriso.

— Apenas trabalhando.


Balançou a cabeça em compreensão enquanto colocava

sua pasta no chão. E passou a mão pelos cabelos grisalhos.

— E Amanda? Como ela está? Como vocês estão?

— Não somos mais nós. Nós terminamos há algumas

semanas.

— Humph. — O olhar de Eddie dizia muito mais do que

suas palavras jamais diriam.

Suspirei. — Tudo bem, desembucha.

— O que?

— O que pensa sobre meu término com Amanda.

— O que eu penso? — Murmurou, passando o polegar

pelo bigode grosso. — Eu não tenho nenhum pensamento

sobre o assunto.

Arqueei uma sobrancelha. — Sério?

— Sério. — Ele parou por um momento, ainda me

analisando com aqueles olhos de terapeuta. O fato de não

estarmos sentados em seu consultório não significava que ele

não usaria suas habilidades em mim. Uma parte de mim

suspeitava que Marie tivesse colocado as bolinhas anais no

ralo apenas para que eu viesse depois de perder algumas

consultas.


— Por quê? — ele questionou com os olhos estreitos. —

Devo ter pensamentos sobre o assunto? Você tem

pensamentos sobre o assunto?

Aí estava.

Seus comentários pareciam tão indiferentes, mas eu

sabia que ele estava me preparando para se aprofundar mais

na minha psique sobre por que as coisas não tinham

funcionado entre Amanda e eu. Ele estava me abordando

como um terapeuta.

— Você quer que eu me deite no seu sofá e conte

minhas ponderações? — Eu brinquei.

Eddie sorriu um pouco. — Meu sofá está sempre aberto.

— Sim, bem, hoje não. Nós, temos regras. Apenas nas

sessões no consultório, lembra-se? Além disso, tenho mais

trabalhos com Connor, então me perdoe por não querer

mergulhar nos detalhes da minha separação.

— Humm. — Oh inferno. Eu conhecia o tom daquele

humm. Nada de bom vinha depois desse tipo de humm

quando saía de seus lábios. Ele apontou para o sofá. — Você

tem certeza de que não podemos explorar um pouco? Mesmo

por mais ou menos cinco minutos?

Eu ri. — Boa tentativa, doutor, mas eu tenho que correr.


— Do que exatamente você está fugindo? — ele disse

com as mãos juntas e a cabeça inclinada para o lado.

— Neste momento? Bolinhas anais.

Ele jogou as mãos para o ar. — Pelo amor de Deus,

Marie, você não podia deixar de contar a Jax sobre o que

aconteceu com o ralo do banheiro? — Ele gritou em direção à

outra sala.

— As bolinhas foram ideia sua, querido! Não me culpe

por ser incapaz de mentir, — ela gritou de volta. — Minha

veracidade foi o que fez você se apaixonar por mim todos

esses anos.

— Sim, bem, as coisas mudam. — Ele gemeu,

balançando a cabeça.

Eu empurrei minha língua na minha bochecha. — Tem

certeza de que não quer se deitar no sofá e me contar seus

pensamentos e sentimentos atuais?

Ele atirou punhais em mim com os olhos, tornando-o

menos Dr. Jefferson e mais o Humano Eddie. — Pensei que

você estava indo embora.

Sorri. — De saída.

— Passe no consultório quando tiver uma chance, para

uma consulta.

— Parece bom.


— Ah, e Jax?

— Sim?

— Sinto muito, ouvi sobre seu pai.

Fiquei quieto por alguns segundos. Eu nem me

incomodei em perguntar como ele soube disso, porque sabia

que as pessoas em nossa pequena cidade eram todas

repórteres sem credenciais. Era uma cidade de fofoqueiros

que realmente não dava a mínima para meu pai ou para

mim.

Na verdade, eles estavam correndo cantando canções de

alegria por ele estar quase morto. Logo, eu andaria pelas ruas

e ouviria os louvores das pessoas da cidade: Ding dong, o

velho idiota está morto. Qual velho idiota? O velho idiota

escroto!

Meu pai não era amado por mim, e ele era ainda menos

amado pelos habitantes dessa cidade. Se eu tivesse que

contar o número de vezes que ele foi referido como o Sr.

Potter da cidade de It's A Wonderful Life, ficaria exausto ao

contar. E não podia nem discordar da avaliação.

Meu pai não era um homem bom, e agora ele estava

numa casa de repouso, lutando depois que seu terceiro

derrame o deixou parcialmente paralisado e com demência

vascular. Sequer sabia quem ele era, e eu não era mais

capaz de cuidar dele. Havia se mudado recentemente

para o lar de idosos, onde poderia obter os cuidados


de que precisava.

Antes de meu pai ser colocado lá, eu havia passado os

doze anos anteriores ajudando-o com seus problemas de

saúde – que eram muitos. Ele nunca se cuidou, o que

dificultou ainda mais a tarefa. Durante todo esse tempo, ele

também era ágil em me bater, para me lembrar de que eu

estava sob o seu domínio. Meu irmão mais velho, Derek,

partiu no dia em que fez dezoito anos e nunca mais olhou

para trás. Mamãe teve Derek em um casamento anterior, mas

durante toda a minha vida, Derek referiu-se ao meu pai como

seu até o dia em que a nossa mãe faleceu e papai se voltou

contra nós como o seu saco de pancadas.

Agora, papai fora transferido da casa em que cresci e

colocado sob os cuidados de outras pessoas. Mesmo que eu o

odiasse, a casa ainda era um pouco mais fria à noite.

Engraçado o quanto alguém podia sentir falta dos demônios

com quem costumavam brincar quando partiam.

Eddie teve um dia cheio quando eu revelei essa verdade

a ele.

Balancei a cabeça, tentando não mostrar nenhuma

emoção sobre a condição do meu pai. A verdade é que eu

tinha pulado nossas consultas porque não estava pronto para

conversar. E não sabia o que dizer.


Eddie faz uma careta feia no rosto. Ele costumava ser

melhor em segurar essas caretas durante as sessões de

terapia, mas quanto mais nos afeiçoamos e mais nos

tornávamos família, Eddie não conseguia esconder sua

preocupação comigo.

— Se você precisar conversar… — começou.

— Seu sofá está sempre aberto… sim, Eddie, eu sei.

Fui para fora para encontrar Connor na caminhonete,

mas, para minha surpresa, encontrei-o em pé na cerca,

conversando com a mais nova vizinha de Eddie e Marie – a

invasora.

Ele segurava um dos seus cartões de visita na sua

direção e como sempre falando – demais. — Então, sim, eu

sou o fundador, proprietário e CEO da Cuber Incorporated, e

você como novo membro, ganha sua primeira corrida de

graça. Mas, como parece ser um diamante nesta pequena

cidade carbonífera, vou permitir que tenha duas corridas

gratuitas. Basta fazer o download do app e introduza o código

‘diamante’. — Fez uma pausa e arranha o nariz. — Muito

bem, não introduza ainda esse código porque tenho de

atualizar o aplicativo antes que isso funcione, mas depois das

16 horas, estarei livre para oferecer esse serviço. — E

balançou as sobrancelhas de forma sugestiva.

— Connor, — eu grito, fazendo-o virar a cabeça

para mim. — Vamos.


Ele ergueu um dedo. — Um segundo, sócio, estou

tratando de uns negócios. Por falar em negócios, não tenho

apenas o Cuber, sou sócio da Kilter e Roe Encanamentos e…

— Você não é meu sócio, é meu funcionário, e

atualmente até nisso está pendurado por um fio.

Connor sorriu e acenou com a mão desdenhosamente

em minha direção. — Não lhe dê ouvidos, ele é apenas um

velho rabugento antes dá uma da tarde. Demora um pouco

para ele acordar e ser um humano decente como todos nós,

— brincou.

A intrusa sorriu levemente, olhando para o meu lado. —

Percebi que isso é verdade, — disse ela.

Fiz uma careta, sem me impressionar com o rumo que

esta conversa estava tomando. — Connor, carro. Agora.

— Muito bem, sócio…

— Mais uma vez, você não é meu sócio.

Revirando os olhos, diz: — Algumas pessoas e a sua

resistência aos títulos, não é mesmo? — Disse sorrindo, e a

invasora voltou a rir. Que ela se lixe por ser bonita. — Mas,

de qualquer maneira, deixe-me ir antes que o rabugento

McGrump tenha um aneurisma. E lembre-se, precisando de

uma carona, você tem o Connor ao seu lado. E se estiver com

problemas de encanamento, não tema em ligar para o

segundo número deste cartão. — Entregou-lhe outro


cartão de visita e depois piscou para ela. — Ficarei mais do

que contente em dar uma olhada em seu encanamento.

Santo Deus! As insinuações que saíam da boca deste

garoto eram dolorosas.

— Connor, entra no carro, — ladrei.

— Rabugento mesmo. — A invasora sorriu, o que me

irritou ainda mais porque o seu sorriso também era lindo.

Voltei para a caminhonete e saltei para o assento do

motorista.

Alguns instantes depois, Connor se juntou a mim,

afivelou o cinto de segurança e depois esfregou as mãos. —

Não poderia perder a oportunidade de obter novos clientes.

Você entende né chefe.

Eu levantei uma sobrancelha. — Oh, então agora eu sou

seu chefe?

— Escute, Jax, você precisa entender; as mulheres

respeitam os homens que têm seus próprios negócios. Isso

me faz parecer mais profissional quando digo que sou seu

sócio.

— Ou isso faz você parecer um mentiroso.

— Dá no mesmo…

— Deixe-me ver este cartão de visita que você está

distribuindo para nós.


Ele enfiou a mão no bolso e me entregou.

Olhei para ele e balancei minha cabeça

instantaneamente. — Encanamento Kilter e Roe: mesma

merda, banheiro diferente. Esse é o seu slogan? — Eu gemi.

— Era isso ou ‘Nós bombeamos a sua merda’, —

explicou. — Sinto que o que escolhi tem a melhor pronúncia.

Agora, como contraí uma nova clientela e ajudei na remoção

das bolinhas anais, acho que é o momento perfeito para

passar no café e almoçar antes do nosso próximo trabalho, —

sugeriu ele, balançando as sobrancelhas.

— Acabamos de tomar o café da manhã antes de parar

na casa dos Jefferson.

— Sim, há duas horas. Sei que é velho e provavelmente

já atingiu o teu auge e tudo o que terá que esperar no futuro

é bolinhas anais, mas eu sou um jovem em fase de

crescimento, Jax! Preciso de todos os carboidratos que

conseguir ingerir.

Virei à chave na ignição. — Almoçaremos durante o

nosso intervalo no escritório. Eu já trouxe comida para nós.

Connor fez uma careta de nojo. — Por favor, não me faça

comer outro sanduíche de manteiga de amendoim e geleia e

seu repugnante shake de proteína. Estou cansado disso.

— Está repleto de proteínas e ajudará você a

desenvolver músculos.


— Você sabe o que mais me ajudaria? Um número nove

do McDonald's.

Eu sorri. — Você pode gastar seu salário com essas

coisas durante o seu tempo livre, mas, no trabalho comigo,

comerá um sanduíche e um shake de proteína.

— Com grama nele.

— Não é grama. É couve.

— Não julgando sua masculinidade Jax, mas adicionar

couve aos seus shakes de proteína faz com que você se

pareça muito com aquelas garotas que usam botas Ugg e são

viciadas em Starbucks e Target.

— Você está me chamando de uma vadia sem

personalidade?

Ele abriu os lábios para responder, mas fez uma pausa,

arqueando uma sobrancelha. — Vai me dizer para cuidar do

meu linguajar se te chamar de vadia?

— Sim.

— Bem, então pare de ser uma vadia sem personalidade

e comer couve. A próxima coisa que sei é que você brindará

com batidas de abacate no Instagram enquanto toma um

kombucha 4 . —

— O que é kombucha?

4

– Chá adoçado;


— Oh! Graças a deus. — Connor suspira e passa a mão

na testa. — Você ainda tem suas bolas. —

— Não diga bolas, — pedi, apontando um dedo severo

para ele. — E não diga vadia.

Ele se recostou no banco e colocou as mãos atrás da

cabeça, apoiando os sapatos no meu painel antes que eu os

tirasse rapidamente.

— Ok, eu não vou dizer vadia mais. De qualquer forma,

podemos tirar um minuto para falar sobre a gostosura que é

a nova vizinha de Jefferson? — Ele perguntou.

— Não.

— Vamos lá, Jax. Você deve ter notado. Ela é gostosa

demais! E você viu seus olhos? Ela tem os olhos mais

impressionantes que eu já vi. Eles eram como... caramelo.

Você viu Jax? Você viu os olhos dela?

— Sim, Connor. — Eu vi os olhos dela, e ele estava certo

– eles eram malditamente lindos, mas isso não tinha nada a

ver comigo, e definitivamente não era da minha conta… e foi

por isso que fiquei confuso que o pensamento de seus olhos

tivesse pesado muito na minha mente.


O DIA de trabalho continuou e Connor não parou de

falar o tempo todo. Juro que esse garoto não calava um

minuto do dia. Eu me tornei muito bom em desligá-lo, porque

metade da merda que saía de sua boca era apenas bobagem

adolescente. Talvez fosse por isso que eu gostava dele, porque

ele não era nada como eu. Ele era caloroso, convidativo – e

um completo idiota, sim, mas, ainda assim, eu gostava de ter

o garoto por perto. É claro que eu nunca diria isso a ele,

porque ele nunca me deixaria passar com isso.

Quando chegamos a sua casa no final da noite, a cor de

Connor se esvaiu um pouco quando ele olhou para sua casa.

O garoto brilhante e falador perdeu toda a luz em um

instante enquanto olhava para dentro de casa e via sua mãe

entrando.

Eram apenas os dois, e sua mãe estava atualmente

lutando contra o câncer, o que é extremamente difícil para os

dois. Eu sabia que Connor trabalhava tanto, porque queria

ser capaz de cuidar de sua mãe. Ele tinha um coração de

ouro, e ela tinha sorte de tê-lo.

Abaixei minha cabeça enquanto minhas mãos estavam

presas no volante. — Se vocês precisam de alguma coisa, —

ofereci, me sentindo horrível pelo pobre garoto. Gostaria de

poder lutar suas batalhas.

Ele balançou sua cabeça. — Não. Estamos

superando isso. Hoje à noite, vou assistir a um filme

da Disney com ela para tentar animá-la um pouco.


Ela ama essas coisas da Disney. — Ele sempre tentou agir

como se o câncer não o atingisse, mas eu sabia que não devia

acreditar nisso.

Não era justo que Connor estivesse sendo forçado a

crescer mais rápido do que ele merecia.

— Envie uma mensagem se precisar de alguma coisa, —

disse.

— Ok. Vejo você amanhã. Espero que o dia envolva mais

bolinhas anais, — brincou, mas a palidez de seu rosto ainda

estava lá enquanto tentava esconder seu sofrimento com

humor.

— Duvido.

— Boa noite, Jax. — E saltou da caminhonete e correu

em direção aos degraus da frente. Esperei até ter certeza de

que ele havia entrado em sua casa.

Em vez de ir para casa como eu queria, fui ao único

lugar onde desejava não precisar ir para ver a única pessoa

que eu desejava saber como superar. Fui diretamente para o

asilo para ver o meu pai.

Sabia que ele provavelmente estaria dormindo quando

eu chegasse. Ultimamente ele dormia a maior parte dos dias

enquanto seu corpo lutava para preservar sua vida ou para

aproximá-lo da morte – eu não tinha certeza.


Só sabia que desde que ele foi parar no lar de idosos, eu

estava lá todas as noites, sentado à sua cabeceira enquanto

ele dormia profundamente.

Reparei numa bicicleta estacionada à porta do asilo, e

sabia que pertencia à Amanda, uma das cuidadoras do meu

pai que, por acaso, era minha ex-namorada.

Entrei e a reparei nela sentada na recepção, lendo um

romance. Ela estava sempre lendo um livro sobre cavalheiros

de armadura brilhante, salvando o dia.

Achei que era por causa desses livros que eu nunca

tinha sido o que ela queria que eu fosse. Mesmo quando eu

tentava entrar totalmente em nosso relacionamento, eu

sempre soube no fundo que algo estava faltando. Paixão?

Uma conexão mais profunda?

Quem sabe.

Talvez eu estivesse muito ferrado com meus traumas do

passado para saber como amar alguém corretamente. Tudo

que eu realmente sabia era que depois de dois anos de

namoro e sem um compromisso, ela se cansou de tudo.

Quando ela mencionou que nós podíamos ter um bebê e

ignorou a etapa do casamento, eu sabia que era hora de

cortar o cordão.

— Oi, — eu disse, acenando em sua direção. Ela

nem tinha me notado entrar. Quando seus olhos

estavam trancados nessas páginas, ficava distante do


resto do mundo, totalmente imersa nas palavras das páginas,

a menos que um paciente precisasse de sua ajuda.

Fechou o livro e me deu um meio sorriso. — Oi.

— Como ele está?

— Você sabe, o mesmo. — Ela se levantou da cadeira e

abraçou o livro no peito. Seu cabelo castanho estava preso

em um rabo de cavalo bagunçado, e parecia exausta. Tinha a

sensação de que o trabalho dela não era o mais fácil de

executar.

Ficou claro que papai não tinha muito tempo e, para ser

sincero, eu não tinha certeza de como me sentir sobre tudo

isso. Meu pai não era um bom homem. Ele era cruel com

qualquer pessoa.

Alguns olhares em volta da minha casa mostraram como

o meu pai tinha sido comigo durante minha infância. Havia

feito buracos suficientes nas paredes desde que a sua fúria

bêbeda emergia através dos seus punhos. Quando aqueles

punhos não tinham tido ligação com as paredes, havia uma

boa chance de colidirem em meu rosto. Nem podia contar

com ambas as mãos o número de vezes que ele me batia em

cada uma das salas daquela casa por coisas totalmente

banais.

Se a máquina de lavar não terminasse antes do

noticiário da noite – me batia.


Se estranhos fossem encontrados vagando em nossa

propriedade – me batia.

Se me ouviu roncando alto demais – me batia.

Se por sentir falta da minha mãe – me batia.

Sempre procurei perceber quando o meu pai tinha se

tornado o monstro que ele era. Ele tinha sido cruel e violento

antes da morte da mamãe, mas perdeu o juízo quando ela

morreu. Nunca culpei meu irmão por ter deixado a cidade. Eu

deveria ter feito à mesma coisa, mas nunca consegui criar

coragem suficiente para deixar meu pai por conta própria.

Talvez uma parte de mim tenha sentido necessidade de

tomar conta dele.

Talvez uma parte de mim sentisse que eu merecia os

espancamentos.

Seja como for, eu fiquei.

Eu deveria ter preenchido os buracos nas paredes, mas

uma parte de mim não queria esquecer o dano que meu pai

havia causado.

Amanda cruzou os braços e seu olhar ficou suave. —

Como você está indo? — Perguntou.

— Você sabe, o mesmo, — murmurei, dando a ela as

mesmas palavras que ela me deu do meu jeito. Puxei o

livro de dentro da minha jaqueta e o segurei no ar. —


Posso entrar?

— Sim, claro.

— Ok. Obrigado, Amanda.

Um raio iluminou o céu lá fora e, em segundos, um

dilúvio estava caindo.

— Merda, — murmurou, revirando os ombros para trás.

— Está realmente caindo o mundo lá fora, e eu vim de

bicicleta para o trabalho.

— Vou te dar uma carona para casa quando terminar

aqui, se você quiser.

Eu vi uma centelha de esperança em seus olhos

enquanto dizia essas palavras, e eu gostaria de ter sido o tipo

de idiota que não percebia as emoções de uma mulher. Teria

sido mais fácil do que ver todos os sentimentos que

alternavam em suas feições.

— Sim, isso seria ótimo, — disse tentando segurar seu

sorriso.

Não sorria para mim, Amanda. Eu não valho a pena.

Fui para o quarto de papai e, quando entrei, ele estava

dormindo, o que era bom. Se ele não estivesse dormindo, eu

teria pensado em me virar e ir embora. Sentado no leito de

morte, ele ainda tinha a capacidade de ser totalmente

cruel – mesmo quando não me reconheceu como seu


próprio filho. Quando ele estava deitado eu podia vê-lo um

pouco mais humano, invés do monstro.

Puxei uma cadeira ao lado de sua cama e comecei a ler

Guerra e Paz – seu romance favorito – para ele. Eu lia alguns

capítulos todas as noites, mesmo que ele não pudesse me

ouvir. Esse romance foi uma das únicas coisas que ele e eu

tínhamos em comum. Além de gostar do mesmo livro, eu era

o completo oposto do homem frágil que estava deitado à

minha frente.

Eu li por quarenta e cinco minutos antes de fechar o

livro e me levantar. Papai parecia tão quebrado e cansado. Às

vezes eu contava suas respirações para ter certeza de que ele

estava respirando.

Outras vezes, eu colocava minha mão contra seu peito

para sentir seus batimentos cardíacos.

Meu coração frio não sabia como lidar com o que estava

acontecendo com o homem que sempre foi agressivo e duro

comigo. Vê-lo tão quebrado era mais difícil do que eu jamais

poderia imaginar.

Depois que terminei minha visita, fui em direção à

recepção onde Amanda já estava me esperando. — Pronta? —

Eu perguntei.

Ela assentiu enquanto pegava suas coisas.


Saímos para a minha caminhonete, e ela foi rápida em

mudar meu rádio da estação de rock para sua música pop. —

Obrigada pela carona. Eu não sabia que iria chover, —

explicou passando as mãos pelas coxas.

— Sem problemas.

— Você viu o convite do casamento de Alex e Morgan? —

Ela perguntou. — Quer dizer, foi enviado para minha casa,

mas Morgan disse que lhe enviaria outro, já que não somos

mais um casal. A menos que…, — ela mordeu o lábio inferior

e, porra, tudo que eu queria era uma cerveja gelada e

silêncio. — A menos que você deseje ir comigo.

Passei a mão pelo cabelo. — Acho que nós dois sabemos

por que essa não é uma boa ideia.

— Poderia ser uma boa ideia se tentássemos, no

entanto. Quer dizer, realmente – e se tentássemos essa coisa

de ex com benefícios? Acho que estou bem o bastante com a

separação. — Ela disse isso em tom brincalhão, mas eu sabia

que ela estava falando sério.

— Amanda… você me ligou bêbada e chorando no fim de

semana passado.

— Foi culpa do álcool. Isso me deixa uma bagunça. —

Ela riu, e percebi que era uma risada nervosa. Eu me senti

muito mal com a separação, não porque não era certo

para nós – porque era - mas porque ela não estava


levando isso numa boa.

Paramos na frente do seu prédio e estacionei a

caminhonete. — Amanda, por favor. Já conversamos sobre

isto. Simplesmente não funcionaria entre nós. Você sabe que

eu acho que é uma grande garota e...

— Por favor, não me menospreze com os seus elogios

vazios, — murmurou. — Isso não faz doer menos.

Abaixei minha cabeça. — Se trabalhar para o meu pai

está dificultando muito essa situação, posso tentar transferilo...

— Eu posso fazer o meu trabalho, — retrucou. — E não

preciso que você questione se eu posso lidar com o meu

trabalho por causa dos meus sentimentos por você. Além

disso, eu estava brincando de ser ex com benefícios. Para

com isso. Tenho certeza de que você namorará em breve, e

será como se eu nunca tivesse existido.

— Eu não estou vendo ninguém. — Se ela soubesse

quão errada ela estava sobre sua teoria. Namorar estava tão

longe dos meus objetivos. Imaginei que se uma garota como

Amanda não pudesse me fazer um homem de família, talvez

eu não fosse para ser um. Ela era uma boa pessoa com um

bom coração.

Havia apenas uma parte desconhecida de mim que

não me via apaixonando por ela e criando seus filhos, e

eu não seria o idiota que a amarraria. Ou seria o


idiota que partiria seu coração.

Fale sobre uma situação de perder ou perder.

— Você me amou? — Ela perguntou, e porra essa

pergunta era péssima. E sabia a resposta. O que eu não sabia

era porque ela estava fazendo isso consigo mesma.

Olhei para ela e vi seus olhos cheios de emoção. — Sinto

muito, Amanda.

— Talvez você seja como seu pai, — afirmou e essas

palavras fizeram minha pele arrepiar. — Talvez sua mente

esteja tão confusa que não possa amar outra pessoa ou até

deixá-la amar você.

Meu queixo aperta quando tento afastar o que ela me

disse.

Talvez você seja como seu pai.

Isso foi um golpe baixo, e Amanda sabia disso.

A única coisa na vida que eu nunca quis ser era como

meu pai.

— Boa noite, Amanda.

— Sério? É isso aí? Você não vai tentar argumentar?

Evidentemente que não. Ela montou uma armadilha

com a qual eu não queria mexer neste momento. Estava

tentando me forçar a algum tipo de reação, mas eu


não tinha nada a oferecer. Manteria para mim a minha

irritação, porque a verdade é que eu não era nada como o

meu pai. Nunca deixei que a minha raiva tomasse conta de

mim.

Por fim, ela saltou da caminhonete sem dizer uma

palavra e correu para o prédio.

Respirei fundo e exalei quando liguei o rádio de volta à

estação de rock.

Chegando à propriedade da minha família – mais de cem

hectares de terra que estavam praticamente vazios há anos –

soltei um suspiro de alívio. Poderia trabalhar no paisagismo,

mas sempre que eu oferecia, papai fazia questão de me dizer

para não tocar na merda até que ele estivesse morto. Ele

disse que quando morresse, seria tudo meu, e eu já sabia o

que queria fazer com isso. Mamãe sonhava há muito tempo,

com o que ela queria que parecesse, e faria o meu melhor

para tornar a imaginação dela realidade.

Eu não acreditava em anjos, mas isso não significava

que não havia possibilidade de que fossem reais. Se fossem,

eu sabia que minha mãe seria um anjo, e se ela estivesse me

vigiando, eu esperava que estivesse vendo seu sonho ganhar

vida e que isso a deixaria orgulhosa.

Assim como fazia toda semana, liguei para meu irmão

naquela noite para atualizá-lo sobre as condições de

papai.


Derek morava em Chicago e vinha dizendo – nos últimos

catorze anos – que voltaria para uma visita. Acontece que

sempre fui eu quem fazia a viagem anual ao norte para vê-lo.

— Bem, talvez esteja na hora de se afastar

completamente. Sejamos honestos, Jax, você fez mais por

aquele homem do que ele merece. Não precisa continuar a ser

pai de um homem que nem sequer te criou corretamente.

Sentei-me na poltrona favorita do papai e suspirei. —

Mais fácil falar do que fazer.

— Estou falando sério, Jax. Você já fez o bastante.

Não respondi por que, depois do acidente com a mamãe

todos esses anos atrás, não senti como se fosse fazer o

bastante para compensar o que havia acontecido.

— Tenho muito carma para limpar, Der. O mínimo que

posso fazer é cuidar dele nos seus últimos dias.

Ele suspirou pelo telefone, e eu o imaginei passando as

mãos nos cabelos ondulados parecidos com os meus. — Se

isso é sobre o acidente…

— Não é, — eu menti. Claro que era mentira.

Tudo na minha vida foi resultado do acidente de anos

atrás. Toda escolha que eu fiz para afastar as pessoas foi por

causa dos erros do meu passado.


— Jax. — Eu podia ouvir a dor de Derek por mim

através do telefone. — O que aconteceu não foi sua culpa.

Você não pode segurar essa merda em sua alma para sempre.

Acredite em mim quando digo isso… não foi sua culpa, porra.

Ele me diz isso toda vez que conversávamos.

E eu nunca acreditei nele.

Depois que terminamos a ligação, fui para a cama e

permiti que a escuridão da noite me chamasse para dormir

novamente.


Kennedy

SE VOCÊ DER UM MUFFIN A KENNEDY, provavelmente

descobrirá alguns fatos da vida dela.

Esse parecia ser o lema das pessoas em Havenbarrow.

Acordei com mais gente da vizinhança aparecendo com

guloseimas para me receber na cidade. O número de vezes

que eles me entregaram comida enquanto tentavam espiar

minha casa era irritante. O que era ainda mais preocupante

era a forma como eu dizia alguma coisa a um visitante, e

quando o próximo chegava, eles já estavam a par de toda a

minha história de vida.

As notícias se espalhavam por Havenbarrow como um

incêndio florestal, e quando as histórias se espalhavam, elas

ficavam um pouco piores do que quando começaram. Era

como se estivéssemos brincando de telefone sem fio na

escola. Atualmente, eu era uma mulher solteira

desempregada, morando na propriedade da minha irmã

sem o seu conhecimento.


Realmente nunca me considerei uma garota da cidade

até aquele momento. De onde eu vim, ninguém se importava

com quem você era, e o único presente que eles estavam

oferecendo era uma mão pressionada na buzina se você

esperasse dois segundos demais depois que a luz vermelha

mudasse para verde.

A única graça salvadora dessa pequena cidade, eram

meus vizinhos não tão intrometidos, os Jefferson.

E minha outra vizinha adorável, Joy Jones.

Joy Jones era uma personagem e tanto. Naquela

manhã, quando o sol nasceu, ela saiu para a varanda da

frente e sentou-se na sua cadeira de balanço com um sorriso

no rosto e uma grande caneca de café na mão. Alguns dos

meus visitantes intrometidos disseram-me que era uma

rotina diária para ela.

Seus cabelos prateados estavam arrumados em um

coque bagunçado preso com duas agulhas de tricô, e seus

óculos laranja vibrantes de armação grossa estavam no topo

da cabeça. Ela usava um laço de cores vivas no cabelo que

combinava com o vestido do dia, e sempre cumprimentava a

todos que passavam pela casa dela, mesmo quando eles não

respondiam.

Quando ninguém passava, ela estava ocupada

conversando consigo mesma – ou, mais precisamente,

conversando com o marido, que não estava mais vivo.


Ela também rabiscava num papel, cartas como se sua vida

dependesse da tinta que sangrava nas páginas.

Era comovente de se ver, ainda mais preocupante era

como as pessoas da cidade a ignoravam quando ela escapava

nos seus delírios. Era gentil quando cumprimentava os

transeuntes, sempre muito amável, mas o sentimento não era

mútuo. Era como se tivessem medo de lhe oferecer um aceno,

um bom dia, boa tarde ou boa noite em suas caminhadas ao

redor do quarteirão.

O que me incomodava ainda mais era a forma como as

pessoas a ridicularizavam. Se a chamavam eram para

zombarem dela, chamando de Crazy Joy, a mulher que nunca

saiu de sua varanda. Corriam rumores de que ela não tinha

saído daquela varanda de madeira desde o dia em que o

marido morreu. Às vezes, os adolescentes troçavam, e riam

uns com os outros em grupos.

— Oi, Crazy Joy. Você cozinhou mais alguém em sua

casa? — Falam antes que eu os repreenda e os mande

embora.

— Tenham um bom dia queridos, — dizia Joy, enquanto

acenava na direção deles, sem se importar nem um pouco.

Ainda assim, Joy continuava cumprimentando a todos que

passavam, e seu sorriso nunca vacilava. Era como se ela

estivesse acima de ser incomodada pelos julgamentos e

crueldade deles, como se as opiniões e pensamentos


dos outros não afetassem sua alegria.

Ela realmente faz jus ao seu nome. E gostaria de poder

ser mais como ela – menos afetada pelo mundo ao meu redor

– mas meus sentimentos eram muito parecidos com o vento,

movendo-se onde quer que fossem soprados. Era uma falha

minha, uma que meu marido se certificou de me contar o

tempo todo também.

— Se recomponha, Kennedy. Você não pode reagir e levar

tudo o que digo tão a sério — ele sempre me dizia. — Suas

emoções vão estragar tudo de bom que temos.

Estava tentando o meu melhor para excluir suas

palavras do meu cérebro, mas era mais fácil dizer do que

fazer. Quando alguém faz você se sentir tão pouco, sua mente

se prende às suas falhas.

— Lamento que tenham sido tão cruéis com você, — eu

disse a Joy.

Ela olhou para mim com um enorme sorriso no rosto e

balançou a cabeça. — Quem foi cruel, querida?

Sorri de volta.

Deixa pra lá.

Voltei a ler meu livro na minha varanda enquanto os

raios de sol me aqueciam da cabeça aos pés. Era

engraçado pensar em como Joy não saía de casa havia

anos. Para outros, provavelmente parecia loucura,


mas eu entendi. Eu não dirigia um carro há mais de um ano

por minhas razões pessoais, e Joy não se aventurava pelas

dela.

Não estava dizendo que fazia sentido, mas eu entendia.

Algumas vezes, por muito que queira lutar contra isso, uma

pessoa torna-se tão dedicada aos seus medos que faz tudo o

que está ao seu alcance para impedir que ganhe vida. Eu não

sabia quais eram os medos da Joy ou o que a estava

impedindo de sair de sua casa; tudo o que eu sabia era que

eu entendia.

A vida é difícil. Temos que fazer o que for preciso para

nos mantermos confortáveis com a nossa mente. Para mim,

isso significava não dirigir. Para a Joy, significava ficar em

casa.

Mas gostaria de saber como é que ela conseguia.

Pergunto-me como é que ela conseguiu continuar vivendo

sem pisar fora de casa. Ela não parecia ter filhos, nem sequer

um prestador de cuidados que a ajudasse, pelo que pude

perceber.

Mais tarde, nessa manhã, as minhas perguntas foram

respondidas quando uma pickup azul encostou em frente da

sua casa.

Desnecessário dizer que meu queixo caiu no chão

quando vi o Sr. Celebridade sair do veículo. Ele

caminhou direto para a varanda de Joy, com os


braços cheios de sacolas de compras.

E foi cumprimentá-la, e ela se levantou da cadeira de

balanço quando ele colocou as sacolas no chão. Então ele a

abraçou.

Ele a abraçou!

Eu não pensaria que alguém tão mal-humorado quanto

o Sr. Celebridade tivesse a capacidade de abraçar alguém. Os

dois entraram para guardar as compras, deixando-me

completamente perplexa e incapaz de voltar à minha leitura.

Era preciso muito para me afastar de um livro – e por ‘muito’,

eu quero dizer muito. A minha casa podia estar em chamas,

ou os extraterrestres podiam ter me abduzido, e eu ainda

quereria ir para aquela última página. Quando a minha

própria história de amor estava quebrada, recorri a histórias

para curar as fissuras dos meus batimentos cardíacos

despedaçados. Quando o meu mundo desmoronou, os livros

ainda acreditavam na felicidade e no para sempre. Esses

livros me salvaram nos dias em que eu sentia minha alma

cair vítima da mais dura das tempestades.

No entanto, o Sr. Celebridade me afastou das palavras.

Ele me deixou curiosa entrando na casa de Joy. Observandoo

conversar com ela, minha mente disparou. Alguns minutos

depois, quando os dois voltaram para o lado de fora, cada um

com um copo nas mãos – um com vinho, o outro com um

pouco de líquido escuro que supus ser uísque – não

consegui parar de olhar para eles. Joy continuou


falando, e o Sr. Celebridade continuou respondendo. Mesmo

que eu não pudesse ouvir o que eles estavam dizendo, Joy

olhava muito além do que estava sendo dito a ela, o que

obrigou meu próprio coração a pular algumas batidas.

Bem, eu vou ser amaldiçoada.

O idiota da cidade me fez desmaiar.

Desviei o olhar antes que ele pudesse me notar

contemplando como se ele tivesse acabado de salvar um

gatinho de uma árvore. Quando voltei para o meu romance,

meus batimentos cardíacos não diminuíram, e

silenciosamente desejei poder voar no parapeito da varanda

de Joy para ver do que os dois estavam falando.

Quando ouvi uma risada profunda e masculina sair dos

lábios do Sr. Celebridade, minha cabeça girou rápido ao vê-lo

jogando a cabeça para trás, divertido.

Uau.

Ele tinha a capacidade de se divertir.

Quem teria imaginado?

Os dois conversaram um pouco mais e, quando chegou

a hora do Sr. Celebridade ir embora, ele se levantou e deu

outro abraço em Joy.

— Vejo você amanhã no café da manhã, — disse

ele. — Eu vou fazer para você panquecas.


— Ok, querido. Ligue-me assim que chegar em casa, —

disse Joy.

— Eu moro literalmente ao virar da esquina, Joy. Vou

chegar seguro em casa.

— Ligue-me quando chegar em casa, — disse ela mais

severamente desta vez.

Ele sorriu quando se inclinou para frente e beijou sua

testa. — Vou ligar, Joy.

Meu Deus, meu coração?

Enquanto Joy entrava e o Sr. Celebridade ia em direção

a sua caminhonete, meus olhos o seguiram o tempo todo. Ele

não olhou para mim uma única vez, mas seus lábios abriram.

— Se você vai ser tão bisbilhoteira, é melhor puxar uma

cadeira na varanda da frente para escutar da próxima vez, —

ele me disse, ainda sem olhar para mim. — Eu não deveria

estar chocado, vendo como você tem o costume de invadir,

primeiro minha terra e depois minhas conversas.

Sentei-me ereta na minha cadeira. — Eu não estava

invadindo.

Ele abriu a porta da caminhonete. — Vá no Google, e

pesquise a palavra invasão, e veja que você está errada -

depois viva com esse fato pelo resto da sua vida. — Com

isso, ele fechou a porta com força, girou a chave na


ignição e se afastou do meio-fio sem outra palavra.

E os meus batimentos cardíacos de merda?

Eles pararam quando o meu coração disparou.

Então o idiota ainda era idiota, mesmo que ele

socializasse com a doce Joy.

Naquela noite, pesquisei no Google a palavra invasão.

In-va-são

Verbo

Gerúndio ou particípio presente: invasão

1. Entrar em terras ou propriedades do proprietário

sem permissão.

2. Cometer uma ofensa contra (uma pessoa ou um

conjunto de regras)

A definição no Urban Dictionary era um pouco diferente

do Merriam-Webster, no entanto.

Invasão 5

1. Quando uma mulher é propriedade de outra

pessoa, mas dois caras a penetram.

(Três) passando: Dois homens, uma mulher. (trio)

5 - Em inglês invasão é trespassing;


Está bem, está bem. Eu estava invadindo sua

propriedade, mas não havia nenhuma invasão do tipo trio

envolvida. Além disso, eu não estava invadindo sua conversa.

Eu estava escutando. Absolutamente não é a mesma coisa.

Eu chamaria a isso uma vitória.


Jax

JOY JONES ERA FACILMENTE minha humana favorita em

Havenbarrow, mas a maior parte da cidade ficava longe dela.

A família de Eddie e eu éramos as exceções. Ela estava no

final dos oitenta anos e, na maior parte do dia, sua mente

vivia em uma época em que o mundo era muito diferente.

Desde que seu marido faleceu há mais de vinte anos, Joy

tornou-se uma verdadeira reclusa.

A maioria das pessoas a chamava de louca, mas eu a

chamava de brilhante. Pouca interação com outros seres

humanos? Conte comigo.

Quando eu era mais novo, fugi de casa quando meu pai

ficou bêbado e me disse que ia me bater até eu dormir para

sempre, e acabei me escondendo no quintal da Sra. Jones por

alguns dias. Quando ela me encontrou, não me repreendeu

ou me disse para ir para casa. Em vez disso, ela assou

biscoitos para mim, e me deu o jantar. E conversou comigo.

Isso foi há mais de quinze anos, e eu estava

tomando café da manhã e jantando com ela


praticamente todos os dias desde então. Para o resto do

mundo, ela era Crazy Joy, mas para mim? Ela era minha

amiga, uma das poucas.

— O que você acha da minha nova vizinha? — Joy me

perguntou uma noite depois que eu vim para o jantar. —

Eddie e Marie vieram almoçar mais cedo, e eles tinham tantas

coisas boas a dizer sobre ela.

— Eu não acho nada dela, — disse enquanto nos

sentávamos à mesa da sala de jantar, que estava cheia de

comida suficiente para todo um coral gospel. Joy sempre

cozinhou comida demais, e eu sabia que era porque ela

estava determinada a me mandar para casa com as sobras

todas as noites. Provavelmente a mulher pensa que eu não

consigo fazer uma pizza congelada sem queimá-la.

Eu nunca discuti com ela sobre as sobras que ela me

envia. A verdade é que eu tinha queimado a minha quota de

pizzas congeladas, por isso a preocupação de Joy era

justificada.

— Eu acho que ela é tão doce. E linda também, —

comentou colocando salada no prato antes de passar a tigela

para mim.

— Oh? — Eu disse, parecendo desinteressado, mesmo

que eu tivesse sido um idiota por não perceber o quão bonita

era a mulher que se mudou para a porta ao lado. Bonita

parecia um eufemismo. Ela era de tirar o fôlego. Seus


cachos de mel saltavam toda vez que ela sorria, e quando ela

sorria, droga…

Esse sorriso fez até meu coração frio querer sentir um

leve calor. Ela tinha pernas longas, roupas vibrantes e shorts

curtos que a abraçavam nos lugares certos. Então aqueles

olhos...

Aqueles malditos olhos. Por que eles pareciam tão

familiares para mim, como se fossem a chave de uma

memória que eu não tinha sido capaz de desbloquear?

Aqueles olhos sorriam ainda mais que seus lábios. Quando

ela estava triste ou assustada, seus olhos também ficavam.

Era como se suas íris fossem o caminho para sua história,

mas eu não tinha sido capaz de mergulhar profundamente

em sua linguagem, não havia decifrado seu código. E não

sabia que história seu olhar estava contando. Não

compreendi as palavras nos olhos dela.

Merda, eu nem tentei alcançar.

E não queria tentar.

— Ela parece ser uma boa menina, — continuou Joy. —

Personalidade legal também. Você sabe que todas as manhãs

ela me cumprimenta com o maior sorriso e pergunta se eu

preciso de alguma coisa? Ela é um doce. E o mundo precisa

mais de garotas agradáveis.

Por quê? Para poder destruí-las?


Se eu sabia alguma coisa sobre pessoas agradáveis, era

que o resto do mundo não deixaria de bater na bondade

delas. Era como se a bondade fosse uma doença e todos

estavam decididos a esmagar qualquer pessoa que exibisse os

seus sintomas. Eu tinha passado os últimos vinte e oito anos

tendo qualquer luz positiva eliminada do meu corpo, e se

aprendi alguma coisa, foi que o mundo não foi feito para

pessoas agradáveis. Foi criado para destruí-las.

Fiquei em silêncio enquanto Joy continuava falando

dela. — Devia falar mais com ela, conhecê-la melhor.

Eu ri. — Não gosto muito de fazer amigos, Joy. — Ela

sabia disso. Não era um segredo. Um sinal de alerta deveria

ser quando meu melhor amigo era minha porra de terapeuta

e minha melhor amiga tinha quase noventa anos. — Além

disso, eu tenho você. — Sempre achei que, se você tivesse um

amigo de verdade, estava melhor que a maioria. E eu? Eu

tinha um punhado deles – se eu contasse Connor. Com base

nas estatísticas, eu provavelmente já tinha muitos.

— Sim, bem, um dia eu vou embora e você precisará de

um novo. É melhor você começar a selecionar agora. Eu não

estou ficando mais jovem, garoto. Aliás, acho que ela também

precisa de um amigo. Ela perdeu alguém, assim como nós

dois.

Minha sobrancelha arqueou. — Ela te contou isso?


Joy balançou a cabeça. — A perda não é algo que tenha

que ser dito. Está profundamente dentro dos olhos de uma

pessoa. As pessoas que perderam entes queridos se movem

de maneira diferente. Sua perda ainda está fresca, como se

ela não soubesse como se mover a cada dia. Isso é algo que

eu posso entender. Acho que é algo que você também pode

entender, então pense em conhecê-la um pouco melhor.

Estreitei os meus olhos. — Não está tentando bancar à

casamenteira já que eu rompi com a Amanda, né?

— Não, não, desta vez não. Não se trata de ser

casamenteira, apenas de amizade. Ao contrário da sua crença

pessoal, todos precisam de amigos, Jaxson, até as ovelhas

negras de uma pequena cidade como Havenbarrow.

— Vou manter isso em mente.

— E, a propósito, estou feliz por você ter terminado com

aquela garota Amanda. Ela era muito agressiva, — disse

acenando com a mão com desprezo. — Sempre querendo que

você fosse alguém que não era, tentando transformá-lo em

alguém que ela queria que você fosse, não gostava disso.

Ainda por cima, ela não gostava do meu bolo de limão.

Eu ri. — Foi exatamente por isso que eu terminei as

coisas com ela.

Ela estendeu a mão e deu um tapinha na minha

mão. — Que homem bom você é, Jax. Falando sobre

minha vizinha, — ela disse, mudando o assunto para


o que considerava importante, — você sabe o que eu mais

gosto nela até agora?

— O que é?

— O carro estacionado em sua garagem. É tão diferente

e divertido! Jax, você precisa ver quando sair. É muito legal.

Felizmente, Joy permitiu que a conversa mudasse da

minha vida amorosa e da busca por amizades quando o mais

novo episódio de The Bachelor começou. Como sempre, eu

assisti ao louco programa com ela. E como sempre, torci para

quem não estava recebendo a rosa no final do episódio e,

como sempre, Joy ficou surpresa com quem estava indo

embora. Durante o programa, alguns trovões surgiram, e eu

sabia que íamos ter uma chuva forte.

Antes de o solteiro entregar sua última rosa, um dilúvio

estava caindo sobre nós, e a chuva martelando sobre a casa.

— As árvores vão amar essa tempestade, — comentou

Joy, sempre encontrando o lado positivo em qualquer

situação.

Enquanto saía, rapidamente entrei na minha

caminhonete e, inferno, não pude evitar. Passei pela entrada

da nova garota e verifiquei o carro parado do lado de fora.

Meu peito se apertou quando o veículo estalou em minha

mente e meu queixo caiu.


— De jeito nenhum, — murmurei, olhando para o carro

que era mais do que familiar para mim.

Não poderia ser.

Não havia como…

Porra.

Colocando minha caminhonete no estacionamento, pulei

e corri para o veículo, invadindo como o idiota que eu era,

mas não consegui evitar. Eu me movi ao redor do carro,

olhando para todos os desenhos nele, e então parei perto do

porta-malas. Logo acima do pneu, havia um coração com as

iniciais JK + KL dentro. Com as palavras ‘amigos para

sempre’ escritas abaixo.

— De jeito nenhum, — disse sem fôlego, tropeçando

para trás. Minha mão passou por meus cabelos molhados

quando o choque quase me derrubou. Eu deveria saber,

deveria ter ligado os pontos instantaneamente, mas já faz

mais de quinze anos desde a última vez em que a vi – a

garota obviamente cresceu para ser uma mulher e tanto.

Kennedy Lost.

Kennedy Lost era a nova garota do bairro, e ela estava

vivendo bem entre os Jeffersons e Joy. Como? Como é que

isso era possível? De jeito nenhum. Nem pensar. O que a

trouxe aqui? Como é que ela acabara na minha cidade?

O que é que isso significava? Que diabos eu deveria


fazer com esta nova informação?

Não.

Claro que não.

Já foi há muito tempo. Éramos apenas duas crianças

estúpidas. Ela era apenas uma parte do meu passado – nada

mais, nada menos.

Mas mesmo assim…

Julguei que uma parte de mim sabia que era ela no

momento em que prendi os meus olhos nela no bosque. Senti

um impulso no meu coração congelado assim que ela olhou

para mim, mas fiz o meu melhor para considerar que era

uma azia porque não queria que fosse ela. Não depois de

todos esses anos. Não depois das mudanças que ocorreram

na minha vida. Não no homem em que me tornei ao longo do

tempo porque já não era mais o rapaz que ela conhecia.

Eu não precisava que visitantes do meu passado

voltassem para assombrar meus dias atuais. Minha mente já

era profissional em me assombrar com arrependimentos do

passado todos os dias. Não precisava de mais fantasmas

voltando para mim. Mas caramba...

Kennedy Lost.

Ela não era apenas esta bela pessoa que tinha

curvas em lugares que não existiam quando éramos

crianças, seu cabelo estava mais comprido, e seus


cachos eram beijados pelo sol quando caíam na frente do seu

rosto. Com a pele brilhando como se ela se banhasse sob o

sol, e os olhos…

Porra, Kennedy e aqueles olhos.

Vá embora, eu disse a mim mesmo.

Precisava me afastar da casa dela e não permitir que

meu cérebro a deixasse entrar. Precisava parar de pensar

nela, não poderia viajar por esse caminho.

Depois de ver aquele carro amarelo e comprovado quem

ela era, meu coração congelado tentou fazer a coisa mais

estúpida do mundo – tentou bater, mas o cristal frio no meu

peito não conseguiu realizar a tarefa. Não sabia como.

Entrei na minha caminhonete e fui embora. Eu tinha

que ir embora. Quando voltei para casa, não fui direto para a

cama. Em vez disso, caminhei na chuva pela floresta escura

que eu conhecia como a palma da minha mão, indo em

direção ao campo de flores. Dezenas que eu plantei ao longo

dos anos que estavam em plena floração. A flor mais comum

era a margarida.

Fui até o banco no meio do campo e me sentei enquanto

a água caía sobre minha pele. As flores bebiam as gotas de

água quando fechei os olhos e olhei para o céu. Estava

encharcado da cabeça aos pés, mas não me importei.

Sinceramente, sempre me senti renovado quando


conseguia me sentar em uma tempestade.

Sentia como se me regenerasse da mesma forma que

regenerava as flores.

Respirando em silêncio, deixei que a minha mente

ficasse quieta, como sempre. Eu estava sozinho nesse bosque

abandonado, como sempre. Depois fui para casa e rastejei

para minha cama, como sempre.

A única diferença desta vez foi, pelo tempo que eu tentei

impedir que isso acontecesse, Kennedy não parava de cruzar

minha mente. Num instante, eu não era o homem em que me

tornara. Voltei ao tempo em que eu era um garotinho

assustado que queria um maldito amigo para fazer os dias de

merda desaparecerem.


Jax

Onze anos de idade

Ano um do acampamento de verão

FALAVA MUITO SOZINHO.

Não muito alto nem nada, só sussurrando de vez em

quando. Papai disse que odiava quando eu sussurrava, mas

os meus murmúrios eram para mim e para mais ninguém

ouvir. Por vezes desejava ter um amigo que murmurasse

também para que pudéssemos murmurar juntos somente

para a gente ouvir, mas, por enquanto, a única pessoa com

quem eu podia murmurar era comigo mesmo.

Atualmente, meus murmúrios eram sobre Kennedy Lost.

— Que garota esquisita, — murmurei.

Kennedy estava sentada em uma pilha de lama,

construindo o que parecia ser um castelo enquanto todos os

outros faziam artesanato em nosso tempo livre. Com a

chuva caindo sobre ela, fazendo-a parecer um esfregão


molhado, enquanto cantava alguma música, balançando a

cabeça para frente e para trás.

Essa garota estava sempre cantando. Ela provavelmente

cantava ainda mais do que falava, e ela falava muito. As suas

conversas não eram murmúrios; era a coisa mais barulhenta

que já ouvi, suas palavras nunca pareciam acabar. Parecia à

frase mais longa de sempre.

Ela falava bem alto e com qualquer pessoa e todos lhe

davam um minuto de atenção. Ela era a definição do

Energizer Bunny 6 – continuava sem parar, e suas baterias

nunca acabavam. Apostaria que ela até falava dormindo a um

milhão de quilômetros por minuto.

Era uma pessoa tão esquisita. Nunca tinha visto uma

pessoa assim até que conheci Kennedy Lost no acampamento

de verão daquele ano. Ela estava sempre se metendo em

problemas, vagando e fazendo sua própria bagunça, mesmo

que fosse repreendida por isso.

Tenho certeza que no momento em que a Srta. Jessie

visse Kennedy, ela estaria em apuros.

Kennedy nem se importaria, no entanto. Seus cabelos

bagunçados, emaranhados e encaracolados combinavam com

seus olhos dourados e travessos. Eu nunca tinha visto olhos

dourados antes de conhecer Kennedy. Eles também

tinham salpicos marrons. Não que eu estivesse olhando

6 - Desde sua primeira aparição em um comercial de televisão em 1989, o coelhinho cor-de-rosa das

pilhas e baterias ENERGIZER, conhecido como Energizer Bunny, à bateria que não acaba nunca.


seus olhos com muita atenção, porque sempre que eu olhava

para Kennedy por muito tempo, ela olhava para trás e sorria

para mim de uma maneira que fazia meu estômago revirar.

Ela me deixava enjoado, mas um tipo de enjoo que

parecia um bom… mais ou menos. Não sabia que me sentir

mal do estômago poderia me fazer sentir bem até conhecer

Kennedy.

Kennedy levantou-se e estendeu as mãos enquanto

olhava para as nuvens de chuva. Ela não sabia que um raio

poderia atingi-la e matá-la?

Uma vez eu tinha visto um documentário com mamãe

sobre quantas pessoas morreram em tempestades com raios,

e com certeza, talvez não fosse muito, mas era o suficiente

para me impedir de querer ficar do lado de fora na chuva com

raios de fogo piscando no céu. Ela estava estranhamente

perto de uma árvore também – uma árvore que, sem dúvida

ela abraçou no início do dia.

Kennedy Lost – uma garota esquisita que abraça árvores

e constrói castelo de barro no acampamento.

— É Kennedy lá fora? — Srta. Jessie exclamou enquanto

olhava pela janela para a garota que agora estava dançando

na chuva ao lado de seu castelo bagunçado como se fosse

uma louca.


Onde as coisas selvagens crescem você se pergunta?

Onde quer que Kennedy Lost fosse encontrada.

Srta. Jessie correu para a esquisita, e todos nós

corremos para a janela para ver quando Kennedy foi

repreendida e arrastada para a cabana dela para se limpar.

— Que aberração, — alguém murmurou.

Muitas pessoas a chamavam de nomes maus, e eu sabia

que Kennedy ouvia às vezes, mas ela não parecia se importar.

Gostaria de ser assim, gostaria de ter me importado menos

com o que as pessoas pensam sobre mim, especialmente meu

pai, mas por algum motivo, eu me importava com o que ele

pensava de mim mais do que qualquer outra pessoa no

mundo.

Enquanto Srta. Jessie levava Kennedy de volta à sua

cabana, a garota estranha dançou o caminho todo até lá.

Na maior parte do tempo, eu odiava o acampamento. Eu

odiava os esportes, os jogos e as atividades em grupo. Eu

odiava estar longe de casa – bem, mais ou menos. Eu sentia

falta da mamãe porque achei que ela também sentia minha

falta. Não sentia falta do papai porque parecia que eu nunca

era bom o bastante para ele, mesmo que eu tentasse ser

melhor. Papai amava meu irmão mais velho, Derek, muito

mais do que ele me amava. Derek nem era seu filho biológico,

mas, ainda assim, ele amava papai. Eles gostavam do

mesmo tipo de coisa – futebol, caça, filmes de ação.


Eu não era um bom filho como Derek, e papai me fazia sentir

mal o tempo todo por isso.

Enviou-me para o acampamento esperando que eu

melhorasse em certas coisas e que minha masculinidade se

sobressaísse. Mamãe me mandou para o acampamento na

esperança de eu fazer amigos.

Não era bom em criar ou fazer amigos, mesmo que isso

fosse tudo que eu sempre quis.

As pessoas me chamavam de esquisito – mais ou menos

como eu chamei Kennedy de esquisita a pouco, mas eu não

dançava na chuva ou construía castelos de barro. Na

verdade, eu era o completo oposto de Kennedy Lost. Ela era

barulhenta e eu era reservado. Ela se vestia com todas as

cores do arco-íris, enquanto minhas roupas eram pretas,

brancas ou cinza. Ela sempre falava sobre histórias

inventadas enquanto eu ficava mudo. Ela até usava o cabelo

encaracolado com as pontas tingidas de roxo, enquanto o

meu era marrom, domado e no lugar.

Era estranho como duas pessoas esquisitas podiam ser

completamente opostas.


— DEIXE-ME IR! — Eu gritei quando meus companheiros

de beliche do acampamento me arrastaram para fora do

quarto no meio da noite. James, Ryan, e o líder da sua

matilha, o maldito Lars Parker, não me soltava. O Lars era da

minha cidade e sempre me intimidou na escola. Não devia ter

ficado surpreendido quando ele continuou a me intimidar no

acampamento.

Estava chovendo, e os três caras estavam chateados

comigo por fazê-los perder no futebol mais cedo naquele dia.

Eu nem queria jogar, e meu time não queria que eu jogasse

também, mas o acampamento tinha uma regra estúpida de

‘ninguém ficava de fora’, o que me fazia ser o alvo principal de

um valentão.

Meu pai teria gostado de todos eles, porque eles eram

bons nessas coisas de caras.

— Cale a boca, bebê chorão! — Lars gritou, passando as

mãos em volta dos meus pulsos quando Ryan e James

agarraram um dos meus tornozelos.

Eu nem queria jogar futebol.

Eu nem queria vir para o acampamento de verão!

Eu odeio isso!

Eu odiava tanto que poderia ter chorado.


— Deixe-me ir, deixe-me ir, deixe-me ir! — Gritava.

— Ah, vamos deixar você ir, logo depois de jogá-lo na

lixeira como o lixo que você é, — disse Lars. Ficou claro que

ele era o líder do circo dos idiotas. Ryan e James

praticamente faziam o que ele dizia. Eu me perguntava como

as pessoas ficavam poderosas assim, como podiam fazer com

que alguém seguisse o que diziam.

— Você não está jogando ninguém em lugar algum, —

disse uma voz. Olhei por cima do ombro e vi Kennedy parada

na chuva com um arco e flecha em suas mãos. Ela segurou a

flecha apontada diretamente para o rosto de Lars e, oh, que

estranho Kennedy Lost, era uma psicopata maldita. — Larga

o Jax e ninguém se machuca.

— Oh, olha, a namorada louca de Jax veio salvar o dia!

— Ryan zombou.

— Oh, Ryan você é tão óbvio que nem conseguiu pensar

em um comentário melhor para fazer. Realmente, Ryan,

trabalhe em seus insultos. Eles carecem de autenticidade,

assim como toda a sua personalidade – ou devo chamá-lo de

Lars número dois? — Kennedy zombou dele antes que eu

pudesse expressar que ela não era minha namorada.

Essa era outra diferença entre ela e eu – ela não tinha

medo de se defender.


— Vai embora, Kennedy! Isso não tem nada a ver com

você, — disse James.

— Desculpe, Lars número três, não posso deixar você

fazer isso. Apenas coloque-o no chão e ninguém se machuca.

— Ela atirou uma flecha que caiu bem entre os pés de James.

— Você é louca? — Ele latiu, pulando no ar e jogando

meu pé no chão.

Kennedy não respondeu. Ela simplesmente enfiou a mão

na mochila que estava usando, e puxou outra flecha

atirando-a diretamente nos pés de Ry... Lars número dois.

Ele pulou e soltou meu outro pé.

Duas pernas livres faltam os braços.

O Lars levantou uma sobrancelha para Kennedy

enquanto os seus dois ajudantes se apressavam para trás do

seu líder. Ele segurou-me à sua frente e deu-lhe um sorriso

arrogante. — Não consegue disparar com o Jax na minha

frente, Kennedy. Por isso, é melhor que dispare.

Ela atirou a flecha seguinte passando por mim e roçou a

orelha de Lars.

Caralho! Ela quase lhe deu um piercing! Apostaria que,

se ela realmente quisesse, ela poderia ter feito um buraco na

orelha.


— Posso fazer qualquer coisa, — Kennedy latiu, e

engraçado, eu estava começando a acreditar nela. — Agora,

deixe-o ir porque da próxima vez, não vou falhar.

Eu sabia que Lars não estava demonstrando, mas senti

seus tremores quando ele me soltou.

Kennedy pegou outra flecha na bolsa, mas congelou

quando percebeu que não havia mais nenhuma.

Lars sorriu. — Parece que a aberração está sem armas.

Agora vou chutar duas bundas.

Comecei a tremer enquanto corria para o lado de

Kennedy. Ela se virou na minha direção. — Está tudo bem,

Jax, apenas late.

— O quê!? — Perguntei nervoso.

— Late para eles! As pessoas ficam assustadas se você

começa a latir para elas e depois elas o deixam em paz. Veja.

— Ela voltou-se para Lars e seus amigos e começou a latir

como um cachorro. — Woof! Woof! Woof! — Latiu me

deixando atordoado e um pouco assustado.

Que garota esquisita.

Mas parecia funcionar. Os caras começaram a recuar,

então eu comecei a fazer o mesmo. — Woof! Woof! — fiz

provavelmente parecendo um poodle em comparação ao

rottweiler de Kennedy, mas continuei até eles


recuarem. — Woooooof!

Lars balançou a cabeça enquanto se afastava de nós. —

Tanto faz, perdedores. Vamos lá pessoal. Vamos voltar para a

cama. Se você for esperto, Jax, não voltará esta noite, a

menos que queira levar um chute no traseiro.

Os três saíram correndo, e eu fiquei um pouco

estonteado quando Kennedy colocou o arco na mochila e

depois começou a dançar na chuva. — Viu? Sempre que

alguém estiver te incomodando, late pra eles. Sempre

funciona.

— Sempre?

— Sim, como cinquenta por cento das vezes.

— Nem sempre é assim.

— Oh, então nem sempre, eu acho.

— O que você estava fazendo aqui fora? — Perguntei,

encharcado, assustado e confuso.

Kennedy olhou para mim e seus lábios se curvaram em

um sorriso torto.

Quem diria que sorrisos tortos poderiam parecer…

fofos?

Tanto faz. Não que eu estivesse percebendo que o

sorriso de Kennedy era fofo. Porque não era. Quer

dizer, era, mas eu não estava percebendo, porque eu


não percebia esse tipo de coisa sobre Kennedy Lost.

Ela levantou a sobrancelha. — Oh, eu estava atirando

arco e flecha.

— Na chuva?

Ela assentiu. — Sim. Faz de você um atirador melhor se

trabalhar contra os elementos da natureza. A chuva

acrescenta um obstáculo que me obriga a pensar fora dos

limites e a fazer algo diferente. — Ela puxou seu arco para

fora e segurou-o na minha direção. — Quer tentar?

Sacudi a cabeça. — Não. Eu quero me secar.

— Está bem. Posso acompanhá-lo até seu beliche e você

pode pegar suas roupas. Depois pode dormir na minha cama

comigo para que os rapazes não o incomodem.

— Não preciso que uma garota me vigie, — eu discuti,

me sentindo envergonhado.

— Precisa, sim, — respondeu não de uma forma

mesquinha, apenas como um fato. — Agora vá lá, vou manter

as minhas flechas apontadas para eles enquanto pega as

tuas coisas.

Embora quisesse discutir com ela, sabia que não devia

lutar com uma garota instável segurando um arco e flecha.


Fomos para minha cabana e juntei algumas roupas para

a noite enquanto Kennedy me protegia dos caras.

Eles não disseram uma palavra.

Quando cheguei à cabana dela, suas colegas de quarto

já estavam dormindo. Graças a Deus. A última coisa que eu

precisava era que as pessoas pensassem que eu estava

apaixonado por uma garota como Kennedy Lost.

Eu me troquei no banheiro e Kennedy se trocou depois

de mim – colocando mais um conjunto de pijama de cores

vivas. Apenas Kennedy teria um pijama verde neon.

Ela rastejou em sua cama, e eu relutantemente rastejei

ao lado dela. A última vez que estive na cama com uma

garota foi – ah, certo.

Nunca.

Nunca estive na cama com uma garota.

Ela se virou para mim e me deu aquele sorriso torto e

estúpido que deixou meu estômago enjoado. — Por que você

não dançou na chuva lá fora, Jax?

— Eu não danço na chuva.

— Então quando você dança?

— Nunca.


Ela franziu a testa, e caramba, isso também era fofo. Ela

virou as costas para mim. — Você deveria dançar na chuva.

Vai te fazer feliz.

— Eu sou feliz.

— Você ficará ainda mais feliz se dançar na chuva.

Eu não sabia o que dizer sobre isso, então não disse

nada.

— Você não fala muito, fala? — Ela perguntou.

— Não.

— Tudo bem. Eu falo muito. E falo e falo e falo e… — ela

respirou fundo. — ...falo, mesmo que as palavras realmente

não me levem a lugar algum.

Eu não poderia discordar disso.

Fiquei na cama com ela que não era para eu estar. —

Tenho que sair daqui antes que alguém acorde. As pessoas

não nos podem ver na mesma cama.

Ela bocejou. — Não se preocupe, acordo sempre antes

de todos para ir falar com os pássaros que cantam para mim

de manhã.

Bocejei porque ela bocejou, e agora estávamos

bocejando juntos. — Você é uma garota muito esquisita,

Kennedy.


Na minha cabeça, pude ver o seu sorriso torto e bonito

que me deixava enjoado quando ela respondeu: — Obrigada,

Jax.


Kennedy

Presente

CHOVEU por três dias seguidos e eu estava exausta.

Eu odiava tempestades. Nunca conseguia dormir com

elas e, quando estava sozinha, não conseguia desligar meu

cérebro. Minha ansiedade estava no teto. Sentia falta de

Penn. Bem, não dele tanto quanto ter alguém deitado ao meu

lado na cama durante as tempestades. O conforto de ter

outro humano quente ao meu lado quando eu estava no meio

dos meus pontos mais baixos sempre os fazia parecer mais

simples.

Agora estava enfrentando sozinha minha ansiedade, e

não havia segredo de que ela estava me afetando. Não tinha

certeza o que estava mais exausto, o meu corpo ou a minha

mente.

Tentei fazer o máximo possível para me manter

ocupada. Fiz listas de coisas que queria fazer para ter

mais coragem. Tentei o meu melhor para meditar. Por


vezes também chorei, porque Yoana disse que chorar era

corajoso.

Então eu esperei a tempestade passar e, felizmente,

sabia que não importava o tamanho da tempestade, elas

sempre passavam, não importando as circunstâncias. Depois

de cada tempestade, o sol sempre voltava a brilhar.

Demorou alguns dias para o sol sair e, com isso, a

equipe de paisagismo apareceu. Embora estivesse

extremamente cansada, estava pronta para ver o que eles

haviam planejado para moldar o quintal. Era um espaço

bonito, e eu só podia imaginar que Yoana já tinha seu próprio

esboço e planos em mente de como ela queria que seu quintal

ficasse. Mal podia esperar para ver o trabalho dos paisagistas

ganharem vida.

Quando duas caminhonetes pararam com materiais

para começar o trabalho, eu fui para fora para cumprimentar

Lars, o dono da empresa. Eu ouvi de Louise e Kate que ele

era o melhor paisagista da cidade – e o único – e que era

muito atraente.

Elas não estavam erradas sobre sua boa aparência. Com

cabelos loiros desgrenhados e uma covinha profunda na

bochecha esquerda, eu podia ver o charme.

Lars falou com três de seus funcionários, dando a cada

um deles o conjunto de tarefas antes de se virar para

mim para uma saudação. Primeiro, seus olhos me


cumprimentaram enquanto dançavam para cima e para baixo

no meu corpo. Quando ele encontrou meu olhar, um sorriso

sinistro curvou em seus lábios.

— Bem, olá. Ouvi muitas coisas sobre a nova garota da

cidade. É bom finalmente conhecê-la.

— Parece que as notícias viajam rápido por aqui. Eu sou

Kennedy.

— Sou Lars, o proprietário da Lars Paisagismo. É uma

honra conhecê-la, — ele disse, estendendo a mão para mim.

Aproximei minha mão para ele cumprimentar, mas ele

pegou e a virou para colocar os lábios na minha pele.

Que nojo.

Rapidamente puxei minha mão para longe dele.

Assim, sem mais nem menos, sua boa aparência foi

decaída. Ele estava sendo tão arrogante – sobre tudo. Era

evidente que Lars sabia que ele era bonito, e provavelmente

recebia muita atenção das fêmeas em Havenbarrow. Mas

para mim, não havia nada pior do que um homem que sabia

que era bonito e que achava que podia escapar com coisas

baseadas apenas na sua aparência.

Mesmo que eu não conhecesse Lars por mais de dois

segundos, eu estava recebendo muitas vibrações ruins

dele.


Ele continuou sorrindo, parecendo uma raposa astuta.

— É bom ter alguém novo na cidade. É fácil ficar cansado de

ver os mesmos rostos o tempo todo. É só você e seu, — ele

olhou para o meu dedo anelar, que estava vazio —

namorado…?

Esfreguei minhas mãos e balancei minha cabeça. —

Não. Apenas eu.

— Solteira? — Ele perguntou, se animando.

Sorri, mas na boca do estômago, me senti enjoada. Eu

não gostava de como isso estava indo, e adoraria que a

conversa mudasse de direção, e era exatamente isso que eu

faria acontecer. O que havia naquele homem que me deixou

tão inquieta? Algo nele parecia tão familiar.

— Sim, eu sou. Bem, deixe-me sair da sua frente. Eu só

queria cumprimentá-lo. Não vou incomodar em nada. Se

precisar de alguma coisa, eu estarei lá dentro. Como sabe,

este lugar pertence à minha irmã e ao meu cunhado, por isso

a maior parte das modificações devem provavelmente ser

aprovadas por eles, mas eu posso entrar em contato com eles

rapidamente, se necessário.

— Não sinta como se precisasse ficar escondida naquela

casa. Se quiser, pode sempre vir aqui fora e sujar-se comigo,

— disse Lars. Então ele piscou o olho.

Ele piscou, e eu queria vomitar naquele momento.


Em vez disso, soltei um sorriso encantador sulista,

assenti uma vez, dei meia volta e voltei para casa. E tinha

certeza de que o cara estava olhando para minha bunda

quando eu virei de costas, e esse pensamento por si só me

deu calafrios.

Assustei-me e me encolhi quando Lars inesperadamente

tocou meu ombro.

Disparei para enfrentá-lo com pânico nos olhos.

Ele levantou as mãos em sinal de rendição. — Whoa,

whoa. Eu sinto muito. Não quis te assustar.

Meu coração estava batendo rápido no meu peito

quando dei um passo para trás e passei meus braços em

volta do meu corpo. — Não, está tudo bem. Desculpe. Apenas

me assusto com facilidade.

— Só queria dizer que você está linda hoje, — declarou

Lars, permitindo que seus olhos vagassem por mim mais uma

vez. O desconforto começou a subir na boca do meu

estômago e instalou-se pesadamente dentro da minha

garganta.

— Obrigada, — disse, apesar de querer dizer palavras

mais severas sobre seus comentários inadequados. Em vez

disso, me afastei e fui embora.

Antes de subir os degraus da casa, notei o Sr.

Celebridade sentado na varanda ao lado com Joy,


tomando uma xícara de café. Seus olhos estavam em mim, e

a intensidade de seu olhar enviou arrepios na minha espinha.

Inclinei minha cabeça em sua direção evidentemente confusa.

Seus olhos pareciam refletir sobre alguma coisa, mas eu não

conseguia identificar exatamente o que ele estava

expressando. Tive a sensação de que não seria a primeira vez

que ficaria perplexa com seus olhares distantes e frios.

Tive um forte pressentimento de que o Sr. Celebridade e

eu partilharíamos muitos olhares de perplexidade entre nós.

Talvez um dia eu fosse capaz de desviar o olhar mais

rapidamente, mas, por enquanto, meus olhos tinham um

jeito de permanecer nos dele. Algo estava diferente sobre ele

desta vez. Algo estava segurando seu olhar em mim. Pela

primeira vez desde que eu cheguei à cidade, o Sr. Celebridade

não desviou o olhar primeiro. Ele concentrou-se, inclinou a

cabeça e, por um momento, seus olhos pareciam

preocupados.

Quando afastou o olhar eu voltei para dentro para tomar

um banho e lavar o desconforto que Lars havia criado em

mim.

Antes que a tarde terminasse, Lars fez mais três

investidas em mim, deixando-me completamente

desconfortável. Eu não tinha certeza de como as próximas

semanas seriam com ele trabalhando no quintal. Passei

cinco anos desconfortáveis em um casamento sem

amor. A última coisa que eu queria era ficar


desconfortável com um completo estranho.

Não apenas eu estava lidando com Lars aparentemente

se atirando em mim, mas também estava tendo muitas

visitas ‘amigáveis’ de várias pessoas da cidade.

As pessoas continuavam aparecendo na minha casa

para se apresentarem, e, francamente, isso estava ficando

cansativo. Quanto mais elas vinham, mais invasivas se

tornavam me fazendo perguntas sobre minha vida amorosa,

curiosas se eu estava interessada em um encontro com seu

primo Bernie, que nunca tinha namorado uma garota em sua

vida, perguntando se eu estava interessada em doar para o

espetáculo de outono da escola primária sobre Macbeth.

Parecia um pouco pesado para um espetáculo infantil, mas

hei quem era eu para julgar?

De alguma maneira, acabei passando um cheque para

uma dessas senhoras insistentes.

Se você pensou que as mães de Havenbarrow eram

agressivas, espere até ouvir sobre suas filhas que vendem

biscoitos de escoteiras. De alguma forma, acabei pedindo

biscoitos suficientes para alimentar um exército – ou alguém

‘eu’ triste numa sexta-feira à noite.

As piores ainda eram Louise e Kate, que se viam cada

vez mais interessadas em saber quem eu era como pessoa

e ainda mais intrigadas em desenterrar algum tipo de

sujeira no meu passado.


— Ei, querida, — as duas cantaram quando pararam na

frente da minha porta uma tarde de sábado. — Queríamos

dar uma olhada em você e ver como está se adaptando a

pequena Havenbarrow. Deus sabe que deve ser uma grande

mudança para uma garota da cidade como você.

Fato Um: nunca lhes disse que era uma garota da cidade.

Eu disse à intrometida Nancy quando ela parou no outro dia

com muffins;

Fato Dois: não confie em Nancy, a intrometida, não

importa quão bons sejam seus bolinhos;

— Estou indo bem, senhoras.

— Oh, sim. Isso é bom e tudo, — disse Kate, apertando

os lábios — mas se você não se importa de eu bisbilhotar, o

que você veio fazer aqui?

— O que quer dizer?

— Não quero que se ofenda, Kennedy, — ela começou, o

que significava que algo ofensivo estava prestes a ser dito. —

No entanto, não se pode ficar aqui de braços cruzados, sem

um emprego. Você não tem ambições maiores do que essa?

Digo, você tem o quê, vinte e nove, trinta? — Pergunta.

O insulto foi alto e claro no seu tom, e eu não tinha

certeza de como me contive de bater com a porta na cara

dela.


— Vinte e oito, — eu respondi.

As duas franziram a testa. — É uma vergonha, — disse

Louise. — Você é muito velha para não fazer nada. Talvez seja

melhor vir às noites de pedicure que organizo com algumas

outras mulheres. Temos uma na próxima semana. Quem

sabe uma das garotas da cidade possa te arranjar um

emprego. E querida, tenho certeza que as tuas unhas irão te

agradecer pelo carinho. Além disso, e os encontros? O primo

da Mary, o Bernie, está solteiro. Ele é um pouco esquisito,

também. Esquisito, devo dizer como você. Aposto que vocês

dois dariam um excelente casal!

De novo, Bernie não. — Obrigada pela oferta, mas acho

que vou ter que passar. — Parte de mim queria contar a elas

sobre meus romances. Sobre como tive uma carreira de

sucesso. Uma parte maior de mim sabia que eu não era

muito boa com eles.

— Você deveria considerar Bernie e levá-lo para um

encontro. Na sua idade, você deveria se acalmar, não acha?

Aposto que você quer ter filhos em algum momento, não é? O

tempo está passando e só fica mais difícil quanto mais você

espera.

Uau.

Tinham ultrapassado os limites, e nem sequer se

davam conta disso. A cada dia que passava, eu tinha

cada vez mais certeza de que não poderia ficar


naquela casa com estas duas mulheres vivendo logo abaixo

na rua.

— Desculpe, esse é um assunto particular, e…

Louise entrou em cena. — Sabia que pode congelar seus

óvulos? Eu li um artigo que diz que você pode fazer isso.

Antes de eu poder responder, Louise estava acenando

para Lars, que estava arrancando algumas ervas daninhas.

— Olá, Lars. É bom vê-lo, — cantou ela, olhando-o de cima a

baixo como se ele fosse um bife que ela devoraria. — Vejo que

continua trabalhando duro como sempre.

Ele limpou a testa com as costas da mão e deu um

sorriso diabólico. — Você sabe que eu não consigo me

impedir de sujar as mãos, Louise. — Então piscou para mim

e meu estômago revirou cinquenta e sete vezes.

Louise se abanou e corou como se não fosse uma

mulher casada enquanto Lars voltava ao trabalho. — Nossa,

meu Deus. Se eu ainda fosse uma garota solteira, adoraria

sujar-me com aquele homem.

— Amém, — Kate cantou junto com sua irmã. — De

qualquer forma, vamos te chamar para a reunião de pedicuro

Kennedy! E sobre Bernie. Vocês dois se dariam tão bem. Eu

apenas sinto isso.

Ambas apressaram-se em sair e eu mentiria se

dissesse que senti falta delas quando foram embora.


No final do dia, Lars bateu à porta para me informar que

sua equipe havia terminado. — Deixe-me mostrar o que

fizemos hoje, — disse apontando para o jardim.

Com um sorriso hesitante, eu o segui. Andamos por aí

enquanto ele gesticulava aqui e ali, explicando como seria

daqui a alguns meses. Ele falou sobre o jardim que seria

colocado no quintal e sobre as luminárias que seriam

alocadas no lugar. Gabando-se de quão talentoso e inteligente

– e solteiro – ele era, às vezes tocando na quantidade de

sucesso que seus negócios haviam alcançado em

Havenbarrow. Então, quando estávamos olhando para o

canto onde o arbusto de lilás ficaria – a flor favorita da

mamãe – ele colocou a mão na parte inferior das minhas

costas e eu me afastei.

— O que você está fazendo? — Disse, sentindo um

calafrio correr por minha pele.

Ele levantou uma sobrancelha, aparentemente perplexo.

— Sinto muito? Eu só estava…

— Tocando minhas costas sem minha permissão, —

repreendi. — E, francamente, isso é altamente inapropriado.

Em vez de se desculpar por suas ações, Lars revirou os

olhos. — Vá lá, senhora. Não é que não tenha se atirado

sobre mim o dia todo desde que cheguei aqui com a minha

equipe. Os sinais pareciam bastante claros.


— Não houve sinais. Não estava de forma alguma me

atirando em você.

— Não há necessidade de mentir sobre isso, —

argumentou passando as mãos pelos cabelos, como se ele

fosse o homem mais confiante do mundo. — Entendi. Você é

uma garota bonita. Eu sou um cara bonito. Só fazia sentido

que…, — ele colocou a mão no meu ombro, enviando calafrios

pela minha espinha. — ...ficássemos atraídos um pelo outro.

— Eu não estou atraída por você, — disse, com minha

voz ficando mais alta quando joguei a mão dele do meu

ombro. — E se você me tocar mais uma vez, vai se

arrepender.

— Não precisa ser uma vadia, — ele bufou. — Na

realidade, você nem é meu tipo.

O que há com homens que não podem aceitar o fato de

que uma mulher pode não estar interessada neles e,

portanto, ficam na defensiva?

— Você é um pouco gordinha pro meu gosto, — disse

olhando-me de cima a baixo.

— É hora de você sair, — pedi, com minha voz severa,

embora eu estivesse estremecendo um pouco por dentro. Pelo

menos no meu casamento, eu conhecia o monstro que

voltava para casa todas as noites. Mas com Lars? Um


completo estranho? Eu não sabia onde ele traçava seus

limites de raiva.

— Tanto faz. Volto amanhã para trabalhar.

— Provavelmente é melhor se você não voltar, — eu

pedi, sabendo que não havia como Yoana se sentir

confortável com alguém como ele trabalhando em sua

propriedade. Ela nunca quereria que eu me sentisse

desconfortável. E Lars? Ele era a definição do desconforto.

Ele riu, balançando a cabeça. — Você não tem o direito

de me demitir. Como você mesmo disse, sua irmã é minha

cliente, não você.

— E minha irmã receberá uma ligação minha no

momento em que você sair. Agora saia.

— Escute, senhora… — ele disse, dando um passo em

minha direção, me fazendo recuar. Puxa, eu odiava isso.

Odiava ele perceber meu desconforto. Odiava como eu vi o

lampejo de confiança que meu vacilar deu a ele. Odiava

parecer fraca na frente dos homens. Odiava me sentir

encurralada.

Seu peito inchou quando ele ficou mais alto. — Não

posso permitir que mexa no meu orçamento, por isso vamos

ter de arranjar outra solução.

— Ou que tal isso? Que tal você ouvir e deixar a

propriedade dela, — disse uma voz, fazendo Lars e eu


olhar na direção da casa de Joy. Lá estava ele, o Sr.

Celebridade, na cerca curta que separava o quintal de Joy do

meu. Seus olhos eram severos e cheios de… raiva? Isso era

raiva? Só que desta vez o olhar enlouquecedor estava focado

em Lars.

— Que tal você cuidar da sua vida, amigo?

O Sr. Celebridade contornou a cerca e depois foi para o

meu quintal. E ficou cara a cara com Lars e, em segundos,

Lars parecia um peixinho prestes a ser comido por um

tubarão. Claro, Lars era um cara maior, alto e um tanto em

forma, mas o Sr. Celebridade estava em forma. Tipo em forma.

Como se levantasse um carro com o seu mindinho sem sequer

suar.

Eles tiveram um concurso de encarar por alguns

momentos antes de Lars recuar e se render. — Tanto faz,

cara. Não tenho tempo para isso. — Lars voltou seu olhar

para mim e seus olhos azuis pareciam um pouco mais frios.

— Boa sorte em encontrar outro paisagista para terminar

essa merda. Eu sou o único da cidade, então parabéns –

você fodeu com o quintal da sua irmã.

— Saia, — o Sr. Celebridade sibilou, com seu olhar

ainda jogando punhais em Lars.

— Ok, ok, idiota. — Com uma risada sinistra, Lars

jogou as mãos para o ar. — Só não atire.


Essas palavras saíram de sua língua de uma maneira

perturbadora, e agora estava na hora do Sr. Celebridade

tropeçar um pouco para trás. Seus olhos brilharam de

emoção antes que ele piscasse. O que foi isso? Qual era a

história por trás de seu deslize de emoção?

Lars se apressou e vi um suspiro exausto e lento cair

dos lábios do Sr. Celebridade quando seus ombros caíram. O

urso pardo diante de mim soltou seu rosnado.

Alívio rolou através de mim enquanto sorria para o Sr.

Celebridade. — Obrigada por isso. Eu estava quase…

— Que diabos você está fazendo? — Retrucou, com seu

tom duro me assustando.

— O que?

— Por que você o deixou assediá-la assim durante todo

o dia? Além disso, você continua deixando essas pessoas

intrometidas entrarem em sua casa e menosprezá-la.

Eu fiquei um pouco mais ereta. — Do que você está

falando?

— Todos os dias, essas pessoas têm trazido uma merda

para você enquanto cagam sobre você comentários negativos.

Eles estavam cuspindo seu desrespeito direto no seu rosto, e

você permitiu como se não tivesse problema.


Uau. Ok. Aparentemente, estávamos de volta ao cara

agressivo e rude que conheci no bosque. — Não é realmente

da sua conta.

— Se você não os afastar agora, eles voltarão e ficarão

cada vez mais agressivos e intrometidos na sua vida.

— E por que você se importa como as pessoas me

tratam?

Seus olhos brilharam com uma suavidade, e eu jurei

que vi uma pessoa que conheci. Ele enfiou as mãos nos

bolsos da calça jeans e encolheu os ombros. — Estou apenas

dizendo. As pessoas nesta cidade são como trolls. Se você tem

que interpretar o bandido, assuma esse papel. Não fique

tímida, no entanto. Eles gostam de quebrar o tímido. Eles vão

te enlouquecer, pressionar você contra uma parede, atacá-la

repetidamente até você estourar – e acredite em mim, você

estourará – e então eles perguntarão por que você estourou.

— Você ainda não respondeu a minha pergunta. Por que

você se importa como as pessoas me tratam? — Repeti.

— Não me importo, — ele murmurou asperamente,

passando as costas da mão na testa. — Mas você também

não se importa como eles a tratam. Tenho certeza de que esse

é o verdadeiro problema em questão.

Eu queria discutir com ele, queria dizer a ele que

estava errado, dizer que não me importava o que essas

pessoas dessa cidade pensam de mim, mas a verdade


era que eu me importava. Eu queria que eles gostassem de

mim, porque mais do que ser intimidada, eu temia não ser

amada.

Meu marido fez questão de colocar esse temor em mim –

que eu não era digna de ser amada. Tudo o que eu queria era

ser amada, mesmo que isso significasse partir meu coração

para fazer as pessoas gostarem de mim. E esse era um fato

muito deprimente.

— Um conselho do idiota da cidade? — Ele ofereceu.

— Claro que sim, me esclareça.

— Seja mais forte, tenha autoridade. Defenda-se.

Pressione mais quando eles pressionarem contra você.

— Não sei se seguir o conselho do idiota da cidade é

uma ideia tão inteligente, não quero ser uma solitária como

você. Quero ter amigos.

Seus olhos se afastaram dos meus por uma fração de

segundo. Quando ele olhou para trás, eu jurei que o

vi...magoado? Eu o magoei com minhas palavras?

— Eu tenho amigos, — disse ele, com firmeza como

sempre. — Pessoas que significam o maldito mundo para

mim. Pessoas que me pegam quando o resto do mundo tenta

me quebrar.


Meu estômago deu um nó. — Eu sinto muito. Não quis

dizer isso…

— Você disse, e está tudo bem, mas antes de sentar

aqui e me julgar, concentre-se em si mesma agora. Decida se

você realmente deseja essas pessoas como amigas. As

pessoas não têm cuidado com quem se entregam hoje em dia

porque acham que ser amado é mais importante do que ser

respeitado. Essas pessoas vão te matar.

Sorri. — Eu duvido que Louise e Kate vão tirar minha

vida.

— Eu não estou falando sobre tirar sua vida. Estou

falando deles pegando algo mais importante.

— E o que seria isso?

— Sua alma.

Não sabia o que dizer, eu não sabia o que fazer. Fiquei

quieta por um momento quando ele se aproximou de mim e

falou baixinho. — Late para eles, Kennedy. Late.

E deu um passo para trás, respirando fundo. Meu peito

ficou tão apertado quando ele se afastou. Suas palavras

estavam enviando calafrios por minha espinha enquanto

tocavam repetidamente na minha cabeça, como se estivessem

tentando desbloquear algo dentro das minhas memórias.

Late para eles, Kennedy. Late.


Kennedy

— OH MEU DEUS, eu sinto muito que ele tenha te tratado

assim, Kennedy. Que idiota! — Disse Yoana pelo telefone

enquanto eu bocejava e me espreguiçava na cama. Minhas

costas estavam doendo extremamente e cansadas de eu ser

uma idiota por dormir em um carro pelas últimas noites,

então eu me mudei para dentro em uma cama de verdade

como um adulto de verdade. Fiquei tão feliz quando os

móveis finalmente chegaram e a casa começou a parecer mais

como uma casa.

— Sim, — concordei, referindo-me a Lars e a maneira

como ele me tratou no dia anterior. — Sinto muito por ter

perdido seu paisagista.

— Tanto faz. Não é grande coisa. Tenho certeza de que

alguém vai aparecer. O que importa é que você esteja bem.

Precisa que eu volte para casa? Eu posso voltar para casa. Eu

posso voltar para casa se você precisar de mim.


— Tenho cem por cento de certeza de que você não é

necessária na cidade. — Eu ri.

— Sério? Porque Bora Bora é um tédio completo. Tudo o

que fazemos é tomar sol e consumir bebidas frutadas.

— Nossa, que vida difícil, muito difícil.

— Você que está dizendo. Além disso, tem esse cara que

me acompanha por aí, dizendo que me ama sem parar e

atendendo a todos os meus desejos e necessidades.

Levantei uma sobrancelha como se ela pudesse me ver.

— Você quer dizer… seu marido?

— Marido. — Ela suspirou, balançando a cabeça para

frente e para trás. — Que palavra esquisita. Eu tenho um

marido. — Ela riu, parecendo apaixonada como sempre.

— Com certeza você tem. E um dos bons. Seja grata por

isso... há muitos peixes terríveis no mar.

— Por falar em peixe terrível… você ouviu falar de sua

lula?

Meu peito apertou e eu puxei meu cabelo em um coque

bagunçado. — Não…

— Bem, isso é bom, certo? Não ter notícias dele é uma

coisa boa.


Talvez. Ainda assim, uma parte de mim se sentia

estranha por não ter notícias dele. Tentei o meu melhor para

não pensar nisso. Quanto mais eu pensava sobre isso, mais

eu pensava sobre o meu passado, e isso era difícil para mim.

Eu não era boa em lidar com o meu passado. Era muito difícil

para eu enfrentar.

— Sim é bom, uma observação, — falei mudando de

assunto — se você estiver interessada em saber, meus

vizinhos são as pessoas mais intrometidas do mundo.

— Oh Deus, é ótimo saber. Aposto que eles estão tendo

trabalho com você.

— Nem imagina. Estou surpresa que uma torta de

frutas ou pão ainda não tenha aparecido hoje.

— Ainda é cedo – tenho certeza de que está a caminho,

— brincou. — Como é a cidade? É o Southern Stars Hollow 7

dos nossos sonhos? — Yoana perguntou, com sua voz cheia

de esperança. — Existem vendas de bolos e desfiles na cidade

porque é terça-feira? Existe um Luke's Diner 8 ? Oh meu Deus,

por favor, me diga que há um Luke's Diner.

Sorri. — Ainda não andei pela cidade, na verdade, mas

você tem uma vizinha fofa e peculiar. Ah, e aviso – o idiota da

cidade é dono do bosque atrás de sua propriedade. Eu não

7

– Cidade fictícia do seriado Gilmore Girls;

8

– Cafeteria do seriado;


vagaria por lá se fosse você. Ele é o oposto de uma pessoa

popular.

— Ohhh, interessante. Ele é um antissocial tipo Luke ou

antissocial tipo Jess?

Se havia algo em que Yoana e eu éramos profissionais,

era em falar nas referências de Gilmore Girls.

— Jess. Totalmente um Jess.

— Ele é gostoso? Oh Deus, por favor, me diga que ele é

gostoso. —

Oh, o Sr. Celebridade era um belo espécime de um

idiota. Se caras quentes mal-humorados pudessem matar, eu

já estaria morta dez vezes. Era como se alguém pegasse

Damon de The Vampire Diaries, jogasse um pouco de Hook de

Once Upon A Time e voilá! O Sr. Celebridade nascia.

— Não é essa a questão, — digo para me livrar do seu

óbvio sex appeal porque eu ainda estava numa missão para

odiá-lo – mesmo que ele andasse com os idosos no seu tempo

livre e me salvasse de pessoas como Lars. Isso não anulou a

sua falta de jeito comigo nem a sua personalidade malhumorada.

— Esse é o ponto, Kennedy. Não há problema em achar

o idiota da cidade sexy.

Também acho. Só que Yoana não precisava saber

desse fato – nem mais ninguém – porque não tinha


relevância para nada. O Sr. Celebridade era lindo demais com

mechas de cabelos castanhos escuros que caíam na frente do

rosto da maneira mais sexy possível? Sim. Olhos profundos e

misteriosos que me fascinaram por um momento? Claro, sim,

tanto faz. O tempo parou, blá, blá, blá. Isso não mudava o

fato de ele não ter as habilidades com as pessoas. Nenhuma

quantidade de lábios carnudos ou mandíbulas fortes poderia

mudar esse fato.

A sua beleza e natureza misteriosa simplesmente

tornava mais difícil desviar o olhar.

— Se você continuar falando, eu vou desligar o telefone,

— brinquei, levantando-me para entrar no banheiro.

— Tudo bem, tudo bem, mas como assim você ainda

não esteve na cidade? Não me diga que você foi antissocial.

Você tem que sair! Explorar. Conhecer novas pessoas.

— Confie em mim, não preciso conhecer novas pessoas.

Eles têm um jeito de vir direto para a minha varanda.

— Você precisa sair, Kennedy. Vai ser bom para você.

— Mas sua casa é tão grande e confortável, — brinquei

tentando mudar a direção da conversa. Pude perceber pelo

suspiro de Yoana que ela estava preocupada. E sabia que era

porque ela estava absorvida com minha saúde mental, que

vinha sofrendo bastante nos últimos meses. Ela queria

que eu ficasse bem, o que eu compreendia

completamente. Eu também queria isso. Só que


essas coisas levavam tempo. Eu tinha que me curar nos

meus próprios termos – mesmo quando o resto do mundo

queria que eu superasse isso mais cedo ou mais tarde.

Isso não me parecia justo. Afinal, era o meu trauma, não

o deles.

Mas meu marido já havia me deixado por causa da

minha incapacidade de seguir em frente com minha vida. Eu

também não poderia perder minha irmã pelas mesmas

razões.

— Só me preocupo com você, Kenny, — ela disse,

usando o apelido que mamãe costumava me chamar. Meu

estômago vibrou. — Você passou por muita coisa. Depois de

perder mamãe, papai e Da...

— Vou sair hoje, — ofereci, interrompendo-a antes que

ela pudesse mencionar o acidente que queimou minha alma.

— Vou ver o que está acontecendo neste lugar, — eu disse,

tentando parecer esperançosa para que as preocupações de

Yoana pudessem evaporar.

O suspiro que deslizou pelo alto-falante do telefone foi

muito mais relaxado dessa vez. — Oh, Kennedy, você vai

adorar! Nathan me convenceu a comprar a casa, oferecendome

alguns destaques de Havenbarrow. Há um cinema drivein

à moda antiga que só reproduz filmes em preto e branco, e

toda sexta-feira à noite tem um filme romântico, —

insistiu ela, despertando meu interesse.


— Ah? Continue.

— Há uma cafeteria que tem um gato de rua chamado

Marshmallow que anda por aí.

Ok, ela agora estava fazendo cócegas na minha fantasia.

— E, e, e! — Ela exclamou, seu entusiasmo vindo alto e

claro. — A biblioteca tem uma estante secreta! Pelo menos

essa é a lenda urbana. A estante leva a um recanto de leitura

oculto e você precisa encontrar o livro certo para desbloqueála.

Há rumores de que ninguém o encontrou ainda, mas

supostamente deve estar lá.

Desafio aceito.

— Você pode até levar o carro da mamãe e do papai para

dar uma volta, — disse Yoana com um toque de esperança.

Isso definitivamente estava levando as coisas longes

demais. Ela sabia dos meus problemas para dirigir. Ainda

não estava pronta para pular do trampolim. — Um passo de

cada vez, mana.

Eu quase podia sentir seu sorriso culpado vindo pelo

telefone. — Tinha que tentar.

Depois de desligar com Yoana, na tentativa de evitar os

indivíduos invasores que carregavam assados e sair da minha

zona de conforto, fui à cidade para tomar um café da

manhã.


O café parecia muito com o Luke's Diner, com mesas

espalhadas aleatoriamente ao redor e cabines de couro

vermelho ao longo das paredes. Os bancos que ficavam no

balcão da frente eram ocupados por pessoas conversando, em

vez de encarar seus telefones celulares. Havia uma placa na

parede em frente à estação de café que dizia: Nada de celular.

Conecte e vá embora.

Agora, se isso não era um recado do Luke's Diner, eu

não sabia o que era. Achei que não havia necessidade de

perguntar se eles tinham uma senha Wi-Fi que eu pudesse

usar. Então enfiei o meu telefone na minha bolsa e sentei-me

numa cabine. Não demorou muito até que o meu bife e ovos

fossem entregues, e depois voltei a minha atenção para a

janela para o meu entretenimento gastronômico. Um

cachorrinho adorável estava na coleira, do outro lado da rua.

Não faça isso, cachorrinho.

A dona do cão estava gritando com alguém em seu

celular e balançando seus braços como uma louca. A coleira

estava amarrada num suporte de bicicleta e, a cada poucos

segundos, ele puxava a tira de couro, afrouxando o nó.

Tentava alcançar o gato vadio sentado no lado oposto da rua

movimentada, lambendo as patas.

Sua dona não percebeu o nível de angústia de seu

cachorro, muito ocupada gritando em seu telefone para

se preocupar com o fato de que o cachorro estava


prestes a sair correndo pelo trânsito.

O ritmo dos meus batimentos cardíacos tornou-se

irregular. A coleira do cachorro estava quase solta da trava.

— Não, — murmurei para mim mesma, com minhas mãos

tremendo, esperando que o cachorro sentasse e ficasse onde

estava.

O gato se esticou, deixando o cachorro ainda mais

frenético. A atenção nos olhos do cachorro e seus latidos

altos deveriam ter feito à dona notar, mas ela não notou.

Imagine uma pessoa estar tão desligada de tudo.

— Não! — Eu gritei, com minha voz falhando. As

pessoas olharam na minha direção, mas eu não me importei.

Pulei da minha cabine enquanto calafrios percorriam

meu corpo, e dois segundos depois, a coleira estava livre, e o

cachorro estava na rua e meu coração estava na garganta.

Antes que o cachorro pudesse pular na frente de um

carro, antes que uma visão horrível se desenrolasse diante de

mim, o Sr. Celebridade entrou em frente ao veículo em

movimento e pegou o cachorro em seus braços.

Senhor.

Maldito.

Personalidade.


Você está brincando comigo?!

Homem adulto, atraente, segurando um cachorrinho

minúsculo e indefeso contra o peito?

Resultado: Uma mulher com tesão instantâneo.

O motorista do veículo bateu a mão buzina antes de

gesticular no ar com um olhar de nojo e depois acelerar.

A dona do filhote se virou para ver o homem com o

cachorro nos braços, e ela parecia horrorizada – não pelo

cachorro quase perdendo a vida, mas pelo homem que estava

segurando o animal.

Ela pegou seu animal de estimação longe dele e

começou a acenar com as mãos no ar mais uma vez,

aparentemente xingando-o por salvar seu animal de

estimação.

O que há de errado com ela?

Claro, ele era conhecido como o idiota da cidade, mas

naquele momento, ele foi um super-herói! Ela deveria ter

agradecido ao idiota por seu ato heroico. Em vez disso, ela o

xingava como se ele fosse a causa do incidente. E o Sr.

Celebridade ergueu-se e não gritou de volta para ela. Na

verdade, ele não disse uma palavra. Seus lábios carnudos

continuaram pressionados, e ele não parecia nem um pouco


incomodado com a mulher. Nem uma sobrancelha levantada

e nem um único sorriso ou carranca nos lábios.

Ele apenas parecia… vazio.

Completamente desconectado da agressão sendo

lançada em sua direção.

Ele era melhor do que eu naquele momento, isso era

certo. Se fosse eu, teria inventado palavrões usando todas as

letras do alfabeto.

Enquanto ela continuava gritando, o Sr. Celebridade se

virou e se afastou dela, deixando a mulher com seu vômito de

palavras e péssimas aptidões como dona de um animal de

estimação.

A campainha da porta tocou quando ele entrou no café.

E se sentou em uma cabine de canto, abriu um cardápio,

ajeitou o boné e abaixou a cabeça, curvando os ombros

enormes para frente enquanto estudava as opções do

cardápio.

Por que ele fez isso?

Por que ele teve que salvar um filhote do atropelamento?

Por que ele tinha que tornar tão difícil para eu não

gostar dele?

O Sr. Celebridade era como um super-herói. Do

maxilar esculpido aos braços e bíceps, esse homem


provavelmente poderia ter parado um trem de alta velocidade

usando seu tronco de aço. Era uma pena que, quando eu

cruzei seu caminho, suas habilidades em comunicação não

correspondiam às suas aparentes habilidades de ginástica.

Então, novamente, isso o faria bom demais para ser verdade.

— Se você queria um prato de sal com um bife e ovos ao

lado, eu poderia ter providenciado, — uma voz amigável

falou, tirando meu olhar do Sr. Celebridade para a comida na

qual eu estava irritantemente agitando o sal nos últimos

cinco minutos.

— Desculpe, — murmurei, colocando o saleiro na mesa

e me abaixando de volta na minha cadeira. Olhei de volta

para a janela e encontrei a mulher gritando com seu cachorro

por ser desobediente.

Eu me senti mal pelo cachorro. A dona parecia uma

pessoa verdadeiramente desrespeitosa.

— Não precisa se desculpar. Todos nós temos hábitos

peculiares, — garantiu a voz amigável.

Meus olhos se moveram para o cara falando. Ele tinha

lábios finos cor-de-rosa e olhos verdes escondidos atrás de

um par de óculos. Seus olhos tinham essa coisa de poder

sorrir por conta própria. Suas bochechas eram cobertas de

sardas vermelhas que combinavam com seu cabelo espetado

de vermelho-alaranjado. Eu olhei seu crachá e sorri

enquanto lia em voz alta. — Marty. — Ele parecia


exatamente como eu imaginaria um Marty. Tipo magro, alto e

meio nerd, mas estranhamente bonito.

— Sou eu, — disse e seus lábios virando para combinar

com os olhos sorridentes. — Posso pegar outro bife e ovos?

Hesitei, debatendo se eu queria gastar mais dinheiro.

Mesmo que Yoana estivesse determinada a enfiar dinheiro

nos meus bolsos, eu recusei. E ainda tinha o suficiente das

minhas economias dos meus livros, mas com o jeito que eu

estava escrevendo – ou não escrevendo – não sabia quando

viria mais dinheiro. Cada centavo importava.

Marty deve ser um leitor de mentes, porque seguiu sua

oferta dizendo que seria por conta da casa.

— Você não teria problemas por isso? — Perguntei, com

meu estômago roncando mais alto do que eu queria. Certo

embaraço passou por mim quando olhei para o meu prato

coberto de sal para evitar os seus olhos preocupados.

— Ah, não é grande coisa. Meu pai é dono do lugar. —

Limpando a garganta se inclinou para sussurrar: — Vou

arranjar um brinde extra para você também. — Marty

levantou o meu prato da mesa após o ter recolhido e colocado

para baixo num total de quatro vezes, achei estranho mas

não mencionei seu comportamento, em troca lhe ofereci um

sorriso.


Ele parecia ter a minha idade, talvez um ano mais ou

menos.

Houve esta estranha luta que vi acontecer diante dos

seus olhos quando ele pegou uma vez no saleiro e o voltou a

colocar sobre a mesa. Levantou-a de novo, voltou a colocá-la

na mesa. No total de quatro, esta mesma ação aconteceu

mais duas vezes. Arqueei uma sobrancelha para ver as suas

bochechas vermelhas e suas feições envergonhadas.

— Desculpe. — Ele riu nervosamente. — Apenas um

caso grave de TOC. Encolheu-se com suas palavras e meus

lábios se voltaram para baixo. Era evidente que seu distúrbio

obsessivo-compulsivo era algo que ele tentava esconder, mas

não conseguia.

Parecia ser esse o caso de todo o mundo, presumo que

tinha um segredo e tentava ao máximo esconder. Inclinei-me

para mais perto dele.

— Não se preocupe, todos nós temos nossos hábitos

peculiares, — e pisquei o olho para ele e vi o seu olhar

serenar.

— Há algum problema? — Perguntou uma voz severa.

Tirei os olhos de Marty para olhar para um homem que

tinha o dobro do seu tamanho. O pai de Marty, presumi pela

semelhança. O crachá dele me dizia que se chamava

Gary.


Gary olhou para o filho e suspirou, com um olhar de

decepção em seus olhos cansados. — Você está

enlouquecendo os clientes de novo?

Antes que Marty pudesse responder – ou deixar cair o

prato trêmulo na mão – eu agarrei suas mãos inseguras e me

virei para Gary com um grande sorriso. — Estava apenas

olhando seu bolo de veludo vermelho em exposição ali, e seu

filho Marty estava me dizendo que você tem o melhor da

cidade.

Os olhos de Gary suavizaram. E seus lábios se

transformaram em um pequeno sorriso quando ele cruzou os

braços e estufou o peito. — Essa é a verdade. A melhor fatia

de bolo que você encontrará em Havenbarrow e em todo o

Kentucky. E faço tudo do zero. Essa é a mágica. Não é nada

falso como os daquele novo restaurante do outro lado da rua,

levando todos os nossos clientes. Eles usam toda a porcaria

congelada que adoece as pessoas. Orgulhamo-nos de usar

comida de verdade. Meu bolo é de morrer. — Era espantoso

como o viril Gary ainda surgia quando falava de um bolo.

— Bem, eu definitivamente terei que voltar um dia para

provar.

Gary passou a palma da mão pelas sobrancelhas. —

Sem dúvida que sim. Bem, é melhor eu voltar para a cozinha.

— Marty


O olhar irritado de Gary regressou — vai limpar as

outras mesas antes que a multidão do final da manhã

chegue.

Gary desapareceu na cozinha movimentada, onde

panelas e frigideiras podiam ser ouvidas chacoalhando. Marty

me agradeceu por distrair seu pai por um momento e depois

correu para fazer meu novo pedido.

Enquanto aguardava, peguei uma caneta e um caderno

da minha bolsa e comecei a adicionar à minha lista de coisas

para fazer em Havenbarrow.

Aprender a assar um bolo a partir do zero.

De vez em quando, olhava para a mesa onde o Sr.

Celebridade estava sentado, e uma onda de nervosismo me

atingia a uma velocidade avassaladora. Não conseguia

manter meus olhos longe dele, por mais que tentasse desviar

meu olhar. Parecia que eu era uma perseguidora, olhando em

sua direção, mas algo nele me atraía e tornava quase

impossível desviar o olhar.

Ele deve ter sentido o meu intenso olhar, porque quando

olhou para cima, do seu cardápio, seus olhos pousaram

diretamente em mim. Como a psicopata que eu era, eu não fiz

o que a maioria das pessoas normalmente faria quando eram

apanhadas olhando para um completo estranho.

Eu não virei à cabeça para o outro lado.


Eu não fingi olhar para trás dele.

Eu não me afastei para fugir disso.

Não, não, não.

Simplesmente sorri e abri meus lábios.

— Oi, — eu disse com uma expiração, alto e claro

quando ele estreitou os olhos.

E piscou três vezes.

E retornou de volta para o cardápio, recolocou o boné de

beisebol e virou os ombros para frente mais uma vez,

fazendo-me sentir completamente psicótica por falar com ele.

Mas ainda assim, eu continuava encarando.

O que havia de errado comigo?

Recentemente, eu tinha assistido a série da Netflix Você,

e estava revelando algumas características fortes de Joe

observando este completo desconhecido. Se eu fosse Joe, este

teria sido o meu atual processo de raciocínio perseguidor:

Você olha para o cardápio completamente incerto sobre o

que você vai pedir. Vai ser o smoothie verde? As panquecas? O

mingau de aveia? Não. Tem mais cara de omelete. Você usa

um boné para esconder o rosto, mas não sei por que, já que

tem um queixo muito bonito e definido. Apesar de ainda serem

frios e pouco convidativos, os teus olhos são dignos de

serem admirados, Kennedy, nem sequer desvia o olhar.


O que havia acontecido comigo?

Eu vi quando ele tirou o boné, e o colocou sobre a mesa,

passando as mãos pelos cabelos.

Marty voltou para a mesa, e fez sua rotina peculiar e me

entregou minha comida. Inalei os aromas surpreendentes

resultantes da minha refeição. E não esperei que Marty se

afastasse antes de começar a enfiar a comida na boca de uma

forma totalmente abominável.

— Então, o que te traz à cidade? — Ele perguntou com

um pouco de admiração nos olhos, provavelmente em

resposta à rapidez com que eu estava colocando a comida na

boca.

— Estou alugando a casa da minha irmã e cunhado

pelos próximos meses, — eu digo, pegando uma garfada de

ovos.

— Oh, com o seu… namorado? Marido? — Marty

pergunta.

Meu estômago deu um nó quando olhei para o meu

dedo sem anel. Fazia algumas horas desde que eu pensei

sobre o meu passado. Bastava que o simpático Marty

comentasse algo para provocar essas emoções de volta a

mim.

— Não. Apenas eu.


— Você é solteira? — Ele disse, com sua voz cheia de

esperança.

Eu sorri para ele, tentando afastar os pensamentos do

meu relacionamento passado em que ele estava tentando

arrancar de mim. — Sim, solteira e feliz com isso. Acabei de

sair de um relacionamento longo e estou me concentrando

em mim, por enquanto.

Ele sorriu, entendendo. — Bem, se você precisar de um

amigo na cidade, estou mais do que disposto a não me atirar

em você, vendo como você não é realmente o meu tipo. —

Acenou com a cabeça em direção ao cavalheiro sentado a

uma mesa em frente a mim. — Estou mais interessado em

Kens do que em Kennedys.

Eu sorri. — Bem, eu provavelmente poderia usar um

bom amigo, isso é certo.

Meus olhos voltaram para a mesa do Sr. Celebridade. E

ele olhou na minha direção mais uma vez – e adivinhe quem

não desviou o olhar novamente? O bom e estranho que me

assusta. Pestanejou algumas vezes antes de voltar a olhar

para o cardápio. Senti as minhas bochechas aquecerem

instantaneamente enquanto levantava o meu copo de suco de

laranja para os lábios, e Marty seguiu o meu olhar.


Ele riu. — A maioria das pessoas olha para Jax Kilter

dessa maneira, — disse ele, me fazendo cuspir meu suco em

um instante, arruinando meu prato de comida.

— Espere o que? — Exclamei, completamente perplexa

com as palavras de Marty.

Ele olhou para mim como se eu fosse completamente

louca – e, bom, isso foi um julgamento justo – mas eu ainda

não conseguia me acalmar.

— Você disse Jax Kilter? — Perguntei.

— Sim.

De jeito nenhum.

Não poderia ser ele…

Fazia anos desde que eu o vira pela última vez, e quase

nada sobre o homem na minha frente se parecia com o garoto

que eu conheci uma vez – exceto por aqueles olhos. Aqueles

olhos profundos e escuros atraíam-me da mesma forma que

quando éramos crianças.

Marty coçou a barba inexistente. — Você o conhece?

— Sim. Quer dizer, acho que sim… há muito tempo.

Puxa, já faz anos. — Meus olhos voltaram para Jax, e meu

coração se apertou no meu peito enquanto lágrimas brotavam

nos meus olhos. Poderia realmente ser ele? Tinham

passado mais de quinze anos desde a última vez que


conversamos. Nós éramos apenas crianças naquela época,

mas vê-lo agora e saber que ele era o mesmo Jax da minha

infância fez minha mente voar em uma espiral. Por um

tempo, ele tinha sido meu amigo. Meu companheiro de

acampamento de verão. Meu melhor amigo. Passamos dois

verões crescendo juntos, construindo uma forte conexão, até

que ele desapareceu da minha vida sem dizer uma palavra.

— Você o conhece? — Perguntei a Marty antes que meus

dentes morderem meu lábio inferior.

— Oh sim. É uma cidade pequena, então todos se

conhecem. Para ser sincero, eu já sabia tudo sobre você antes

de você se sentar aqui, exceto seu número do Seguro Social,

— ele brincou.

— Ele é… legal? — Eu perguntei, ignorando o fato de

que Marty disse que sabia tudo sobre mim. Estava muito

preocupada em saber tudo sobre Jax. Minha pergunta

parecia idiota, porque, com base na minha interação com ele,

eu sabia a resposta: não, ele não era legal. Bem, ele foi meio

legal? Um pouco… pensei. Pelo que eu observei, suas ações

falaram de maneira diferente de suas palavras, e eu queria a

opinião de Marty sobre quem Jax se tornara.

— Jax é… ele é… bem, eu não sou de fofocar. E as

pessoas já fofocam muito por aqui para dar a qualquer

roteirista uma década de episódios de qualquer

telenovela, mas Jax é um sujeito interessante. Um

pouco solitário, tirando os seus relacionamentos


aleatórios. Recentemente, ele saiu de uma relação de dois

anos com Amanda Gates – não que eles realmente

parecessem próximos. Ele é um pouco EI.

— EI?

— Emocionalmente Indisponível. Surpreende-me que

Amanda tenha ficado tanto tempo com ele. Sua aparência

não dói. Tenho certeza que isso e os assuntos no quarto

foram suficientes para manter a atenção dela. Se eu tivesse o

menor indício de que ele gostava de Kens em vez de

Kennedys, deixaria o meu Marty acenar à sua maneira

porque esses olhos engolirão qualquer coisa humana. Mas,

infelizmente, ele joga pela tua equipe, não pela minha.

Sorri. Quanto mais Marty falava, e quanto mais

confortável ele ficava comigo, mais eu gostava dele. Sua

personalidade estava começando a brilhar através das

nuvens de nervosismo.

— Ouvi dizer que ele é o idiota da cidade, — disse.

— Ele é… mas é do tipo bom.

Eu ri. — Afinal, o que isso quer dizer? Tipo bom de

idiota? Isso é um paradoxo.

— Não, não é. Você sabe… ele é um idiota com as

pessoas que merecem. No começo, ele é frio, e é só porque ele

não conhece a pessoa. Ele tem os seus escudos

erguidos, porque já se feriu muito. Não posso culpá-lo


com a merda que as pessoas desta cidade o fizeram passar.

Eu também rotularia as pessoas como culpadas até provarem

sua inocência, se eu tivesse vivido metade da vida que Jax

viveu, e eu sou o cara gay símbolo neste lugar, além de ter

TOC. Confie em mim, eu vivi uma vida, mas não a trocaria

para entrar no lugar do Jax por um minuto.

O meu peito apertou com as palavras de Marty. Se

alguma coisa, Jax não soou como o vilão estúpido da história

desta cidade. O que mais parecia é que ele era o herói

quebrado, aquele que tinha se desmoronado tanto que se

retirou para a obscuridade acima da luz.

Muito parecido comigo, depois da tragédia me encontrar.

— Sua vida tem sido tão ruim assim? — Eu perguntei,

esperançosa de que Marty balançasse a cabeça e dissesse

não.

Infelizmente, ele assentiu. — Jax tem um passado

sombrio. Ele passou muitos anos cuidando de si mesmo

enquanto cuidava de seu pai imbecil, até que seu pai foi

colocado em um asilo algumas semanas atrás. Agora, se você

quiser falar sobre idiotas desta cidade, Cole Kilter era o chefe

da gangue. Mas Jax? Não é nada como o pai, nem um pouco,

embora ele venha com a genética idiota.

— E sua mãe?


Marty franziu o cenho. — Como eu disse, ele tem um

passado sombrio.

Só essas palavras partiram meu coração. Eu sabia o

quanto sua mãe significava para ele, e a ideia de ela não estar

mais por perto era devastadora.

Marty cruzou os braços. — Entre nós, acho que Jax é o

cara mais legal de toda essa cidade. — Ele arregaçou a

camisa e me mostrou uma cicatriz em sua pele. — Alguns

anos atrás, fui pego por Lars Parker e seu grupo de idiotas.

Eles estavam saindo do bar bêbados quando eu estava

terminando de arrumar a lanchonete para o dia seguinte.

Eles começaram a me assediar para lhes dar comida de graça

e, bem, para encurtar a história, eles partiram para cima de

mim.

— As notícias viajaram rapidamente sobre o incidente e,

alguns dias depois, Lars e seus amigos apareceram com seus

próprios ferimentos de batalha, olhos negros e tudo. Entrei

no trabalho depois disso, e lá estava Jax, sentado em sua

cabine habitual, lendo o jornal com as duas mãos enfaixadas.

Ele disse que sofreu um acidente ao cortar lenha no quintal.

Até hoje ele jura que não teve nada a ver em chutar a bunda

de Lars, mas tenho a sensação de que ele teve muito a ver

com isso. E depois, que ele me disse para avisar se alguém

me incomodasse, só confirmou. Agradeço a ele por isso

com frequência, e ele sempre me diz para ir embora e

trazer o seu pedido.


Lars Parker.

O mesmo idiota de quando éramos crianças. Claro que

era o mesmo monstro que me assediou. Sabia que não era

por nada aquela sensação estranha de quando o conheci. Não

fiquei surpresa ao ver que ele acabou se tornando o mesmo

idiota de quando era criança.

Marty voltou ao trabalho e eu olhei para Jax. Ele se

virou na cabine e, quando sua cabeça se levantou, ele virou

na minha direção. E nossos olhos se prenderam um no outro,

e meu coração começou a bater repetidamente no meu peito.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Marty trouxe

para Jax seu pedido e ele levantou e saiu do café, deixando

seu boné de beisebol na mesa.

Eu corri para deixar o dinheiro da minha conta na

mesa, e então me apressei para pegar o boné de Jax.

Saí correndo do café para encontrar Jax e dar-lhe o

boné e… não sei… abraçá-lo? Chorar? Perguntar a ele onde

ele esteve por todos esses anos? No entanto, antes que eu

pudesse fazer isso, meus pés congelaram no lugar enquanto

olhava para uma garotinha em pé na frente da sorveteria com

a mãe. Ela segurava um sorvete de chocolate com menta, e

não conseguia lamber rápido o suficiente para impedir que

derretesse. E sua mãe estava remexendo na bolsa em busca

de guardanapos para ajudar a limpar a bagunça.


Eu não conseguia desviar o olhar.

A menina parecia ter cerca de cinco anos, talvez seis.

viva.

Tudo que eu sabia era que ela era pequena, adorável e

Tão viva.

Não posso ficar aqui, pensei comigo mesma quando meu

peito começou a apertar. Eu queria dar meia-volta e seguir na

outra direção. Eu queria correr. Eu queria correr para tão

longe, e voltar para casa e me enterrar em um lugar onde o

lembrete da minha perda não fosse apresentado a mim de

todas as formas, e maneiras possíveis.

Seu sorvete favorito era chocolate com menta.

Ela falava tanto que o sorvete derreteria em seus dedos

e fazia uma bagunça enorme, não importa quantas vezes eu

tentasse limpá-la, sempre tinha guardanapos na bolsa

porque era mãe dela, e as mães sempre guardavam

guardanapos na bolsa e…

Pare com isso, Kennedy. Vá para casa.

Mas não conseguia me mexer. Eu estava congelada no

lugar quando um ataque de pânico começou a varrer minha

alma. E não conseguia desviar o olhar da criança e da mãe

que estava limpando a bagunça do seu queixo. Não pude

me virar. E não conseguia respirar.


— O que você tem? — Uma voz perguntou, me tirando

dos meus devaneios.

Eu me virei para ver Jax parado ali com um olhar

perplexo nos olhos. Meu corpo estava tremendo quando

minhas mãos tremiam com seu boné em minhas mãos, e eu

abri meus lábios para falar, mas nenhuma palavra saiu da

minha garganta.

E vi nos olhos dele também – a maneira como ele me

olhava como se eu fosse louca, da mesma forma que Penn

havia me encarado no ano passado. Ele estava me julgando.

Ele ficou perplexo com o meu medo inexplicável. Ele estava...

Ajudando-me?

— Ande, — ele ordenou.

— Eu… eu não posso, — falei ainda tremendo. A

garotinha e sua mãe não estavam mais na minha frente, mas

as sombras do momento de amor se misturavam às sombras

do meu passado na minha mente. Eu estava pensando

demais, exagerando e sentindo demais todas as emoções

estavam martelando em meu coração.

E não conseguia evitar, no entanto. Era por isso que fiz

o meu melhor para me desconectar da sociedade. Continha

muitos lembretes de toda a alegria que eu tinha perdido.

— Você pode, — ele discordou. — Você pode andar.


Ele não entendia.

Ninguém entendia.

Seu braço deslizou sob o meu, e ele o enrolou no seu.

— O…o que você está fazendo? — Eu gaguejei, com

minha voz rouca.

— Isso, — ele explicou, dando um passo à frente e me

levando com ele. — Agora você faz isso.

— Por favor, não, eu…

— Pare com isso. Pare de dizer o que você não pode fazer

quando pode fazê-lo. Mente sobre a matéria. Vamos lá, Sun…

— Sua voz era baixa, mas nem de longe tão fria quanto antes.

O apelido que eu não ouvia há tanto tempo me atingiu como

um trem de carga. Ele sabia. Ele sabia quem era eu. Ele se

lembrou. — Ande comigo, — implorou.

Um passo.

Então outro.

Eu estava me mexendo. Isso, ou ele estava me

levantando e me fazendo flutuar pela calçada. De qualquer

maneira, ele me acompanhou de volta à minha casa em

completo silêncio, enquanto meus batimentos cardíacos

começavam a diminuir a velocidade. E senti os olhos de todos

em Jax e eu enquanto caminhávamos, e eu odiava isso.

Eu odiava o constrangimento que vinha com os


ataques de pânico, do jeito que as pessoas olhavam como se

eu fosse maluca.

Lembrei-me do meu primeiro ataque de pânico em um

local público. Foi na festa anual de Natal da agência

imobiliária de Penn. Eu tive um colapso enquanto os altofalantes

tocavam a música favorita da minha filha, ‘This

Christmas’, de Donny Hathaway. Eu estava no meio da

conversa com o chefe dele quando meus joelhos dobraram e

eu caí no chão em pânico.

Ele sentiu-se envergonhado por sua esposa estar tendo

um ataque em público.

Eu só podia imaginar como Jax se sentiu ao me levar

para casa neste momento. O pior de tudo era que ele nem

sequer era casado comigo. Ele era um completo e absoluto

estranho lidando com a situação por toda a cidade. Mas ele

não parecia nada incomodado com isso. Só continuava

andando com o seu braço ligado ao meu.

Quando chegamos em casa, eu lhe agradeci, e ele me

calou e me mandou sentar no degrau da frente.

— Eu estou realmente bem, — disse, ainda me sentindo

um pouco instável e tonta.

Ele respirou fundo e fechou os olhos antes de soltar o

suspiro. — Por favor, — insistiu. — Sente-se.


Apesar de querer discutir, decidi escolher as minhas

batalhas.

Sentei-me e, para minha surpresa, ele se sentou ao meu

lado. Eu não sabia o que dizer para ele, mas felizmente, Jax

não estava procurando por palavras. Ele simplesmente se

sentou ao meu lado em um completo silêncio que parecia…

reconfortante? Sim. Eu me senti muito mais confortável do

que quando estava andando na cidade, tudo porque Jax

estava naquele degrau da varanda comigo.

Afinal, você não precisava de palavras para lhe trazer

conforto. Às vezes, tudo que você precisava era que alguém se

sentasse ao seu lado no meio de suas tempestades de pânico.

Quando chegou a hora de ele ir embora, se levantou e

olhou para mim. — Você está bem?

— Sim, estou. Obrigada por ter me ajudado. — Fiz uma

pausa. — Quanto tempo? Há quanto tempo você sabia que eu

era… eu?

O canto da boca dele se contraiu. — Alguns dias. Vi o

carro da sua família na entrada da garagem.

— Eu… isso… é loucura, certo? Depois de todos esses

anos, nos encontrarmos assim... só estou tentando entender

o que tudo isso significa, como tudo...

— Nada. Não precisa significar nada.


Coloquei minha mão no meu peito e respirei

profundamente. — Mas poderia, certo? Isso pode significar

alguma coisa. Quer dizer, quase parece destino, certo? De

todas as cidades em que eu poderia ter acabado, acabei aqui.

Você sente isso, não sente? Você sente como isso é... eu não

sei... é apenas um sentimento no meu peito. E se...

— Não.

— Não o que?

— Não tente fazer disso algo que não é. Na verdade,

provavelmente devemos manter distância. Para manter o

passado no passado.

Fiquei quieta porque não sabia o que dizer. Para ser

sincera, me senti um pouco louca. Minha mente ainda estava

girando com o meu ataque de pânico, e meu ritmo cardíaco

estava muito acelerado para decidir se eu queria abraçar Jax

ou gritar com ele por desaparecer por todos esses anos. Antes

que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele já estava indo

embora, me deixando sozinha com todos os pensamentos e

perguntas disparando no meu cérebro.

Depois que Jax saiu, fui direto para casa com uma

urgência avassaladora. Corri para o meu quarto, direto para

uma caixa que ainda não tinha desempacotado. Rasgando a

fita, joguei itens para fora do caminho até encontrar uma

caixa dourada. Naquela caixa, guardava todos os meus

itens mais preciosos. Joias da mamãe. As gravatas


favoritas do papai. Desenhos de Daisy. Fotografias antigas. E

as cartas de Jax.

Cartas que ele havia escrito para mim há muito tempo.

Cartas que eu mantive trancadas em segurança ao longo dos

anos. Eu não lia as palavras dele há muito tempo, mas agora

meu coração estava batendo forte no meu peito quando

cheguei na caixa e desdobrei as anotações para ler as

palavras que um Jax, de dez anos, havia me escrito.

As suas palavras foram rabiscadas nas páginas com

tinta preta, e eu sorri para a forma como ele sempre foi capaz

de se manter tudo dentro das linhas – o oposto completo da

forma como eu costumava escrever as minhas notas.

Enquanto a minha caligrafia era confusa, a do Jax era

sempre branda.

Eu recolhia os pedaços de papel e fui até o conversível

para me sentar debaixo do sol enquanto lia as palavras do

homem que em outros tempos era o meu melhor amigo.

Não esperava ficar tão emocionada enquanto lia. Não

esperava que as lágrimas se formassem nos meus olhos

enquanto o meu olhar corria para frente e para trás nas

páginas. Tínhamos escrito um ao outro durante três anos

seguidos durante os meses que não passávamos juntos no

acampamento de verão. Mantivemos contato da melhor

maneira que sabíamos. Recordo-me de ter passado três

anos correndo para a caixa do correio, na esperança de


ver a caligrafia perfeita de Jax num envelope.

Jurei que provavelmente já tinha lido essas cartas um

milhão de vezes no passado. As margens das páginas

estavam enrugadas e desgastadas, mas isso não afastava as

estranhas borboletas no meu estômago. Era provavelmente o

que sentia quando lia na época, só que com um sentimento

muito menor.

Palavras como:

Eu sinto sua falta.

Se você precisar de alguma coisa, me avise.

Até logo.

Eram todas tão simples, e não tinham um grande

significado na realidade, mas, naquele momento, eu sentia

como se significassem o mundo para mim – especialmente

para o até logo. Houve um dia e uma época em que pensei

que nunca mais veria Jax, mas agora aqui estávamos nós.

Finalmente, mais tarde, tínhamos encontrado o caminho até

ambos.

Meu dedo rolou pelo envelope com o endereço de Jax. E

meus olhos focaram na palavra Havenbarrow em seu

endereço, e senti arrepios em minha pele. Eu era apenas uma

criança, então não sabia como localizá-lo, mas ele esteve aqui

o tempo todo, a quarenta e cinco minutos de carro. Eu

achava que minha mente não se apegara ao nome da


cidade em todos esses anos desde que eu não sabia onde ele

estava, então não a reconheci quando Yoana me surpreendeu

com a casa aqui.

Eu li uma das últimas cartas que ele havia escrito para

mim e um parágrafo se destacou mais do que qualquer outro.

Eu sei que não há razão para eu dizer isso porque seus

pais são incríveis, mas você diz isso para mim em todas as

cartas que escreveu sobre meu pai, então achei que deveria

retribuir, apenas no caso de haver algum dia em que você

precise ouvir.

Se precisar fugir, corra para mim.

Jax

AS LÁGRIMAS que eu estava lutando finalmente

começaram a cair dos meus olhos. Mesmo com todas as

minhas mágoas, eu ainda acreditava em muitas coisas, e o

destino estava no topo dessa lista. Tinha que haver uma

razão para eu ter sido trazida para a cidade onde meu ex

melhor amigo morava. Ele não apenas morava em

Havenbarrow, mas também nos trombamos no


bosque. Tinha que ser um sinal de alguma coisa. Tinha que

ter algum significado.

Talvez eu estivesse desejando e esperando que isso

significasse algo, mesmo não significando. Talvez meu

espírito precisasse de um pouco de magia depois de um ano

segurando tanta escuridão.

Eu desejei um milagre, e ao virar da esquina estava Jax

Kilter.

Ainda assim, eu não sabia o que isso significava. Eu só

precisava que isso significasse alguma coisa. Qualquer coisa,

mesmo. Precisava de algo para me sentir esperançosa depois

de um ano sentindo o contrário.

Nesse momento, meu telefone tocou e uma mensagem

apareceu.

Penn: Há uma grande festa de gala neste fim de

semana, e eu não quero ter que explicar por que minha esposa

não está lá. Você pode voltar para casa agora. Eu exagerei.

Vamos resolver esta merda.

Penn: Porra, Kennedy. Por favor. Eu preciso de você,

sinto sua falta.

Eu sinto sua falta.

Essas palavras não me deram borboletas do jeito

que tinham dado a carta de Jax.


Pareciam forçadas como se ele só dissesse para

conseguir o que queria. Conhecia a única razão pela qual ele

dizia isso, porque sentia a tensão de ter que explicar aos seus

amigos e colegas porque é que eu não estaria presente no

evento. Ele esforçava-se tanto para manter as aparências que

parecia que nós levávamos uma vida perfeita, que éramos os

felizes para sempre com que os outros sonhavam. Aposto que

estava tendo ataques de pânico, tentando adoçar o fato de

sua esposa ter ido embora.

Ainda bem.

Já era tempo de ele saber como são os ataques de

pânico.

Independentemente disso, as suas gentis e suaves

mensagens de texto não apagaram as palavras desagradáveis

que me disse na noite em que me obrigou a ir embora. Eu

sabia melhor do que cair nessa falsa narrativa de emoções

que ele me mandava ao acaso.

Voltei a ler as minhas cartas de Jax. Guardavam muito

mais autenticidade nessas palavras, e não me parece que

tenham sido escritas ao acaso.

O meu espírito não podia deixar de pensar em Jax e em

quem ele se tornou ao longo dos anos. Não pude deixar de me

perguntar quantas partes do jovem rapaz que amei em

algum momento ainda viviam dentro do meu coração.


Kennedy

Onze anos de idade

Ano um do acampamento de verão

JAX KILTER ERA TÃO BONITO.

Era um tipo estranho de bonito que muitas pessoas não

achavam bonito, mas eu achei porque pensei que todas as

coisas diferentes eram bonitas e belas. Eu gostava dos seus

olhos castanhos escuros que pareciam a minha barra de

chocolate preferida, suas orelhas grandes. Gostei como o seu

nariz se inclinava um pouco para a esquerda, como se fosse

de propósito. Gostei dos seus grandes óculos. Ele parecia

imperfeito em muitos aspectos, e eu gostava disso nele.

Mamãe disse que as melhores pessoas são as

imperfeitas, porque as melhores aventuras da vida não vêm

de coisas perfeitas.

Também gostei da barba de Jax, mesmo que ele

ainda não tivesse barba. Eu sabia que um dia se ele

tivesse barba, eu gostaria dela. Teria apostado que ele


ia ser um homem bonito, porque ele já era um rapaz bonito.

Gostava tanto de Jax Kilter por muitas razões, mas um

dos maiores motivos era porque ele não se encaixava com

mais ninguém no acampamento, e eu não me encaixava com

mais ninguém também, porque conversava muito e era gentil

e diferente e oh meu Deus talvez possamos ser amigos!

Ainda não o acordei, porque sabia que quando o

acordasse, ele poderia correr e nunca mais querer falar

comigo novamente. Tinha tido muitos amigos que deixaram

de falar comigo depois da nossa primeira conversa porque

pensavam que eu era uma esquisita.

Mamãe e papai me disseram que ser esquisito era uma

coisa boa, no entanto. Se uma pessoa era esquisita, isso

significava que ela tinha sabor, e eu não queria que minha

vida fosse branda. Eu tinha tantos sonhos grandes e

coloridos e não queria nunca perder o rumo para realizá-los,

porque desisti da minha estranheza.

A melhor qualidade sobre mim – além da minha

capacidade de arrotar o ABC – era que eu me sentia tão

confortável sendo uma estranha.

Engoli em seco enquanto observava o sol começar a

nascer do lado de fora e depois cutuquei Jax no braço. — Ei,

— sussurrei. — É hora de acordar.


Jax se mexeu e resmungou e remexeu um pouco mais.

— Mais cinco minutos, mãe.

Sorri, porque ele era engraçado quando estava

sonhando. E o cutuquei novamente. — Eu não sou sua mãe,

Jax Kilter. Levante sua bunda antes de ser pego na cama com

Kennedy Lost.

Isso o fez abrir os olhos – bem arregalados. Aqueles

olhos grandes e deliciosos de chocolate.

Ele olhou para mim e depois para minhas companheiras

de quarto adormecidas e disparou sentando. — Tenho que

sair daqui antes que alguém perceba.

— Sim, é por isso que eu te acordei, duh.

Ele se levantou e passou a mão sob o nariz torto

enquanto pegava as roupas molhadas da noite anterior.

Eu levantei também e sorri para ele. Mamãe sempre

dizia que sorrir também faz as outras pessoas sentirem

vontade de sorrir. — Sorrisos são contagiosos, Kennedy.

Espalhe o seu como um incêndio, — ela dizia. Então, lá estava

eu, na frente de Jax, sorrindo mais forte do que nunca.

Ele arqueou uma sobrancelha e passou a mão pelo

cabelo bagunçado. — O que você está fazendo?

— Sorrindo.

— Por quê?


— Então você vai sorrir.

Ele pestanejou. — Oh.

Joguei meu moletom rosa e coloquei meus tênis. — Se

você quiser, pode vir conversar com os pássaros comigo.

— Os pássaros não falam.

— Sim, eles falam. Você que simplesmente não está

ouvindo atentamente.

— Você é tão estranha, Kennedy.

Eu sorri mais. — Obrigada, Jax. — E torci o nariz. — Ei,

seu nome é apenas Jax ou é mais longo?

— É Jaxson, mas apenas minha mãe me chama assim.

— Jaxson, — eu cantei. — Oh, eu gosto mais desse.

Prefiro chamar as pessoas pelo seu nome completo. Como

Matthew, ou Nicholas, ou Samantha. O nome do meu pai é

Tim, mas mamã o chama de Timothy. Ela disse que os nomes

verdadeiros são sosipcados.

— Você quer dizer sofisticado, — ele corrigiu.

Estreitei meus olhos. — Diga de novo, mas devagar.

— So-fis-ti-ca-do, — ele soletrou.

— So-fis-ti-ca-do, — ecoei, sorrindo para ele. —

Obrigada. Às vezes falo tão rápido que fico com a

língua presa e as minhas palavras saem mal, outras


vezes não sei as palavras certas, e é útil quando alguém está

por perto para me dizer a palavra que eu pretendia dizer, por

isso obrigada. — Respirei fundo. — Ei, posso te chamar de

Jaxson?

— Não! — Ele foi firme formando uma ruga na testa. —

Eu te disse, apenas minha mãe me chama assim.

— Uau. — Balancei minha cabeça. — Sua mãe é tão

sortuda. Então você quer?

— Quer o que?

— Ir falar com os pássaros?

— Sua mente sempre faz isso?

— Fazer o que?

— Pensa um milhão de pensamentos ao mesmo tempo.

— Oh. — Apertei o nariz. — Sim, acho que sim. Bem,

tudo bem, eu adoraria ficar por aqui e conversar, mas se não

chegar lá, sentirei falta dos pássaros e não sei se eles

saberiam o que fazer sem a minha conversa matinal. Tchau,

Jax! Vejo você por aí, buckaroo 9 !

Joguei minha mochila, que estava cheia de guloseimas

para todas as aventuras em que eu pudesse entrar o dia

inteiro. Eu tinha barras de cereal, balas e uma garrafa de

água. Sempre que meus pais, minha irmã e eu saíamos

9

– Um termo comum usado para descrever um amigo. Mais comumente usado no sul dos EUA, era

usado como um termo carinhoso para um amigo.


nas aventuras, mamãe sempre empacotava as barras de

cereal, e papai pegava grandes garrafas de água para nós.

Deixei Jax na minha cabana enquanto saía para cantar

com os pássaros. Eu adorava estar no acampamento porque

estávamos no meio da floresta. As cabanas das meninas

ficavam em uma bela clareira, com arbustos de Lilases

plantados do lado de fora da porta. Quando o vento soprava,

você era atingido pelo perfume das flores, que eu mais

amava. Lilases era a flor favorita da mamãe, e cheirá-las

todas as manhãs quando saía me deixava com menos

saudades de casa. O ar ainda cheirava a chuva, e eu me

certificava de saltar nas poças cada vez que via uma,

enquanto assobiava e vagava pela floresta.

Todo dia, eu dividia um pãozinho que pegava do jantar

da noite anterior para alimentar os pássaros e, rapaz, eles

adoravam. Eles cantavam e mergulhavam enquanto eu

sentava em um tronco e ouvia suas lindas canções.

Quando me sentei no meu tronco e vasculhei minha

mochila, comecei minha conversa com os pássaros e fui

rapidamente interrompida pelo som de um garoto

pigarreando.

Eu me virei para ver Jax ali de pijama com as roupas de

ontem dobradas perfeitamente em seus braços.


Eu sorri e, desta vez, meu sorriso foi suficiente para

fazê-lo sorrir também. Fui cavar na minha mochila

novamente e puxei uma barra de cereal de morango. Era

minha última de morango, e era minha favorita, mas eu

estendi para Jax. — Quer uma?

Ele hesitou por um segundo e olhou ao redor do

acampamento, como se estivesse preocupado com alguém o

pegando saindo com uma esquisita como eu. Então suspirou

e caminhou em minha direção. Pegou a barra da minha mão

e olhou para as árvores, contemplando os pássaros.

— Que espécie são essas? — Perguntou enquanto

desembrulhava a barra e dava uma pequena dentada nela.

— Ah, você sabe. Há a Lonnie de olhos vermelhos, o

Jaspe acinzentado e o Eriken, — falei com naturalidade.

Jax olhou para mim com uma sobrancelha levantada e

confusão nos olhos. — Você acabou de inventar tudo isso?

— Sim.

— Claro que você fez.

Começamos a comer e conversar com os pássaros. Bem,

eu falei enquanto Jax meio que apenas murmurou para si

mesmo. Quando o sol começou a aparecer, Jaxson tomou um

gole de água que eu lhe dera. — Seu nome completo é

Kennedy?


— Sim. Significa chefe de família. Papai disse que

significa que eu serei uma líder e os protegerei de coisas

ruins. O nome da minha irmã mais velha é Yoana, o que

significa que Deus é gracioso, o que combina com ela porque

ela é incrível. — Inclinei minha cabeça. — O que seu nome

significa?

— Oh, é estúpido.

— Eu duvido disso – nenhum significado de nome é

estúpido.

— O meu é, confie em mim.

— Apenas me diga.

Ele resmungou e suspirou. — Jaxson significa filho de

Jack.

— Oh. — Eu balancei a cabeça em compreensão. — O

nome do seu pai é Jack?

— Não. É Cole.

— Hum. Sim, você está certo – esse é um significado

estúpido. Vamos fazer o nosso próprio significado para você.

Que tal... Jaxson significar herói. Isso mesmo, você é forte e

sempre poderá salvar as pessoas, não importa de quê.

— Você não pode inventar significado para os nomes,

Kennedy.


— Claro que eu posso. Foi o que todos os velhos fizeram

quando decidiram que o teu era filho de Jack.

Ele cruzou os braços por um minuto em profunda

reflexão e depois deu de ombros. — Ok, Jaxson significa

herói, mesmo que eu não ache que seja capaz de salvar

alguém.

— Dê tempo. Vai se acostumar com seu nome, como

meu pai sempre diz. Queixo pra cima e chegarás lá.

— Sim, ok. — Ele coçou a nuca. — A propósito, obrigado

por me ajudar ontem à noite.

— Sem problemas. — Enfiei o último pedaço da minha

barra na boca e limpei as mãos na calça do pijama. — Então,

me diga algo emocionante sobre você.

Ele levantou uma sobrancelha. — O que você quer

dizer?

— Você sabe, algo legal sobre você.

— Oh. Não há nada legal em mim.

Comecei a rir e o empurrei no ombro. — Você é tão

engraçado, Jax.

— Eu não estava brincando. Eu não sou uma pessoa

legal.


— Todo mundo é uma pessoa legal. Até as pessoas não

legais.

— Kennedy, isso nem faz sentido.

— Você nem sempre precisa fazer sentido. Conte-me

algo. Do que é que gosta?

Ele limpou a garganta e passou o polegar pela ponta do

nariz antes de empurrar os óculos para cima. — Acho que

gosto de grandes palavras que significam coisas diferentes.

Minha mãe e eu estamos sempre procurando grandes

palavras para mostrar um ao outro e aprender seu

significado. Até criamos um quadro no Pinterest para marcar

nossas grandes palavras favoritas. — Ele mexeu no nariz. —

É meio estúpido.

Ofeguei e bati palmas. — Não é estúpido! De jeito

nenhum! Grandes palavras são tão legais! Não conheço

muitas palavras grandes além de so-fis-ti-ca-do, então talvez

você possa me ensinar.

Por um momento, seus olhos se iluminaram. — Você

está falando sério?

Eu assenti. — Sim.

— Bem… que tipo de palavras você quer saber?

— Eu não sei por que não conheço bobo. Como

posso saber o que quero saber se não as conheço?


Ele riu nervoso, e naquele momento se tornou ainda

mais bonito. — Oh. Certo.

— Apenas me diga a sua favorita.

— Oh Deus, existem tantas. — Ele estava começando a

falar mais e mais, e eu gostava disso nele. Eu gostei de como

ele começou a se abrir comigo. — Clinomania!

Ofeguei e bati palmas. — Oh! Eu amo isso!

— Você não sabe o que isso significa, não é?

— De jeito nenhum!

Ele riu novamente. — Significa um forte desejo de ficar

na cama. Minha mãe tem clinomania depois de todo fim de

semana, quando toma muito vinho.

— Parece que sua mãe e minha mãe seriam melhores

amigas. Qual é a outra?

— Há solitário.

— Ah sim, sim. Solitário. Muito agradável. Essa também

é uma das minhas palavras favoritas agora.

Ele sorriu. — Significa alguém que vagueia sozinho para

escapar do mundo. Tipo eu. Um pouco como eu. Prefiro

guardar as coisas para mim.


— Eu também. A maioria das pessoas pensam que eu

sou muito estranha para ser minha amiga, então eu sou uma

solitária, eu acho. — Franzi a testa um pouco, pensando em

como, às vezes, quando eu vagava, e me sentia sozinha sem

minha família por perto.

— Agora não, no entanto, — disse ele, me cutucando. —

Porque você não está vagando sozinha. Você está comigo.

Meus lábios se levantaram. — Sim. Estou contigo.

Ele continuou me dizendo palavras diferentes, e eu

continuei ouvindo. Seus murmúrios estavam ficando um

pouco mais altos, a tal ponto que eles não eram murmúrios, e

então quando ele ria alto o suficiente, eu jurei que todos os

pássaros dançaram com o som.

— Ei, Jax?

— Sim, Kennedy.

— Você quer ser meu melhor amigo?

Ele torce o nariz. — Não se pede simplesmente para as

pessoas serem suas melhores amigas. Não é assim que se

arranja um melhor amigo.

— Oh. — Fiz uma careta e cocei meus cabelos

emaranhados. — Bem, como as pessoas conseguem melhores

amigos?

— Eu não sei. Isso meio que acontece.


— Oh. — Puxei meu pãozinho e comecei a alimentar os

pássaros enquanto eles mergulhavam como viciados. — Ei,

Jax?

— Sim, Kennedy?

— Você quer apenas ser o meu melhor amigo?

Suspirando respondeu. — Tudo bem, Kennedy.

Minhas bochechas esquentaram e olhei para os

pássaros que mastigavam os pãezinhos. — Eu sempre quis

um melhor amigo.

Não pude ouvi-lo com muita clareza, porque Jax Kilter

gostava de murmurar, mas pensei ter ouvido as palavras: —

Eu também.

— Agora podemos ser solitários juntos, — eu disse.

— Uh, isso cancela todo o objetivo do solitário.

— Shh, Jax. Apenas deixe isso acontecer.

Sorriu e murmurou: — Ok.


Kennedy

Presente

CHUVA, chuva, vá embora, por favor, leve a ansiedade de

Kennedy.

Choveu por mais dois dias, e meu corpo estava doendo

da falta de sono. Quando tentava fechar os olhos, via flashes

do meu passado dentro das pálpebras. E se eu caísse no

sono, teria pesadelos.

Nada estava funcionando. Tentei todas as pílulas para

dormir conhecidas pela humanidade. Tinha feito quase todas

as meditações para dormir da internet, vasculhei minha casa,

tomei banhos de espuma, assisti The Office dez vezes, e ainda

assim, nada.

As pancadas de chuva na casa estavam ficando cada vez

mais intensas a cada dia que passava. Eu estava vivendo

oficialmente de comida chinesa e entrega de pizza. Não eram

as minhas verdades mais orgulhosas, mas era onde eu

estava na minha jornada. Além da chuva, eu não tinha


saído de casa desde o meu ataque de pânico. Honestamente,

meu corpo estava passando por ondas de exaustão

emocional. Quando acordava dos meus pesadelos, ficava

presa sozinha com os meus próprios pensamentos infelizes.

Eu não sabia que as mentes poderiam ficar tão

sobrecarregadas e que poderiam se concentrar em um milhão

de coisas ao mesmo tempo, mas a minha conseguia fazer

isso. Atualmente, meus pensamentos consistiam em: No que

vou trabalhar verdadeiramente? Vou ficar em Havenbarrow ou

vou voltar para a cidade? Onde está Penn? Será que ele sente

mesmo a minha falta, ou está apenas solitário? Se ele sente

mesmo a minha falta, porque não veio à minha procura?

Porque ele não sabe onde você está, Kennedy.

Se ele realmente se importasse, ele não tentaria me

encontrar? Ele não me ligaria em vez de apenas mandar

mensagens?

Também me perguntei o que Jax estaria fazendo

durante as tempestades. Ele realmente quis dizer que não

queria restabelecer nossa amizade? Era difícil para eu

acreditar nisso. Ainda tinha tantas perguntas, como, por

exemplo, como é que ele havia passado de um rapaz tão

magrinho, para um homem tão forte e musculoso? Porque

tinha parado de me escrever? E, mais importante ainda, o

que tinha acontecido com a mãe dele?


Toda vez que eu falava com Yoana, a preocupação em

sua voz ficava mais evidente. Às vezes eu desejava que ela

não fosse tão boa em me ler, mesmo através de um altofalante

do celular, mas minha irmã sabia que o peso na

minha alma ficava tão difícil de lidar em alguns dias.

— Eu estou bem, — continuei garantindo a ela. Eu me

sentia mal por lhe contar mentiras, mas ela estava no meio

do mundo – então não havia nada que pudesse fazer para eu

melhorar. Minha ansiedade e tristeza precisavam ser tratadas

por mim e somente por mim. Ninguém mais poderia me

salvar.

Bem, ninguém, exceto talvez Joy Jones.

Enquanto eu estava presa em minha casa, vagando pela

sala de jantar, antecipando mais uma noite de sono

fracassado, ouvi uma batida na minha janela. Olhei para

cima e vi Joy parada ali, jogando algo em minha direção. Ela

estava saindo de sua janela totalmente aberta, jogando coisas

em minha direção para chamar minha atenção, enquanto

deixava seu braço extremamente encharcado.

Incerta do que ela estava fazendo, eu abri minha janela.

— Oi, — disse hesitante, levantando uma sobrancelha. —

Você está bem? — Sabia que ela tinha mais de oitenta anos e,

se havia algo em que eu pudesse ajudar, eu faria da melhor

maneira possível. Também sabia que ela não era a

pessoa mais estável do mundo, mas se eu pudesse de

alguma forma desenvolver coragem suficiente para


ajudar outra pessoa, eu estava totalmente envolvida nisso.

— Oi querida, sim. Eu só queria ver se você gostaria de

tomar uma xícara de chá, — ela respondeu docemente.

— Hum, são dez da noite, Joy.

Seu sorriso se espalhou e ela assentiu uma vez. —

Então vinho?

Eu ri e concordei. O que mais eu ia fazer? Sentar e

pensar demais em tudo pelo resto da noite? Coloquei uma

capa de chuva e botas. Quando abri a porta da frente vi a

queda da chuva junto com o relâmpago acima, e me encolhi

assustada.

Apenas ande, Kennedy. É bem ao lado.

Mas não consiguia me mexer.

Quanto mais o céu desabava, mais tensão se acumulava

no meu peito quando a sensação de pânico começou a

crescer. Eu deveria ser melhor nisso. Eu deveria ter

conseguido andar adiante sem preocupação. Mas os flashes

da noite do acidente giravam na minha mente, e eu não era

capaz de afastá-los.

Não posso fazer isso, pensei comigo mesma, fechando os

olhos envergonhada.


— Sim, você pode, — uma voz chamou. Virei para a

esquerda e vi Joy sorrindo em minha direção com um olhar

sincero. — Venha agora, você não está sozinha. Apenas

alguns passos, e seu copo de vinho a aguarda.

— Eu… meu… — Fechei os olhos e respirei

profundamente. Minhas mãos estavam começando a tremer

quando o medo começou a me encher por dentro.

— Tudo bem ter medo, querida, — comentou Joy. —

Você pode ter medo e ser corajosa ao mesmo tempo. Agora,

vamos lá. O vinho está gelado, e a companhia é boa. Mesmo

que precise prender a respiração e correr até aqui, faça isso.

Então poderemos respirar juntas.

Eu fiz o que ela disse. Prendi a respiração e corri pelo

quintal, contornando a calçada e correndo pela trilha. No

momento em que cheguei à varanda, entrei na casa dela sem

ser convidada, como uma louca desequilibrada.

Eu tremia no saguão dela, abanando a chuva, e Joy me

seguiu para dentro, me entregando uma toalha que ela já

tinha à minha espera. — Aqui estamos nós. — Sorriu. — Isso

não foi assim tão mau.

Se ao menos ela soubesse a velocidade do meu coração

palpitante. Tinha sido muito mais difícil do que parecia.

— Branco ou vermelho? — Perguntou.

— Hum, branco se tiver.


— Oh, querida, eu tenho tudo. Agora, vamos, sente-se

no sofá e fique à vontade. Preparei uma pequena tábua de

frios para comermos enquanto conversamos. Está bem em

cima da mesa, se você quiser.

— Obrigada, Joy.

Sentei-me no seu sofá e tentei domar o meu ritmo

cardíaco ainda elevado. Sua casa era uma casa em que tudo

parecia autêntico e importante. As paredes estavam cobertas

de quadros desconexos com retratos em preto e branco que

destacavam todos os momentos bonitos da sua vida. Além

disso, todos os seus móveis eram vibrantes, e não faltava luz

porque havia muitas luminárias diferentes, tanto pequenas

quanto grandes, espalhadas por todo o lado.

Tinha uma parede de peças de arte que estavam em

destaque e muito bonitas. Havia pinturas e esculturas que

irradiavam tanto calor. Era como se eu estivesse num museu

olhando para obras de arte. Simplesmente de tirar o fôlego.

Quando Joy retornou, ela tinha as maiores taças de

vinho que eu já tinha visto na minha vida, e em poucos

segundos, ela era oficialmente minha nova melhor amiga.

Cada taça devia conter no mínimo meia garrafa de vinho.

Sorri, contente. — É uma taça impressionante.

— Algumas noites pedem taças maiores.

É isso aí, eu apoio!


— Como você sabia que eu precisava de uma pausa

para o vinho? — Brinquei, bebendo provavelmente o melhor

vinho branco que já tomei na vida.

— Eu notei você andando de um lado para o outro nas

últimas noites. Não que eu estivesse espiando ou algo assim,

mas meu canto de leitura fica do outro lado da sua sala de

jantar. Achei que você não conseguia dormir durante as

tempestades.

— Elas me deixam um pouco agitadas, — confessei, não

vendo motivo para mentir sobre isso. — Então obrigada.

Realmente aprecio sua companhia, e tenho que admitir, eu

estava ficando um pouco louca e quase perdendo a cabeça.

— Humm. — Ela assentiu em compreensão. — É assim

às vezes. Parece que as tempestades duram para sempre,

mas por experiência, aprendi que, não importa o quê, elas

sempre passam.

Esse era um bom conselho que eu teria que lembrar.

— Você sabe o que é bom saber? — Ela perguntou.

— O quê?

lá.

— Mesmo atrás das nuvens de chuva, o sol está sempre

— Esse é um bom ditado, — e disse. — Às vezes é

difícil lembrar.


Ela me deu um tapinha no meu joelho. — Confie em

mim, eu sei. Tenho quase noventa e às vezes também

esqueço. Mas também acho que é por isso que existe o vinho.

— Mexeu-se na almofada. — Então, o Jax parece estar

atraído por você.

Eu dei uma gargalhada. — Atraído por mim? Nem um

pouquinho. Ele deixou bem claro que devíamos manter

distância um do outro.

— Oh, querida, — ela abanou a mão como se estivesse

me dispensando. — Jax não quis dizer isso. Ele é apenas

duro como o meu Stanley. Mostrar emoções é difícil para Jax.

Ele também não costuma se abrir com muita frequência. Há

muitos anos que eu compartilho uma bebida com aquele

rapaz, e ele ainda mal se abre. Parece uma parede de tijolos,

mas ele é legal, só um grande frouxo. E desde que chegou à

cidade, tenho visto a forma como ele olha para você.

Meu estômago revira de nervoso. — Como ele olha para

mim?

— Como se você fosse algo que ele queira conhecer

melhor.

Abaixei a cabeça, brincando com meus dedos. — Há

anos atrás, ele foi meu melhor amigo. Fomos juntos para o

acampamento de verão por dois anos, e trocamos cartas entre

nós durante aproximadamente três anos. Então, um

dia, as cartas dele pararam de chegar.


Simplesmente… desapareceu.

Os olhos de Joy se arregalaram de surpresa. — Você o

conheceu quando menino?

— Sim. Ele era… — Sorri, pensando em Jax quando

criança. — Ele era o garoto mais gentil que eu já conheci. O

garoto mais quieto, mas o mais gentil.

— Sim. Isso não mudou ao longo dos anos. E ele sabe?

Que você é… você?

— Sim, sabe, mas me disse que seria melhor não

mergulharmos mais fundo em nossa história.

— Oh, merda, — Joy gemeu, me fazendo rir. — Você não

pode ouvir nada que Jax diz – você sabe por quê?

— Por quê?

— Seus batimentos cardíacos estão prontos para a

autodestruição. Ele afasta as coisas boas porque acha que

não as merece, mas eu conheço aquele rapaz – provavelmente

melhor do que ele mesmo – e ele precisa de um amigo. Acho

que precisa mais de você do que admitirá.

Balancei minha cabeça enquanto tomava um gole de

vinho. — Duvido que ele queira que eu seja esse amigo. Além

disso, como você disse, ele é uma parede de tijolos. Não tenho

como chegar até ele.


— Com certeza. — Ela pousou a taça de vinho e

caminhou até a lareira, onde estavam algumas velas. E pegou

um isqueiro e começou a acender cada uma. — Você perdeu

alguém, não foi?

Eu fiquei mais ereta. Mesmo com todos os

bisbilhoteiros, eu não tinha contado nada sobre a minha

filha. — Eu... Desculpa? Como assim? Como é que você...?

Ela olhou para mim e sorriu. — Eu vejo em seus olhos, e

reconheço a luz deles à tua volta.

Calafrios começaram a se espalhar por meu corpo

quando as palavras deixaram seus lábios. — Eu… é… —

Minha boca ficou seca enquanto eu tentava formar as

palavras, e ela balançou a cabeça.

— Não, não, querida. Você não precisa falar sobre isso

se for muito difícil. Entendi, mas quero que saiba que não

está sozinha em sua perda. Se existe algo neste mundo que

nos une a todos, é vida e morte, dia e noite. Jax também

passou por uma tragédia, e como vocês dois têm uma

história, acho que talvez vocês possam se conectar

novamente.

— Não acho que ele me queira em sua vida, pelo menos

não muito.

— Eu aposto que ele quer. O pai de Jax também

está chegando ao fim de sua vida, e eu sei que isso o

está esmagando, mesmo que ele não fale sobre o


assunto. Agora, não estou lhe dizendo isso, para forçar você a

conversar com ele. Eu só acho que a cura vem com o tempo,

paciência e amigos, e eu acredito que vocês poderiam usar

ambos como amigos neste momento, — explicou Joy.

— Como faço para que ele queira ser meu amigo? Como

faço para que se abra comigo?

— Apenas seja você. Isso é bom o bastante, tenho

certeza. Se tudo mais falhar, pressione. Às vezes, na vida,

precisamos ser pressionados para nos lembrar de que ainda

podemos nos mover.

Lembrei-me de apenas alguns dias antes, quando meu

ataque de pânico me atingiu, e eu não consegui avançar. Lá

estava Jax, me pressionando, ajudando a me guiar de volta

para minha casa. Se ele pode me ajudar, eu poderia pelo

menos tentar fazer o mesmo por ele. O que pior poderia

acontecer?

Joy e eu terminamos nosso vinho e conversamos sobre a

vida. Ela me fez rir enquanto eu estaria em casa sozinha

lidando com meus próprios pensamentos e tristeza. Fiquei

muito agradecida por sua gentileza. Ela foi uma das

primeiras pessoas na cidade que se interessou em se tornar

minha amiga de verdade.

Quando perguntei por que ela não havia saído de casa

por tanto tempo, ela respondeu com a simples resposta:

— Vou onde o amor está. Este lugar está cheio do


amor dos meus entes queridos. Quando o amor for para outro

lugar, certamente seguirei. Este é o meu refúgio até que Deus

me diga o contrário.

Quando me levantei para sair, parei no corredor dela,

cheio de fotografias. Eu peguei os rostos sorridentes, o que

me fez sorrir também. — Esse é seu marido? — Eu perguntei.

— Sim, esse é Stanley, meu amor frio como uma pedra.

— E a garota?

— Minha Bethany. Ela faleceu cedo. Tivemos dezoito

grandes anos uma com a outra antes que o câncer a levasse

para longe de nós.

Meu peito apertou. — Eu sinto muito. — Queria abraçála

e queria chorar, mas, em vez disso, fiquei parada.

— Eu também sinto muito, Kennedy. Eu realmente

sinto.

Eu não tinha dito a ela, mas de alguma forma Joy sabia

da minha perda. Coloquei o casaco e as botas e entrei na

varanda. Trocamos despedidas, mas antes que eu pudesse

sair, voltei-me para ela, fazendo a pergunta que tentava

responder a algum tempo. — Como você supera a perda de

uma filha?

Ela caminhou até mim e cruzou os braços. — Você

não supera. Só se ultrapassa, e conta a sua bênção por

qualquer período de tempo que tenham tido juntas.


Eu pessoalmente? Gosto de acreditar que assim que Bethany

saiu do meu lado, ela tornou-se o vento. Por isso, sinto-a em

todo lugar. — Estendeu a mão e fechou os olhos enquanto

tomava uma inspiração profunda. — Mesmo durante as

tempestades.

Eu sorri para ela antes de puxá-la para um abraço

apertado. Agradeci-lhe por tudo o que ela tinha me dado

naquela noite e depois voltei correndo para a minha varanda.

Desta vez, no entanto, antes de correr para dentro, fechei os

olhos, e senti o vento enquanto ele dançava sobre a minha

alma.


Jax

— ELE ESTAVA UM POUCO LÚCIDO HOJE, — disse Amanda

enquanto eu passava na recepção para assinar o termo de

visita do meu pai. — Ele se lembrou do meu nome.

— Ele foi duro com você? — Eu perguntei.

— Ele seria o Cole Kilter se não fosse?

Justo.

— Ele disse algo sobre mim? — Eu resmunguei.

— Meio que te chamou de idiota.

Também é justo.

Eu não tinha certeza se estava pronto para uma visita

naquela noite depois de um dia de merda no trabalho, mas

sabia que me chutaria se não lesse alguns capítulos para ele.

Ainda assim, isso não mudava o fato de que eu estava me

sentindo exausto, não estava me sentindo bem há alguns

dias. Na verdade, toda a chuva tinha sido um desastre,

meu trabalho ficava péssimo e eu não conseguia tirar


Kennedy da cabeça. Era como se eu percebesse quem ela era,

e desencadeasse um turbilhão de memórias que eu não sabia

como lidar, me afogando em lembranças dela.

Uma parte de mim queria conversar com ela. Encontrála

na cidade e perguntar como ela tinha estado. Essa parte de

mim era estúpida. Quase tudo o que toquei virou merda, e o

pensamento de me reconectar com Kennedy apenas para dar

errado não era um risco que eu queria correr.

Nós tivemos nosso passado. Nós tivemos nossa história.

Eu só me perguntei por que diabos ela nunca me

escreveu de volta.

— Como você está lidando com tudo? — Amanda

perguntou, tirando-me dos meus devaneios sobre uma

mulher que não era ela. Também me senti culpado por isso.

Na semana passada, pensei em Kennedy um milhão de vezes

mais do que em Amanda, mesmo que nosso rompimento

fosse recente.

— Estou bem, — respondi secamente. — Tenha uma

boa noite.

— Jax, espere… — Ela estendeu a mão e agarrou meu

antebraço, mas eu não queria lidar com ela hoje à noite.

Inferno, eu não queria lidar com nada. — Não precisa agir tão

duro consigo mesmo, para conversar sobre seu pai. Eu

sei que ele era o diabo, mas tudo bem você estar


sofrendo. Você pode falar comigo se precisar.

— Não há nada para falar. Estou bem.

— Você está mentindo.

Engoli em seco e olhei para baixo. — Amanda?

— Sim?

— Deixe-me ir. — E quis dizer meu braço e eu.

Ela deixou cair. — Bem, teimoso. Não sei por que você

vive neste mundo em que pensa que precisa lutar sozinho.

Mesmo se não falar comigo, espero que você fale com alguém.

— É para isso que serve a terapia, — murmurei.

Se ao menos eu estivesse indo.

Tirei o romance da minha jaqueta, esperando que papai

não estivesse muito lúcido. Quão fodido era isso? Rezei a um

Deus em que não acreditava que a memória de meu pai havia

desaparecido tanto que ele não se lembraria de mim.

Entrei no quarto, onde ele estava sentado em uma

cadeira de rodas, de frente para a janela. O anoitecer já havia

chegado então ele não poderia olhar para algo muito

emocionante. Limpei minha garganta e caminhei até ele, sem

saber como iria me receber. Ele olhou para mim com seus

olhos azuis que combinavam com o mar, e piscou. O lado

direito de seu corpo estava paralisado, e sua boca ficou

mole quando ele olhou para mim. Seu olhar vazio me


deixou claro que não me reconheceu.

E limpei minha garganta, outra vez. — Oi, Sr. Kilter. Eu

queria dar uma passada para ver se você gostaria que eu

lesse alguns capítulos deste romance.

Ele assentiu levemente, e virou para me encarar antes

de me sentar na cadeira na frente dele. Estava tão quebrado,

e de vez em quando eu tinha que limpar seu rosto. Era difícil

vê-lo dessa maneira, sabendo que sua aparência externa não

era nada comparada ao que estava acontecendo dentro de

seu corpo.

Ninguém nunca quer ver o corpo de seus pais se

esvaindo com o passar dos anos. Era como se fosse a

maldição da vida – assistir aqueles que o trouxeram ao

mundo desmoronar, um simples lembrete de que a vida é

muito mais curta do que qualquer um de nós imagina.

Enquanto eu lia os capítulos, ele olhou para frente. Não

estava olhando para mim exatamente, mas quase como se

estivesse olhando através de mim. No meio do meu terceiro

capítulo, notei seus lábios se moverem.

— Bo…bom, — ele murmurou, fazendo-me levantar uma

sobrancelha. Irônico ouvi-lo murmurar depois de anos dele

batendo na minha cabeça, avisando para eu não murmurar.

A vida era uma maldita piada.

— Bom? — Eu perguntei.


Ele assentiu, mal se movendo.

Meu coração frio tentou bater pelo pobre homem.

Então notei uma pequena poça de líquido se formando

no chão embaixo dele. Levantei-me, percebendo que ele

molhou as calças. Corri para conseguir alguém para ajudá-lo.

Duas enfermeiras vieram ajudar a limpá-lo e deitá-lo na cama

enquanto eu segurava o livro com força.

Depois que ele estava deitado, adormeceu rapidamente,

e eu saí, passando direto por Amanda, que eu sentia que

estava me encarando.

Entrei na minha caminhonete e joguei o livro no banco

do passageiro. Depois de girar a chave na ignição, parei.

Minhas mãos descansaram ao volante, segurando o couro até

meus dedos ficarem brancos. Fiquei lá por alguns momentos,

absorvendo todo o silêncio que me atingiu.

Peguei meu telefone e liguei para meu irmão. A conversa

foi como o esperado. — Ele não é de sua responsabilidade,

Jax. Você deveria deixar a cidade e começar uma nova vida.

Você não é o culpado pela morte da mamãe. — Mesma coisa

de sempre.


ENQUANTO DIRIGIA PARA CASA, pensei em meu pai, no

homem que ele costumava ser, no homem que ele se tornara.

Pareciam duas criaturas completamente diferentes. Um me

aterrorizou; do outro eu tinha pena. Nenhum homem deve ser

colocado na posição em que se suja e não pode fazer nada a

respeito.

Meu coração não reservou pena do homem que meu pai

costumava ser.

Foda-se o homem e a forma como ele me machucou

tanto física quanto emocionalmente.

Foda-se os anos de terapia que dificilmente levaram à

cura.

Foda-se as mãos dele que me deram socos, me

machucaram, e me menosprezaram.

Foda-se quem meu pai costumava ser.

Também foda quem ele era naquela noite.

Foda-se o homem que fez meu coração frio tentar

quebrar. Meu coração não podia mais quebrar porque tinha

sido quebrado demais ao longo dos anos.


QUANDO CHEGUEI EM CASA, saí para a floresta para

limpar minha cabeça. Havia muitos pensamentos em minha

mente para ir direto para a cama. Estava cansado, mas sabia

que não havia como dormir.

Quando me aproximei do meu lugar habitual, parei,

vendo uma mulher sentada no meu banco. Quanto mais me

aproximava, percebi quem era exatamente.

— O que você está fazendo aqui? — Eu ladrei,

inclinando minha cabeça em descrença.

Kennedy olhou para cima e me deu um sorriso. Ela

tinha um caderno na mão que estava rabiscando antes que

eu a chamasse.

— Oi, — suspirou. — Eu hum, eu só precisava de um

pouco de ar.

— Há ar em outros lugares.

— Sim, mas este é o lugar mais bonito que eu já

conheci.

— Você está invadindo novamente, — resmunguei

irritado com a necessidade dela de quebrar as regras.

Secretamente meio que aliviado ao vê-la. Na verdade, eu não

sabia o que estava sentindo. Depois da péssima visita com o

meu pai, as minhas emoções estavam distorcidas.


— Acho que nós dois vamos ter que lidar com o fato de

eu ser a garota transgressora.

Fiz uma careta e passei a mão por meu cabelo. Como eu

a queria aqui e queria que ela fosse embora ao mesmo

tempo?

Deslizou pelo banco e bateu no local ao seu lado. —

Você pode se juntar a mim.

— Eu não quero conversar, — rebati.

— Claro. Você nunca foi de conversar, mesmo.

— Eu também não quero que você fale, — insisti.

Ela fez uma careta. — Bem, nós dois sabemos que isso

seria difícil para mim, mas posso fazer uma exceção hoje à

noite.

Deveria ter dito a ela para sair, e entrar em minha casa.

Deveria ter dito a ela para não voltar. Deveria ter dito a ela

que não queria vê-la mais, porque minha vida estava bem

sem ela.

Em vez disso, sentei-me, porque até a miséria às vezes

precisava de companhia.

Ficamos em silêncio por um longo tempo. E Kennedy

continuava rabiscando em seu caderno e, de vez em quando,


eu dava uma espiada no que ela estava escrevendo. Era uma

lista de afazeres. Coisas para ver e fazer em Havenbarrow.

lista;

Conhecer Marshmallow, o gato;

Noites de cinema em preto e branco;

Biblioteca oculta;

Conecte-se com um velho amigo;

Dizer a Jax que está tudo bem que ele esteja lendo minha

Perguntar a Jax se ele está bem;

Dizer ao Jax que pare de torcer o nariz porque ele está

percebendo que estou escrevendo mensagens para ele.

esquisita.

Eu gemi, tirando os olhos do caderno dela. — Você é

— Achei que essa era uma coisa que gostava sobre mim.

Eu fiquei quieto.

Ela continuou pressionando. — Você está bem? —

Perguntou.

— O que aconteceu com o sem conversa?

— Você sabe que eu luto com isso.


Balancei a cabeça. — Eu não sei mais nada sobre você.

Nós éramos crianças naquela época. Muita coisa mudou.

— Como o quê? — Ela questionou.

Olhei em seus olhos cor de mel e por um momento eu

não quis desviar. E também queria abraçá-la, e contar a ela

tudo o que se desenrolou ao longo dos anos. Eu queria deixála

sentir o peso das minhas mágoas. Eu queria um amigo.

Precisava de um amigo, mas não merecia um.

— Não importa o que mudou, — eu disse. — Tudo o que

importa é que a mudança aconteceu.

— Você está bem, Jax? — Ela perguntou novamente,

desta vez sua voz coberta com o mais sincero cuidado e

bondade que eu já ouvi em algum tempo.

— Não é da sua conta.

— Mas eu quero que seja. — Ela colocou uma mão

contra o meu braço e um raio disparou sobre minha alma.

Seu simples toque enviou uma corrente elétrica através de

todo o meu sistema, diretamente ao meu coração para tentar

trazê-lo de volta à vida.

— Se você precisar conversar, Jax, — ela ofereceu

novamente, e eu deixei sua mão demorar por um momento

porque o calor parecia curar.


Por que o toque de Amanda não fazia isso comigo?

Afastei meu braço de Kennedy quando o frio voltou para

mim. Apertei minhas mãos e abaixei minha cabeça enquanto

meus nós dos dedos ficavam brancos. Mais momentos de

palavras não ditas. Então, os murmúrios liberaram

lentamente dos meus lábios.

— Meu pai está morrendo, — confessei.

— Sim. Joy mencionou isso. Lamento muito, Jax.

isso.

— Ele é um idiota. Ou pelo menos ele era antes de tudo

— E agora?

— Agora, ele está lá e não tem nada.

— Ele tem você.

— Nunca fui suficiente para ele antes, por isso duvido

que seja o bastante agora.

O que eu estava fazendo? Por que eu estava falando

sobre isso? Antes que ela pudesse enviar outra corrente

através do meu sistema, eu me levantei. Minhas

sobrancelhas se entrelaçaram, e enfiei as mãos nos bolsos da

calça jeans e comecei a me retirar mentalmente de volta ao

meu estado solitário.


— Você precisa ficar fora da minha propriedade, — eu

disse a ela. — Se não o fizer, terei que chamar a polícia.

Ela também se levantou. — Moon eu...

— Não me chame de Moon, — falei. — Vá embora,

Kennedy.

Seus ombros caíram e eu tentei não olhar para ela. Não

conseguia olhar para ela, porque se o fizesse, imploraria para

ela não ir.

— Sinto muito. Achei que você poderia querer um

amigo, — disse.

— Eu não preciso de um amigo, — respondi quase num

leve sussurro. — Não preciso de ninguém. Lembra? O idiota

da cidade. Não estou interessado em fazer pulseiras de

amizade com você.


Kennedy

— NÃO, — eu gritei quando Jax começou a se afastar.

Ele se virou para mim e inclinou a cabeça. — O que?

— Eu disse não. Você não pode ir embora agora.

— Você perdeu a cabeça? — Ele gritou com sua voz

coberta de raiva. Ou era dor? Em seus olhos eu via dor

enquanto sua voz gritava aborrecimento.

— Há muito tempo, mas isso não vem ao caso. O ponto

é que você precisa sentar e conversar comigo.

— Eu não vou, — ele ordenou. — E se você não deixar

minha propriedade agora…

— Você vai chamar a polícia, sim, sim, sim, blá, blá, blá,

eu entendo, Jax. Este é o seu papel nesta cidade. Você é o

grande lobo mau. O homem frio e duro que não deixa

ninguém entrar, mas eu conheço você. O verdadeiro você.

Esse garoto gentil e sensível ainda está aí. E sei que você

não é um idiota de verdade.


— Você pode simplesmente voltar para casa e fingir que

não nos conhecemos?

— Não, não posso, porque posso dizer que você carrega

muito em seus ombros há muito tempo.

Ele se virou para mim com uma expressão de peso nos

olhos. Um olhar que nunca deixa realmente suas feições.

Estava lá desde o primeiro dia em que trombamos na floresta.

Eu só poderia imaginar quanto tempo essa dor vive dentro

dele.

— Entendi, — ele disse. — Você sente como se houvesse

algum tipo de besteira de conexão com a alma entre nós,

porque fomos para o acampamento todos esses anos atrás,

mas esse fato é nulo e sem efeito, porque eu não sou nada

como a criança que fui todos esses anos atrás.

— E eu não sou nada como a garota que eu era, —

concordei.

— Seu guarda-roupa colorido e sua incapacidade de

entender uma dica quando as conversas acabam imploram

para discordar.

Sorri um pouco e alisei minha mão contra meu vestido

de verão amarelo neon. — Ok, acho que algumas coisas

continuaram iguais para mim.


— Não para mim, no entanto. Sem ofensa, mas não

estou interessado em me reconectar com você e em trocar

histórias de acampamento. Não tenho tempo para nenhum

tipo de conexão na minha vida – estou muito ocupado. Então,

se você quiser…

— Destino, — eu disse, levantando-me mais ereta. —

Você me ensinou essa palavra. Lembra? Junto com um

milhão de outras palavras. Mas destino era a minha favorita.

Significa...

— Eu sei o significado, — sussurrou, — mas não é isso.

Isto não é destino.

— Poderia ser, — argumentei. — Tudo o que estou

dizendo é… isso tem que significar algo. O universo nos uniu

novamente por uma razão.

— O universo não nos controla. Estou enjoado e

cansado dessa maneira milenar de pensar. Não existe

destino. Se você precisa de uma razão para nosso encontro

depois de todos esses anos, aqui está: nós dois morávamos

cerca de uma hora do nosso acampamento, é um mundo

pequeno e as pessoas se mudam para cidades diferentes.

Você acabou de se mudar para minha cidade. Como é isso

para a teoria do universo e o tempo divino?

— Não é muito bom, eu admito.

Ele olhou para mim e sua boca se contorceu,

como se tivesse algo a dizer, mas não quisesse


compartilhar comigo. Balançou a cabeça e se virou para

voltar para sua casa, e eu engoli em seco, pensando no que

Joy me contou sobre o passado de Jax.

Comecei a segui-lo mais uma vez e disse as oito palavras

que nunca deveria ter dito. — Não soube o que aconteceu

com sua mãe.

As costas de Jax enrijeceram para mim quando seu

corpo parou. Seus ombros se arredondaram para frente e eu

jurei que parecia que o tempo tinha parado. Não soube o que

dizer a seguir, não sabia como seguir em frente, mas desde

que eu tinha colocado as palavras lá fora, eu sabia que não

podia deixá-las remanescentes.

Eu dei alguns passos em direção a ele quando minha

próxima respiração ficou presa na minha garganta. — Jax,

sinto muito por…

— Não, — ele interrompeu, fazendo minhas palavras

sumirem. Sua cabeça tremia enquanto ele mantinha as

costas em minha direção. — Não fale sobre minha mãe.

Mesmo que suas palavras parecessem duras, ouvi o

estalo em sua voz enquanto ele falava. Não era a raiva que ele

estava cuspindo no meu caminho – era dor. Uma dor que eu

conhecia muito bem.

— Foi um erro, Jax. Não foi sua culpa.

— Você não tem ideia do que foi.


— Lamento. Não quero incomodá-lo. Só queria dizer que

entendo o que você passou.

— Não tem como você entender o que eu passei, Sun, —

ele murmurou quando o apelido me atingiu como uma

tonelada de tijolos. Se eu fosse honesta, muitos dos meus

dias recentes pareciam mais as sombras da lua em vez de

raios de sol.

— Eu tenho, — eu disse, tentando o meu melhor para

fazê-lo ver que ele não estava sozinho em sua miséria.

Ele girou nos calcanhares e seus olhos penetraram em

mim com tristeza neles. Nesse momento, senti o peso do

mundo que ele carregava sozinho. — Como? Como você

entende?

— Porque eu sou a razão pela qual meus pais e filha

morreram, — soltei. Essas foram as minhas doze palavras. As

doze palavras que queimaram quando rolaram da ponta da

minha língua. As doze palavras que eu não falava alto desde

que ocorreu. Eu nunca disse essas palavras. Yoana me proíbe

de falar isso, mas todos os dias eu sentia o peso delas. Só

porque as palavras não foram pronunciadas não significava

que não eram sentidas, e essas palavras me sufocavam

diariamente.

Os olhos de Jax suavizaram quando ele ficou lá com

total perplexidade com a minha declaração. Meus

nervos dispararam pelo céu, disparando na atmosfera,


lembrando-me de quão grande a dor de uma pessoa poderia

ficar em um único momento.

Baixei a cabeça e mexi nos dedos, porque olhar

naqueles olhos castanhos confusos estava fazendo meu

coração doer mais do que podia suportar. — Houve uma forte

tempestade e eu estava levando minha família para jantar

fora. Foi logo depois de uma briga com meu marido. Ele

estava dormindo com uma colega de trabalho e eu descobri.

Ele me chamou de louca, emocional e instável. Ele era o

mestre da manipulação, fazendo-me sentir como se estivesse

em falta quando não fiz nada de errado. Ele interrompeu

minhas preocupações sem sequer me dar uma chance de

conversar sobre o assunto. Sempre fazia isso, se afastou de

mim quando eu mais precisava da sua segurança. Durante a

tempestade, ele me mandou uma mensagem e me disse que

queria o divórcio. Olhei para o meu telefone quando recebi

sua mensagem, e foi tudo o que foi preciso. Uma fração de

segundo – uma mensagem de texto e eu atingi um ponto liso

na estrada. O carro girou e toda a minha vida mudou. Isso foi

há mais de um ano, mas em alguns dias parecem meros

minutos atrás.

Ele não disse uma palavra para mim, mas também não

fugiu. Quando o silêncio se tornou irresistível, eu olhei para

cima para encontrá-lo me encarando e, por minha vida, eu

não sabia o que ele estava pensando. Eu me perguntei se

Jax deixaria alguém se aproximar o bastante para


poder ler seus pensamentos.

Seus lábios se separaram, mas era como se ele não

conseguisse descobrir as palavras certas para dizer. Teria

uma palavra certa em uma situação como essa?

Ele limpou a garganta. Com as sobrancelhas franzidas.

Minha boca se abriu para me desculpar. Estava claro

que eu compartilhara demais. Estava claro que eu estava

fazendo dessa situação algo que não era. Ficou claro que ele

ia me abraçar.

Espera.

Espera. O quê?

Ele estava me abraçando.

O corpo de Jax estava em volta do meu quando ele me

puxou para perto dele e o segurou como se ele tivesse planos

de ficar lá pelo resto da vida. Seus braços grandes e fortes

reuniram-se em torno de todo o meu corpo, e eu derreti.

Derreti-me contra seu corpo e sua alma. Eu me fundi com a

história de nosso passado.

Ele cheirava a cedro e minhas memórias favoritas.

Queria permanecer nesse abraço o máximo que

pudesse, queria respirar mais e sentir seu conforto até

adormecer naquela noite, queria agradecer a ele por me

dar um momento para desmoronar em seus braços,


mesmo tendo certeza de que deveria confortá-lo, e não o

contrário.

Quando chegou a hora de nos separarmos, ele recuou

parecendo um pouco envergonhado pelo seu súbito abraço.

Limpei os olhos e deixei sair um riso nervoso. — Não estava

prevendo isso.

— Sim. — Ele sorriu, ou, pelo menos, eu imaginei. — Eu

também não.

— Eu devia deixá-lo em paz. Só queria que você

soubesse que se alguma vez precisar de alguém para

conversar, eu estou aqui. — Comecei a virar as costas

quando ele me chamou.

— Kennedy.

Eu me virei para esperar suas próximas palavras.

Parece que a conversa não foi fácil para ele. Isso não era novo

– nunca tinha sido fácil para ele. Ele limpou a garganta mais

uma vez enquanto gesticulava para o espaço ao nosso redor.

— Você pode vir aqui sempre que precisar limpar sua cabeça.

Meu peito apertou com suas palavras. Para alguns, elas

podem ter parecido um pouco sem sentido e frias pelas

verdades que compartilhei com ele sobre meus pais e minha

filha, mas de alguém como Jax era muito mais do que isso.

Ele estava me convidando para visitar seu oásis,

seu porto seguro, e era um convite que eu ia aceitar.


— Obrigada, Jax.

Ele não disse uma palavra, mas antes de se afastar de

mim, o lado esquerdo de seus lábios se curvou no que era

quase um sorriso de simpatia. E passou uma mão pelo cabelo

bagunçado e suspirou. — Eu sou ruim nisso.

— Ruim em quê?

— Pessoas.

Sorri. — Não me diga? — Disse sarcasticamente.

Seus lábios se transformaram em um sorriso completo,

e o meu estômago deu um nó da visão.

Lá estava ele.

aço.

O rapaz que eu conheci ainda vivia dentro do homem de

Tudo o que eu queria era que ele saísse e brincasse um

pouco mais.


Jax

Doze anos de idade

Ano dois do acampamento de verão

— E você sabia que existem quatrocentos bilhões de

pássaros no mundo? Mas quando Kennedy me contou sobre

eles no verão passado, ela não sabia o nome dos pássaros.

Foi por isso que fiz isso para ela, para ajudá-la a aprender

mais sobre os pássaros, porque acho que...

— Uau, vá devagar, Jaxson. Eu juro, que nunca ouvi

você falar tanto antes. — Mamãe riu enquanto me ajudava a

arrumar minhas malas para o meu segundo ano de

acampamento de verão. — Fico feliz que você esteja tão

animado.

Eu estava animado. Eu estava tão, tão, tão animado.

Kennedy e eu estávamos escrevendo cartas um

para o outro durante todo o ano letivo, e cada vez que


recebia uma carta pelo correio, eu a lia cinco milhões de

vezes. E mal podia esperar para vê-la pessoalmente. Eu não

conseguia parar de pensar nela, e sinceramente nunca deixei

de pensar nela. Ela estaria diferente? Estaria mais alta? Será

que continuaria falando tanto quanto antes? Eu realmente

esperava que ela ainda falasse muito, porque mesmo que no

começo eu pensasse que ela falava demais, eu realmente

gostei que ela falasse demais porque isso significava que eu

tinha que conversar menos.

Imaginei que ela tinha a mesma aparência, só que

melhor. Eu me perguntei se ela pensaria que eu também

tinha a mesma aparência. Eu usava óculos diferentes e era

um centímetro e meio mais alto, baseado nas marcas da

minha mãe na parede da sala, mas além disso, eu era o

mesmo Jax que esteve com ela na última vez. Bem, o meu

cabelo também estava mais comprido. Deveria tê-lo cortado.

Pergunto-me se ela teria notado alguma coisa que tenha

mudado em mim.

— Estou empolgado para vê-la. Ela é minha melhor

amiga — falei para mamãe.

— Ei, e eu? — Disse ela, me cutucando.

Eu ri um pouco — Você sabe o que eu quero dizer. Ela é

minha melhor amiga. Você é minha melhor amiga mãe.

Ela se inclinou e beijou minha testa antes de

dobrar outra camisa minha para colocar na mala. —


Isso funciona para mim. Desempenharei com prazer o papel

de melhor amiga mãe. Agora, você quer pegar o presente que

comprou para ela para que possamos embalá-lo?

Corri para a minha cômoda, onde dois presentes

estavam embrulhados perfeitamente – e eu quis dizer

perfeitamente. Eu as envolvi várias vezes até que cada linha

de vinco estivesse lisa. Levei mais de duas horas para acertar,

mas eu não me importei. Eu queria que fosse perfeito para

Kennedy.

Esperava que ela gostasse da fita verde neon brilhante,

nunca usaria fita verde neon se fosse minha escolha, mas

sabia que era sua cor favorita porque ela era minha melhor

amiga e eu sabia esse tipo de coisa sobre minha melhor

amiga.

— Você acha que ela vai gostar dos presentes? —

Perguntei, com meu coração parecendo estar preso na minha

garganta. Trabalhei num dos presentes durante meses, e a

ideia de Kennedy não gostar continuava passando por minha

cabeça.

Mamãe sorriu o tipo de sorriso que as mães fazem para

que seus filhos se sintam melhores. — Ela vai adorar,

Jaxson. Confie em mim. Eu sou sua melhor amiga mãe, afinal

de contas, eu não iria te enganar.

O sorriso de mamãe funcionou. Eu

instantaneamente me senti melhor.


— Você acha que quer ir até a loja e me ajudar a traçar

alguns planos para as casas para as quais estou projetando o

paisagismo antes de você sair amanhã? Mamãe perguntou,

fechando minha mala.

Ela estava tentando abrir sua própria empresa de

paisagismo chamada Millie's Haven Paisagismo. Era o

coração e a alegria de mamãe, e eu mal podia esperar até o

dia em que ela abriria sua loja. Eu adorava ajudá-la com o

planejamento dos projetos para as pessoas. Mesmo que ela

ainda não tivesse um negócio oficial, ela ajudou muitas

pessoas na cidade com seus quintais. Além disso, estava

elaborando projetos para os acres de terra em que vivíamos.

— Flores por toda parte, — ela sempre dizia. — Flores

silvestres florescendo o ano todo. Esse é o meu sonho.

Não gostava muito de sujar as mãos, mas gostaria de

ser seu braço direito. Ela disse que um dia eu poderia

assumir a empresa por ela, mas eu disse a ela que havia

muita sujeira envolvida.

Eu não gostava de bagunça.

Eu gostava das coisas perfeitamente arrumadas.

— Ou ele pode vir pescar com Derek e eu, — disse papai

enquanto entrava na porta do meu quarto. — Fazer coisas

viris pela primeira vez na vida.

Eu odiava pescar.


Eu odiava as minhocas.

Eu odiava o peixe se debatendo de um lado para o outro.

Eu odiava ver papai estripá-los depois.

Mas ainda mais, eu odiava como papai sempre parecia

desapontado comigo quando eu não queria fazer as coisas

que ele gostava, como pescar, caçar e praticar esportes.

Eu gostava de bibliotecas, concurso de soletrar, e de

escrever para Kennedy.

Papai não entendia nada disso, o que tornava difícil

para ele me entender.

— Paisagismo não é coisa de mulher, Cole. O mundo do

paisagismo está cheio de homens, e fazer Jaxson se sentir

mal por isso é desrespeitoso, — disse mamãe, me apoiando

como sempre fazia quando papai se decepcionava por eu não

ser mais parecido com ele.

Imaginei que era por isso que ela era minha melhor

amiga mãe, sempre me protegendo.

— Sim, mas ele não se suja com o trabalho. Ele não faz

nenhum trabalho pesado ou trabalho de verdade, —

argumentou papai. Toda vez que ele fazia isso – me colocava

no chão – meu estômago revirava.


No mês passado, mamãe disse que se ele não parasse,

ela o deixaria, mas eu não achei que isso fosse verdade. Ela o

amava, mesmo quando ele não merecia ser amado.

— Pare com isso, Cole, — mamãe ordenou.

Ele resmungou baixinho e passou a mão pelo cabelo

escuro, que estava lentamente ficando cinza. E olhou para

mim por um segundo antes de sair do quarto.

Sentei-me um pouco, sentindo um nó na garganta. —

Talvez eu deva ir com ele para que ele não fique com raiva de

mim.

— Não. Você é um indivíduo com vontade própria,

Jaxson, e seu pai não vai conseguir transformá-lo em algo

que você não quer ser. Se você não gosta de pescar, ponto

final.

Abaixei minha cabeça. — Gostaria que ele fosse legal

como você.

Ela beijou minha testa e me deu um abraço apertado. —

Você é perfeito do jeito que é filho. Nunca se esqueça disso.

No dia seguinte, mamãe jogou minha mala no carro e

fomos para o acampamento.

Depois que me acomodei e mamãe chorou porque

sentiria minha falta nas próximas semanas, nos

despedimos, peguei meu presente para Kennedy e corri

para frente do salão principal para esperar por ela.


Sentei-me em cima de uma rocha gigante pelo que pareceram

horas. Quando aquele carro amarelo cheio de marcações se

aproximou, meu coração quase pulou do peito e correu direto

para os braços de Kennedy.

Quando ela me viu, correu em minha direção, gritando

meu nome tão alto que os alienígenas em Marte

provavelmente poderiam ouvir seus gritos. — Jax!Jax!

Jaxxxxxxxxxxxx! — Ela gritou, correndo loucamente em

minha direção com braços selvagens. Mesmo que ela fosse

tão embaraçosa, e as pessoas estivessem nos encarando

como se fôssemos loucos, eu não me importei. Kennedy faz

isso comigo. Ela me ajudou a não me importar tanto com o

que as outras pessoas pensavam.

Jogou-se nos meus braços, e nós rimos quando caímos

no chão como idiotas completos. Quanto mais Kennedy ria,

mais eu ria também, porque ela tinha o tipo de risada que

fazia todos sorrirem junto com ela.

Agarrou-me e endireitou os meus óculos retorcidos. —

Você tem óculos novos! — Exclamou ela.

Eu suspirei.

Ela reparou.

— Você tem cabelo roxo.

Ela suspirou. — Você percebeu. — E me abraçou

novamente.


— Senti sua falta, Sun, — eu disse, abraçando-a com

mais força.

Ela sorriu alto, o que me fez sorrir ainda mais. — Eu

também senti sua falta, Moon. Senti tanto a sua falta que lhe

trouxe um presente!

— Eu comprei um para você também!

Ficamos de pé, e entreguei a ela meu presente

perfeitamente embrulhado. Ela procurou em sua mochila e

pegou seu presente perfeitamente desembrulhado, em papel

de jornal com fita adesiva demais.

— Você primeiro! — Ela assentiu enquanto pulava de

alegria para cima e para baixo.

Corri para rasgar o jornal e sorri alto quando vi o que

ela tinha me dado. Era uma pulseira da amizade com um

pingente de lua.

Então levantou o braço para mostrar sua pulseira de sol

correspondente. — Para que as pessoas sempre saibam que

somos melhores amigos.

Eu coloquei muito rápido e não conseguia parar de

sorrir.

— Você gostou? — Ela perguntou, mordendo o lábio

inferior.

— Eu amei! Nunca vou tirar. Agora, abra o seu.


Ela arrancou o papel de embrulho e seus olhos

arregalaram quando viu o caderno. — Um livro de pássaros?

— Ela perguntou, lendo a capa.

— Sim. Eu pesquisei muitos tipos diferentes de pássaros

e escrevi tudo sobre eles. Há mais de trinta! Até tirei fotos

deles para que possamos comparar com os que avistarmos

quando fizermos nossas caminhadas. E tenho dois binóculos

na minha mala, para vermos os pássaros bem de perto e...

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Kennedy

estava colidindo em mim, colocando seus lábios nos meus, e

ela estava…?

Espera.

Este é o meu…?

Ela acabou de…?

Oh meu deus ela me beijou!

Nós estávamos nos beijando!

Beijando!

Jax e Kennedy sentados em uma árvore, se B-E-I-J-A-N-

D-O!

Ok, não estávamos sentados em uma árvore, estávamos

ao lado de uma pedra, mas isso não importava porque eu

tinha acabado de dar meu primeiro beijo. Meu primeiro


beijo com minha melhor amiga, Kennedy Lost.

Eu adoro acampamento de verão!

Eu não sabia o que fazer, então apenas fiquei lá com os

braços ao meu lado, me perguntando se era assim que

deveria ser. Era como se meu coração fosse arrancado do

meu peito e dado cambalhotas na calçada, como se eu

pudesse correr um milhão de voltas pelo acampamento e

ainda não ficar sem fôlego, como se estivesse voando.

Eu estou voando?

Estou beijando-a de volta?

Eu não sabia dizer. Eu não sabia como beijar. Meu

irmão mais velho me dizia que eu nem precisaria me

preocupar em beijar até os quarenta e nove anos, e eu não

estava nem perto dos quarenta e nove anos.

Ela parou de me beijar.

Caramba.

Faça isso de novo.

E fiquei lá como um idiota, sem saber o que fazer.

Kennedy deu um passo atrás, e suas bochechas fofas ficaram

vermelhas. Eu não me lembrava das bochechas dela serem

tão fofas no verão passado, mas era assim que Kennedy Lost

era – ela ficava melhor a cada ano.


— Basorexia, — ela murmurou. Ela murmurou! Como eu.

Meu coração ainda estava tentando escapar.

Estreitei meus olhos. — Eu não sei o que isso significa.

Ela sorriu. — Pesquisei muitas palavras no ano passado

e a basorexia foi uma delas. Significa vontade súbita e

urgente de beijar alguém.

Oh!

Minha nova palavra favorita.

Não consegui formar palavras porque estava muito

ocupado olhando para as bochechas perfeitas de Kennedy.

Ela passava os dedos por entre os seus cachos soltos e

continuava a levantar as suas bochechas ao sorrir. — Adorei

este presente, Jax, por isso senti basorexia. Obrigada.

Ela voltou em minha direção, só que desta vez me deu

um abraço.

Caramba duplo.

— Desculpe se isso te chateou, — disse Kennedy,

ficando nervosa, o que era estranho porque eu não sabia que

uma pessoa como Kennedy poderia ficar nervosa. — Mas

esse foi o meu primeiro beijo, e Yoana estava me dizendo que

seu primeiro beijo sempre deveria ser com alguém de quem

você gosta, e bem, você é meu melhor amigo e tudo, e eu

pensei…


Ela parou suas palavras, porque eu a beijei. Desta vez

eu sabia que era eu a beijando e não apenas eu parado, tudo

porque eu tinha uma intensa basorexia.


Kennedy

Presente

FUI ao campo de flores todos os dias naquela semana.

Eu sentava no meio da beleza e praticava minha respiração.

Uma inspiração, uma expiração, coração ainda batendo, eu

ainda estou aqui.

Fiquei naquele campo o maior tempo possível, sentindo

como se estivesse voltando às minhas raízes, voltando à

pessoa que costumava ser. Tarde da noite, sentada em meio

às margaridas, Jax apareceu, parecendo um pouco abalado.

No momento em que ele me notou, deu um passo para trás,

como se fosse recuar, mas algum tipo de peso estava em seus

olhos enquanto ele olhava para mim.

Gostaria de saber se ele também notou o peso nos

meus.


Eu dei um tapinha no local ao meu lado para ele se

juntar, mas eu tinha fortes dúvidas de que ele aceitaria o

convite.

Minha respiração ficou presa na garganta quando ele

deu um passo à frente e caminhou em minha direção.

No silêncio da noite, Jax sentou-se ao meu lado.

Depois daquela noite, descobri que quando ele vinha

para o campo, ele também aprendia os meus períodos de

meditação. Sempre que eu sabia que ele estaria lá, eu não

podia me impedir de vir, e ele continuou aparecendo sempre

que eu estava sentada naquele banco. O tempo avançava

rapidamente e de alguma forma permanecia parado enquanto

eu estava lá fora com Jax. Quando parecia que nada no

mundo fazia sentido, ao menos sentar naquele campo me

acalmava. Nós não conversávamos por lá. Era como se as

palavras não fossem sequer necessárias para encontrarmos o

nosso fio condutor comum de paz. Sua quietude era tão

reconfortante, como se seu silêncio fosse o cobertor mais

quente que ele me envolvesse.

Nunca na minha vida soube que o silêncio poderia ser

tão bom até que me sentei ao lado de Jax Kilter.

Só no final de uma tarde, depois de cerca de uma hora

sentada, é que ganhei coragem para finalmente quebrar

nosso silêncio com palavras. Foi silencioso, quase um

sussurro. Se a natureza não estivesse tão quieta, ele


teria perdido aquelas palavras que caíam da minha língua.

— Daisy 10 , — eu disse, olhando para o campo de flores.

— O nome da minha filha era Daisy. Eu a batizei com o nome

da minha flor favorita.

Jax virou-se para mim com um olhar perplexo no rosto.

— Então, quando você se deparou com este campo...

Funguei e passei minha mão debaixo do nariz, e depois

assenti. — Isso meio que me derrubou. No dia anterior, pedi

um sinal aos meus pais, um sinal de que tudo ficaria bem,

que de alguma forma eu encontraria o meu eixo novamente, e

depois fui dar um passeio no bosque e encontrei um campo

de margaridas. Achei que era o sinal que meus pais me

enviaram.

Com os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos

entrelaçadas enquanto ele olhava para frente. — Eu não

acredito em sinais.

— No que você acredita?

Suas sobrancelhas franziram, e uma veia em sua

garganta latejava quando ele ficou quieto.

Nada.

Ele não acreditava em nada.

10

– Margarida – em inglês;


Isso tinha que ser difícil. Se eu não tivesse minhas

pequenas crenças, minhas pequenas relações de confiança no

universo, eu tinha quase certeza de que teria morrido há

muito tempo, ao lado de meus entes queridos.

— Deve ser difícil… não ter nada em que acreditar.

— Consegui chegar até aqui.

— Isso não significa que foi fácil.

— Você está certa, não foi. É bom que você acredite em

sinais. Às vezes, gostaria de poder.

Eu sorri. — Nunca é tarde para começar a acreditar em

algo.

— Provavelmente é para mim Cachorro velho, não

aprende truques novos… Ele coçou a nuca, coçou o queixo e

pigarreou. — Então, a tatuagem no seu pulso é para ela? —

Ele perguntou. — Sua filha?

Eu olhei para a tatuagem da margarida com o D para

trás e assenti. Minha mente voltou à minha última noite com

Penn quando Marybeth perguntou sobre minha tatuagem – a

maneira como ele me repreendeu por ser incapaz de controlar

minhas emoções, a maneira como ele me oprimia por

desmoronar.

— Sim é.

— Por que o D está ao contrário?


— Sou… eu… — Meu peito apertou, e eu me senti

começando a perder a batalha com minha mente.

Jax deve ter percebido. — Você não precisa falar sobre

isso se não quiser, — disse.

Mas não era isso. Eu queria falar sobre isso. Eu

precisava falar sobre a minha garotinha. É assim que eu

consigo mantê-la viva em minha mente, mas Penn era tão

contra qualquer conversa relacionada a ela. Ele disse que

tornava muito difícil seguir em frente. Talvez esse fosse o

nosso maior problema: ele queria seguir em frente enquanto

eu queria me manter ali. Nós estávamos empurrando um ao

outro em duas direções completamente diferentes. Claro que

não ia durar. Era só uma questão de tempo até que a nossa

emenda rompesse.

— Não, eu quero, é só que eu fico emocionada falando

sobre isso. Meu marido odiava isso em mim, quando eu ficava

emocionada quando falava sobre ela. Ele odiava sempre que

eu falava dela.

— Sem ofensa, Kennedy, mas seu marido parece um

idiota.

Eu ri. — Ele teve seus momentos. Tenho certeza de que

não fui a melhor esposa do mundo também. Não facilitei as

coisas para ele.


— Sim, bem, eu ainda o odeio. Mas vá em frente, — ele

disse, cutucando minha perna. — Fale sobre ela.

Inspirei profundamente e soltei. — Ela esteve comigo por

seis lindos anos. Quando começou a escrever seu nome, ela

escrevia seus Ds para trás, todas as vezes. Eu a corrigia

repetidamente. Um dia, quando eu estava dizendo a ela mais

uma vez que ela estava escrevendo errado, ela me disse, com

as mãos nos quadris: 'Está tudo bem, mamãe. Não leve a vida

tão a sério. Ds também podem ser ao contrário’. — Eu ri,

enxugando as lágrimas que caíram dos meus olhos. — Fiz a

tatuagem para me lembrar dessa ideia, de que não deveria

levar a vida muito a sério. Ainda estou trabalhando para

absorver essa mensagem.

— O que mais? — Ele perguntou-me.

Eu arqueei uma sobrancelha. — Você quer saber mais

sobre ela?

— Sim, se você quiser compartilhar.

Meus batimentos cardíacos partidos começaram a tomar

forma novamente. Eu me mexi e me sentei no banco. — Bem,

tudo bem. Ela ama – quero dizer, amava – bolhas. Sempre

que estávamos chateadas, jogávamos um milhão de bolhas

no ar e continuávamos fazendo isso até estarmos rindo.

Tornou-se um fato para nós que você não poderia ficar

triste se houvesse um milhão de bolhas ao seu redor.


Ele sorriu.

Jax sorriu.

Puxa, eu não sabia que precisava do seu sorriso até que

ele me deu.

— O que mais? — Perguntou.

— O que você quer dizer?

— O que mais você quer compartilhar sobre ela?

Eu arqueei uma sobrancelha. — Você quer saber mais

sobre ela?

— Sim. Se você quiser compartilhar.

Eu dei mais a ele. Eu dei a ele todos os detalhes sobre o

meu doce anjinho, e a maneira como ela mudou minha vida

para melhor. De seus programas de televisão favoritos à sua

cor favorita. Do jeito que ela amava borboletas e bolo de

chocolate. Então, ele me deixou falar sobre meus pais. Como

a voz cantada de mamãe soava como um anjo. Como papai

contaria as piores piadas do mundo, e elas ainda seriam

engraçadas. Como mamãe bufava, quando papai ria como

uma hiena. Como Daisy adorava dançar na chuva.

Uma vez que as palavras começaram a sair da minha

boca, as lágrimas que estavam caindo se transformaram em

risadas. Rindo. Eu estava rindo das lembranças.

Quando as risadas cessaram, nós dois sentamos lá


quietos enquanto o céu ficava cada vez mais escuro.

Ele limpou a garganta. — Tenho que ir visitar meu pai

na casa de repouso.

— Ah, tudo bem. Precisa de alguma coisa? Há algo que

eu possa fazer? Se você precisa de alguém com quem

conversar...

— Sun.

— Sim?

Ele me deu um sorriso triste. — Não cheguei lá ainda.

Ok, poderia respeitar isso.

Ele ficou de pé e segurou sua mão em minha direção. —

Posso levá-la para casa pela floresta?

Peguei a mão dele. E a faísca estava lá, nunca se foi.

Andamos em silêncio e, quando chegamos à minha

casa, agradeci.

Suas mãos estavam enfiadas nos bolsos e balançavam

de um lado para o outro, como se ele tivesse algo em mente

que estava tentando compartilhar.

— O que é isso?

— As margaridas eram a flor favorita da minha mãe.

Eu as plantei lá fora para ela e ouvir que esse era o

nome da sua filha fez parecer… — Ele riu para si


mesmo e balançou a cabeça. — Destino.

Sorri de orelha a orelha. — O que é isso? Jax Kilter

acredita no destino?

— Não se entusiasme. Estou apenas dizendo. — Ele se

mexeu desconfortavelmente enquanto olhava para meu

quintal. — Posso ajudá-la com o paisagismo da sua casa, se

você precisar de uma mão. Tenho certeza de que Lars desistir

tornou difícil encontrar outra pessoa. Minha mãe era

paisagista. Eu costumava ajudá-la quando era mais novo e fiz

o trabalho no bosque. Se você precisar de uma mão, eu posso

fazer o paisagismo para você.

Minha mãe era paisagista.

A palavra ‘era’ se destacava mais do que eu queria.

Oh, Jax.

Deixe-me te abraçar.

Meus lábios se separaram em choque com a oferta dele.

— Sério?

— Eu não preciso da comissão. Connor vai me ajudar

com o projeto.

— Eu… isso… — Eu lutei contra o desejo de envolver

meus braços em torno dele e cheirá-lo. — Sim. Por favor. Isso

seria incrível.


— Vou buscar suprimentos e começar ainda esta

semana. Se você tem um projeto, me avise. Caso contrário, eu

posso juntar algumas plantas e dispor por aqui. Basta fazer

uma lista de suas flores favoritas e quais não quer, quaisquer

conceitos que você queira incluir, e podemos começar a partir

daí.

— Isso seria bom.

— Ok. É melhor eu ir.

— Mais uma vez obrigada, Jax, por ouvir as histórias

sobre meus pais e minha filha.

— Vou ouvir todas as histórias que você contar sobre

eles sempre que quiser compartilhar.

E desapareceu de volta na floresta, e as borboletas que

ele deixou comigo? Elas continuaram tremulando.


Jax

— PAUSA, volte. Respire fundo. Você está me dizendo,

que estamos entrando no mundo do paisagismo agora? —

Connor perguntou enquanto se sentava à minha mesa

comendo a pizza que eu pedi para nós. Ele ainda não sabia

que a pizza era um suborno. Normalmente, eu teria feito

batatas fritas com couve e um shake de proteína.

Enfiou a pizza na boca, sem saber para onde estava indo

essa conversa. — Puta merda.

— Linguagem, — eu ordeno.

— Bolas sagradas!

— Não muito melhor.

— Não, você não vê, Jax? Isso é ótimo! Todo mundo sabe

que meu número da sorte é três, que é exatamente o que esse

próximo empreendimento será para mim! Terei três negócios


antes dos dezoito anos. Quantas empresas Bill Gates tinha

aos dezessete? Aposto que não eram três, com certeza.

— Vendo como você tem apenas um negócio em

funcionamento, não vamos nos antecipar.

— Sim, tudo bem, sócio. Você entendeu, — ele disse, me

batendo no ombro. — Você quer que eu invente um nome

para o negócio? Talvez eu crie alguns cartões de visita e

slogans? Que tal agora? Aparamos seus arbustos e

fertilizamos seu solo? Oh! Oh! Ou dois homens e uma

enxada?

— Connor. Segure sua agitação. Não estamos

começando uma empresa de paisagismo. Estamos apenas

ajudando uma mulher que demitiu Lars.

— Lars, — ele resmungou. — Nossa concorrência.

Eu nem iria me aprofundar no motivo pelo qual Lars

não era nossa concorrência, vendo que não tínhamos uma

empresa de paisagismo. Nem valia a pena falar. — Um

trabalho, e então terminamos, você entende? Liguei para você

para ver o projeto que eu rascunhei. Apanhei alguns layouts

da propriedade, e temos bastante liberdade sobre o que

podemos fazer.

O único pedido de Kennedy? Margaridas e flores azuis.

Eu não pude deixar de sorrir com o pedido das

flores azuis – era com certeza um pedido para


enlouquecer os vizinhos intrometidos e críticos. Isso parecia

muito com a velha Kennedy que eu conhecia. A que nunca se

importou com a opinião dos outros.

Connor esfregou as mãos. — Vamos usar o material

mais caro para aumentar os custos. Além disso, falando em

custos, quanto estamos cobrando por esse projeto? Porque,

conhecendo-o, provavelmente estará nos desvalorizando.

Precisa mesmo aumentar os preços nos serviços de

canalização mais cedo ou mais tarde. Quando se trata desses

canos, Jax, você é um artista e se você se desvaloriza, o resto

do mundo também o fará.

Eu nunca revirei os olhos com tanta força. — Não

estamos cobrando por este projeto.

Seus olhos se arregalaram e ele inclinou a cabeça em

descrença. — Uh, repita por gentileza?

— Estamos fazendo isso como um favor.

Ele riu. Connor riu tanto que se inclinou e caiu em um

ataque de riso. — Oh meu Deus, minha mãe sempre diz que

preciso limpar a cera dos meus ouvidos. Então, me perdoe

por ouvir você errado, então você pode repetir o quanto estou

sendo pago por esse show?

— Nada. Nada. Nada. É um projeto passional.

— Minha paixão, Jax, é dinheiro.


Suspirei enquanto beliscava a ponta do meu nariz. —

Eu não posso assumir tudo sozinho, Connor. Vou precisar da

sua ajuda.

— E eu vou precisar de fundos. Desde quando você faz

favores para alguém fora a Joy? De quem é o quintal?

— Kennedy Lost. A garota nova.

— Oh meu Deus. — Connor deu um sorriso sinistro e

começou a me cutucar no braço. — Isso é uma coisa do tipo

um convite pra sexo? Vocês estão trepando?

— Nunca diga trepando novamente… como… nunca.

— Escute, se vocês estão trepando, é algo que eu posso

deixar passar. Estou dentro com a ideia do meu irmão dar

uma foda, e se precisarem que eu plante algumas sementes

como seu amigo, eu estou dentro. Você está fazendo o jardim

dela para entrar no jardim dela? Está tentando plantar

alguns pepinos ao lado do seu pessegueiro? Será que há uma

berinjela de tamanho exagerado?

— Connor! — Eu gritei. — Cala a boca.

Ele não conseguia parar de rir de si mesmo. Mesmo que

ele não estivesse me divertindo, ele estava muito entretido.

Eu juro, que esse garoto era seu maior fã.

— Não estou dormindo com ela, — disse, esperando

encerrar com isso.


Ele levantou uma sobrancelha. — Sem sexo?

— Sem sexo.

— Talvez preliminares?

— Não.

— Um pequeno trava-língua?

— De modo nenhum.

Eu nunca o vi parecer tão decepcionado. Ele empurrou

as mãos contra a borda da bancada, balançando a cabeça em

total descrença. — Tudo bem, eu vou sair.

— Connor, vamos lá. — Eu fiz uma careta e suspirei. —

Por favor.

Ele se virou para mim como se eu tivesse duas cabeças.

— Você… você acabou de dizer, por favor? — Ele perguntou,

colocando as mãos contra o peito em choque. — Nunca na

minha vida ouvi você dizer a palavra, por favor, para mim!

— Não seja tão dramático.

— Eu não estou sendo dramático. Você nunca disse,

‘por favor’, para mim. Nunca.

— Porque é importante para mim.


Eu não podia acreditar que estava implorando para um

garoto de dezessete anos me ajudar nesse projeto.

Desesperado nem sequer me definia.

— Ok, mas eu tenho algumas regras.

— Dispara.

— Três vezes por semana, nós comeremos porcaria no

almoço.

Estreitei os olhos e cruzei os braços. — Duas vezes por

semana.

— Quatro vezes por semana e teremos um acordo.

— Sem chance, — ele começou a se afastar, e eu gemi —

tudo bem, três vezes por semana.

— Ok legal. E! Você tem que comparecer à minha festa

de aniversário que você perdeu no ano passado porque disse

que estava ocupado, o que – a propósito – eu sei que não

estava ocupado porque você não tem amigos, portanto não

havia nada com que estar ocupado. Estou fazendo dezoito,

então é um negócio enorme, Jax! Minha mãe está dando a

maior festa, e eu tenho as maiores notícias do mundo para

anunciar na minha festa, e preciso que meu parceiro no

crime esteja lá, então você tem que vir.

— Bem. Combinado.


— É uma taxa de vinte e cinco dólares, mas para você,

terá que ser cem.

Esse punk estava realmente me dando muito trabalho.

Eu levantei uma sobrancelha. — Muito bem. Terminou?

Ele estendeu a mão em minha direção. — Negócio

fechado, sócio.

— Chefe, — eu corrigi enquanto apertava sua mão.

— Tanto faz. Para mim, estamos em uma parceria de

cinquenta e cinquenta a partir de agora. — Ele fechou a caixa

de pizza e a pegou como se eu lhe oferecesse a coisa toda. —

Tenho de chegar em casa para procurar o que é preciso para

ser um paisagista, e ser um profissional pela manhã. Envieme

um e-mail com as suas plantas, e eu vou melhorá-las.

— Obrigado, Con.

Seus olhos se arregalaram. — Por favor, e obrigado em

uma conversa? É melhor eu dizer à minha mãe para jogar na

loteria hoje à noite, porque estou com sorte. A propósito, se

não usarmos dois homens e uma enxada para o nosso slogan

na empresa de paisagismo, devemos considerar dois homens

e uma chave inglesa para a de canalização. Tem um toque

legal.

— Boa noite, Connor.

— Noite, Jax.


CONNOR NÃO ESTAVA BRINCANDO QUANDO disse que iria

em casa pesquisar os meandros do paisagismo. Quando nos

encontramos novamente para pegar suprimentos, ele estava

bem equipado com seu conhecimento em ferramentas,

plantas e terra.

Ninguém jamais poderia dizer que ele não era um

trabalhador esforçado. Ele colocava tudo de si em todos os

projetos que assumia. Depois de chegarmos à propriedade de

Kennedy para iniciar o jardim, Connor atacou o quintal

enquanto eu tomava a frente.

Depois de oferecer água para Connor e eu, Kennedy

voltou para a varanda e pegou seu material de leitura. Eu não

conseguia parar de olhar sempre que ela ria alto. Sua risada

era um dos sons mais bonitos que eu já ouvi. Na verdade,

mesmo quando ela não estava rindo, eu ainda estava olhando

para ela.

Às vezes ela me pegava, e eu afastava o olhar

rapidamente. Outras vezes, eu dava um meio sorriso antes de

voltar ao trabalho. Quando uma garotinha passou andando

pelo jardim da frente em sua bicicleta, com o pai

segurando-a com firmeza, os olhos de Kennedy se


levantaram do livro e caíram na dupla de pai e filha.

Eu vi a luz em seus olhos desaparecer ao assistir os dois

interagindo. Foi da mesma maneira quando viu a menininha

tomando sorvete. Será sempre assim para ela? Toda vez que

ver crianças, sua mente congelaria em um entorpecimento de

confusão e agonia?

— Sun, — gritei, separando Kennedy de seus próprios

pensamentos.

Ela virou na minha direção e inclinou a cabeça. — Sim?

— Com quem você fala?

— O que você quer dizer?

— Com quem você fala sobre tudo o que passou?

Ela me deu um sorriso quebrado e deu de ombros. —

Ninguém. Está tudo bem. Estou bem.

— Você deveria conversar com um terapeuta, ou algo

assim. Eles podem ajudar. — É verdade que eu não estou

cem por cento consertado, mas gosto de pensar que nenhum

ser humano nesta Terra estava cem por cento curado de

tragédias do passado. No entanto, acho que conversar com

Eddie ao longo dos anos me ajudou. Às vezes, era bom ter

uma pessoa profissional para estender a mão.

— Eu estou bem, Jax. — Ela mostrou um falso

sorriso. — Não se preocupe comigo.


E voltou a seu livro, e eu fiz exatamente o oposto do que

ela disse, fiquei preocupado. Enquanto ela continuava lendo,

eu continuei pensando.

— Olá? Terra para Jax? — Connor disse, andando na

minha frente e acenando com as mãos. — Cara, você está

surdo? Estou chamando você nos últimos dois minutos e

você está em um tipo de atordoamento estranho olhando para

Kennedy como um psicopata.

Balancei minha cabeça. — O que? Eu não estava

olhando para ela.

— Sim, você estava. — Ele estreitou os olhos quando

Kennedy se levantou para entrar na casa. E pegou a pá das

minhas mãos. — Pensei que você disse que vocês dois não

estavam transando.

— Nós não estamos.

— Então por que você está comendo ela com os olhos

em público?

— Não diga comendo, — eu gemi.

— E não evite minha pergunta.

— Você não entende. Kennedy e eu temos uma…

história.

Ele balançou as sobrancelhas, satisfeito.


— Não é esse tipo de história, idiota. Não fique animado

— expliquei. Costumávamos ser melhores amigos quando

éramos crianças. Foi há muito tempo, mas ela foi uma grande

parte da minha vida.

— Espera. Pausa. A gostosa Kennedy costumava ser sua

melhor amiga?

— Sim.

— O que vocês são agora?

— Nada. Somos apenas duas pessoas que moram no

mesmo bairro.

Connor riu. — Mas você quer mais. Ela quer mais? Ela

quer ser sua amiga ou algo assim?

— Não, quero dizer, eu não sei. — Porra, estava

realmente tão quente lá fora? Eu estava suando? Porque

Connor estava me fazendo tantas perguntas? — Quero dizer,

ela mencionou querer ser minha amiga um tempo atrás na

floresta, mas imaginei que era só porque ela se sentia mal por

mim.

— Hurrg, — ele grunhiu. — Ela quer ser sua amiga.

Parei.

Refleti.

E neguei.


— Não. Acho que não.

Connor riu e revirou os olhos. — Para um cara grande e

forte que administra seu próprio negócio, às vezes você é tão

estúpido. Se este não é um filme da Disney, eu não sei o que

é. Você é a Elsa e ela é Anna, e você precisa sair com ela. Não

a faça implorar para você construir um boneco de neve.

Apenas faça.

Estreitei meus olhos. — Você costuma fazer referência

ao filme Frozen para suas conversas motivacionais?

— Parece que você sabe exatamente o que minha

referência significa, então funcionou. Quero dizer, diabos,

Jax. Olha, você tem essa mulher, essa mulher incrivelmente

bonita, que está pedindo para ser sua amiga e compartilhar

sua companhia com você, e você recusou? Você está louco?

— Eu me ofereci para ajudar com seu quintal.

— O que isso tem a ver com sair com ela? Cara. Eu sei

que posso ser chato e dramático, mas você deve ser amigo

dela. Você precisa de mais amigos além de mim.

— Desde quando somos amigos? — Eu brinquei.

— Não brinque com meus sentimentos, Jax. Você sabe

que eu sou sentimental. Realmente. Apenas a convide para

sair. Qual é o pior que poderia acontecer?


Dei de ombros. Ela pôde perceber que eu não era digno

da sua amizade. Eu não disse isso, no entanto. Parecia

temperamental demais, até para mim.

— Apenas encontre algo que ela goste e saia com ela

fazendo essas coisas. Então, pode ficar ainda melhor que

isso, porque você sabe qual a melhor coisa que isso poderia

acontecer? — Perguntou Connor.

— O que?

ar.

— Amigos com benefícios. — Ele começou a esmurrar o

— E esse é o fim desta conversa.

— Convide-a para sair, Jax.

— Não.

— Convide-a para um encontro como amigos.

— Não.

— Basta perguntar a ela

— Tudo bem! — Gritei, jogando minhas mãos no ar. —

Se eu pedir para ela sair, isso fará você calar a boca?

— Obviamente. Não se preocupe, você pode me

agradecer mais tarde.


Jax

DEIXEI Connor na casa dele, disse olá para sua mãe e

verifiquei se eles precisavam de alguma coisa. Ela recusou,

mas me agradeceu pela oferta. Antes de ir visitar meu pai, fiz

uma parada na casa de Eddie e Marie. Enquanto tocava a

campainha, senti um nó se formando no meu estômago.

Quando Eddie chegou à porta, ele pareceu perplexo ao me ver

ali, mas um pequeno sorriso curvou em seus lábios.

— Você perdeu outra consulta, — comentou, abrindo a

porta para falar comigo.

— Sim, eu sei. Estive ocupado. Escute, posso falar com

você rapidinho?

Seus olhos se iluminaram com esperança quando ele se

afastou. — Sim, claro. Meu sofá está sempre aberto para

você, Jax. Entre.

Entrei na casa, esfregando as mãos.


Marie saiu da sala dos fundos e sorriu feliz quando me

viu. — Oi, Jax. Como vai você? Eu não te vejo desde as boli...

— Marie, você pode fazer um café para nós? Vamos

realizar uma sessão de improviso na sala de estar. — Eddie

claramente não queria falar sobre a última vez em que cruzei

com Marie e a pia do banheiro.

Eu sorri um pouco para meu terapeuta irritado. — Não

preciso de café. Não vou ficar muito tempo.

— Você tem certeza? Eu tenho todo o tempo do mundo

para você, Jax. Realmente, não é um problema. Eu sei tudo o

que está acontecendo com seu pai...

— Isso não é sobre o meu pai, — disse.

— Oh? — Ele se sentou na poltrona da sala e juntou as

mãos enquanto eu me sentava no sofá. — Então é sobre o

que?

— Sua vizinha, Kennedy. A nova garota.

— Bem, não era isso que eu esperava que você falasse,

mas se houver uma nova mulher em sua vida depois de

Amanda, estou mais do que…

— Não, ela não está na minha vida. Quero dizer, ela

esteve em uma época, mas não está mais. Estou apenas

ajudando-a com seu paisagismo.

— Como assim, ela estava em sua vida?


— Ela costumava ser minha melhor amiga quando

éramos mais jovens. Fomos juntos ao acampamento de verão.

As sobrancelhas de Eddie franziram, e ele assentiu

muito lentamente, como terapeuta. — Intrigante.

— Não, não é. Não é nada.

— Oh?

— Pare com isso, Eddie. Não é por isso que estou aqui.

Não estou aqui para falar sobre meu passado com Kennedy

ou mergulhar profundamente em minha psique. Minha visita

não tem nada a ver comigo.

— Então… por que você está…?

— Ela precisa da sua ajuda.

Eddie coçou a lateral de sua barba grisalha. — Jax, não

é assim que funciona.

— Ela passou por um trauma. Ela perdeu os pais e a

filha em um acidente de carro pelo qual se culpa. Ela nem

consegue ver uma criança sem ser atingida por um ataque de

pânico. Joy me disse que Kennedy não dirige por causa do

acidente e não falou com nenhum profissional sobre seus

problemas.

— Lamento ouvir isso, Jax, mas não posso oferecer

ajuda sem ela…


— Você não precisa ser seu terapeuta, Eddie. Só… eu

não sei, seja curioso como o resto das pessoas desta cidade e

apareça para fazer uma visita como vizinho. Ela está

quebrada e só precisa de alguém com quem conversar.

— Ela não pode falar com você?

— Eu não sei como consertá-la.

— Eu também não, Jax. Além disso, como terapeuta,

não consertamos as pessoas, porque, na minha opinião, elas

não estão quebradas. Eles são apenas complexas.

— Sim, bem, basta ver suas complexidades.

— Ja…

— Porra, Eddie, — eu gritei, saltando do sofá. Fiz um

gesto na direção da casa de Kennedy. — Ela está se afogando.

Está naquela casa sozinha e está se afogando em suas

memórias e culpa. Eu sei como é isso. Eu sei como é me

afogar em toda essa merda, mas, pelo menos, eu tive você.

Pelo menos eu tinha alguém com quem conversar ao longo

dos anos. Kennedy não tem ninguém. Por favor, Eddie.

Apenas… — Suspirei e esfreguei as mãos no rosto. — Ajudea.

Eu olhei para ele e vi a culpa em seus olhos.

Ele não iria ajudá-la.

Foda-se.


— Você sabe o que? Deixa pra lá. Foi estúpido eu vir

aqui. Desculpe por desperdiçar seu tempo.

— Você não me fez perder tempo, Jax. Isso é bom. Tudo

isso é bom para o seu progresso, — ele disse enquanto se

levantava da poltrona.

— Meu progresso? Eu disse que isso não era sobre mim.

Ele me deu um olhar confiante, e eu odiei.

— Ela era sua melhor amiga, — afirmou. — Não é

chocante que seus sentimentos tenham ressurgido sobre ela

com sua chegada à cidade. Isso é completamente normal e

você não precisa se assustar com seus sentimentos. Sua

preocupação é justificada.

— Não estou assustado com os meus sentimentos

porque não estou sentindo nada sobre isso. O que você não

entendeu? Eu estou bem. Estou curado. Eu fiz minha

terapia.

— Você está curado? — Ele perguntou, enfiando as

mãos nos bolsos da calça.

— Sim. Eu fiz o trabalho. Eu melhorei.

Ele estreitou os olhos e balançou para frente e para trás.

— Como estão as coisas com seu pai, Jax?


Minhas mãos se fecharam em punhos e minhas unhas

começaram a cavar minha pele. — Não faça isso, Eddie.

— Fazer o que?

Ele sabia exatamente o que eu quis dizer. Não precisava

falar com ele sobre meu pai. Eu estava lidando com isso.

Estava passando por isso. E estava bem. Eu estava mais do

que bem. Eu estava melhor, era Kennedy que precisava de

seus olhares de terapeuta. Era ela quem estava

desmoronando.

— Esqueça. Estou indo embora. Obrigado..., —

murmurei, caminhando em direção a porta.

Eddie me seguiu, e quando eu pisei na varanda, ele

falou. — É bom que ela tenha você. Talvez seja disso que ela

esteja precisando mais do que terapia – apenas alguém para

estar lá com ela.

— Eu não sou uma boa pessoa para estar lá para os

outros, doutor. Essa merda não funciona para mim.

— Todo dia é uma nova oportunidade para tentar

novamente. Talvez você possa renovar sua amizade anterior

com Kennedy. Isso pode ser curativo para vocês dois.

O que há com essas pessoas? Primeiro Connor estava

me dizendo para construir um maldito boneco de neve com

Kennedy e agora Eddie estava me pressionando para

fazer amizade com ela também. E tinha certeza de que


Joy entraria naquele trem em breve.

O que eles não entenderam? Eu não precisava de um

amigo. Eu só queria que Kennedy recebesse a ajuda que ela

merecia. Ela já foi tão vibrante, tão brilhante e cheia de luz, e

agora? Sua luz havia desaparecido, o que era uma vergonha,

porque ela era o tipo de luz que fazia até a alma mais escura

parecer brilhante.

Passei a mão pela boca. — É injusto. Ela é boa, Eddie.

Ela é tão boa. Ela não merece esse tipo de sofrimento.

— Ninguém merece, Jax, incluindo você. Quando não

podemos nos apoiar, é bom ter outras pessoas por perto. —

Eu sorri para ele e, para minha surpresa, Eddie falou mais

uma vez. — Vou dar uma olhada nela. Você sabe, como um

bom vizinho.

Meu coração congelado? Puta merda, começou a bater

novamente.

— Sério? — Eu perguntei, com minha voz falhando.

— Sim. Tenho certeza de que não levamos uma torta

para ela como o resto das pessoas nesta cidade. Eu estava

tentando evitar ser esse clichê, mas não pode doer.

— Obrigado, Eddie, — eu disse, mais sincero do que

nunca.


Ele assentiu uma vez e virou-se para voltar para sua

casa.

— Biscoitos de chocolate, — eu gritei. — Esses sempre

foram seus favoritos.

— Biscoitos de chocolate – um clássico. Boa noite, Jax.

— Boa noite, Eddie.

Após minha visita a Eddie, parei na casa de repouso

para ler os capítulos de meu pai. Ele estava muito mais

agressivo naquela noite e irritado com tudo e todos, inclusive

eu. Não consegui ler muito para ele e quando cheguei em

casa, não conseguia parar de me lembrar das maneiras como

ele costumava ficar tão irritado comigo pelas coisas mais

estranhas. Eu gostaria de poder desligar meus pensamentos.

Eu queria poder fazer minhas memórias desaparecerem, mas

não consegui. Quando cheguei em casa, me servi de um copo

de uísque antes de cair na minha cama e a exaustão me

engolir.


Jax

Doze anos de idade

Ano dois do acampamento de verão

— ISSO É UM CARDEAL! — Kennedy gritou, apontando para

o céu enquanto usamos nossos binóculos no último dia de

acampamento. Na metade do tempo em que ela encontrava

um pássaro, era o pássaro errado, mas eu não a corrigi. Ela

estava muito feliz em encontrá-lo, então a deixei achar o que

ela queria achar.

Além disso, no momento em que lhe explicaria o

verdadeiro pássaro, ela já estaria em outro. Sua mente se

movia tão rápido, e eu nem sempre conseguia acompanhá-la,

mas tudo bem, porque eu só gostava de tê-la por perto.

Eu odiava a velocidade com que o verão passou e, se

pudesse, teria feito de Kennedy minha vizinha para que

pudéssemos nos ver o tempo todo. Como seria mais um ano

inteiro sem vê-la?


Talvez minha mãe me levasse para visitá-la, ou Kennedy

poderia me visitar.

Quando chegou a hora de pegar nossas malas, eu estava

com um nó no estômago. Eu não queria que ela fosse. Pela

primeira vez naquele verão, Kennedy também ficou quieta. Eu

não sabia se deveria perguntar a ela sobre seu silêncio,

porque não queria falar disso se ela não o fizesse.

Honestamente, tudo em que eu estava pensando era que

eu queria beijá-la novamente antes de partirmos, e não

queria beijá-la na frente de sua família ou da minha, porque

seria nojento. Derek provavelmente zombaria de mim para

sempre se ele me pegasse beijando uma garota, mesmo que

essa garota fosse Kennedy.

— Você está bem? — Eu finalmente perguntei quando

nos sentamos em cima da grande rocha em frente à entrada

principal do acampamento, esperando nossos pais virem nos

buscar.

— Sim, — ela murmurou quando uma lágrima caiu em

sua bochecha. — Vou sentir muito a sua falta mais do que da

última vez, porque agora eu sei muito mais sobre você, o que

significa que tenho muito mais a perder, e isso me deixa

triste.

— Oh. — Eu não era tão bom em explicar meus

sentimentos como Kennedy. Ela era boa nisso. E eu era

bom em escrevê-los.


Em vez disso, eu apenas a abracei. — Você é minha

melhor amiga, — sussurrei.

Ela me apertou e disse o mesmo de volta para mim.

— Então você é o garoto que fez minha filha se tornar

uma escritora melhor, — disse uma voz, me fazendo soltar

Kennedy. Eu olhei para cima e vi um adulto que se parecia

com Kennedy, e não parecia de alguma maneira.

— Papai! — Kennedy levantou-se e o abraçou, e ele a

levantou e começou a girá-la em círculos. — Senti sua falta!

— Eu também senti sua falta, querida! — Disse,

parecendo tão animado quanto sua filha.

— Tenho certeza de que você também tem mais amor

para dar à sua mãe e irmã, — disse a Sra. Lost, pulando com

a irmã de Kennedy em busca de abraços.

Eu mal podia esperar para abraçar minha mãe da

mesma maneira. Eu gostava muito de ver Kennedy, mas

também sentia muita falta de mamãe.

— Jax, ouvimos coisas maravilhosas sobre você, — disse

a Sra. Lost, olhando na minha direção. Ela era realmente

parecida com Kennedy. Talvez fosse o sorriso que era muito

parecido. — E como vocês tiveram mais um ano de sucesso

no acampamento de verão, pensei que talvez devessem

acrescentar uma memória ao Lost-móvel. — Ela pegou

algumas canetas e Kennedy chiou de alegria.


— Sim! — Ela gritou, arrancando os marcadores da mão

da Sra. Lost. Então agarrou minha mão na dela e me puxou

rapidamente. — Vamos lá, Jax! Vamos fazer uma coisa!

Eu ri. — Você realmente quer que eu desenhe no seu

carro? — Eu perguntei nervoso. Papai teria me matado se eu

riscasse no carro dele. Uma vez, acidentalmente, derramei

refrigerante no banco de trás e recebi uma surra como

nenhuma outra.

— Sim! É o nosso carro da memória. — Ela me entregou

um marcador. — Desenhe como quiser que este verão seja

lembrado, ok?

Mordi meu lábio inferior e tirei a tampa do marcador.

Depois de pensar um pouco, comecei a desenhar um coração

e coloquei nossas duas iniciais nele.

— Pronto, — eu disse, entregando a ela a caneta.

No fundo, Kennedy escreveu Amigos para sempre, e eu

sabia que era verdade.

Para sempre e sempre.

Enquanto estávamos de pé ao lado do carro dela, rindo

com sua família, a caminhonete do meu pai parou no

acampamento.


No momento em que me viu, ele começou a buzinar e a

gritar comigo. — Jax! Traga sua bunda aqui para que

possamos ir.

Meu estômago começou a doer porque eu estava

envergonhado. Onde estava mamãe? Por que ela não veio me

pegar? Cometi o erro estúpido de fazer essa pergunta ao meu

pai, o que o obrigou a sair do carro. Ele estava xingando

enquanto caminhava em minha direção.

— Ela está doente, será que isso importa? Eu lhe disse

para entrar no carro. Vamos embora, — bradou ele.

O pai de Kennedy deu um passo à frente com um

sorriso. — Agora, vamos lá. Esse nível de raiva não é

realmente necessário. As crianças estavam apenas se

despedindo, só isso.

Papai o olhou de cima a baixo. — Que tal você cuidar da

sua vida?

— Tudo bem, pai, — eu disse, com meu corpo tremendo.

— Vamos. Estou indo.

Pude ver o olhar de choque em toda a família de

Kennedy pela maneira como papai estava agindo. Como ele

não percebeu? Como ele não viu como estava me

envergonhando? Como ele não viu como estava sendo mau?

Pegou minha bagagem e arrastou-a para longe

antes de jogá-la na traseira da carroceria do carro.


Eu me virei e dei um sorriso fraco para a família de

Kennedy. — Foi um prazer conhecer todos vocês. Tenham um

bom dia, — falei.

O pai de Kennedy tocou minha cabeça e me deu um

sorriso quando ele se abaixou para mim. — Você está bem,

Jax? Você está bem com seu pai? Tenho certeza de que

podemos levá-lo para casa, se precisar ou...

— Jax! Traga sua bunda aqui! — Papai gritou, me

fazendo saltar. Eu sabia que quanto mais o chateava, pior

seria para mim.

— Eu estou bem, Sr. Lost. Obrigado. Eu tenho que ir...,

— gaguejei. Naquele momento, eu desejei que ele pudesse ter

sido meu pai. Kennedy não sabia a sorte de ter alguém legal

como ele. Alguém que não gritava com ela e a chamava de

nomes feios.

Kennedy me emboscou em um abraço apertado. Ela

esmagou nossas bochechas juntas, e eu senti suas lágrimas

contra a minha pele. — Sinto muito que ele seja tão mau,

Jax.

— Está tudo bem, — sussurrei. — Estou bem.

Ela me abraçou mais forte antes de falar baixinho. — Se

você precisar fugir, corra para mim.


Jax

Presente

HOUVE uma batida na porta da frente e levantei-me

rapidamente para atender. De pé na chuva torrencial estava

Kennedy com um olhar intenso em seus olhos. Ela estava

encharcada da cabeça aos pés, vestindo apenas um top

branco e shorts.

— Oi, — ela disse sem fôlego, sacudindo a água de seus

cachos. — Você está bem?

Eu levantei uma sobrancelha. — O que?

— Eu ouvi sobre seu pai. As pessoas estavam

conversando na cidade. Eu só queria verificar você e ter

certeza de que estava bem. Só posso imaginar com o que você

está lidando.

Eu arranhei minha barba. Quando começou a chover?

Quando eu fui para a cama, estava agradável e quente lá

fora. — Uh, sim. Eu apenas o vi. Ele está bem. Você


veio me checar?

— Claro que sim, Jax. Eu queria ter certeza de que você

estava bem. Posso entrar?

O que diabos está acontecendo? Eu queria perguntar

isso a ela, mas sinceramente uma parte maior de mim a

queria em minha casa comigo. Fiquei sozinho por muito

tempo; alguma companhia seria agradável.

Eu andei para o lado e ela entrou, tremendo por estar

molhada.

— Vou pegar para você… — Antes que eu pudesse

terminar meu pensamento, Kennedy bateu seu corpo no meu.

E seus mamilos duros pressionaram sua blusa quando ela

me puxou para um abraço, e eu tentei o meu melhor para

ignorar a sensação que seu corpo molhado estava enviando a

mim – ou, mais ainda, enviando diretamente para o meu pau

latejante.

— Sinto muito, Moon, — ela sussurrou, passando os

braços em volta do meu pescoço, me puxando mais contra

ela. — Eu sinto muito.

Antes que eu pudesse responder, seus lábios

pressionaram meu pescoço e ela me deu pequenos beijos. —

Me desculpe, eu só… Jax, senti sua falta. — Ela beijou a base

do meu pescoço novamente, desta vez rolando a língua

por minha pele. — Você também sentiu minha falta?


Você sentiu minha falta, Jax?

Suas palavras gotejavam com carinho e admiração

quando eu a envolvi e a levantei contra mim. E a pressionei

contra a parede, fechando meus olhos quando minha testa

caiu na dela. — Kennedy, você não deveria estar aqui. Não

deveríamos estar fazendo isso...

Seus lábios roçaram os meus. — Eu sei, mas ainda

assim… — Ela pegou meu lábio inferior no dela e chupou-o

gentilmente. — Eu quero fazer isso. Por favor, Jax… depois de

todos esses anos… depois de te perder por tanto tempo… não

consigo parar de pensar em você. Você pensa em mim

também? — Ela abriu os olhos e olhou nos meus. — Você

pensa em mim tanto quanto eu penso em você?

— Sim. — Suspirei enquanto minhas mãos estavam

entrelaçadas nas bochechas da sua bunda. — Deus,

Kennedy, penso em você o tempo todo.

— Mostre-me seu quarto, — ela sussurrou contra o

lóbulo da minha orelha antes de chupá-lo. Claro, meu

coração ainda estava congelado, mas meu pau cresceu três

tamanhos naquela noite. O que ela está fazendo comigo?

Inferno, eu não me importei. Eu só queria que ela

continuasse fazendo isso.

Levei-a para o meu quarto e a deitei em meus lençóis.

Apressadamente, ela jogou o top para o lado, soltou o

short e depois deslizou-o pelas pernas longas e


tonificadas, juntamente com a calcinha rosa.

Eu fui a seguir.

Joguei minhas roupas para o lado e, antes de me mover

para ela, examinei-a com cuidado. A garota que eu

costumava chamar de minha melhor amiga não era mais

uma garota. Não, ela era uma mulher adulta com o corpo

mais perfeito que eu já vi em toda minha vida. Seus seios

eram cheios e redondos, seus mamilos duros e suas curvas –

caramba. A maneira como seu corpo se curvava parecia uma

obra de arte que merecia ser exibida em um museu.

No entanto, era tudo meu.

Seus olhos vagaram para o meu pau latejante, que eu

estava acariciando na minha mão enquanto analisava seu

corpo. Ela entortou o dedo indicador e gesticulou para que eu

fosse com um sorriso diabólico nos lábios. Eu fiz como ela

ordenou, elevando-me sobre ela enquanto me abaixava em

seu corpo. Meus lábios dançaram nos seus, e ela gemeu

quando colocou as mãos nas minhas costas e me puxou para

mais perto. Meu pau roçou em sua entrada, enquanto ela

abria ainda mais as pernas para mim.

— Por favor, — ela implorou, com seus olhos de mel

olhando para mim, e para minha alma. — Eu quero todo

você, Jax. Cada pedaço, cada centímetro. — Sua voz se

transformou em um sussurro cheio de desejo. — Fodame

com a tua escuridão.


Não precisava dizer duas vezes.

Deslizei-me profundamente dentro dela, e ela gritou de

prazer. — Mais, mais, — ela implorou, exigiu.

Eu não podia negar a ela nenhum de seus desejos e

necessidades, porque suas necessidades eram minhas. Eu a

queria mais do que eu já quis alguém, mais do que eu

imaginei precisar de algo. Seu corpo contra o meu parecia

pecado e seus lábios tinham gosto de céu. Ela era a parte

mais doce do meu passado, e eu não podia acreditar que

estava com ela no meu presente.

Seus gemidos me iluminavam cada vez mais enquanto

eu penetrava meu pau mais fundo dentro dela, enchendo-a

com cada pedaço de mim.

— Sim, sim, sim, — ela gritou, envolvendo as pernas em

volta da minha cintura enquanto torcia os lençóis nos dedos.

— Bem aí, Jax. Sim, por favor, — ela disse repetidamente.

Concentrei minha mente em apenas agradá-la. Ela era

tudo o que importava naquele exato momento. Ela era tudo

que eu queria, tudo que eu precisava, tudo que eu sempre

sonhei.

Enquanto eu bombeava mais rápido, ela inclinou a

cabeça para a esquerda, em direção à janela do meu quarto, e

ofegou levemente. — Está nevando, — sussurrou.

Que porra?


E olhei para minha janela e… eu serei amaldiçoado. A

tempestade havia mudado para uma nevasca. Desde quando

tínhamos nevasca no Kentucky no meio do maldito verão?

Ela colocou as mãos nas minhas bochechas e me fez

voltar para ela. — Concentre-se em mim, Jax, nisso, em nós,

— ordenou. — Mantenha seus olhos em mim.

Fiz o que ela pediu, deslizando mais fundo nela,

puxando devagar e batendo rápido. Porra, ela estava tão

gostosa contra o meu pau. Tão molhada, e eu sabia que sua

umidade era para mim. Amei que conseguia fazer isso com

ela.

— Você… — Ela respirou pesadamente. — Você quer…

— Ela suspirou, rolando seus quadris com força contra mim.

— O que? Diga e eu farei, — garanti.

— Você quer… oh Deus, sim, bem aí, Jax…

— Diga, — eu exigi. — Diga-me o que você quer.

Seus olhos se encontraram com os meus e, no tom mais

sincero, ela disse: — Você... — Gemeu. — Quer… — e

começou a nevar sobre nós. — Brincar... — À beira de um

orgasmo. — Na... — Sério, estava nevando na minha cama. —

Neveee? — Ela gritou, arrastando a palavra enquanto gozava

em volta do meu pau, deixando-me atordoado e confuso

quando a neve caiu sobre nossos corpos nus.


O que… que porra é essa?

SACUDI A CABEÇA AFASTANDO o sonho mais fodido que já

tive na história. — Que porra é essa?! — Eu disse, olhando

para o meu pau bem acordado. Eu não conseguia entender o

fato de que tinha acabado de ter um sonho erótico com

Kennedy Lost... que se transformou em um single da Disney.

Não há mais uísque antes de dormir.

E não permitir que Connor cante músicas da Disney

enquanto estiver na minha presença.


Kennedy

— BISCOITOS DE CHOCOLATE? Agora você está falando a

minha língua. — Eu sorri enquanto olhava para o mais novo

visitante parado na minha porta.

Eddie segurou o prato de biscoitos na minha frente. —

Eu tenho que admitir que Marie os cozinhou – eu sou apenas

o entregador.

— O gesto é apreciado, — eu disse. Por alguns

momentos, um silêncio constrangedor preencheu o espaço

enquanto Eddie balançava de um lado para o outro em seus

sapatos, passando o polegar pelo nariz. Eu arqueei uma

sobrancelha. — Por que sinto que há algo que você não está

dizendo?

— Porque há algo que eu não estou dizendo? — Ele

respondeu, e sua declaração saindo como uma pergunta.

— O que está acontecendo, Eddie?

— É Jax. Ele veio até mim outro dia e perguntou

se eu poderia dar uma olhada em você, para ver como


as coisas estão indo, como um vizinho, não como um

terapeuta.

Meu estômago deu um nó. — Claro que ele fez. Não

tenho certeza do que Jax lhe disse, mas estou bem.

Sinceramente. Já passei por algumas coisas, mas estou

resolvendo meus problemas um dia de cada vez.

— Certo, é claro. E você que decide se que ajuda

profissional ou não. Na verdade, não é por isso que estou

aqui.

Ainda mais confusa indaguei. — Então, o que é?

— É Jax, — ele repetiu, desta vez com os lábios virando

para baixo. — Só me preocupo com ele, como vizinho, não

como terapeuta. Eu me preocupo que ele não esteja lidando

bem com os problemas de saúde de seu pai. Sinto como se

ele estivesse desviando suas lutas pessoais, e concentrandose

nas suas. Você acha que ele está indo bem?

Balancei minha cabeça. — Sinto muito, não tenho

certeza. Na verdade, faz pouco tempo que realmente

começamos a conversar. Éramos amigos há muito tempo,

mas ainda não tive a chance de ver Jax como um adulto.

— Sério? — Ele perguntou. — Isso é estranho, porque

ele fala sobre você como se vocês dois estivessem próximos…

o que também me confundiu, vendo como Jax não se

aproxima de ninguém. — Ele coçou a barba. — De

qualquer forma, vou parar de procurar pistas. Eu só


queria largar esses biscoitos, porque Jax praticamente

martelou na minha cabeça que eu precisava verificar para ver

se você estava bem.

Sorri. — Agradeço sua visita.

— Não é como ele, você sabe – se importar. Você

significa algo para ele, mesmo se você acha que tudo isso é

novo. Para ele vir até mim e pedir ajuda… isso é um grande

negócio para ele. Por fora, pode parecer pequeno, mas para

Jax esse é um enorme progresso em seu crescimento. Não sei

o que você está fazendo com ele, Kennedy, mas, por favor,

continue fazendo. — Ele se virou e desceu as escadas. — E se

você precisar do ouvido de um vizinho, meu sofá estará

sempre aberto.

Mordi um dos biscoitos enquanto Eddie se afastava, e

minha mente se enchia de pensamentos persistentes sobre o

que significava Jax procurar alguém para me ajudar. Eu

simplesmente esperava que ele estivesse buscando ajuda

para si mesmo também.

EU NUNCA SOUBE QUE O paisagismo poderia ser

extremamente sexy antes do dia em que observei Jax

pegar uma pá. Todo dia que ele e Connor apareciam,


eu encontrava razões para estar do lado de fora, e cada vez

que pegava Jax olhando para mim, eu via uma nova remessa

de borboletas enchendo meu estômago. Ele realmente não

falou muito comigo e, quando o fez, a conversa era

praticamente sobre o paisagismo.

No final de uma segunda-feira à tarde, o sol do

Kentucky batia em nós como se não tivesse o menor cuidado

em escurecer nossa pele em mais cinquenta tons. Continuei

refrescando e entregando água para os caras, pois eles

trabalharam duro o dia todo. Quando saí com uma jarra de

água gelada para encher os copos mais uma vez, quase

tropecei ao ver Jax.

Lá estava ele, sem camisa e ajoelhado na terra enquanto

estava plantando uma roseira. Seu corpo era tonificado como

uma rocha e sua pele bronzeada brilhava a luz do sol. Sua

camiseta branca estava enfiada no bolso de trás de seus

jeans, e eu estava oficialmente de volta sendo um Joe da série

Você, com vibrações de perseguição.

Sua bunda sempre foi tão redonda e encantadora?

Caramba, tudo o que eu queria era ir até ele, colocar minhas

duas mãos e apertar.

Desvie o olhar, desvie o olhar, olhe…

— Isso é para nós? — A voz de Connor disse atrás de

mim, me fazendo saltar assustada, e a jarra de água na


minha mão voou para frente, colidindo diretamente no corpo

de Jax.

— Porra! — Ele disse, levantando-se com o frio que o

envolveu. E pulou no lugar, sacudindo a água.

— Oh meu Deus, eu sinto muito! — Exclamei, correndo

até ele. — Fiquei assustada, me desculpe, — eu disse,

alcançando a primeira coisa que consegui pensar em secá-lo:

sua camiseta no bolso de trás. E agora eu estava esfregando

as mãos para cima e para baixo no peito de Jax.

Para cima e para baixo no seu abdômen.

O abdômen dele…

Assim, em seus muitos gominhos.

É uma festa de seis pessoas lá? Ou contei apenas oito? E

por que, oh, por que não consigo parar de esfregá-lo?

— Uh, acho que está bem, Kennedy. — Jax sorriu.

— Bom, bom, sim, tudo bem, — murmurei, ainda

esfregando.

Ele riu e colocou as mãos nos meus braços,

interrompendo meus movimentos. — Está tudo bem, sério.

Oh, Jax, se você soubesse o quanto estou bem agora.


— Certo, é claro. — Eu dei um passo para trás, com sua

camisa ainda na minha mão. — Desculpe, eu estava

apenas… perdi meu foco por um minuto.

Connor riu. — O que você estava olhando? — ele

brincou.

Meu rosto ficou quente e eu tinha certeza de que os dois

podiam ver o constrangimento subindo em minhas

bochechas.

— Sim, — Jax perguntou. — O que chamou sua

atenção?

Essa sua bunda, senhor!

Balancei minha cabeça. — Oh, uh, um esquilo –

perseguindo um gato, — eu soltei. O que? — Digo, um gato

perseguindo um esquilo. — Ambos arquearam as

sobrancelhas em confusão. E acenei minhas mãos. — Você

sabe o que? Não importa. Me desculpe por isso.

— Está bem. De qualquer maneira, estamos prestes a

terminar o dia, — disse Jax, passando a mão pelo cabelo

molhado. As gotas de água escorriam, e pingavam em seu

peito, e oh meu Deus, eu assisti aquelas gotas deslizarem

cada centímetro nele.

O que há de errado comigo? Fazia tanto tempo desde que

eu tinha visto um homem sem camisa que agora eu

estava fixada no peito de Jax?


Embora, sendo honestos, poucos homens possuíam

abdominais como os dele.

— Ok, eu vou começar a carregar coisas para a

caminhonete. Jax, enquanto isso, por que você não fala com

Kennedy sobre o que conversamos outro dia? — Connor

mencionou.

Jax lançou a Connor, um olhar zangado e sibilou com

os dentes cerrados. — Agora provavelmente não é a hora

certa, Connor.

— Não há momento como o agora, grandalhão, —

cantou Connor, passando por Jax e dando um tapinha em

seu ombro antes de pegar alguns suprimentos e seguir em

direção ao carro.

Eu levantei uma sobrancelha. — Está tudo bem?

Jax limpou a garganta e fez uma careta caçando o

queixo. — Um sim. É só que… bem, eu… — Ele estava

tropeçando em suas palavras e, em um instante, lembrei-me

do garoto que eu conheci. — É que, hum, Connor acha que

você precisa de amigos.

Eu fiquei mais ereta. — O quê?

Ele acenou com as mãos rapidamente. — Não, não como

se você precisasse de amigos. Digo, eu sei que você poderia

arranjar amigos se quisesse. E talvez os tenha. Ter

amigos, quero dizer, poderia fazer com que as pessoas


quisessem ser isso, sabe, seu amigo. — Afastou-se de mim e

voltou a passar as mãos pelo cabelo, murmurando um

caralho baixinho. E voltou para mim com uma careta no rosto

e estreitou os olhos. — Você quer ser minha amiga, quem

sabe? Tipo, você quer sair às vezes? Talvez riscar aquela lista

de tarefas que você fez? Quero dizer, se você quiser conhecer

esta cidade, posso levar você. Eu conheço esse lugar por

dentro e por fora. Eu posso te mostrar o mundo… de

Havenbarrow pelo menos.

Eu ri. — Você está pedindo para ser meu Aladdin?

— Algo parecido. — Ele balançava e remexia

nervosamente os pés, e mesmo quando estava sem camisa,

seu lado idiota estava saindo alto e claro. — Não tenho um

tapete mágico, no entanto. Apenas uma caminhonete

surrada.

Mordi o lábio inferior e olhei para a esquerda, onde Joy

sorria para si mesma enquanto escrevia em seu caderno. Eu

tinha quase certeza de que ela estava ouvindo e aquele

sorriso em seu rosto era da timidez de Jax.

Ele esfregou a parte de trás do pescoço e seus cabelos

caíram um pouco sobre o rosto, fazendo-o parecer muito mais

robusto e bonito. — Se você não estiver interessada, não é

grande coisa. Sim, não, é uma ideia estúpida. Desculpe, até

eu perguntar. Olha, deixe-me sair do seu...


— Podemos começar com Marshmallow na cafeteria? —

Eu o interrompi, fazendo o cara nervoso congelar.

— A cafeteria?

— Sim. Eu quero conhecer o gato da cafeteria. Além

disso, ouvi dizer que eles têm um ótimo chai latte.

— Certo. Sim, ok. — A luz que tocou os olhos de Jax fez

meu próprio coração se iluminar. — Sim, é uma boa ideia.

Tudo bem. Legal. Talvez eu possa buscá-la amanhã de

manhã? A menos que você esteja ocupada, porque se estiver

ocupada...

— Nove horas funciona.

Ele fez uma careta. — Normalmente tomo café com Joy

às nove...

— Oh, cale-se, rapaz. Vá ver o gato da cafeteria. Estarei

aqui outro dia, — gritou Joy, negando o comentário e

deixando claro que estava ouvindo nossa conversa.

Eu sorri. — Então, nos vemos às nove?

— Sim, — Jax concordou. Seus lábios se curvaram e eu

tive sorte de testemunhar. Jax não sorria com muita

frequência, então, quando sorriu, parecia à sobremesa mais

doce. Ele começou a recuar em direção a sua caminhonete,

onde Connor estava esperando. — Legal. Impressionante.

É um encontro. — Ele parou, e mexeu no nariz e se

encolheu. — Quero dizer, não como um encontro,


mas como um encontro com um amigo. Você sabe como...

— Tudo bem, isso já foi bastante constrangedor para

todos nós, então eu vou puxar esse cara. Tenha uma boa

noite, Kennedy. Jax vai te buscar de manhã, — disse Connor,

arrastando o chefe para longe. Eu ri quando ele repreendeu

Jax. — Cara! Eu disse para você ser legal, e isso foi o oposto

de legal! Você poderia ser mais estranho?

Jax disse a Connor para ele calar a boca, me fazendo

sorrir sozinha.

Connor não sabia, mas ver o embaraço de Jax deixoume

um milhão de vezes mais feliz do que eu estivera há

algum tempo. Pela primeira vez em muito tempo, as coisas

pareceram… normais.

— Obrigada, querida, — disse Joy depois que os caras

foram embora. — Ele realmente precisa de um amigo.

Se ela soubesse o quanto eu precisava de um também.

— VOU ser sincero, você pode ficar um pouco

desapontada com Marshmallow. O cara pode ser um

idiota, — explicou Jax enquanto dirigíamos para a

cidade. Eu tentei o meu melhor para não mostrar


minha ansiedade por estar em um veículo, mas estava

perdendo a batalha. Felizmente, chegamos em dez minutos.

E dei-lhe um sorriso tenso. — Nunca me decepcionaria

com o famoso gato de cidade pequena. Além disso, eu meio

que gosto dos idiotas desta cidade, — brinquei quando ele

parou e estacionou no meio-fio em frente ao café.

Ele sorriu um pouco e meu coração deu um pulo.

— Gosto quando você sorri, — eu disse, desafivelando o

cinto de segurança. — Isso me lembra do Jax mais jovem.

— Seus sorrisos me fazem querer sorrir mais, —

confessou, pulando para fora do carro.

Entramos na cafeteria e pedi minha bebida, pela qual

Jax se recusou a me deixar pagar. — Você pode pagar o meu

da próxima vez, — ele ofereceu.

Meu coração tremulou com a ideia de uma próxima vez

com ele. Ele não tinha ideia de quantas próximas vezes eu

queria com ele.

Sentamo-nos à mesa e eu continuava procurando por

Marshmallow enquanto tomava um gole do que poderia ter

sido o melhor café com leite que já bebi na vida. Só aquela

xícara era o suficiente para me manter em Havenbarrow. E o

pão de banana? Oh meu Deus, derreteu na minha boca.


— Esta é provavelmente a melhor coisa que eu já comi,

— eu gemi, lambendo as migalhas dos meus dedos.

Jax riu. — Não deixe Gary ouvir você dizer isso. Ele e o

proprietário daqui vêm discutindo há décadas sobre quem faz

os melhores pães de banana nas redondezas.

— Ok, mas eu só estou dizendo. Eu podia comer

cinquenta fatias e não me cansar. Honestamente,

provavelmente já comi mais carboidratos nas últimas

semanas em Havenbarrow do que em toda a minha vida

devido a pessoas me trazendo doces. Eu juro, tenho quase

certeza de que eles estão tentando me fazer engordar nessa

cidadezinha ou algo assim.

— Conhecendo as mulheres desta cidade, eu não

duvidaria.

— Bem, contanto que eu não possua uma balança e eu

tenha uma calça de ioga que sirva, estou bem com meu peso,

— brinquei enquanto me inclinava para frente e roubava um

pedaço do pão de banana de Jax. — Agora, onde está esse

gato?

— Provavelmente dormindo ou mijando no pé de

alguém, — disse Jax, olhando em volta. — Não estou

brincando, três anos atrás, aquele filho da puta veio até mim

enquanto eu pegava meu café e fez xixi no meu sapato – como

um psicopata.


Eu tentei o meu melhor para segurar minha risada, mas

não pude evitar. A ideia de um gato mijando em Jax me

matou. — O que você fez com ele para deixá-lo irritado?

Ele sentou-se, confuso com minha pergunta. — O que

eu fiz? Você está brincando? Eu só estava tomando meu café!

— Talvez ele estivesse chateado por você estar em seu

território. Só um idiota por café e tudo mais.

— Ele é assim com todos. — Jax deu de ombros. — Ele é

o Sr. Celebridade por essas bandas.

Eu sorri com o apelido. Ele não tinha ideia de que era

assim que eu o chamava há uma semana quando cheguei à

cidade. E manteria esse segredo pra mim.

Nesse momento, um gato branco grande e rechonchudo

saiu de trás e bocejou enquanto esticava as pernas.

— Oh. Meu Deus! — Eu gritei, saltando do meu assento.

Ele era a coisa mais bonita que eu já tinha visto em toda a

minha vida. — Olá, amigo. — Eu sorri quando me aproximei

dele.

— Uh, eu não faria isso se fosse você, — disse Jax,

recuando a cadeira mais longe do felino que se aproximava.

Eu sorri para ele. — Vamos lá, não me diga que você

tem medo de um gatinho 11 .

11

– Em inglês gatinho é Pussy cat, que também pode ser usada como uma gíria para boceta;


— Confie em mim, eu não tenho medo de boceta, —

disse, e suas palavras sugestivas enviaram uma poça de calor

ao meu núcleo. — Mas eu tenho pavor desse animal.

Revirei os olhos e me sentei no chão da cafeteria em

frente a Marshmallow. E estendi meus braços na minha

frente. — Venha pegar um pouco de amor, — eu pedi.

— Sun, espere… — Antes que Jax pudesse terminar sua

frase, Marshmallow estava no meu colo, ronronando. Ele

rolou para esfregar a barriga, e me pareceu que estava muito

satisfeito. — Caramba, — Jax murmurou. — Ele gosta de

você.

— Eu sou uma pessoa agradável.

Ele sorriu, mas não disse mais nada. E sentou-se

divertido enquanto Marshmallow e eu nos tornávamos

melhores amigos.

— Talvez eu tenha lido esse cara errado, — comentou,

levantando-se e caminhando em nossa direção. Quando ele

se aproximou, Marshmallow bufou e se afastou. — Foda-se

você também, Marsh, — respondeu Jax, virando sua cadeira.

Eu ri e me levantei do chão. — Algumas pessoas e gatos

simplesmente não se conectam, eu acho.

— Não é chocante que ele tenha gostado de você. Você é

difícil de não gostar, — disse Jax, bebendo seu café.

Sentei-me na cadeira e o encarei, e enquanto o


encarava, todo mundo – e quero dizer todo mundo – estava

nos encarando.

— Sou só eu, ou estamos sendo vigiados? — Perguntei,

mordendo meu lábio inferior.

— Sim. As pessoas desta cidade têm uma maneira bem

sutil ao ser invasiva na vida de outras pessoas. Normalmente,

eu apenas faço isso, — ele disse enquanto levantava os dois

dedos do meio. Alguns clientes ofegaram com seu gesto,

chamando-o de idiota.

Eu ri. — Primeiro o gato e agora as pessoas.

— Sou igualmente oportunista com meu ódio. Eu odeio

tudo e todos com a mesma quantidade de aborrecimento.

— Até eu? — Brinquei.

Seus olhos ficaram sombrios por uma fração de

segundo, e o pequeno sorriso em seus lábios começou a

desaparecer. — Eu nunca poderia te odiar, Kennedy. Confie

em mim, há muito tempo, eu tentei.

Suas palavras me confundiram, quando estreitei os

olhos. — Espere o que? Por que você tentaria me odiar?

Ele balançou a cabeça e pigarreou. — Não importa, foi

há muito tempo.


Estendi a mão sobre a mesa e coloquei minha mão na

dele. — Não, Jax. Importa pelo menos para mim. Por que você

tentaria me odiar?

Antes que ele pudesse responder, uma voz nos

interrompeu. — Sério Jax?

Eu olhei para cima e vi uma mulher bonita diante de

nós. Ela tinha cabelos ondulados castanhos e olhos

castanhos. E usava roupas de enfermagem, e a tristeza em

suas feições me doeu, mesmo que eu não soubesse quem ela

era.

— Amanda, — disse Jax, com sua voz severa.

Ela não disse nada, mas seus olhos caíram na minha

mão descansando na de Jax e então ela olhou de volta para

ele.

Ele relutantemente afastou a mão da minha. — Ouça,

Amanda.

Tapa.

Fiquei surpresa ao ver a mão dela fazer contato com sua

bochecha. Jax também ficou surpreso com base na maneira

como ele balançou a cabeça em choque.

— Dane-se, Jax, — ela disse enquanto seus olhos se

enchiam de lágrimas. — Você me disse que não estava

vendo ninguém.


— E não estou, — ele disse.

Minhas mãos voaram para o meu peito. — Ah não. Nós

não somos… ele e eu… — gaguejei, sem saber por que me

sentia tão nervosa. É isso que ela pensa? Que Jax e eu

estávamos saindo? — Nós não estamos saindo. Somos

apenas amigos.

Ela me olhou de cima a baixo enquanto cruzava os

braços. — Sim, certo, garota nova. Todo mundo sabe que Jax

não tem amigos. Ele não sabe como ser amigo, da mesma

forma que não sabia como ser namorado.

— Agora espere um minuto, — eu comecei, mas Jax

levantou a mão.

— Está tudo bem, Kennedy. Ela está certa.

Não, ela não estava.

Fiquei quieta por respeito à Jax, mas por dentro meu

sangue estava começando a ferver. Eu não podia acreditar no

quão desagradável essa mulher estava sendo, só porque ela

viu Jax e eu saindo uma vez. Ficou claro que eles

costumavam estar em um relacionamento, mas acabou. Ela

menosprezá-lo – dar um tapa nele – era completamente

desnecessário.

— Boa sorte, — ela me disse, colocando a alça da bolsa

no ombro. — Não se surpreenda quando tentar entrar e

for atingida por um bloco de cimento. Ele é a definição


do emocionalmente indisponível.

Ela se virou para ele e bufou alto. — Eu deveria saber

que você acabaria sendo como seu pai, seu idiota sem

coração. — Ela se afastou, deixando um peso flutuando ao

nosso redor.

Eu vi a faca invisível que ela enfiou profundamente no

peito de Jax. Seu corpo se encolheu com a dor de suas

palavras antes que ele olhasse para mim. Ele parecia

completamente vazio quando seus lábios se separaram. —

Acho que devemos sair.

— Sim, ok. — Peguei minha bolsa e voltamos para seu

carro. Enquanto dirigíamos, eu não fechei meus olhos

nenhuma vez. Eu não conseguia parar de encarar Jax, me

perguntando o que estaria passando em sua mente. Eu

queria perguntar, mas também não queria parecer tão

carente. Suas juntas estavam pálidas quando ele agarrou o

volante à sua frente e sua boca tremia de vez em quando.

Quando ele parou na minha casa, desligou o carro e

olhou na minha direção. — Desculpe por tudo isso.

— Você não fez nada errado.

— Sim, tudo bem. Bem, acho que vou falar com você…

— Você quer continuar o encontro? — Eu falei. — Sei

que foi muita coisa lá atrás, e eu poderia dizer que ela

ainda não te esqueceu, mas ainda podemos sair. É


cedo, é sábado e o tempo está bom. Podemos sentar no

conversível dos meus pais e apenas conversar, ou não

conversar, o que você quiser fazer.

Ele sacudiu o nariz com o polegar. — Preciso ficar

sozinho por um tempo, Kennedy.

— Sim claro. Você está querendo ficar sozinho – na

verdade, sim… mas fique sozinho comigo.

Ele hesitou por um momento, então achei que poderia

insistir um pouco mais.

— E tenho uma garrafa do uísque favorito do meu pai

que podemos terminar, e acredite em mim quando digo que

meu pai só tomava coisas boas.

Ele riu. — São apenas onze da manhã.

— Oh. Certo. Bem, eu também tenho os grãos do café

favorito da minha mãe, para que possamos tomar café hoje

de manhã e beber uísque à noite.

— Você quer passar o dia inteiro comigo? — Ele

perguntou surpreso.

— O dia inteiro e a noite inteira.

E fizemos exatamente isso.

Entramos e bebemos inúmeras xicaras de café.

Conversei a maior parte do tempo, o que pareceu muito

com a nossa infância, e Jax ouviu com tranquilidade.


Contei a ele mais histórias sobre meus pais e Daisy e mais

histórias sobre meu passado, e sempre que eu ria alto, ele

sorria e olhava para mim como se eu fosse o sol.

Conversamos sobre nossas carreiras, e ele me contou

que planejava comprar todos os livros que publiquei até

agora.

Ele me contou sobre a terra de seu pai e como ele

planejava tornar a propriedade tudo o que sua mãe sonhara,

uma vez que ela fosse passada a ele. — Ela nunca foi capaz

de realizar seus sonhos. Quero realizá-los por ela, — disse.

Poderia dizer que era difícil para ele falar sobre sua mãe,

mas fiquei feliz por ele falar sobre ela. Se eu aprendi alguma

coisa nas últimas semanas, foi que falar sobre seus entes

queridos os manteria vivos, e eu precisava disso. E tinha

certeza de que Jax também precisava disso.

Quando pegamos o uísque naquela noite, fomos para o

conversível dos meus pais para beber debaixo das estrelas e

da lua.

Minha coisa favorita sobre sentar ao lado de Jax era

que, mesmo quando ele estava quieto, quando as conversas

desapareciam e ficávamos com nada além do silêncio, na

quietude eu sentia a cura. Ficar quieta com ele era uma das

minhas coisas favoritas de todos os momentos que

compartilhamos naquele dia.


Depois que bebemos um pouco demais, Jax colocou as

mãos atrás da cabeça e olhou para o céu. — Eu não quero ser

como ele, — confessou. — Como meu pai. Amanda disse isso

antes, e ela disse isso algumas semanas atrás também.

Tenho certeza que as pessoas nesta cidade pensam que sou

como ele, mas não quero ser. Ele era um monstro.

— Você não é seu pai.

Ele balançou sua cabeça. — Você não me vê há anos,

realmente não pode dizer isso.

— Sim eu posso.

— Como assim?

— Porque sua índole não mudou ao longo dos anos.

Você é o mesmo garoto gentil de antes. Porém, nesta cidade,

essas pessoas não o veem, porque estão muito presas em

seus preconceitos e maneiras de julgar com base em uma

tragédia que aconteceu anos atrás. O que eles não veem é a

bondade em seus olhos, a maneira como você ajuda as

pessoas quando elas não estão olhando, a maneira como você

se entrega àqueles que precisam, a maneira como você se

importa tão silenciosamente. Você é a mesma alma linda que

amei todos esses anos atrás, Jax, e você não é nada como seu

pai.

Ele fechou os olhos. — Promete?

Coloquei minha mão em sua coxa. — Prometo.


Seus olhos se abriram rapidamente e caíram na minha

mão. — Toda vez que você faz isso, sinto como se estivesse

acordando novamente.

— Faço o que?

— Tocar-me.

Engoli em seco com suas palavras, e não tinha certeza

se era o uísque ou o redemoinho de emoções dentro de mim

que estava fazendo minha mente girar. — Senti sua falta,

Moon, — confessei.

— Eu senti mais saudades de você. Eu senti tanto a sua

falta. Eu vivia na escuridão há tanto tempo... senti tanto a

sua falta...

— O que você quis dizer quando disse que tentou me

odiar?

— Porque você parou de escrever, — explicou. — Eu

senti que quando suas cartas pararam de chegar, eu não

queria mais me importar com você. Depois que perdi minha

mãe, precisei de suas cartas e, quando elas pararam, eu

queria te odiar. Eu me odiava mais, porém, porque tinha

certeza de que você parou de escrever por causa do que eu

disse a você sobre o que aconteceu com minha mãe. Imaginei

que você pensasse que eu era um assassino.

Ofeguei e meus olhos se estreitaram. — Eu nunca

recebi essas cartas de você.


— O que?

— Jax, você parou de me escrever. Nunca recebi cartas

sobre o que aconteceu com sua mãe ou o que aconteceu com

você. Quero dizer, diabos, eu fiquei escrevendo por um ano

inteiro depois que suas cartas pararam de chegar. Eu apareci

no acampamento de verão, esperando que você estivesse me

esperando lá com respostas. Eu nunca pararia de escrever

para você e nunca teria pensado nessas coisas terríveis sobre

você.

A confusão alinhou em seu rosto. — Você me escreveu?

— Sim. Fiquei com o coração partido quando suas

cartas pararam de chegar. Sentei-me no banco do motorista

e me virei para ele. — Eu viria aqui por você, Jax. Teria

forçado meus pais a me levarem para onde quer que você

estivesse para que eu pudesse ajudá-lo em seu sofrimento.

Eu estaria ao seu lado.

— Você era meu sol, — disse ele. — Depois que suas

cartas pararam, o mundo ficou muito mais escuro.

Peguei suas mãos nas minhas e as apertei. — Sinto

muito que você tenha passado por isso. Eu odeio que você

tenha passado esse tempo pensando que eu me virei contra

você. Nunca faria isso. Você era minha lua, meu melhor

amigo.


Ele olhou para nossas mãos entrelaçadas. — Posso te

contar um segredo?

— Qualquer coisa.

— O dia em que percebi que era você, voltou a

funcionar.

— O que voltou a funcionar?

— O meu coração.


Jax

DEPOIS DA noite BÊBADA no conversível, Kennedy e eu

ficamos inseparáveis. Comecei a mostrar a ela todas as coisas

que Havenbarrow tinha a oferecer. Curiosamente, eu meio

que comecei a gostar da cidade idiota também. Era mais fácil

encontrar prazer nas coisas quando você tinha alguém como

Kennedy para experimentá-las.

Todo dia que saíamos, ela me obrigava a ir ao café para

cumprimentar Marshmallow – contra meu melhor

julgamento. Aquele gato idiota a amava e bufava para mim.

Quando não estávamos juntos, eu estava planejando nossas

próximas aventuras. Queria que ela visse o mundo de

Havenbarrow comigo ao seu lado.

Passei anos sem Kennedy ao meu redor, e agora estava

determinado a compensar o tempo perdido.

— Sabor favorito de sorvete em apenas três, — disse

Kennedy enquanto nos sentávamos na floresta num

domingo de manhã, comendo barras de granola e vendo


os pássaros passarem. — Um, dois, três!

— Lua Azul! — Eu gritei.

— Cereja! — Ela exclamou. E apontou na minha direção

e ofegou. — Oh meu Deus! Quem gosta de lua azul? Que

sabor é esse, afinal de contas? Honestamente, lua azul?

Afinal, o que isso quer dizer?

— Significa que é um sorvete delicioso que tem gosto de

paraíso. É como se Froot Loops tivesse um filho apaixonado

por algodão-doce.

Ela gargalhou e era lindo. — Isso parece nojento.

— Você está errada. Se você experimentasse, seria

apaixonada por ele tanto quanto eu.

— Isso parece um desafio, e eu decidi há muito tempo

que nunca deixaria passar os desafios dos sorvetes.

Levantei-me e estendi minha mão para ela. — Venha,

então. A sorveteria da cidade tem a melhor lua azul do

mundo. Claro, é a única lua azul que já comi, mas tenho

certeza de que é a melhor.

Ela pegou minha mão e fomos. A noite estava perfeita,

então, em vez de dirigirmos para a cidade, escolhemos

caminhar. Durante todo o caminho, Kennedy continuou

falando sobre tudo e qualquer coisa, e eu ouvia todas as

sílabas que saíram de sua boca. Quando entramos na

fila do sorvete, ouvi algumas pessoas ao nosso redor


sussurrando, mas não pensei muito sobre isso.

Eu não poderia ter me importado menos com o que essa

gente mesquinha pensava da ideia de Kennedy sair comigo.

Eles não precisam mais me definir. Somente eu.

— Oi, vamos pegar dois sorvetes com duas bolas cada

de lua azul, — disse Kennedy quando nos aproximamos do

balcão. Ela enfiou a mão na bolsa para pagar e, quando fui

retirar meu cartão de crédito, ela o empurrou. — Desta vez

não, Moon. É por minha conta.

Ela pagou nosso sorvete e voltamos à nossa caminhada.

No caminho, fomos parados pelas gêmeas de O Iluminado, de

Stephen King. Elas estavam vestindo roupas combinando.

Combinando suas malditas roupas. Honestamente, que tipo

de mulher adulta andava por aí com roupas combinando?

— Oh meu, oi, Kennedy, — disse Kate com sua voz

melodiosa falsa. E olhou para mim. — Jax.

— Kate. Louise, — eu murmurei, nem um pouco

interessado na conversa que estava prestes a acontecer.

— Saindo para um pequeno passeio? — Louise

questionou, olhando para os sorvetes em nossas mãos. —

Isso parece delicioso. Talvez eu precise experimentar um

assim que estiver fora da minha dieta. Isso não parece

delicioso, Kate?


— Parece uma bomba de carboidratos isso sim, já que

está me perguntando, respondeu a irmã. Então ela se virou

para Kennedy. — Agora, eu não pretendo bisbilhotar, mas

está rolando muitos rumores pela cidade sobre vocês dois.

— Oh? — Kennedy perguntou, erguendo uma

sobrancelha. — É mesmo?

— Sim, é verdade. Você é o assunto de Havenbarrow.

Assim como as celebridades. — Ela riu. Por que ela está

rindo? — Agora, não querendo me meter em sua vida. Louise

e eu nos orgulhamos de ficar fora da vida das pessoas, mas é

verdade?

— O que é verdade? — Kennedy perguntou.

Louise a cutucou. — Você sabe que vocês dois estão em

um relacionamento? Ou é apenas uma aventura? Talvez

como amigos, ou amigos com benefícios? Eu sei que ele está

fazendo o trabalho no seu quintal, então talvez vocês dois

tenham se aproximado durante esse tempo. Não estou

bisbilhotando, mas estou curiosa se vocês dois são…

— Woof!

Meus olhos se arregalaram quando me virei para

Kennedy, que estava olhando para as gêmeas com os olhos

arregalados. E ela… latiu. Foda-se, Kennedy Lost estava

latindo para as gêmeas, e isso oficialmente se tornou o

destaque da minha vida.


O olhar de medo nos rostos de Kate e Louise estaria

para sempre colado na minha mente.

Kennedy continuou latindo para elas quando

começaram a recuar lentamente, completamente confusas

com suas ações.

Então fiz a única coisa que consegui pensar em fazer.

Eu lati para elas também.

Elas fugiram como as baratas que eram, e eu tinha

certeza de que as notícias sobre os latidos seriam reveladas

na próxima reunião da cidade. Por alguma razão, isso me

agradou.

— Realmente poderia ter usado você nesta cidade anos

atrás, — brinquei.

— Não vou embora tão cedo, então terei que trabalhar

para aprofundar meus grunhidos. — Ela finalmente teve a

chance de lamber o sorvete que estava começando a derreter

em suas mãos. E todo o seu corpo congelou quando seus

olhos se arregalaram em choque. — Caralho! Tem gosto de

tudo de bom neste mundo.

— Eu te disse!

— Não, sério. É melhor que sexo.

Estreitei meus olhos. — Você está fazendo sexo

com as pessoas erradas.


Ela riu e suas bochechas ficaram um pouco vermelhas.

— Tanto faz. Tudo o que estou dizendo é que você estava

certo.

Eu levantei uma sobrancelha. — Espere, eu preciso

ouvir você dizer isso de novo. Tem um toque legal.

— Nunca mais digo essas palavras, então as guarde em

sua memória.

E cutuquei o braço dela. — Diga isso outra vez.

— Não. — Ela riu, girando para longe de mim. — Nunca.

— Então comecei a fazer cócegas em sua barriga, e ela chiou.

— Pare com isso!

— Não até que você diga novamente.

— Nuncaaa! — Ela se arrastou quando eu comecei a

fazer cócegas nela mais e mais até que ela se render. — Ok,

ok, você estava certo! — Exclamou, levantando as mãos no ar

e, quando se ergueu, o mesmo fez sua casquinha de sorvete,

que ela soltou de sua mão. Como todos sabem, tudo que sobe

desce.

Bem em cima da minha cabeça.

Kennedy deu um passo para trás, com o rosto vermelho

por conter o riso enquanto a lua azul derretida escorria por

minha pele, fazendo a bagunça de todas as bagunças por

toda a minha cabeça.


Suas mãos pousaram em seus quadris quando suas

risadas foram diminuindo. — Se essa não é a melhor

definição de karma instantâneo, não sei o que é. — Ela

limpou minha bochecha com o dedo onde o sorvete estava

derretendo e depois lambeu.

E se não tivesse sido tão fodidamente adorável e sexy a

forma como lambeu o dedo, eu poderia ter tido coragem

suficiente para ficar chateado, mas não consegui. Eu não

podia fazer nada além de sorrir como um tolo.

— Você acha que é engraçado, hein? — Eu sorri,

balançando a cabeça e derrubando o sorvete no chão.

— Eu sou uma comediante. É engraçado, você sabe,

porque a lua azul está cobrindo Moon neste momento. É

como se vocês dois fossem feitos para ser um. Era uma parte

do seu destino Jax! — Ela gritou quando eu coloquei meu

sorvete no topo de sua cabeça. Por um segundo, tive um

momento de pânico achando que ela podia ficar chateada

com a minha ação, mas depois que vi suas bochechas

subirem mais alto e ouvi sua risada irromper no céu, com

meu coração batendo cada vez mais rápido.

Começo a rir com ela, incontrolavelmente, a ponto de

minhas bochechas doerem. O que tornou ainda mais

engraçado foram os olhares estranhos que recebemos de

todos ao nosso redor. Então, quando nos acalmamos,

Kennedy olhou para mim com um sorriso largo, e


colocou as mãos nos quadris fazendo uma pose.

— Como estou?

— Doce, — eu respondi. E fui em sua direção e passei o

dedo por seu lábio inferior, onde o sorvete estava pingando.

Eu fiz isso sem pensar. Meu corpo simplesmente se moveu

para ela como se houvesse uma atração magnética. Eu não

pude me afastar. Meus olhos estavam fixos em sua boca

quando ela lentamente deslizou a língua pelo lábio inferior,

saboreando o sorvete que cobria sua pele.

Eu também queria provar, queria me deliciar com a

doçura em seus lábios.

De alguma forma, eu me aproximei e as mãos sujas de

Kennedy estavam contra o meu peito, descansando sobre o

meu coração bagunçado. Seus olhos estavam em mim, e eu

me perguntava se ela podia sentir isso – a loucura que residia

dentro de mim.

— Jax…

— Sim?

— Você está pensando…?

— Sim. E você está pensando…?

— Uh-huh.

Em segundos, seus lábios estavam nos meus, e

eu a beijei com força, como se estivesse esperando


todos esses anos para redescobrir sua boca na minha. Ela me

puxou pela camisa. E tudo ao nosso redor ficou em silêncio

quando eu comecei a me perder em seu beijo, em seus lábios,

em sua língua, em seus batimentos cardíacos.

Tão doce.

Tão incrívelmente doce. Senti como se estivesse voando,

apesar de meus pés permanecerem no solo.

Foi um beijo feito no céu, e fiquei agradecido por isso,

independentemente dos meus pecados passados. Eu

precisava que Kennedy Lost voltasse para mim. Eu precisava

que ela me encontrasse depois de todo esse tempo. Parte de

mim se sentiu tola por sentir tanto depois de viver uma vida

em que não sentia nada. Talvez tudo isso fosse um sonho,

nada mais do que eu perder a cabeça e cair em uma miragem

de fantasia esperançosa. Mas eu não me importei. Não me

importava se era falso ou real; Eu só sabia que ela era a

primeira coisa na minha vida que me fazia sentir vivo. Eu a

beijei como se o tempo estivesse acabando. Eu a beijei por

nossos dias no passado eu a beijei por amanhã. E então eu a

beijei novamente.

Se ela era um sonho, eu planejava dormir para sempre.


VOLTAMOS para sua casa naquela noite e ela me

convidou para entrar e nos limparmos. Tiramos os sapatos na

entrada e ela me levou ao banheiro. Ligou o chuveiro e tirou a

roupa, deixando o sutiã e a calcinha. Por um segundo, pensei

que estava de volta ao meu sonho do boneco de neve,

enquanto a observava entrar no chuveiro.

— Eu imagino que essa é a melhor maneira de tirar essa

meleca que ficou em nossa pele, — disse enquanto meu pau

se contorcia ao vê-la.

Sim. A qualquer momento, começaria a nevar sobre

nossas cabeças.

Ela me chamou e eu também tirei minhas roupas,

deixando apenas minha cueca boxer. A água correu sobre

nós, e eu não conseguia parar de encará-la. Ela era tão linda

de todas as formas. A maneira como seu sutiã e calcinha

molhados se agarravam à sua pele me fez querer arrancá-los

de seu corpo, mas controlei meus desejos.

Na verdade, apenas ficar perto dela parecia um presente

que eu não merecia.

— Mãos, — disse.

Estendi as minhas em sua direção. E ela esguichou

xampu em minhas mãos e depois adicionou um pouco nas

dela, e começamos a lavar o cabelo um do outro. Quando

o sorvete açucarado derreteu na nossa pele, eu não

queria nada além de empurrá-la contra a parede e


deslizar tão profundamente nela que não teria outra opção a

não ser gritar meu nome.

Invés disso fiquei parado, pegando seus sinais.

Quando terminamos de lavar o xampu do cabelo, ela

inclinou a cabeça para olhar para mim. Seus lábios carnudos

estavam rosados e ela estava sorrindo.

— Basorexia? — Sussurrou.

— Basorexia, — respondi.

Juntamos nossos lábios e ficamos assim a noite toda.


Jax

— VOCÊ ESTÁ FELIZ, — comentou Joy enquanto nos

sentávamos na varanda para o nosso café da manhã. Seria

um dia agitado com os trabalhos de encanamento pela

cidade, então fiquei agradecido por ter alguns momentos com

ela para facilitar o dia.

Também fiquei agradecido por poder acordar com

Kennedy ao meu lado em sua cama. Não tínhamos feito sexo,

mas ficamos acordados até tarde da noite conversando, nos

beijando e beijando. Quando ela adormeceu em meus braços,

eu sabia que nunca seria capaz de deixá-la ir novamente.

Sorri para Joy e assenti. — Estou. — Os olhos dela

lacrimejaram e eu ri. — Não chore Joy.

— São lágrimas felizes, querido, — disse batendo na

minha mão. — Apenas lágrimas felizes. Você é como um neto

que eu nunca fui capaz de ter. Você significa o mundo para

mim, e tudo que eu sempre quis era que você fosse feliz.


— Obrigado, Joy, por sempre estar aqui para mim.

— É isso que a família faz, querido. Ficamos juntos nos

dias bons e ruins.

Mesmo que ela não fosse minha parente de sangue, Joy

Jones tinha sido a minha família nos últimos anos. Depois

que Derek saiu, eu me senti muito sozinho. Se não fosse por

ela, eu nunca poderia ter chegado onde estou. E nunca vou

ser capaz de lhe mostrar gratidão suficiente pela forma que

ela me amou, mesmo quando eu não tinha ideia de como me

amar.

Olhei para a xícara de café em minhas mãos. — Parte de

mim sente que esta boa sensação não me pertence... como se

o universo a colocasse sobre mim e fosse levá-la de volta

quando percebesse que eu não a mereço.

— Se há alguém neste mundo que merece esse bom

sentimento, é você, Jax. Não estrague tudo pensando no que

poderia dar errado. Não o desperdice tentando descobrir os

pormenores do futuro. Esteja presente neste momento da

vida, porque, este momento, é tudo o que temos. Aceite este

conselho dessa velha, a felicidade fica onde você permite que

ela esteja.

O sol brilhou sobre nós quando eu ri para mim mesmo e

balancei minha cabeça. — É uma loucura pensar que estou

me apaixonando por ela?


— A melhor coisa que podemos fazer na vida é sermos

corajosos o bastante para amar. Apaixone-se por ela e nunca

pare – embora eu vá ter um problema se você não vir assistir

The Bachelor comigo. É quando seu amor por Kennedy

começa a cruzar a linha.

Sorri até ver o olhar severo em seu rosto. Os punhais

que Joy estava atirando em mim foram suficientes para me

assustar.

Estava determinado a nunca perder um episódio de The

Bachelor com ela pelo resto da vida. Além disso, era a nossa

tradição. Eu não tinha muitas tradições na minha vida;

portanto, eu ia segurar as que tinha.

DESDE QUE EU peguei Connor para trabalhar, ele estava

sorrindo de orelha a orelha, olhando para mim como se eu

tivesse levado para casa uma medalha de ouro olímpica.

— Por que você fica me encarando assim? — Perguntei.

— Você fez, não fez? — Connor zombou quando

chegamos ao nosso primeiro trabalho no Gary's Café. — Você

colocou seu limão no coco dela, não foi? — Ele

exclamou, apontando um dedo para mim.


— Que diabos você está falando? — Resmunguei,

balançando a cabeça.

— Estou falando de você e Kennedy se desossando!

Percebo pela careta em seu rosto.

Eu levantei uma sobrancelha. — Você pode dizer pela

minha careta que eu dormi com alguém? Isso me parece ao

contrário.

— Pode parecer assim para as pessoas comuns, mas eu

sou treinado em conhecer as caretas de Jax Kilter – e essa é

uma careta feliz! E mais! Você me deixou entrar na sua

caminhonete e colocar na estação de rádio pop. E você odeia

música pop, e juro que estava cantando junto com Taylor

Swift.

— É contagiante, — murmurei.

— Caramba, você acabou de dizer que Taylor Swift é

contagiante! O mundo está terminando oficialmente. Então,

conte-me tudo.

— Eu não estou lhe dizendo nada sobre isso, porque não

há nada a dizer, — eu disse enquanto estacionava o carro e

saía. Fui para a traseira da minha pick-up e peguei meu kit

de ferramentas.

Connor correu para mim com seu telefone celular e o

empurrou na minha cara. — Então o que é isso?


Olhei para a fotografia no celular e estreitei os olhos

antes de arrancá-lo de sua mão. — Como você conseguiu

isso? — Eu estava olhando para uma foto de Kennedy e eu

nos beijando na rua na noite anterior. Que tipo de paparazzi

de baixo orçamento é que tínhamos nesta cidade infernal?

— Começou a circular pela cidade ontem à noite. E

pensar que você disse que nada aconteceu.

— E nada aconteceu, — repeti. Connor me deu um

sorriso de mentiroso, e revirei os olhos. — Nada que eu estou

lhe dizendo, pelo menos.

— Uau, isso é cruel. Eu conto tudo para você, amigo.

— Sim, e eu meio que gostaria que você parasse de fazer

isso, se eu for honesto.

— Tanto faz. Você adora ouvir minhas histórias. Então,

conte-me tudo sobre isso. Foi tudo como você pensou que

seria na sua primeira vez? — ele zombou. Eu estava tão perto

de xingá-lo – exceto que eu não conseguia parar de sorrir

como um idiota. Connor também brincou com a minha

felicidade. — Oh meu Deus, estou tão orgulhoso de você,

campeão. Lembro-me da minha primeira vez como se fosse

ontem.

— Provavelmente porque foi ontem. Além disso, não

dormimos juntos. Nós apenas… nos beijamos.


Ele parou de andar e levantou uma sobrancelha

confuso. — Espere, pausa. Você está feliz por ter beijado uma

garota?

Dei de ombros. — Sim.

Ele balançou a cabeça com decepção. — Esperava mais

de você, Jax. Procure-me quando você for um homem de

verdade.

— Ei, Connor?

— Sim?

— Cala a boca.

— Ok, chefe.

O DIA PASSOU DEVAGAR, mas não tivemos grandes

problemas no trabalho, o que me deixou feliz. Nada poderia

estragar um dia como canos entupidos de merda. Depois que

deixei Connor, fui para casa de repouso de papai para checálo.

Na verdade, eu não estava ansioso para ver Amanda,

porque sabia que, se Connor tinha a fotografia de Kennedy e

eu nos beijando, provavelmente também havia chegado a

ela.


Logo que entrei, os punhais que Amanda atirou em meu

caminho me deixaram plenamente consciente de que eu

estava certo em minha suposição.

— Apenas uma amiga, hein? — Ela zombou, revirando

os olhos enquanto folheava uma revista.

Vou até a recepção e, embora não sentisse que lhe devia

uma explicação sobre Kennedy e eu, sabia que ela merecia.

Amanda nunca foi desagradável enquanto estávamos juntos.

Nós viemos de diferentes origens. Tínhamos crenças

diferentes. Quando ela falou sobre crianças, falou sobre como

queria criar, no que queria que elas se tornassem – médicos,

atletas, políticos.

Não concordo com essa ideia.

Queria ter um filho feliz e com permissão para ser o que

quisesse.

Além disso, quando se tratava de paixão entre Amanda e

eu, faltava. Não me entusiasmava quando sabia que iria vêla.

Não me sentia como se ela fosse a pessoa com quem eu

queria passar uma eternidade. Não via um futuro para nós

dois.

Ela merecia alguém que a olhasse como se ela fosse

todas as estrelas no céu – e, infelizmente, eu não era esse

cara.


— Lamento se ouvir sobre Kennedy e eu te machuca,

Amanda. Você sabe que eu nunca quereria isso para você.

Ela continuou franzindo a testa. — Sim, bem, ainda dói.

Eu fiz uma careta e deslizei minha mão por meu cabelo.

— Escute, considere-se com sorte. Eu sou um idiota. Você

está melhor sem mim.

— Sei disso, Jax. Eu não sou estúpida. É só que… —

Sua voz baixou e ela balançou a cabeça. — Você nunca fez

isso comigo.

— Fiz o que?

— Rimos. Nós nunca rimos juntos.

— Claro que sim, — falei. Não havia como não rirmos

juntos. Nós namoramos por quase dois anos, deve ter havido

algumas risadas.

— Não, nós não fizemos, e você, com certeza, não olhou

para mim do jeito que você olhou para aquela garota. Sinto

muito por te dar a bofetada, ok? É só… era isso que eu

queria. O que você deu a ela é o que eu queria.

— Você vai conseguir isso, Amanda. Há alguém lá fora

que irá te dar tudo o que você merece e muito mais. Você

merece mais do que eu lhe dei.

— Claro que sim. — Ela riu. — Seja como for, boa

sorte.


Agradeci e fui ver meu pai. Quando eu cheguei, ele já

estava na cama. Não seria uma boa visita, e os seus

murmúrios eram sobre como seu filho era um fodido.

— Foo… da... se, — disse ele. — Ja-x foo... di…do, —

continuou repetindo. Eu tentei o meu melhor em ignorá-lo,

mas quando se tornou demais, saí do quarto, puxei uma

cadeira do lado de fora da porta e esperei. Eu esperaria até

ele dormir, então eu leria para ele. Amanda me notou e

franziu a testa, mas fiquei feliz quando ela não se aproximou

de mim. Eu não queria seu conforto. Na realidade, eu queria

que Kennedy estivesse sentada ao meu lado para me dar

aquele choque elétrico.

Quando papai estava dormindo, voltei para o quarto. Ele

parecia cada vez mais fraco, e eu sabia que as coisas estavam

em declínio. Fiz o possível para não pensar nisso e li os

capítulos dessa noite. Estava chegando perto do final do

romance, então comecei a ler mais devagar.

Engraçado como eu poderia ter um dia maravilhoso e

deixar a clínica me sentindo esgotado. Normalmente, depois

das minhas visitas, eu voltava para casa ou para a floresta.

No passado, eu nunca quis ficar sozinho, mas era assim que

eu sentia que tinha que estar. Atualmente, eu não sentia a

mesma solidão, e se eu estivesse sozinho, eu queria ficar

sozinho com ela.

Parei na entrada da garagem de Kennedy e

estacionei o carro indo até sua varanda e toquei a


campainha. Quando ela respondeu, ela já estava de pijama, e

linda como sempre.

— Ei você. — Sorriu. — Como foi a visita com seu pai?

Dei de ombros. — Realmente não quero falar sobre isso.

Eu só estava esperando poder ficar aqui um pouco porque

não queria ir para casa hoje à noite. Minha mente está se

movendo um pouco rápido depois de ver a forma em que ele

estava, então pensei que talvez pudesse ficar aqui por um

tempo.

— Claro, Jax. Nem precisa perguntar.

Antes que eu pudesse entrar em sua casa, ela estava na

varanda me envolvendo em seus braços e, pela primeira vez

na minha vida, percebi que lar não era um lugar, era uma

pessoa. Quando me perdi naquela noite, fugi para Kennedy e,

para minha sorte, ela me deixou entrar.


Jax

Treze anos de idade

GOSTARIA QUE mamãe não estivesse no trabalho.

Gostaria que Derek não estivesse no treino de futebol.

Gostaria de não estar em casa sozinho com meu pai. Eu

odiava ficar em casa sozinho com ele.

— Pelo amor de Deus. Pode parar de tremer? Você vai

assustar essa maldita coisa, — disse papai por trás de mim.

Ele colocou minhas mãos sobre a arma. O cervo ficou na

minha frente de cabeça baixa, comendo alguma coisa, talvez

grama ou um ramo?

O que é que os cervos comem? Frutas? Pomos? Comem

reunidos em família, ou levam comida para casa com eles? Ou

comem sozinhos?

— Mantém o controle, — meu pai sibilou contra minha

orelha. Sua voz áspera me tirou dos meus devaneios. O

animal olhou para cima e hesitou por um momento.


Ele esticou o pescoço e começou a mastigar um galho de uma

árvore.

Galhos! Eles comem galhos!

— Olhe para essa beleza, Jax. É um sólido cervo de

cauda branca.

Meu coração bateu forte no peito, porque o cervo era

uma beleza – então por que eu o mataria? O que esse animal

fez para mim? Nada. Não parecia fazer nada a ninguém. Eu

olhei para o papai e vi como ele parecia orgulhoso. Eu não

conseguia pensar na última vez em que ele pareceu orgulhoso

ao meu redor, e não queria decepcioná-lo.

Papai disse que homens de verdade vão caçar, e eu

queria ser um homem de verdade como ele. Derek estava no

treino de futebol e mamãe estava trabalhando até tarde na

lanchonete, então éramos apenas papai e eu em casa em

nossa floresta. Eu nem tinha certeza de que podíamos caçar

em junho, mas papai me disse que a terra era dele, então é

autorizado a fazer o que quiser, sempre que quisesse.

Meus olhos focaram no cervo. Estava ficando cada vez

mais difícil para eu respirar. Parecia que alguém havia

colocado a mão no meu peito, agarrado meu coração e

garantido apenas me soltar se eu fizesse uma escolha.

Ser um homem ou ser um maricas.


O animal ficou lá, cuidando de sua vida enquanto eu o

perseguia nas sombras feitas pelos arbustos.

— Eu não quero, — sussurrei, com meu tremor

retornando. Não é justo. O cervo não fez nada. Tínhamos

comida em nossa casa. Nós não precisávamos disso. Nós não

estávamos com fome. Eu não estava com fome... — Por favor,

não, — disse suavemente, talvez mais para mim mesmo, ou

talvez para Deus.

— Vamos. Derek matou três sozinho no ano passado. Se

você não fizer isso, pode ter certeza de que não vai acampar

no final desta semana. Não seja um merdinha, — disse papai,

ameaçando-me com a única coisa que ele sabia que me

machucaria. Não queria perder o acampamento com

Kennedy. Estava esperando o ano todo por isso.

Quando o cervo olhou de volta para o chão para

encontrar mais galhos, abaixei minha arma. Não sabia se

meu pai viu, mas logo atrás do rabo havia um cervo bebê.

Seus olhos de corça estavam arregalados e ela parecia

assustada. Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu não

posso fazer isso.

— Porra, Jax, — papai disse antes de se abaixar no chão

com sua arma duas vezes maior que a minha, se não três

vezes maior. Ele se concentrou no cervo. Senti meu estômago

revirar e um gosto desagradável de vômito se instalou na

minha garganta. E fiz o meu melhor para empurrá-lo

de volta, engolindo em seco. Eu levantei e quase


perdi o equilíbrio com o movimento rápido. Meus olhos

travaram com o filhote de cervo que parecia invisível para

meu pai. Balancei minha cabeça para frente e para trás.

Não posso!

Eu não posso deixar isso acontecer!

Não posso deixar o cervo morrer!

Em pânico, comecei a balançar os braços e a gritar. —

Não! Corre! Fuja! Gritei, do fundo da minha garganta tensa e

dolorida. O cervo parecia alarmado e começou a se mover.Eu

pulei para cima e para baixo, tentando sinalizá-lo para correr

e nunca olhar para trás, mas era tarde demais. A arma do

meu pai disparou e o cervo só conseguiu chegar a alguns

metros antes de cair no chão.

Meus olhos se moveram para onde o cervo bebê estava

parado alguns metros atrás. Agora ela tinha ido embora.

— Que diabos, garoto? — Papai gritou comigo. Ele se

levantou e me deu um tapa na parte de trás da minha

cabeça. — Arrume suas coisas e espere aqui. — Eu o ouvi

murmurar baixinho para mim.

Ele caminhou em direção ao cervo.

O cervo morto.

O cervo morto que papai matou.


Inclinei-me e comecei a vomitar meu café da manhã e

almoço, e provavelmente um pouco do jantar da noite

passada. Eu odiava isso. Eu odiava caçar. Eu odiava o cervo

por ser estúpido e não correr rápido o suficiente. Eu odiava

Derek por ser melhor que eu. Eu odiava mamãe por não estar

em casa quando papai me arrastou para a floresta. Eu odiava

papai por não gostar de mim do jeito que eu era. Eu me

odiava por decepcioná-lo.

Talvez eu me odiasse um pouco mais do que qualquer

outra coisa.

— VOCÊ NÃO DEVERIA TER FEITO ele fazer isso, — mamãe

o repreendeu mais tarde em casa enquanto eu envolvia meus

braços em volta de mim do topo da escada. Ela e papai

estavam na sala andando de um lado para o outro. Eles

estavam brigando por mim pela última hora. Mamãe chegou

em casa e me encontrou chorando no meu travesseiro, e me

abraçou com força, dizendo que tudo ficaria bem.

— É uma pena que ele seja assim! Seu irmão matou seu

primeiro cervo quando ele era muito mais novo que Jax!

— Mas ele não é Derek, — ela falou. — Jax é

diferente. Ele é sensível.


— Ele é um maricas.

— Não fale assim do meu filho, — ela ordenou com uma

voz muito severa.

— Oh, então agora ele é seu filho? — Papai atirou de

volta.

— Ele é quando você o trata assim. — A voz da mãe

falhou e ela cruzou os braços, olhando para o tapete. — Você

sabe o que eu quero dizer, Cole.

— Não, acho que não. — Ele beliscou a ponta do nariz.

— É engraçado, Derek nem sequer é meu filho de sangue,

mas parece mais meu do que o meu próprio filho.

— Não diga coisas assim. Além disso, é diferente. Derek

é muito mais velho que Jax. Essa não é uma comparação

justa.

Papai resmungou algo que eu não pude ouvir, em

seguida, passou as mãos pelos cabelos. — A menos que você

queira deixar ele mais maricas do que ele já é, deixe-me lidar

com a criação do menino para ser um menino. Ele é um

mariquinhas porque você continua o mimando, Elizabeth.

Isto é obra tua.

— Não vou fazer isso. Não vou ouvir você falar mal de

Jax, porque ele não tem os mesmos hobbies que você.


— A cabeça dele está sempre num livro! Ele chora por

causa da merda de uma pescaria porque pensa que o peixe

está sofrendo! Porra, ele chorou durante o Rei Leão na

semana passada porque o Mufasa morreu porra! Os rapazes

não choram por causa do Rei Leão. Ele é um merdinha fraco,

e você tem sorte de eu estar aqui para fazer dele um homem.

— Não precisa fazer dele um homem. Ele é perfeito do

jeito que é.

— Não. Ele é fraco. Você está enfraquecendo ele. Apenas

observe – veja ele nunca conseguir nada por causa de sua

mãe. Você está arruinando o garoto.

Eles continuaram brigando, e eu me senti mal por isso.

Um nó se instalou no meu estômago. Voltei para o meu

quarto e chorei mais no meu travesseiro.

— Pare de chorar, perdedor, — eu falei para mim

mesmo. — Seja um homem.

Mamãe e papai brigaram mais e mais por mim. Eles

nunca brigaram pelo meu irmão mais velho, talvez porque ele

fosse mais parecido com meu pai. Talvez fosse porque ele era

bom em esportes, talvez porque ele era forte.

Forte.

Eu queria ser forte. Eu precisava ser forte.


— VOCÊ ESTÁ BEM, QUERIDO? — Mamãe perguntou,

olhando para o meu quarto. Já era hora de dormir, mas eu

não conseguia dormir. Minha cabeça e coração doíam demais

para dormir naquela noite.

— Ele me odeia, — sussurrei.

Mamãe se aproximou e se arrastou na cama ao meu

lado. Ela colocou os braços em volta do meu corpo e me

segurou perto dela. — Seu pai não te odeia, Jax. Ele é

apenas… — Respirou fundo. — Ele foi criado de maneira

diferente, só isso. Ele acha que certas coisas fazem da pessoa

um homem, mas ele está errado.

— Eu não sou um homem.

— Você está certo, você não é. — Ela se inclinou para

frente e beijou meu nariz. — Você é um garoto bonito que

está apenas aprendendo sobre si mesmo, só isso.

— Mas eu quero ser forte como papai e Derek. Quero ser

melhor do que sou.

— Forte? Jax Kilter, você é o garoto mais forte que eu

conheço, — ela garantiu, colocando o nariz no meu. — Você

sabe o que faz você forte?

— O quê?


— Seus batimentos cardíacos. A maneira como você

ama os animais e não quer que nada de ruim aconteça com

eles. Do jeito que você diz, por favor, e obrigado. A maneira

como você mantém as portas abertas para as pessoas. A

maneira como você ri alto ao ler um livro engraçado e relê as

partes em voz alta para que eu possa rir também. A maneira

como você compartilha suas piadas favoritas comigo. A forma

como você ama sua mãe. — Ela sorriu. — Você pode ser o

garoto mais forte que eu já conheci, e um dia você também

será um homem forte. Não deixe seu pai chegar até você.

Você não é menos homem só porque não é como ele ou seu

irmão.

Eu queria acreditar nela, mas era difícil.

— Você sabe que você é meu melhor amigo, Jax? — Ela

perguntou.

Eu sabia. Achei que ela só disse por que precisava dizer,

mas ela também era a minha melhor amiga.

Mamãe era minha única amiga, além de Kennedy. Ela

estava sempre cuidando de mim, mesmo quando eu sabia

que ela não estava. Não importava o quê, mamãe estaria

sempre lá por mim.

— Eu te amo, mamãe.

— Eu também te amo, Jax. Posso te perguntar uma

coisa?


— Sim.

— O que você pensaria se você, Derek e eu tivéssemos

nossa própria casa?

Meus olhos se arregalaram. — Sem papai lá?

Ela franziu o cenho e acenou com a cabeça. E vi

lágrimas enchendo seus olhos. — Sim. Eu acho que seria

bom para nós. Estarei começando meu negócio de paisagismo

em breve, e você pode ser meu braço direito para me ajudar.

Podemos começar uma nova vida sem seu pai. Claro, ele

sempre estaria em sua vida, Jax, mas teríamos nossa própria

casa para ficar.

— Você está deixando o Cole?

Eu olhei para cima e vi Derek parado na porta com

pânico nos olhos.

Mamãe se levantou da cama e foi até ele. — Derek, nada

foi decidido ainda e...

— Você não pode deixá-lo! Você não pode fazer isso. Eu

já perdi um pai, e você não pode me obrigar a passar por isso

novamente. Eu não vou. Eu vou ficar aqui com Cole.

— Acalme-se, Derek. Nada foi decidido.

— É por causa dele, não é? — Ele perguntou,

gesticulando em minha direção. — É porque ele é uma

aberração. Eu sei que é por isso que você e Cole


brigam o tempo todo.

— Derek! — Mamãe sibilou. — Não se atreva a falar

sobre seu irmão assim!

— Por que não? Você sabe que é verdade. Você o trata

como se ele não fosse um esquisito. Cole está certo, ele é uma

putinha.

Mamãe agarrou Derek pelo braço, não com força, mas

com firmeza. — Peça desculpas ao seu irmão agora.

— Por quê? Só estou dizendo a verdade.

— Derek, — ela repreendeu, mas ele não desistiu.

Mamãe soltou o braço dele e apontou para a porta. — Vá

para o seu quarto e não pense por um segundo em treinar

futebol pelo resto da semana. Está de castigo.

— O que? De jeito nenhum! Temos um jogo na sextafeira

e, se eu não treinar, não posso jogar. — Ele gemeu

quando seu rosto ficou vermelho de raiva.

— Você deveria ter pensado nisso antes de falar sobre

seu irmão dessa maneira.

— Isto é uma merda, — ele murmurou, afastando-se

irritado.

— Agora são duas semanas! — Mamãe gritou. Logo

depois disso, e a porta do quarto de Derek bateu.


Mamãe suspirou e beliscou a ponta do nariz.

— Ele está certo, — eu disse. — É tudo por minha

causa.

Mamãe se aproximou de mim, inclinou-se para ficarmos

cara a cara e colocou as mãos nas minhas bochechas. —

Jaxson Eli Kilter, nada disso – e eu quero dizer nada – tem

algo a ver com você. Seu pai e seu irmão estão errados. Você

é perfeito do jeito que é. Agora descanse um pouco. — Ela

beijou minha testa e ajeitou o cobertor em mim. Afastou-se e

estava prestes a apagar a luz, mas eu gritei.

— Deixa ligado? — Eu perguntei, me sentindo idiota por

ainda ter medo do escuro.

— Luz noturna, — disse ela, apontando para a parede.

— Lembra? Nunca fica escuro com a sua luz noturna.

Assenti lentamente. — Mas a porta pode ficar aberta? —

Perguntei.

— Ok baby, — ela prometeu. E apagou a luz.

Tentei o meu melhor para me lembrar do que mamãe

tinha me dito, mas era difícil. Papai não falava comigo há

dias, desde que me recusei a atirar no cervo. A última coisa

que ele tinha me falado era que eu era um maricas antes de

deixar de falar comigo.

Sempre que eu entrava numa sala, papai saía.

Sempre que eu dizia olá, a boca dele ficava fechada.


Sempre que eu fazia alguma coisa, ele me fazia sentir

invisível.

Invisível.

Eu sou invisível.


Kennedy

Presente

— VOCÊ quer ir a uma aventura hoje? — Jax perguntou

enquanto estávamos deitados na cama juntos. Na noite

anterior, quando ele veio à minha casa, eu poderia dizer que

sua energia não foi poupada na visita a seu pai. Ele não

queria falar sobre isso, então eu não insisti. Deixamos as

coisas assim e quando fomos para a cama, ele parecia mais

calmo do que quando tinha chegado. Eu estava agradecida

por isso. Faria qualquer coisa para acalmar a sua mente

perturbada.

— Estou sempre em busca de uma aventura, —

respondi, me movendo na cama. Como chegamos aqui tão

rápido? Um dia, estávamos reconstruindo uma amizade, e no

outro ele estava deitado sem camisa na minha cama. Achei

que poderíamos dizer que nossa amizade tinha evoluído com

o tempo.


Gostei mais desta versão de nós – a versão adulta e

imperfeita de nossa história.

— O que você tem em mente? — Eu perguntei.

— Vi que você tem a sala escondida da biblioteca na sua

lista de coisas para ver. Agora, honestamente, isso parece

uma lenda urbana. Tenho noventa e nove por cento de

certeza de que não existe.

— E tenho um por cento, de chance de ser verdade, —

eu disse, esfregando as mãos.

— Então vamos lá. Vou tomar banho, e depois vou

tomar meu café com Joy. Tenho alguns trabalhos com

Connor, mas depois disso, estou livre. Podemos ir até a

biblioteca por volta das cinco da tarde, se você quiser?

— Parece bom para mim.

Antes de sair, ele me deu um beijo de despedida e as

borboletas que me atingiram quase me jogaram para trás.

Estava preparada para enfrentar uma onda de felicidade pelo

resto do dia – então meu telefone começou a tocar e o nome

de Penn apareceu na tela.

Ele não tinha me ligado desde que eu saí. Não tinha dito

uma palavra para mim, exceto pelas poucas mensagens de

texto que diziam que ele sentia minha falta. Agora estava me

ligando e eu não sabia o que fazer, então deixei ir para o

correio de voz.


Quando começou a tocar novamente, meu estômago deu

um nó e eu engoli em seco, atendendo apenas no caso de algo

errado estar acontecendo.

— Alô? — Eu disse.

— Kennedy, oi. Como você está? — Ele perguntou. Ele

parecia calmo como sempre, o que era preocupante após a

forma como ele lidou com o fim do nosso casamento.

— Como eu estou? — Eu perguntei confusa. — O que

você quer, Penn?

— Acho que mereço esse tom depois da forma como lidei

com as coisas entre nós. Poderia ter lidado com tudo um

pouco melhor.

Bufei. — Nem me fala. Por que você está ligando?

— Para dizer para você voltar para casa agora. Faz

algumas semanas, e eu poderia realmente precisar de você

aqui, Kennedy. Tenho saudades suas. As pessoas estão

perguntando por você. Estão reparando que não está por

perto.

— Não era isso que você queria? Você não queria que eu

parasse de fazer escândalos na frente das pessoas?

— Você estava de luto… e eu percebo isso. Quero dizer,

raios, eu também estava de luto, e não lidei bem com

nada muito bem. Tenho pensado em ir a terapia, para

resolver meus problemas com a raiva… para ajudar a


resolver o nosso casamento.

— Nós não temos um casamento, Penn. Você me

expulsou. Você jogou dinheiro para mim como se eu fosse

uma prostituta patética. Você disse que desejava que eu

tivesse feito um aborto. Não quero mais nada com você.

— Baby, — disse ele, fungando. Ele está chorando?

Sério? Eu não tinha ouvido Penn chorar uma única lágrima

desde o acidente. — Preciso de você. Lembra-se do jantar que

fomos na noite em que tudo deu errado? Lembra-se daquela

senhora mais velha, Laura Smith?

Aquela que me disse para fugir? Sim, eu me lembro

dela. — O que tem ela?

— Bem, ela está querendo comprar uma grande

propriedade, e quero dizer realmente grande, Kennedy – o

tipo de dinheiro que mudaria nossas vidas para sempre.

— Você quer dizer sua vida, Penn. Isso mudaria sua

vida.

Ele ficou quieto por um momento. — Sim, quero dizer…

é uma oportunidade incrível.

Ele me ligou para se gabar? Para me dizer o quão

maravilhosamente as coisas estavam indo para ele? Porque

eu não estava interessada em ouvi-lo, isso era certo.


— Bom para você. Escute, se você não tem mais nada a

dizer…

— Ela não quer meu trabalho sem você, — ele

interrompeu.

— O quê?

— Ela disse que a única maneira de fazer negócios

comigo é se ela puder jantar fora com você.

Eu ri alto. — Você está brincando?

— Não. Essas são suas orientações. Não sei por quê.

Não entendo por que ela gostaria de se encontrar com você.

Você não parece importante o suficiente para qualquer coisa

que ela possa precisar.

E aí estava.

Um dos insultos marca registrada de Penn, que mais

tarde ele me chamaria de temperamental demais por ficar

ofendida.

— Adeus Penn.

— Espera, Kennedy, caramba! — Ele gemeu no telefone.

— Por que você tem que ser tão difícil o tempo todo? Eu não

fui nada além de um santo maldito para você depois que você

matou minha garotinha, e é assim que você me paga? Isto é…

Eu desliguei.


Suas palavras enviaram calafrios na minha espinha

quando meu telefone escorregou da minha mão e bateu no

chão.

Você matou minha garotinha.

Essa faca cavou fundo no meu âmago e torceu dentro de

mim. Ele não tinha me ligado porque sentia minha falta. Ele

ligou porque precisava de mim. Ele ligou porque, sem mim,

ele perderia um enorme lucro. Não tinha nada a ver com o

amor dele por mim. Ele realmente não queria que eu voltasse

para casa para ele. Ele queria me usar e depois me jogar fora

como uma velha boneca de pano.

Uma parte estúpida de mim quase acreditou em suas

palavras. Terapia? Ok, certo. No momento em que mencionei

a Penn que estava pensando em fazer terapia após o acidente,

ele me disse que era uma perda de tempo. Ele disse que os

terapeutas eram fajutos que não ajudavam as pessoas a

melhorar, apenas roubavam seu dinheiro, e agora ele estaria

fazendo terapia? Para resolver seus problemas?

Palavras, era tudo o que ele estava me dando. Palavras

vazias e sem sentido para tentar me puxar de volta à sua teia

de destruição. Na verdade, eu estava cansada de tudo. Estava

cansada dele me menosprezando, cansada dele me

magoando.

Uma parte de mim achava que Laura tinha dito

isso a Penn para servir como carma. Ela sabia que eu


iria embora e que, portanto, ele não tinha como conseguir

uma comissão dela. Parecia um momento de ‘poder feminino’

e eu desejava poder abraçá-la por isso.

Meu telefone começou a tocar novamente, e o nome de

Penn apareceu na tela.

Eu peguei e bloqueei seu número.

Não tinha mais nada a dizer ao homem que me fez sentir

tão pequena durante os dias mais difíceis da minha vida.

Laura estava certa – não é assim que um marido deve tratar

sua esposa.

Nunca permitiria que um homem me tratasse dessa

maneira novamente.

— SINTO SUA FALTA e quero voltar logo para casa, —

disse Yoana, apenas alguns segundos depois de eu ligar para

ela. Já haviam se passado alguns dias desde nossa última

conversa porque ela e Nathan estavam viajando pela América

do Sul sem muita recepção de celular. Eu dei a ela uma

rápida atualização sobre a vida em Havenbarrow, a magia

que era a lua azul, e todos os detalhes sobre Jax Kilter,

junto com o telefonema de Penn.


— Eu também sinto sua falta, mas você voltará em mais

ou menos um mês, e então poderemos nos encontrar.

— Com o teu novo namorado, corta, o antigo melhor

namorado, — ela gritou, fazendo-me rir.

— Ele não é meu namorado. Ele é apenas um garoto que

é meu amigo, — falei, parecendo tanto como quando éramos

crianças e Yoana zombava da minha conexão com Jax. —

Além disso, eu ainda sou legalmente casada com Penn.

— Ele que se lixe, o idiota. Não acredito que ele tentou te

arrastar de volta para a vida dele para fazer um negócio.

Tenho um milhão por cento de certeza que ele estava

planejando te chutar para o meio-fio no momento em que

recebesse seu dinheiro. Ele é um perdedor que não te merece,

mas parece que esse tal Jax merece. Então vamos falar mais

sobre ele.

Só de pensar em Jax minhas bochechas incendiaram.

Ele era tão gentil comigo e amável. Ouviu minhas esperanças

e sonhos, me permitiu falar sobre Daisy e, quando eu chorei,

não me chamou de emotiva. E não disse que era demais.

Ele me ouviu, me consolou e enxugou minhas lágrimas.

Mesmo antes de Daisy falecer, Penn sempre minou

minhas emoções. Jax permitiu que elas voassem e nunca

pareceu entediado por qualquer coisa que eu sentisse.


Isso era libertador para mim. Quando alguém permite que

você seja totalmente quem você é, você deve a ele todo o seu

amor.

— Ele é realmente maravilhoso, Yoana. Sofreu um

trauma quando era mais novo, então é bom conversar com

alguém que entende como é carregar a culpa de um acidente.

Ela ficou quieta por um segundo, e eu sabia que estava

pensando em algo importante.

— O que foi? — Perguntei.

— Nada.

— Yoana, eu te conheço da mesma maneira que você me

conhece, de dentro para fora. Então qual é o problema?

— Eu só quero ter certeza de que Jax está inteiro, sabe?

Não quero que você se apaixone por alguém que também está

quebrado.

Também está quebrado.

Ela achava que eu estava quebrada, não sabia o que

dizer sobre isso.

— Você realmente acha que estou quebrada? — Eu

perguntei, com minha voz trêmula com um poço de nervos

dentro de mim.

— Não, não! Não é isso, Kenny. Só quero dizer que

você já passou por muita coisa. Não quero que sinta


que precisa ser atraído por outra pessoa que tenha bagagem.

Quanto mais ela falava sobre isso, mais ela me deixava

desconfortável. Então suspirou. — Isso não está saindo bem.

— Não, não está. Também é estranho ver como

segundos atrás, você estava bem com a ideia de chamar Jax

de meu namorado.

— Isso foi antes que eu soubesse que ele passou por um

grande trauma. Olha, eu não estou tentando empacar sua

felicidade. Se alguém neste mundo merece, é você. Só estou

sendo uma irmã mais velha, só isso. É meu trabalho proteger

você. Tudo o que estou dizendo é para ter cuidado com seu

coração. Já passou por muita coisa e não quero que você se

machuque novamente.

Assim como na minha ligação anterior com Penn, eu

estava ficando com um gosto desagradável na boca. Aqui

estava eu, finalmente encontrando meu norte depois de tanta

luta, e agora minha irmã estava me dizendo para diminuir

minha velocidade em direção à felicidade.

Não queria ouvir isso.

— Eu ouvi você, Yoana. Ouvi. Acho que vou dar um

passeio para clarear um pouco a cabeça. Hoje o dia está

pesado.

— Eu sinto muito. Não pretendia adicionar mais

estresse, juro.


— Está bem. Você me ama e está apenas cuidando dos

meus melhores interesses, e eu entendo. Faria o mesmo por

você também. Falamo-nos em breve. Continue aproveitando

sua viagem!

— Vou fazer. Eu te amo.

— Amo você também.

Depois que desliguei, coloquei um tênis, e fui para a

floresta e me lembrei de como respirar enquanto tentava

parar de pensar demais nas palavras de Yoana. E se ela

estivesse certa? E se por me apaixonar por Jax tão

rapidamente eu estivesse me preparando para mais uma

armadilha? Eu me apaixonei por Penn rapidamente. Tudo

sobre nós tinha sido um turbilhão, e a ideia de passar por

esse tipo de dor novamente parecia demais.

E se Jax me machucasse? Ficou claro que até seu

terapeuta, Eddie, estava preocupado com seu bem-estar, em

como ele estava lidando com a saúde de seu pai. E se quando

ele falecesse, Jax estourasse? E se ele me afastasse? E se eu

precisasse dele e ele não fosse capaz de me pegar antes de eu

cair?

Estava sendo ingênua em pensar que nosso

relacionamento estava a caminho de um mundo de felicidade

para sempre? Quer dizer, diabos, nós nem estávamos

oficialmente em um relacionamento.


Sentei-me do lado de fora e ouvi os pássaros por

algumas horas, esperando que eles me dessem algumas

respostas, rezando para que compartilhassem alguns

segredos de cura comigo.


Kennedy

— VOCÊ TEM AS CHAVES DA BIBLIOTECA? — Eu perguntei a

Jax quando ele pegou um chaveiro na mão. Ficamos no

primeiro degrau para entrar no que parecia ser uma

biblioteca muito fechada. A placa dizia alto e claro que o

horário de funcionamento era das nove às cinco. Certamente

Jax sabia desse fato.

— Tenho hoje à noite, — ele disse, encontrando a chave

certa e destrancando a porta à nossa frente. Quando ele

abriu, eu fiquei parada.

— O que acontece agora? — Eu perguntei. — Estamos

simplesmente invadindo?

Ele riu com aquela risada profunda e viril que eu amava

dele. — Não. O cara que dirige a biblioteca, Hunter, me

autorizou a passar a noite.

— Você alugou a biblioteca? Está me dizendo que há

uma maneira de alugar bibliotecas, porque eu gostaria

de me inscrever diariamente.


— Não, normalmente não, mas Hunter me devia um

favor.

— Que tipo de favor merece você alugar a biblioteca

inteira?

Ele torceu o nariz e coçou a nuca. — Estava

trabalhando no encanamento da casa dele há um tempo, e

encontrei uma calcinha de renda enfiada profundamente no

ralo do vaso sanitário.

— Ok? — Perguntei, não entendendo a história

estranha.

— Uma calcinha de tamanho grande demais, e vamos

apenas dizer que sua esposa é mignon, e não era a

proprietária dela. Além disso, ela viajou a negócios na

semana anterior à questão da calcinha.

— Oh, que cachorro!

— Sim, mas ele me implorou para não contar, não que

eu fosse. A vida das outras pessoas não é da minha conta.

Enquanto o cheque dele estivesse limpo, eu estaria bem.

Hoje, quando lhe pedi as chaves para a biblioteca para vir à

noite, ele disse que não. Eu disse calcinha de renda e ele a

entregou.

Eu ri. — Você chantageou ele com uma calcinha?

— Claro que sim.


Estremeci com o pensamento de Jax ter que lidar com a

calcinha de uma estranha. — Aposto que você vê muitas

coisas estranhas no seu trabalho.

— Nem me fale de bolinhas anais.

Meus olhos arregalaram. — O que?!

Ele riu para si mesmo e balançou a cabeça. — Deixa pra

lá. Vamos.

Entramos na biblioteca e, em um instante, eu estava no

céu. Jax trancou a porta atrás de nós para que ninguém mais

pudesse entrar. Se eu tivesse que ser trancada em algum

lugar, rezei para que fosse numa biblioteca. Nunca ficaria

sem aventuras.

— Imaginei que seria mais fácil procurar a sala

escondida da biblioteca se mais ninguém estivesse aqui. Além

disso, agora podemos ser selvagens e ignorar as regras de não

falar.

— Você não está muito rebelde?

— O que posso dizer? Rebelde até os ossos.

Isso é tão emocionante para mim, e eu adorei que Jax

tenha se esforçado para tornar o que algumas pessoas

pensariam ser uma noite chata ainda mais especial. Na

recepção, havia uma cesta cheia de salgadinhos e duas

taças de vinho.


— Joy nos enviou uma garrafa de vinho branco. Ela

disse que você realmente gostou desse tipo. Além disso, tentei

fazer uma torta de frango, que é um milhão de vezes mais

fácil de dizer do que fazer. E Joy também me ajudou com

isso.

Meus olhos se arregalaram. — Essa é minha comida

preferida. —

— Sim, eu sei – pelo menos eu sabia que era. Estava

relendo suas cartas antigas e...

— Você ainda tem nossas cartas?

Ele ficou tímido, envergonhado, cruzou os braços e deu

de ombros. — Sim. Eu sei que isso é provavelmente estúpido,

mas elas significaram muito para mim. Quando eu era mais

jovem, em alguns dos meus dias mais difíceis, voltava e lia

essas cartas. Elas me fizeram passar por coisas pesadas.

Sem pensar, passei meus braços em volta dele e o puxei

para dentro do meu corpo. Eu precisava senti-lo contra mim,

para me lembrar de que isso era real, que éramos reais. Eu

sabia com o que Yoana estava preocupada e a amava por sua

preocupação, mas Jax era o único projetado para mim. Ele

não era o vilão do meu conto de fadas; era o herói quebrado,

aquele que não iria me salvar, mas salvar-se a si mesmo, e

ele estava fazendo isso. Dia após dia, ele se esforçava para

melhorar, o que era tão inspirador para mim, e ele me

fez querer fazer o mesmo por mim mesma. Eu não


queria que Jax me curasse – isso era meu trabalho. Mesmo

assim, eu queria ser inspirada por seu crescimento para ver

que eu também poderia crescer, poderia me curar, poderia

sair da minha situação atual e encontrar a felicidade do outro

lado.

— Você me faz querer melhorar, — sussurrei enquanto

seus braços fortes me seguravam.

Ele deu um beijo na minha testa. — Você está me

deixando melhor, — respondeu.

Decidimos jantar e beber todo o vinho antes de começar

a examinar a biblioteca. Havia tantos livros para tentar puxar

para destrancar a passagem secreta da sala escondida, e

havia uma boa chance de ficarmos lá a noite toda.

Eu não me importei nem um pouco. Ficar trancada na

biblioteca com Jax Kilter, poderia ter pensado em maneiras

piores de passar a noite.

Inventamos um jogo em que íamos a diferentes direções

da biblioteca e pegávamos livros aleatórios para lermos

trechos. Qualquer outra pessoa no mundo poderia pensar

que éramos nerds por isso, mas honestamente, foi à noite

mais divertida que eu já tive em muito tempo. Ter um homem

grande, forte – e um pouco embriagado – lendo trechos de A

Odisseia era muito mais excitante do que se poderia

pensar.


A maneira como as palavras rolavam na língua de Jax

enviava calafrios na minha espinha. Poderia ouvi-lo ler para

mim pelo resto da minha vida, e ainda assim não teria o

bastante de suas palavras.

— Puxe um livro e vire para a página noventa e quatro.

Leia o quarto parágrafo, — ele ordenou para a décima sexta

rodada do jogo.

Peguei um romance intitulado Midnight Mansion de

Graham Russell, o grande autor de horror, e comecei a ler.

'Suas mãos estavam encharcadas de gasolina e seu hálito

estava coberto por uísque envelhecido que não queimava mais.

Ele estava bebendo há dias, mas, ainda assim, pareciam

apenas algumas horas. A solidão das semanas passadas

passou enquanto ele vasculhava as fotografias antigas da

mulher que amava e que agora era uma assassina

identificada. Ele se perguntava como poderia ter amado

alguém tão sombrio, mas a percepção se instalou no fato de

que as pessoas mais sombrias eram as mais divertidas de se

apaixonar. Ele ansiava por desapontamento, e Leslie sempre

lhe deu isso’.

Poxa.

Senti falta de escrever. Sempre que leio palavras fortes,

eu queria voltar a usá-las.

— Minha vez, — disse Jax do outro lado.


— Ok, puxe um livro, página cento e quatro, parágrafo

cinco.

Ele pigarreou e começou a ler. ´Iris, não solte’, Harry

implorou, vestindo sua camiseta esfarrapada. ‘se você for

agora, eu ficarei aqui sozinho. Não sei como voltar para a

cidade. Não sei quando ou para onde devo ir. Não sei respirar,

a menos que você esteja me guiando. Este lugar está cheio de

guerra, e você é minha paz. Então, por favor, não me deixe ir.

Meu coração pulou na minha garganta, e me virei para a

esquerda para ver Jax parado ali com um livro na mão, e não

apenas um livro. Meu livro.

— Onde você conseguiu isso? — Perguntei.

— Estava nas prateleiras.

Balancei minha cabeça. — Duvido que esteja aí.

— Eu poderia ter colocado lá, — respondeu. E caminhou

até mim e pegou minha mão na dele. — Você é uma autora

incrível, Kennedy.

Sorri. — Você não pode afirmar isso em um parágrafo.

eles.

— Eu sei, — ele concordou. — É por isso que eu li todos

— Você… — Eu respirei lentamente. — Você leu meu

livro?


— Sim. É poderoso e comovente, como você. É poderosa

e comovente.

— Jax... — Antes que eu pudesse terminar meu

pensamento, Jax se moveu para a parede a algumas

prateleiras de mim, pegou certo romance e eis que a sala

escondida se abriu. Estava cheio de mais prateleiras de

livros, havia um belo sofá e uma poltrona enorme. Poderia

passar o resto da minha vida nessa sala e ficaria bem.

Eu ri. — Você sabia onde estava isso o tempo todo?

— Culpado da acusação.

Queria bater no braço dele, mas mais do que isso, eu

queria beijá-lo. Eu queria puxá-lo para o recanto lindamente

escondido, cair em seu corpo e beijá-lo com força e por muito

tempo. Enquanto olhava para a sala, comecei a me virar para

falar com Jax, e ele estava ali. Estava na minha frente,

olhando para mim como se eu fosse algo que ele queria

arrebatar antes do final da noite.

— Se está tudo bem com você, acho que terminei de ler

por esta noite, — sussurrei enquanto arrastava um dedo em

seu peito.

— Você quer ir embora? — Ele perguntou encarando

meus lábios. Quando ele olhou para mim, seus olhos estavam

dilatados, e o desejo que eu estava sentindo era

completamente visto dentro dele.


— Não, — eu disse expirando.

Ele se aproximou e descansou a testa na minha. — Você

quer entrar no recanto comigo, Sun?

— Sim.

— Você quer me beijar dentro do recanto, Sun?

— Sim. — Sim, sim, sim…

— Você quer tirar nossas roupas lá dentro, Sun? —

Disse suavemente contra meus lábios antes de chupar meu

lábio inferior.

— Por favor, Jax, — implorei, gemendo em sua boca

quando o desejo tomou conta de mim. Ele me levantou e me

carregou para a sala. E me prendeu contra uma estante de

livros, me beijando como se estivesse esperando a noite toda

por isso. Minhas pernas estavam enroladas em sua cintura

quando senti seu desejo contra mim. A boca percorreu meu

pescoço, e eu gemi quando coloquei minhas mãos nas

prateleiras ao meu lado para me equilibrar. Os gemidos de

Jax contra a minha pele enviaram uma poça de calor ao meu

núcleo e comecei a moer meus quadris contra seu jeans.

Eventualmente, ele me colocou no chão e começou a se

despir até ficar com suas boxers. Comecei a fazer o mesmo,

tirando minhas roupas. E ele se aproximou de mim, com seus

olhos fixos na minha calcinha vermelha, e passou os

dentes ao longo do lábio inferior. — Linda pra caralho,


— murmurou.

E prendeu os dedos na borda da renda e a puxou para

baixo antes de me levar em direção à enorme poltrona. —

Sente-se, — ordenou, e nossa, eu gostei disso. Gostei dos

comandos dele.

Sentei, e ele se abaixou no chão a minha frente. Ele se

ajoelhou diante de mim e me olhou como se eu fosse uma

rainha e ele estivesse lá se curvando. Abriu minhas pernas, e

o desejo que eu tinha por ele naquela noite disparou para o

teto. Eu queria que ele me provasse, me lambesse, me

provocasse, e ele fez exatamente isso.

Quando se aproximou do meu núcleo, começou a beijar

e lamber e foder minhas coxas com a boca. A antecipação

estava me matando quando eu coloquei minhas mãos nos

braços da poltrona e enfiei minhas unhas no tecido.

Foi quando Jax chegou ao meu núcleo, e sua língua

molhada me chicoteou, me lambendo de cima a baixo

enquanto eu gemia de prazer.

— Você tem um gosto tão bom, Kennedy… você tem o

gosto de tudo que eu sempre quis, — declarou. E colocou as

mãos sob as bochechas da minha bunda, levantando-me por

meus quadris para que pudesse conduzir sua língua mais

profundamente em mim. Ele não estava apenas me fodendo


ao ponto do orgasmo; ele estava fazendo amor com minhas

carências, também. Ele estava focado e dedicado a mim.

Jax levantou uma das minhas pernas em cima do

ombro e continuou. Sua língua chupou meu clitóris antes de

deslizar dois dedos profundamente dentro de mim. Enquanto

sua língua se movia, seus dedos dançavam, me aproximando

cada vez mais do clímax.

— Sim, por favor, — implorei, — Continue… isso… Jax,

eu vou… — Não conseguia, não sabia que poderia ser tão

bom. Eu não sabia que um homem poderia arrebatar uma

mulher como se ela fosse sua rainha e seu único objetivo era

agradá-la de todas as maneiras possíveis.

Não conseguia parar o tremor que tomou conta de todo

o meu corpo. Quando ele me tocou e fez amor comigo com

sua língua, não consegui parar o feroz orgasmo que inundou

todo o meu corpo.

— Eu amo isso, Sun. — Ele gemeu de prazer, ainda me

lambendo. — Amo seu gosto na minha língua.

Eu não conseguia nem formar frases mais. Não consegui

encontrar as palavras para conectar em minha mente para

dizer a ele o que eu queria a seguir, o que eu precisava a

seguir. Então, gaguejei as únicas três palavras que consegui

reunir.


— Foda-me, Jax, — eu disse sem fôlego, e seus olhos se

encontraram com os meus.

— Sim?

— Por favor, — implorei, precisando saber como era tê-lo

dentro de mim.

Ele pegou sua carteira no jeans e tirou uma camisinha.

Quando ele se levantou, tirou a cueca, e seu pênis foi

revelado e eu tinha certeza de que ofeguei com o tamanho.

Quando ele deslizou a camisinha por seu pênis, e eu

observei, quase gozei novamente da visão pecaminosa dele se

acariciando.

Estendeu a mão para mim, me levantou da cadeira e me

levou para o sofá.

Enquanto ele se posicionava sobre mim, parou

esfregando levemente o pênis no meu núcleo. — Eu quero

isso para sempre, — confessou baixinho e um pouco trêmulo.

Seus olhos dilatados encontraram os meus quando ele

começou a deslizar para dentro de mim. Seus lábios se

separaram quando ele abaixou sua boca na minha. — Eu

quero você para sempre.

— Sua, — garanti, querendo gritar de prazer pela

sensação dele me dando cada pedaço seu. — Sou sua.

E começou a fazer amor comigo ali mesmo na sala

escondida da biblioteca. Ele penetrou em mim sem


arrependimentos. Ele me fodeu com um propósito. Eu

também senti tudo dele. Senti sua luz e sua escuridão, sua

felicidade e sua tristeza, sua eternidade e seu para sempre,

enquanto ele entrava e saía de mim com um ritmo que

correspondia aos meus batimentos cardíacos. Jax fez amor

comigo em meio a milhares de romances, e eu sabia que

nenhuma dessas histórias jamais superaria a que estávamos

criando dentro de nós mesmos.

Havia algo tão poderoso em fazer amor com seu melhor

amigo.

E quando terminamos de fazer amor?

Fizemos novamente.


Kennedy

COMECEI A ESCREVER NOVAMENTE.

Não era nada para contar ao mundo, e tudo que escrevi

poderia ser sem sentido, mas essas palavras eram minhas, e

eu nunca fiquei tão agradecida por ser capaz de criá-las.

Todos os dias, eu fui à biblioteca para escrever no recanto

escondido. E ficava lá até o sol se pôr, digitando as palavras

que estavam vindo para mim mais rápido do que meus dedos

podiam se mover.

Tinha me esquecido de como era me sentir inspirada,

ser incapaz de me concentrar em qualquer coisa ao meu

redor por algumas horas por dia.

Quando não estava escrevendo, passava um tempo com

Jax, o máximo de tempo possível. Parecia que eu não

conseguia o bastante dele. Então, quando ele me disse que

estava indo para Chicago para visitar seu irmão, meu coração

se esvaziou um pouco. A ideia de não tê-lo por perto no

fim de semana era muito para absorver, o que parecia

bobo. Há algumas semanas atrás, ele nem sequer


estava na minha vida. E agora, a ideia dele não estar por

perto era triste.

— É apenas um fim de semana, — sorriu quando nos

sentamos no conversível. — Prometo voltar.

— É melhor que volte. Ou eu vou te encontrar

novamente, como eu te encontrei nesta cidade, — brinquei. —

Você não está se livrando de mim tão facilmente.

— E nem gostaria de me livrar de você. Estou ansioso

para ver meu irmão, no entanto. Só nos reunimos uma vez

por ano, no aniversário de nossa mãe.

Fiz uma careta. — Isso deve ser difícil. — Lembrei-me de

como era difícil o aniversário dos meus entes queridos.

— Foi no começo, mas com o tempo, ficou melhor,

Kennedy. — Ele colocou a mão na minha e apertou. — Vai

ficar melhor e mais fácil para você.

Era bom ter esse conforto.

— Mas meu irmão se recusa a voltar a visitar esta

cidade, então eu sempre tenho que ir para Chicago. Pode ser

diferente depois que nosso pai falecer. Sinto que foi por isso

que ele fugiu depois que nossa mãe morreu. Ou talvez seja

muito difícil estar nesta cidade após o acidente. Quem sabe?

Mas, por enquanto, estou bem em fugir de Havenbarrow para

vê-lo.


— Vocês dois são próximos?

Ele riu. — Não como você e Yoana, — ele respondeu. —

Mas estamos bem. Ele é meu irmão, e eu sei que se eu

precisar de algo, ele estaria lá para mim.

Havia tanto conforto nesse fato.

Ele olhou para o celular e fez uma careta. — Na verdade,

eu deveria voltar para minha casa e fazer as malas, saio cedo

amanhã.

— Oh, tudo bem, — assenti enquanto saía do carro. —

Talvez eu possa ir ajudar você a fazer as malas. Ou, bem, ver

você fazer as malas. Ou... eu não sei... Eu só quero estar perto

de você.

Ele sorriu. — Você realmente vai sentir minha falta,

hein?

Revirei os olhos. — Tanto faz, Jax. Não é grande coisa.

— Já é uma coisa. Eu adoraria sua ajuda, embora. E

também adoraria que você passasse a noite comigo. Quero

poder beijar você quando o sol nascer antes de eu partir.

Esse foi o pedido mais fácil que eu já cumpri.

Andamos pela floresta para chegar à sua casa, e foi

nesse momento que eu percebi que nunca tinha estado

dentro da casa de Jax. Eu nunca tinha visto onde ele

morava, onde seu pai morava. Curiosamente, eu


estava em parte igual, empolgada e nervosa ao pisar no lugar

onde ele cresceu. Eu sabia que muitas coisas terríveis

aconteceram naquela casa. No entanto, eu gostava de

acreditar que muitas lembranças amorosas também viviam

lá.

Quando entramos, e ele me mostrou, e meu peito

apertou. Havia todas as peças que faziam da casa uma casa.

Os móveis eram vividos. Havia fotografias de sua família em

todo o espaço. Em uma moldura da porta, havia marcações

mostrando o crescimento da altura de Derek e Jax. Passei

meus dedos por aquelas marcas e não pude deixar de sorrir.

Que memória especial.

Infelizmente, com os respingos de luz, veio à escuridão.

Minhas mãos pousaram contra uma parede que tinha um

buraco através dela. Parecia que alguém a tinha socado com

o punho. Esses tipos de buracos eram vistos por toda a casa.

Quando Jax me pegou tocando um dos pontos, ele

pigarreou. — Essas são minhas memórias com meu pai.

— Por que você não as consertou?

Sua boca se contorceu quando ele enfiou as mãos nos

bolsos. — Não queria esquecer o jeito que ele era. Parece

estúpido e mesquinho, mas eu não queria que sua saúde em

declínio fosse uma razão para eu perdoá-lo pela dor que me

causou. Então, deixei os buracos como lembretes.


— Quantas vezes ele perdeu a parede e machucou você?

Ele ficou calado.

Isso me fez querer chorar.

— Sinto muito, Jax. — Era preciso certo tipo de monstro

para colocar as mãos contra uma criança. Jax não merecia

esse tratamento. Nenhuma criança no mundo inteiro merecia

ser ferida por aqueles que deveriam proteger suas vidas.

Ele encolheu os ombros. — Foi há muito tempo.

— Ainda assim, — disse. — Lamento.

Ele me deu um sorriso sem graça antes de me levar para

seu quarto para fazer a mala.

Quando entrei no quarto, congelei ao ver duas caixas

grandes e abertas em cima da mesa dele. — O que é isso? —

Perguntei, correndo para ver o que havia dentro delas,

mesmo tendo certeza de que já sabia.

Ele olhou e ficou um pouco envergonhado. — Você não

deveria ver isso.

— Mas eu quero. — Vasculhei as caixas e balancei a

cabeça quando uma pequena risada saiu dos meus lábios. —

Eu sei que você disse que comprou um dos meus livros para

a biblioteca, mas parece que você trouxe todos os meus cinco

livros, — eu disse, atordoada. — Cinco vezes!


— Eu queria apoiá-la.

Sorri. — Um livro teria sido bom.

— E se eu acidentalmente derramar algo sobre o livro?

Eu queria ter alguns de reserva. Um dia, vou construir uma

biblioteca com todos os seus livros nas prateleiras.

Ele era o homem mais doce com quem eu já havia

cruzado, e estava tão agradecida por ele estar de volta na

minha vida. — Pela maneira como as coisas estão indo, estes

serão os únicos livros que terá, — brinquei.

Ele balançou a cabeça, extremamente certo do

contrário. — Você chegará lá, Kennedy. Um dia de cada vez.

Esperava que ele estivesse certo.

Nessa noite fizemos amor, e depois adormecemos nos

braços um do outro. Pela manhã, eu não estava pronta para

me despedir. Enquanto estávamos em frente da sua

caminhonete, me senti culpada.

— Lamento não conseguir te levar ao aeroporto. Quem

me dera ser melhor do que isto. Quem me dera não ter todos

os meus problemas.

Qual era o meu problema? Deveria ter sido capaz de

fazer isto. Devia ter conseguido entrar naquele carro e levá-lo

ao aeroporto, como uma pessoa normal. Queria ser o

meu antigo e normal eu outra vez.


Ele se inclinou me beijou nos lábios e depois minha

testa. — Você chegará lá, Kennedy, — repetiu como na noite

anterior sobre meus romances. — Um dia de cada vez.

Quando ele partiu, eu já sentia sua falta, e

egoisticamente comecei há contar as horas até que ele

voltasse.


Jax

NÃO havia como contornar o fato de que meu irmão

Derek estava muito bem. Ele era um empresário de sucesso

que trabalhou duro ao longo dos anos para subir na escada

corporativa. Se você me perguntasse o que ele fazia

exatamente, eu encolheria os ombros, mas sabia que ele

ganhava bem fazendo isso.

Quando ele parou no Aeroporto Internacional O'Hare de

Chicago para me buscar no seu BMW, lembrei-me de como

ele estava indo.

— Bem, se não é meu irmãozinho favorito, — Derek

sorriu, saltando do carro. Ele caminhou até mim, colocou as

mãos nos meus ombros e balançou a cabeça. — Você parece

maior do que a última vez que te vi. Você vai me fazer ter que

entrar na academia e começar a puxar um pouco de ferro.

— Se você fizer isso, pode não se encaixar mais em seus

ternos de grife, — brinquei.

— É para isso que servem os alfaiates, irmão.


Ele me puxou para um abraço, e eu seria um mentiroso

se dissesse que não me senti bem. É sempre bom vir em

Chicago para ver Derek. Às vezes, parecia que eu estava

vendo minha mãe também, olhando para o rosto dele. Ela

teria ficado tão orgulhosa do homem que ele se tornou.

Depois que terminamos nosso abraço, fiquei chocado

quando vi uma mulher saindo do banco do passageiro. Ela

era uma garota muito bonita, com o sorriso mais brilhante

que eu já vi – além do de Kennedy. Essa era a primeira vez

que visitei Derek e ele tinha uma companhia. Não era segredo

que meu irmão tinha um pouco da personalidade playboy.

Ele dormiu com muitas mulheres, mas nunca as deixava ficar

tempo suficiente para andar em seu BMW.

E definitivamente não as convidava para vir com ele

para me buscar no aeroporto.

— Olá! — Ela sorriu. — Eu sou Stacey. Derek…

— Noiva, — Derek interrompeu.

Stacey riu e cutucou Derek na lateral. — Você deveria

me deixar falar!

— Desculpe, não me canso de dizer em voz alta, — disse

ele, beijando-lhe na testa.

— Noiva? — Eu perguntei, tentando o meu melhor para

não parecer surpreso. — Não sabia que havia sequer

uma namorada.


— Sim, bem, tem sido um turbilhão, — Stacey sorriu. —

Só nos falamos há cerca de dois meses, e ontem à noite bum!

Proposta!

Fiquei atordoado.

— Você sabe o que eles dizem, quando você sabe…, —

disse Derek, beijando a testa da garota novamente. Ambos

pareciam apaixonados pra caramba. A felicidade parecia bem

em Derek. Às vezes parecia que ele lutava para encontrar seu

caminho na vida além do trabalho. Houve momentos em que

sua mente ficou tão sombria, mas ele se recusou a deixar

alguém entrar. E dizia que a terapia não era para ele, mas

estava feliz que funcionasse comigo. Ainda assim, gostaria

que ele falasse com alguém. Não doía.

— Parabéns! — Eu disse, estendendo minha mão em

direção a Stacey para cumprimenta-la.

— Oh não, querido, eu sou de abraços, — disse, me

puxando. Quando ela me apertou até a morte, olhei para meu

irmão, que estava sorrindo de orelha a orelha para ela como

se ela fosse seu sol.

Bom para eles.

— Agora, não se preocupe. Não vou ficar no seu pé o fim

de semana inteiro. Eu só queria vir te conhecer e dizer oi.

Derek me falou muito sobre você. —

— Espero que as coisas boas, — brinquei.


— Há apenas coisas boas a dizer, — comentou Derek,

mesmo sabendo que era mentira.

Fomos para seu apartamento, que evidenciou mais uma

vez que o dinheiro não era um problema para ele. Era um

lugar enorme, com três quartos no oitavo andar, no centro de

Chicago. Às vezes, eu me perguntava onde estaria se tivesse

aceitado sua oferta de trabalho na sua empresa. Então,

novamente, eu sabia no fundo da minha alma que eu era um

garoto do sul por completo. As grandes luzes da cidade não

eram meu lar. E me sentia mais em paz no fundo da floresta.

Stacey não ficou por muito tempo. Mesmo que eu

dissesse que ela era mais que bem-vinda em nos acompanhar

no jantar, mas ela discordou, dizendo que precisávamos de

tempo para conversar.

Derek escolheu a melhor churrascaria de toda a cidade,

e eu estava mais do que disposto a deixá-lo pagar por isso.

Encanadores não ganhavam o tipo de dinheiro que Derek

recebia, e a maior parte do meu salário era para as contas

médicas do meu pai.

— É realmente muito bom ver você, Jax. Deveríamos

começar a fazer visitas com mais frequência. Uma vez por ano

não parece mais o suficiente. Especialmente com Stacey

sendo uma garota de família. Ela ficou horrorizada quando eu

disse a ela que só nos víamos uma vez por ano, — disse

Derek, cortando seu lombo.


— Você é mais que bem-vindo a descer para

Havenbarrow, — respondi, ao que ele torceu o nariz. Sua

reação não era uma surpresa para mim. Eu sabia que Derek

não tinha planos de voltar à sua cidade natal. Nem para me

visitar. Muitos de seus demônios moravam lá. Na verdade, eu

não o culpo por não querer revisitá-los.

— Você sabe que é muito difícil para mim, Jax. — Sua

voz caiu um pouco. — Mas você é sempre bem-vindo aqui.

— Eu sei. Vou me esforçar mais para vir também.

Talvez eu traga Kennedy para conhecer ele e Stacey. O

fato de trazer Kennedy para visitar era um pensamento

chocante para mim. E o fato de me deixar tão feliz me chocou

ainda mais.

— Ou você pode apenas aceitar a oferta de trabalho na

minha empresa. Você sabe que eu sempre darei uma vaga

para você, e não seria uma posição inferior. Você pode

trabalhar ao meu lado, ser meu sócio.

Eu ri. — Não tenho um osso comercial no meu maldito

corpo, Derek. A ideia de me fazer teu sócio é uma loucura. Eu

arruinaria seus negócios em um piscar de olhos.

— Eu poderia te treinar. Sério, Jax. Podíamos fazer uma

grande equipe.

Levantei uma sobrancelha. — Por que temos essa

conversa em todos os anos que venho aqui?


Ele suspirou e largou os talheres. — Quero mais para

você do que sua vida em Kentucky.

— Minha vida está bem lá. Eu tenho meus negócios.

— Esse era o negócio de canalização de Cole – não o seu,

— argumentou. — Você só assumiu o controle depois que ele

teve o primeiro derrame, porque, por algum motivo, você

sente que deve algo a esse bastardo.

Sempre senti que devia algo a meu pai porque matei a

esposa dele. Parecia motivo suficiente para manter seus

negócios funcionando. — Eu sou bom nisso. — Dei de

ombros. Eu sabia que Derek nunca entenderia, mas eu

realmente gostava do meu trabalho. Eu era bom nisso e não

me vi abandonando tão cedo. — Por que você está sempre me

pressionando para deixar Havenbarrow?

— Porque é uma cidade de merda. Você não precisa

desse lugar na sua vida.

Não tinha vontade de discutir com ele. Nós só tínhamos

esse tempo para ficarmos juntos. A última coisa que eu

queria fazer era brigar.

— Mudando de assunto, — eu disse, me mexendo no

meu lugar. — Que tal me falar um pouco mais sobre Stacey.

Derek sorriu como um estudante em sua primeira

paixão. A conversa ficou mais leve, e depois que ele

terminou de me contar tudo sobre Stacey, eu o


informei sobre Kennedy.

— Não brinca, — ele suspirou, atordoado. — Aquela

mesma garota pela qual você era louco quando criança?

— A única.

— Isso é um filme de Nicholas Sparks ou algo assim, —

ele brincou. — Então, ela é sua namorada?

A pergunta permaneceu um pouco na minha mente. Nós

realmente não conversamos sobre rótulos, mas não era

segredo que Kennedy era minha, e eu era dela. Pelo menos

em minha mente ela era minha, e eu não vi isso mudar tão

cedo. — Poderia dizer que sim.

Ele continuou sorrindo como um idiota. — Isso é bom,

Jax. Olhe para nós dois. Ambos em um relacionamento com

boas mulheres. Mamãe ficaria orgulhosa.

A menção de mamãe apertou meu peito um pouco

quando a culpa me atingiu. — Ela deveria vir para o seu

casamento, Derek… — Engoli em seco e olhei para baixo. —

Me desculpe, eu tirei isso de você. — Tirei muitas lembranças

dele e me odiei por isso. Mamãe nunca conheceria seus

netos. Ela nunca participaria da dança mãe-filho em nossos

casamentos. Ela nunca saberia quanto sucesso Derek havia

alcançado.


— Pare com isso, Jax, — repreendeu Derek. — Não faça

essa merda, ok? Não carregue isso em seus ombros.

— É difícil não fazer quando sou eu o motivo.

— Você não é! — Ele gritou, fazendo outras pessoas se

virarem para olhar para nós dois. Sua voz era alta e poderosa

quando seu rosto ficou vermelho pelo seu aborrecimento.

Então, sua voz falhou quando ele abaixou o volume. — Você

não é responsável por essa merda, Jax. Foi há muito tempo, e

você não pode segurar isso em seus ombros para sempre.

Não foi sua culpa. Um dia você tem que deixar isso para lá.

— Eu não vejo isso acontecendo. Sou a razão pela qual

ela se foi, Derek, e eu amo você por agir como se eu não

fosse, mas eu sei. Enfim, desculpe por trazer isso à tona.

Vamos mudar de assunto.

A maneira mais fácil de chatear meu irmão era dizer que

eu era responsável pela morte de mamãe, mas ele estava lá.

Ele estava lá na floresta comigo quando eu puxei o gatilho.

Ele sabia o que aconteceu. Não havia como negar o que eu

tinha feito.

Ainda assim, rasgava-o por dentro saber que eu me

culpava tanto. Portanto, eu faria o possível para não falar

sobre isso, especialmente quando minha visita era tão curta.

O resto da noite foi gasto, trocando histórias do nosso

passado e falando sobre o futuro. Antes do jantar

terminar, Derek me fez uma pergunta muito


importante, que eu tive a honra de responder.

— Jax, você quer ser meu padrinho?


Kennedy

SENTIA FALTA DE JAX. Eu parecia um disco arranhado com

a quantidade de vezes que eu disse a mim mesma que sentia

falta dele. Fiquei impressionada com o quanto eu podia sentir

falta de alguém que nem estava na minha vida há tanto

tempo. E fiz o meu melhor para me manter ocupada, porém,

e felizmente, as palavras ainda estavam fluindo.

Passei a maior parte do meu fim de semana na

biblioteca, com intervalos para almoçar no Gary's. Marty

estava mais do que disposto a conversar comigo um pouco

sobre minha escrita. Descobri que ele também escrevia por

diversão e mencionou que deveríamos ter noites de redação,

se eu quisesse.

Gostei da ideia de ter alguém com quem conversar se eu

estivesse presa no meu enredo. Então, durante qualquer

tempo de inatividade, eu pensava em Jax – escrevia –

pensava em Jax – comia-pensava em Jax – dormia.


Na tarde de sábado, enquanto comia minha segunda

fatia do bolo de veludo vermelho no café, sorri brilhantemente

quando notei Connor do lado de fora distribuindo panfletos

para os transeuntes. Não sabia o que ele estava tramando,

mas sabia que era algo relacionado a alguns de seus

negócios. Eu nunca conheci um garoto com uma ética de

trabalho tão forte. Quando ele entrou no café, todos o

cumprimentaram com sorrisos brilhantes, porque Connor era

amado por todos que ele conhecia.

— Ei, Kennedy! — Ele disse, sorrindo de orelha a orelha.

— Como você está?

— Ótima, Connor. E você? Como está sua mãe? — Eu

perguntei. Alguns dias atrás, Connor me disse que sua mãe

estava lutando contra o câncer e fazendo um ótimo trabalho

na batalha. Quando ele falou sobre sua mãe, ele falou como

se ela fosse a melhor mulher do mundo. E amei isso nele.

Sempre havia algo especial em um garoto que amava sua

mãe.

— Ela está indo muito bem, na verdade! Não tenho

dúvida de que as coisas estão melhorando. — Estendeu um

panfleto e cartão de visita em minha direção. — Falando em

estar sempre atualizado, eu queria saber se você deixaria

uma avaliação no Yelp 12 sobre a JAC Paisagismo.

12 - Yelp é uma empresa que seu site e aplicativos voltados à avaliação de estabelecimentos

comerciais.


Levantei uma sobrancelha para o cartão de visita e não

pude deixar de sorrir. — Jax sabe que você começou um

negócio enquanto ele estava fora?

Ele sorriu. — Pensei que seria melhor surpreendê-lo

com a notícia quando ele voltasse à cidade. Mantenha a

surpresa, sim? Já tenho alguns novos clientes entrando em

contato conosco depois que viram seu quintal.

— Ele vai te matar, Connor, — eu ri, balançando a

cabeça.

— Sim, bem, nenhuma novidade… — Ele olhou para o

celular. — Desculpe sair assim, mas tenho que ir à igreja

para distribuir esses panfletos. Eles estão saindo do ensaio

do coral, e tenho certeza de que Jesus adoraria que alguns

deles tivessem seus gramados abençoados. Tchau, Kennedy!

— E desapareceu tão rapidamente quanto chegou,

distribuindo panfletos para quem passasse por ele.

Jax ficaria emocionado com seu novo negócio.

Depois de terminar meu bolo, saí do café, e notei uma

mulher lutando com um carrinho de bebê enquanto deixava

cair à bolsa de fraldas e todos os produtos voaram pela

calçada. Sem pensar, corri para ajudá-la.

— Aqui está, — eu disse, recolhendo suas coisas

enquanto ela me agradecia.


— Oh Deus, muito obrigada. Desculpe, tenho andado

muito dispersa ultimamente e não percebi que não fechei a

bolsa, — comentou. — E com outro a caminho, tenho certeza

que só vai piorar. Mãe, cérebro e tudo.

Eu olhei para seu carrinho, onde não havia um, mas

dois bebês sentados. Um estava em um descanso profundo e

pacífico, enquanto o outro resmungava. Minha mente ficou

embaçada e dei um passo para trás enquanto balançava a

cabeça.

Ela inclinou a cabeça enquanto olhava para mim. —

Você está bem?

Meus lábios se separaram, mas eu não podia dizer nada.

As palavras não chegavam quando o ataque de pânico

começou a subir no meu peito. Não era justo. Ela tinha dois

bebês – e outro a caminho – e eu não tinha minha Daisy.

Daisy.

Ela se foi por minha causa.

Era minha culpa.

Uma lágrima escorreu por minha bochecha e os olhos

da mulher se arregalaram em pânico. — Oh meu Deus, você

está bem? Eu disse alguma coisa? Você está…

— Sinto muito, — murmurei, ainda olhando para o

carrinho. Não conseguia me mexer. E não conseguia

respirar, e desta vez Jax não estava lá para me levar


para casa.

A mulher seguiu meu olhar, e começou a ficar nervosa

quando testemunhou meus olhos grudados em seus filhos. E

rapidamente juntou o resto de suas coisas e se afastou.

Mexa-se, Kennedy. Mova-se. Vá, eu disse a mim mesma.

Mas nada estava acontecendo. O pânico era grande demais

para eu fugir. Quando uma mão pousou no meu ombro, eu

saltei para me virar e ver Amanda parada atrás de mim.

— Você está bem? — Perguntou confusa com meu

estranho comportamento.

— Eu…eu… — Engoli em seco. Tudo que eu podia fazer

era balançar a cabeça. Eu me senti tão estúpida. Tão fraca.

Tão perdida. Amanda cruzou o braço com o meu e me levou a

um banco do outro lado da rua. Sentamos e ela esperou o

pânico passar.

— Coloque a cabeça entre as pernas e respire, — ela

ordenou. Eu fiz o que ela disse, sem lhe dar palavras, porque

tudo parecia demais para mim. Ela ficou ao meu lado até

minhas respirações voltarem ao normal, e o constrangimento

substituiu meus medos.

— Obrigada, — murmurei, sentando-me enquanto meus

batimentos cardíacos continuavam a acelerar.

— Qual é o seu problema? — Ela retrucou,

olhando para mim como se tivesse crescido duas


cabeças em mim. Ela estava olhando para mim da mesma

maneira que Penn me olhava. Como se eu fosse uma

aberração da natureza.

— Lamento. Às vezes tenho ataques de pânico.

— Por quê? — Ela questionou secamente. Tinha certeza

que ela estava se perguntando por que Jax escolheria alguém

como eu. Alguém tão quebrada, quando ela parecia tão…

inteira.

— Eu… eu sofri um trauma no ano passado. E ainda

estou tentando resolver isso.

Ela fez uma careta. Por uma fração de segundo, pensei

que se sentisse mal por mim, mas depois falou suas

verdades. — Jax precisa de alguém melhor do que você.

— Desculpe-me? — Perguntei me levantando.

— Digo. Ele já lidou com merda suficiente em sua vida

e, agora, com o pai idiota morrendo, ele não precisa de

alguém com essa bagagem. Ele já teve o bastante. Por que

você colocaria seus problemas na porta dele?

Meu peito apertou quando me sentei outra vez,

atordoada por suas palavras. — Não, eu… estou resolvendo

meus problemas. Não estou colocando nada nos ombros de

Jax.


— Você está, porém, e é completamente egoísta da sua

parte. E com base no seu recente ataque de pânico em

público, ficou claro que você não está trabalhando o

suficiente nos seus malditos problemas. Se você se

importasse com ele, daria espaço a ele e o deixaria lidar com

o fato do pai estar morrendo. A última coisa que ele precisa é

do drama de uma garota aleatória.

Ela não disse outra palavra. Simplesmente se levantou e

saiu, deixando-me sentada ali transtornada.

Odiava que ela me afetasse. Odiava ter começado a

duvidar de mim e de meu relacionamento com Jax por causa

dos comentários de Amanda. E se ela estivesse certa? E se eu

estivesse dificultando as coisas para Jax? Ele passou por

muita coisa. Por que ele deveria lidar com meus colapsos

emocionais também? E se Yoana estivesse errada com sua

preocupação por Jax piorar minha situação? E se eu fosse o

problema?

E se eu fosse um problema que nunca poderia ser

resolvido?

Fui para casa naquela noite e pensei demais em tudo. O

sono nunca me encontrou, e na manhã seguinte, quando Jax

voltou à cidade, garanti estar ocupada demais para vê-lo. Eu

precisava resolver meus problemas antes de aparecer na sua

porta. Ele já estava passando por tanta coisa sozinho.

Não era justo se eu permitisse que meus problemas


pesassem no seu mundo.


Kennedy

FIQUEI na biblioteca durante os próximos dias, dizendo a

Jax que estava muito ocupada trabalhando no meu romance

para me encontrar com ele. Cada vez que ele me perguntava

se eu estava bem, eu mentia e dizia que estava tudo bem. Eu

ainda não sabia como encará-lo após minha interação com

Amanda, apesar de tudo o que eu queria era estar em seus

braços para receber seu conforto novamente.

Naquela terça-feira, fiquei tanto tempo na biblioteca que

nem percebi que começara a chover enquanto trabalhava.

Quando Hunter veio me expulsar da biblioteca durante o dia,

fiquei impressionada com a quantidade de chuva que estava

caindo ao meu redor.

Meu primeiro pensamento foi ligar para Jax, mas eu

sabia que não podia fazer isso. Em vez disso, peguei meu

telefone celular e usei o aplicativo Cuber que Connor havia

me dito para baixar semanas atrás. Digitei 'diamond' para o

código promocional e não pude deixar de sorrir quando

funcionou.


Connor era jovem, mas muito inteligente. Seu aplicativo

era brilhante.

Eu tentei o meu melhor para não deixar o barulho da

chuva me incomodar enquanto esperava o carro de Connor

parar na frente da biblioteca. Quando isso aconteceu, corri

escada abaixo e pulei no banco do passageiro. Meu coração já

estava batendo rapidamente no meu peito, mas tentei

controlar o pânico.

— Olá, Kennedy! Bem-vinda ao Cuber, a grande

novidade em transporte. Posso lhe oferecer uma água? Talvez

algumas balas de hortelã? Eu tenho algumas revistas, se você

quiser...

— Estou bem, Connor. Só gostaria de chegar em casa o

mais rápido possível.

— Entendido. Nós da Cuber gostamos de dar

exatamente aos passageiros o que eles querem, então terei

você em casa em pouco tempo. Sente-se, relaxe e aproveite o

passeio.

Não era muito provável.

A chuva martelou quando Connor nos levou pela

estrada. Eu odiava a chuva, odiava como seus gritos batiam

no carro como uma agressão.

Minhas mãos estavam apertadas com força

quando fechei os olhos e respirei fundo.


Estaríamos em casa em breve, e eu voltaria para dentro,

e tudo ficaria bem.

Eu ficaria bem.

Eu estou bem.

Toda vez que um trovão rugia, meu coração disparava.

Eu podia ouvir a música que estava tocando nos alto-falantes

naquela noite. Eu podia ouvir mamãe cantando no banco ao

meu lado. Eu poderia jurar que Daisy e papai estavam

cantando junto com mamãe no banco de trás.

O telefone de Connor tocou e meus olhos se abriram.

— O que é que foi isso? — Perguntei, entrando em

pânico quando meu coração se alojou firmemente na minha

garganta.

Connor sorriu para mim e deu de ombros enquanto

olhava para o console. — Apenas meu telefone. Aposto que é

minha mãe, que está se perguntando onde estou. — Ele

pegou o celular enquanto a chuva batia no carro.

— Não! Pare! — Eu gritei. E coloquei minha mão sobre

seu celular, e ele parou, olhando para mim com uma

sobrancelha levantada. — Olhe para a estrada. Está

chovendo demais e você não deve olhar o telefone.

— Não se preocupe, Kennedy – sou um profissional,

— disse, puxando o telefone.


Meu coração bateu agressivamente contra a minha

caixa torácica, tentando sair do meu peito, e balancei a

cabeça. — Pare, — eu pedi.

Ele levantou uma sobrancelha. — O quê?

— Estaciona! Estaciona! Estaciona! — Gritava, batendo

no painel com as palmas das mãos. E não conseguia respirar.

Minha boca ficou aberta quando uma onda de pânico me

engoliu inteira. — Por favor, Connor! Por favor, encoste,

encoste.

— Está bem, está bem! — Ele disse, puxando o carro

para o lado na estrada. Quando estacionou eu saltei para fora

do veículo o mais rápido que pude.

Fui em direção às árvores ao lado da estrada enquanto a

chuva caía, e me abaixei, passando meus braços em volta das

minhas pernas e balançando para frente e para trás,

paralisada pelo medo. Isso estava acontecendo novamente.

Isso estava acontecendo novamente. Eu os estava perdendo.

Eu estava perdendo tudo de novo.

— ELA COMEÇOU A SURTAR, cara, e eu não consigo

levá-la de volta para o carro, — disse Connor a alguém

depois que outro carro parou. Estremeci na chuva


gelada quando um trovão rugiu acima. Não conseguia me

mexer. Eu estava tentando me mover nos últimos quinze

minutos, mas não conseguia. Meu corpo estava congelado no

lugar enquanto a chuva batia na minha pele. Cada gota

acendia um flashback, e cada flashback aumentava o pânico

que destruiu minha alma.

Fazia tanto tempo desde que eu tinha experimentado

um ataque de pânico neste nível. Eu deveria melhorar. Eu

deveria estar encontrando meu caminho para um novo

começo. Eu estava escrevendo de novo. Eu estava feliz. Pelo

menos, eu pensei que estava feliz.

No entanto, lá estava eu, enrolada em uma bola debaixo

de um carvalho, incapaz de me mover devido aos flashbacks

dos meus horrores.

— Ok, eu a peguei, — disse uma voz profunda, calma

como o dia. Ele se aproximou de mim e se inclinou na minha

frente. — Ei, Sun, — disse Jax, dando-me seu meio sorriso.

— O que está acontecendo?

— Eu… eu não posso... não consigo respirar… — E

respirei fundo enquanto envolvia meus braços em volta do

meu corpo e balançava para frente e para trás.

— Respire, — disse ele, concordando com a cabeça. —

Você pode respirar. Você está respirando. Está um pouco

irregular. Devemos tirar você da chuva.


— Eu não posso… o carro… eu não posso entrar no

carro agora.

Ele não arqueou uma sobrancelha ou mostrou qualquer

sinal de julgamento enquanto me observava no meio do meu

ataque de pânico. Ele não fez perguntas nem me disse que eu

poderia entrar no carro e que tudo ficaria bem. Ele não

minou meus sentimentos ou medos, e não me disse para

apenas fazer isso da mesma maneira que meu ex costumava

fazer. Ele era a calma no meio do meu furacão.

— Então não vamos colocá-la em um carro, mas você

não pode ficar aqui na chuva, então vamos lá. — Ele

estendeu os braços em minha direção.

— O que você vai fazer?

— Eu vou carregá-la.

Meu coração partido começou a bater novamente

quando eu olhei para a paz que enchia seu olhar. Enquanto

eu estava em pânico, ele ficou parado. E era a tranquilidade

do mar quando minha mente nadou através de suas próprias

ondas brutais de desespero.

Balancei minha cabeça. — Não, Jax. Estamos muito

longe da minha casa. Você não pode fazer isso. Além disso,

sou muito pesada, e, e, e...


— Kennedy, — ele interrompeu, ainda estendendo as

mãos na minha direção. — Eu vou carregá-la agora.

Eu não disse outra palavra, apenas assenti quando ele

passou os braços em volta de mim e me levantou debaixo da

árvore. Ele começou a andar na direção de nossas casas, que

ficavam a alguns quarteirões de distância.

— O que você está fazendo? — Perguntou Connor.

— Vou levá-la para casa.

— É mais de um quilômetro, Jax.

— Não será um problema, — disse com naturalidade,

embora eu soubesse que era uma tarefa insana.

Connor passou as mãos pelos cabelos e suspirou. —

Seguirei atrás de você, caso você decida que precisa de uma

carona.

Ele entrou no carro e dirigiu devagar atrás de Jax.

Connor era para Jax o que Jax era para mim – um verdadeiro

amigo. Qualquer um que o levasse na chuva era alguém que

valeria a pena ter na sua vida, e qualquer pessoa que o

seguisse para garantir que você não precisasse de uma

carona também merecia prêmios.

Havenbarrow tinha homens-feitos para romances.


Enterrei minha cabeça no peito de Jax enquanto ele me

carregava, nunca parecendo cansado do peso do meu corpo

em seus braços. Cada passo que ele dava era controlado e

deliberado. Quando minha cabeça estava contra seu peito e

enquanto ouvia seu coração bater, meus próprios batimentos

pareciam se acalmar.

— Obrigada, Moon, — sussurrei, segurando sua camisa

encharcada com força.

— A qualquer hora, Sun, — ele respondeu.

Quando chegamos em casa, ele foi em frente e me

carregou pelos degraus da minha varanda. Connor correu

para mim com minha bolsa e chaves. Ele as estendeu para

mim e eu agradeci.

Antes que eu percebesse, Connor passou os braços em

volta de mim e me segurou firme. — Sinto muito, Kennedy.

Por qualquer coisa que eu tenha feito, me desculpe.

Disse que ele não havia feito nada de errado, mas

quando ele me soltou, e vi as lágrimas em seus olhos e a

culpa nublando seu olhar, afirmei. — Eu juro, Connor. Eu

estou bem.

Ele assentiu uma vez e ajeitou o boné de beisebol. —

Descanse um pouco, senhora. Jax, fique de olho nela, sim?

Jax passou a mão em sua nuca. — Ficarei.


Connor voltou para o carro e partiu, deixando um Jax

molhado na minha varanda. E eu me sentindo um pouco

boba agora que me acalmei do meu pânico.

Minhas mãos roçaram minhas bochechas quando eu lhe

dei um sorriso patético. — Você não deveria estar de pé

nessas roupas molhadas. Estou bem agora, juro. Vou me

trocar e ir para a cama, e...

— Você pode falar sobre isso.

Eu levantei uma sobrancelha. — O quê?

— Você pode falar sobre o que está sentindo comigo.

Balancei minha cabeça. Meus lábios se abriram para

falar, mas engasguei em minhas palavras, incapaz de

expressar as emoções que pesavam no meu coração.

— Eu não sei como falar sobre isso. Pensei que estava

melhor, pensei que estava melhorando.

— Você está melhorando.

— Não, eu não estou. Eu tenho ataques de pânico

quando vejo crianças. Eu tenho ataques de pânico quando

chove. Eu mal consigo entrar em um carro sem ficar

sobrecarregada. Eu não consigo dirigir. Você não vê? Eu não

sou normal. Penn sempre dizia que eu era um fardo e sou.

Amanda estava certa.


— Amanda? — Ele perguntou, arqueando uma

sobrancelha. — O que diabos Amanda têm a ver com alguma

coisa? Oque ela disse a você?

— Não importa. Tudo o que importa é que ela estava

certa. Você merece alguém que não esteja tão quebrado

quanto eu.

— Você está falando maluquice, — disse ele, balançando

a cabeça. — Você acabou de ter um ataque de pânico – não é

o fim do mundo.

— Sim, é. Você não vê, Jax? Estou quebrada. Sou

mercadoria danificada e você já se consertou. Você não

merece ter que lidar com meus pedaços quebrados depois de

ter passado por muita coisa por conta própria.

— Diga-me o que sente, e eu vou ficar, — ele garantiu.

— Quaisquer que sejam Kennedy, não tenho medo. Ficarei

aqui.

Abaixei minha cabeça e enxuguei as lágrimas que

teimosamente continuavam caindo. — Alguns dias, mal

consigo me olhar no espelho sem sentir o peso dos meus

erros.

Ele enfiou as mãos profundamente nos bolsos e

estreitou os olhos enquanto estudava cada centímetro de

mim. — Eu sei como é isso.


— Mas você está melhor em sua cura. Você fez o

trabalho para melhorar. Sinto que dou um passo à frente e

cinco para trás.

— Não há um caminho reto, Kennedy. A cura não é

linear. A cura vem com curvas, solavancos na estrada e

buracos. Ainda tenho dias em que penso em minha mãe e

quero ficar na cama para sempre. Ainda tenho semanas em

que meu corpo sofre com as lembranças do passado, mas sei

que esses dias fazem parte da cura. Eddie me disse uma vez

que não podemos curar se tivermos muito medo de honrar

nossas sombras também. Até o sol fica encoberto por nuvens

alguns dias. Isso não tira a luz que ele emite.

Meus lábios se separaram e eu não sabia o que dizer.

Meu peito ainda estava tão apertado e minhas mãos estavam

trêmulas.

— Deixe-me abraçá-la, — disse acenando em minha

direção. — Por favor?

Eu assenti.

Entramos em casa e tirei minhas roupas molhadas. Dei

a Jax uma calça de moletom grande e ele deslizou para

dentro delas, permanecendo sem camisa.

Nós nos arrastamos para a cama, e ele passou os braços

em volta de mim enquanto eu me permitia quebrar. Ele

não me disse para me apressar. Ele não disse que

havia um limite de tempo para o sofrimento. Ele


apenas me permitiu sentir tudo, de uma só vez, e eu percebi

o quanto isso era necessário para mim. Eu precisava

desmoronar, e ele estava lá para pegar meus pedaços

quebrados.

— EU TENHO ESSE MEDO—, confessei, olhando para o

teto do meu quarto. Passei um bom tempo chorando contra o

peito de Jax e finalmente estava voltando para a Terra com

minhas emoções. — Que eu sou muito complicada para

alguém amar. Que o fato de eu estar quebrada seja demais

para alguém. Que meu trauma me dividiu em muitos pedaços

desagradáveis.

Jax ficou quieto por um momento. Era como se ele

estivesse tentando formar as palavras da maneira perfeita

para me fazer entender seus pensamentos. Quando ele falou,

eu estava ouvindo com cada grama do meu ser.

— Eu nunca me apaixonei, — disse. — Nunca me

apaixonei, nunca soube como isso funcionava, mas estou

tentando entender mais. Estou tentando aprender tudo o que

posso sobre isso. O que aprendi até agora é que quando

penso em amor, eu penso em você.


Meus lábios se separaram quando calafrios percorreram

meu corpo. — Jax…

— Eu amo seus pedaços quebrados, porque mostra que

você viveu. Isso mostra que você é corajosa o suficiente para

se entregar ao mundo, por mais difícil que seja às vezes. —

Ele olhou nos meus olhos. — Eu te amo, Kennedy. Eu te amo

de uma maneira que é maior que o amor. Amo seus raios de

sol e suas sombras da lua, e continuarei amando você e seus

pedaços quebrados até você sentir meu amor com tanta força

que você esquecerá que seu coração tem rachaduras

danificadas. Então, eu vou te amar mais.

Suas palavras curaram partes de mim que eu nem sabia

que estavam quebradas. Meus lábios dançaram nos dele e eu

o beijei levemente. — Eu também te amo.

— Um dia, você vai superar isso, Kennedy. Um dia, você

poderá andar lá fora e dançar na chuva como quando era

mais jovem, e eu dançarei ali com você. Mas você não precisa

se apressar, ok? Você tem permissão para ir devagar. Não há

cronograma na cura. Você anda no ritmo que funciona para

você, e eu a carregarei quando suas pernas se cansarem.

Você não precisa seguir esse caminho sozinha. —

Naquela noite, a tempestade lá fora começou, mas pela

primeira vez em muito tempo, porque eu estava nos braços de

Jax, consegui adormecer.


QUANDO ACORDEI no dia seguinte, o sol estava fluindo

pelas janelas. E rolei na cama para ver que Jax se foi.

Sentando-me rapidamente, peguei meu telefone e já passava

das onze da manhã. Eu dormi muito mais do que pensava.

Coloquei meu roupão e fui procurar Jax pela casa. Ele

saiu sem dizer nada? Antes que eu pudesse pensar mais,

ouvi um zumbido alto vindo de fora. Quando cheguei à minha

porta da frente, meu coração quase pulou do meu peito

quando vi milhares de bolhas de sabão sendo sopradas em

minha direção. Dezenas de máquinas de bolhas estavam no

meu quintal da frente, e bem no meio de tudo isso, Jax

estava com as mãos enfiadas nos bolsos da calça de moletom,

com um grande sorriso no rosto.

— O que é isso? — Eu ri, balançando a cabeça para

frente e para trás.

— Você não pode ficar triste quando está soprando

bolhas de sabão, — ele me disse, vindo em minha direção.

Pegou minhas mãos nas dele e as apertou. — E eu queria que

você sentisse um beijo de sua filha esta manhã, queria que

você se lembrasse disso, não importa o quê, ela ainda está

aqui.


Lágrimas se formaram nos meus olhos. — Você é tudo

que eu queria e tudo que eu nunca soube que poderia ter.

— E sou seu, — ele garantiu. — Acho que sempre fui. —

Ele deu um passo para trás, estendeu a mão para mim e

curvou-se levemente. — Agora, você me fará a honra de

dançar comigo nas bolhas? — Ele perguntou.

Eu ri, peguei a mão dele e dançamos.


Kennedy

— O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI? — Ofeguei quando

Yoana veio andando em direção à minha varanda da frente.

Jax e Connor estavam trabalhando no paisagismo e eu estava

escrevendo uma cena do meu romance quando notei minha

irmã pulando em minha direção.

Eu me levantei e corri até ela, puxando-a para um

abraço apertado.

— Vocês não deveriam estar em casa até o próximo mês,

— eu disse confusa como sempre.

— Sim, bem, um passarinho na cidade me disse que

você pode estar precisando da família. Nathan está em casa

descansando, então eu pensei em parar aqui para vê-la para

que possamos conversar, — Yoana disse enquanto olhava

para Jax, que estava se esforçando ao máximo para agir

como se estivesse trabalhando duro. — E você deve ser Jax.

— Ela sorriu enquanto caminhava até ele. — É bom vê-lo

novamente depois de todos esses anos, e obrigada por

sua ligação. — Ela o puxou para um abraço, e eu


ainda estava confusa como sempre.

— Você ligou para ela? Quando? — Perguntei perplexa.

Ele encolheu os ombros. — Peguei seu telefone na outra

noite enquanto você dormia e liguei para ela. Imaginei que

você pudesse precisar de alguns rostos familiares por aí.

Meu coração era dele.

— Obrigada, Jax, — eu disse, e ele me deu um meio

sorriso, que me aqueceu por dentro. E abracei Yoana

novamente.

Ela passou um braço em volta do meu ombro e me

cutucou na lateral com o quadril. — Agora, que tal uma

xícara do café favorito da mamãe para que possamos

conversar um pouco?

— Você não está com jetlag? Você não precisa conversar

comigo se estiver cansada.

— Prefiro ficar cansada com você a dormir. Agora vamos

lá. Eu preciso que você me atualize de tudo, especialmente

sobre quão gostoso o pequeno Jax acabou se tornando.

Balancei minha cabeça. — Pensei que você estava

preocupada comigo saindo com ele.

— Depois daquela ligação? De jeito nenhum. Eu estava

errada. Estava muito, muito errada. Então, vamos lá –

me cafeine.


Fomos para dentro, e meu peito parecia que ia explodir

de emoção por ter minha irmã de volta. Eu precisava dela

mais do que eu imaginava. Sentamo-nos na sala de jantar,

conversando sob o sol. Ela me contou tudo sobre suas

viagens, e eu pude ver que sempre que ela mencionava

Nathan, ela tinha ainda mais amor por ele do que quando

eles foram embora. Surpreendeu-me como o amor poderia

continuar crescendo depois de tantos anos.

— E esse cara Jax, Kennedy, — disse balançando a

cabeça enquanto segurava sua xícara de café. — Vocês estão

juntos, não é?

— Acho que sim. Com ele me sinto melhor, me sinto feliz

em dias que normalmente seriam tristes.

— Ótimo, — disse ela, balançando a cabeça. — É isso

que você merece. Eu não vou mentir; fiquei muito apreensiva

quando você me contou sobre o passado dele. Eu não queria

que você se machucasse, mas o jeito que ele lidou com você

quando estava em seu pior momento, o jeito que ele te

defendeu… era isso que eu sempre quis para você. Queria

que você tivesse um amor verdadeiro, do tipo que te sustenta

em vez de deixá-la cair. Penn não era esse homem para você,

mas Jax… o jeito que ele olha para você… — Ela fingiu

desmaiar, me fazendo rir.

— Você notou isso em dois segundos, e foi o

suficiente?


— Sim, — ela disse sombriamente. — Você sabe por

que?

— Por quê?

— Porque ele olhou para você da maneira que papai

olhava para mamãe – como se você fosse o mundo e ele

tivesse sorte de estar em sua órbita.

Borboletas chutaram meu estômago. — É assim que ele

me faz sentir: importante, como se eu fosse o bastante.

— Porque você é o bastante, Kenny. Você sempre foi. Eu

sei que você passou por momentos difíceis, mas no final, eu

sei que eles vão fazer você mais forte. Eu já estou tão

orgulhosa do seu progresso.

Eu olhei para o café rodopiando na minha caneca. — Às

vezes, acho que fui tão tola por ficar longe por tanto tempo.

Eu poderia estar aqui com você e Nathan e me curar muito

mais rápido.

— Ninguém pode fazer uma pessoa se curar mais

rápido, mas, com certeza, estaríamos com você durante a

chuva.

Talvez seja disso que se trata. Talvez não se trate de

pegar a luz do sol, mas ser capaz de enfrentar a tempestade

com aqueles que você mais ama.

— Acho que vou começar a ver alguém, — eu

disse. — Jax mencionou como a terapia o ajudou, e


acho que pode ajudar a desobstruir parte da bagunça

acumulada dentro da minha cabeça.

— Acho que é uma ideia brilhante. É preciso ser

corajosa para pedir ajuda. Só nunca esqueça que você não

está sozinha neste mundo, Kennedy. Eu te dou cobertura, e

você sabe a coisa mais bonita sobre tudo isso?

— O que é?

— Agora temos uma equipe de anjos cuidando de nós

todos os dias. Se isso não é uma bênção, não sei o que é.

NAQUELA NOITE, agradeci a Jax com minhas palavras e

meu corpo. Eu o amava como se fosse à única coisa que eu

deveria fazer. Nossos corpos se encaixam tão bem, como se

fossemos a peça de um quebra-cabeça. Eu amei o jeito como

ele me amava, tanto com seu corpo quanto com suas

palavras.

Enquanto estávamos deitados na cama, seu telefone

tocou e ele se sentou para vê-lo. Percebi o olhar sério em seu

rosto enquanto ele lia a mensagem.

— O que foi? — Eu perguntei.


— Era Amanda sobre o meu pai, — disse sombriamente.

— Ele está… não está bem. E tiveram que transferi-lo para

um hospital.

— Oh meu Deus, Jax. Eu sinto muito.

Ele começou a se mexer. — Eu tenho que ir lá. Tenho

que ir ver, eu tenho que… — Ele começou a vestir suas

roupas e suas palavras eram confusas. — Eu preciso…

— Ei, — eu disse, acalmando-o colocando minhas mãos

em seus ombros. — Está bem. Entendi. Vou te levar até lá.

— Não, não posso pedir para você fazer isso. Eu sei

como dirigir é para você. Estou bem, estou...

— Jax, você não está bem. Você não pode dirigir agora.

Entendi. Me dê suas chaves.

Ele as entregou com relutância, e pegamos nossas

coisas antes de sair. Quando entrei no banco do motorista,

respirei fundo. Eu mentiria se dissesse que meus nervos não

foram atingidos, mas tive que superar isso rapidamente,

porque no banco do passageiro havia um homem que estava

ao meu lado durante minhas tempestades, e agora era minha

vez de fazer o mesmo por ele. Liguei a chave na ignição, pisei

no acelerador e fomos embora.

Quando chegamos, as perspectivas não eram boas. Jax

trouxe um livro com ele, e os médicos o informaram que

não havia muito tempo para Cole, e disseram que Jax


deveria se preparar para se despedir.

Ele não disse uma palavra ao pai sobre seus

sentimentos. Ele não expressou seu amor ou gratidão. Ele

não compartilhou histórias sobre como seu pai havia mudado

sua vida. Em vez disso, ele se sentou e leu Guerra e Paz. Ele

leu capítulo após capítulo até que suas emoções começaram

a tirar o melhor dele. Quando se tornou demais, quando as

palavras falharam em seus lábios e a dor no coração começou

a afogá-lo, peguei o livro de suas mãos e comecei a ler.


Kennedy

COLE DEU seu último suspiro no dia cinco de agosto. Eu

estava lá com Jax quando aconteceu. Sentamos dentro do

quarto do hospital, com as enfermeiras nos dando espaço

enquanto Jax testemunhava os pulmões de seu pai

inspirando e expirando pela última vez.

Depois que aconteceu, Jax se virou para mim e falou

baixinho. — É errado que eu esteja um pouco aliviado por ele

ter ido? É egoísta pensar que ele não pode mais me

machucar? Isso faz de mim um monstro?

— Não, — eu disse, pegando sua mão na minha. — Isso

te faz humano.

No dia do funeral, o sol estava alto, mas o mundo

parecia sombrio. Foi uma pequena reunião de pessoas que se

encontraram no cemitério; Cole não queria uma cerimônia. O

irmão de Jax, Derek apareceu com sua noiva, Stacey. Eddie e

Marie vieram, junto com Connor, Yoana e Nathan. Todo

mundo que se importava com Jax estava lá para


confortá-lo.

Meu coração saltou quando me virei para ver outra

figura caminhando em nossa direção. Joy estava se

aproximando do cemitério, e quando ela chegou até nós, ela

tomou um lugar ao lado de Jax.

Ele se virou para ela, chocado por ela finalmente ter

saído de casa depois de tantos anos. — O que você está

fazendo aqui? — Ele perguntou, com a confusão enchendo

seu olhar.

Joy deu a ele o tipo de sorriso que ampara todos os

corações partidos. Ela pegou sua mão e a segurou com força.

— Eu vou onde o amor está, — ela respondeu calmamente. —

O que significa que eu vou onde você está.

Meu coração quase explodiu quando eu os vi

compartilhando esse momento.

— Obrigado, Joy, — Jax sussurrou.

— Sempre, — ela respondeu.

Quando chegou a hora de Jax dizer algumas palavras,

ele não tinha certeza do que deveria ser dito. — A maioria de

vocês nunca conheceu meu pai, e aqueles que o conheceram

sabem que ele não era um bom homem. É ridículo eu fingir

que ele foi um bom pai para mim, porque ele não foi. Ele foi

cruel, duro e, na maioria dos dias, eu o odiava, e

ainda… — Ele respirou fundo. — Você odeia tanto


alguém e ainda sente falta dele ao mesmo tempo? É assim

que meu amor por meu pai era, fatigado. Tudo o que eu

sempre quis fazer foi deixá-lo orgulhoso, mesmo nos seus

últimos dias.

Jax enfiou a mão no bolso do casaco e tirou o romance

que estava lendo para o pai. — Esse foi o livro que meu pai

viu minha mãe lendo no dia em que se conheceram. Ele disse

que leu porque queria algo em que pudessem se conectar.

Não vou mentir e fingir que meus pais tiveram um ótimo

relacionamento, porque não tiveram. Eles tinham falhas,

como todos nós, mas este livro os conectava, e eu queria

terminar de lê-lo antes de seus últimos dias, para que eu

pudesse encontrar uma conexão com ele também. Li alguns

capítulos, e foi assim que me senti sobre o nosso

relacionamento em geral. Que faltavam alguns capítulos.

Fungando, ele passou a mão embaixo do nariz e deu de

ombros. — Espero que ele encontre paz na escuridão, e

espero que onde quer que vá, a manhã chegue e que ele

tenha outra chance de encontrar sua luz.

Ele abaixou a cabeça enquanto suas emoções o

dominavam. Eu corri para ele para segurar sua mão. Eddie

foi também e pegou o livro da sua mão.

— O que você está fazendo? — Jax perguntou.


— Vou ler alguns capítulos, — disse Eddie, folheando as

páginas. — Porque o livro não está terminado até a última

palavra ser lida.

— Ainda há um longo caminho a percorrer, Eddie, —

argumentou Jax. — Você não pode ler tudo isso.

— Eu também vou ler alguns, — Yoana interrompeu, e

como uma reação em cadeia, todo mundo se adiantou para

ler enquanto estávamos ao redor do caixão de Cole. Foi o

momento mais bonito que eu já testemunhei. Passamos o

livro, um por um, e quando chegou à última página, Jax leu

as palavras em voz alta.

Quando terminou, ele colocou o romance em cima do

caixão e se despediu.

Então voltamos para nossos carros segurando as mãos

um do outro, porque andar sozinho não era algo que teríamos

que fazer novamente.


Kennedy

APÓS O FUNERAL, fomos para a casa de Jax. Parecia que

ele estava lidando bem com as coisas até que chegou a hora

de ele e Derek vasculharem os pertences do pai. Eles estavam

no escritório de Cole por um tempo antes de eu ouvir Jax

gritar: — Isso é besteira!

Alarmada, fui checar os dois para ter certeza de que

estavam bem, e no momento em que vi Jax, meu coração

começou a quebrar.

Seus olhos pareciam pesados e cansados e suas mãos

estavam envolvidas em um copo de uísque.

Não tivemos a chance de trocar de roupa depois do

funeral. Nós não tivemos a chance de pensar, realmente. O

terno preto de Jax estava desabotoado, sua gravata desfeita e

sua luz interior lentamente se apagara.

— Nós vamos resolver isto, Jax. Não se preocupe, —

disse Derek, com a voz sombria. Ele virou-se para sair

do escritório e deu-me um meio sorriso. — Cuide dele?


— Eu vou. — Derek fechou a porta atrás de si,

deixando-me sozinha com um Jax muito perturbado. — Você

está bem? — Perguntei.

— Ele era um idiota. — Jax acenou com a cabeça,

olhando para o copo, que estava tremendo. — E não quero

dizer de uma forma ‘sou um homem adulto com problemas

com o papai’. Não, quero simplesmente dizer que ele era um

idiota. Ninguém apareceu no seu funeral porque ele era um

idiota. Ninguém além de mim o visitou no hospital porque ele

era um idiota. Até o fim, mesmo depois de morto, ele é um

idiota de merda. — Ele riu, mas ambos sabíamos que não

havia nada de engraçado nesta situação. Cada risada parecia

uma facada. Cada sorriso parecia doloroso.

Apoiei-me no batente da porta e olhei para ele. — Jax…

— Não, — ele sussurrou, levantando o copo da mesa. —

Não me faça sentir melhor. Não quero a sua luz agora.

— O que eu posso fazer? Como posso ajudá-lo?

— Você não pode. Você não entende. Você não sabe o

que ele fez... — Respirou fundo e foi até à estante, onde

descansou a mão, com a bebida oscilando no copo. Suas

costas estavam viradas para mim, mas eu podia ouvir em seu

tom que ele estava quebrando.

— Diga-me, — insisti.


— Derek foi embora depois que minha mãe faleceu

depois que ele viu o homem que meu pai sempre foi

verdadeiramente. Ele foi esperto em fugir, e eu também

poderia ter saído com ele. Eu poderia ter saído. Derek me

disse para ir com ele, mas fiquei porque achei que devia algo

a meu pai. Ele nunca me disse nada que me fizesse sentir

bom o bastante. Ele nunca me deu um motivo para ficar.

Lembro-me de toda vez que ele colocou as mãos em mim.

Lembro-me de todos os comentários repulsivos que ele me

fez, e não consigo me lembrar se alguma vez ele tenha dito

que me ama. Nunca. Então ele morre. Ele morre, Kennedy.

Morre. E tem a coragem de deixar isso para trás. — Ele fez

um gesto em direção à mesa.

Meus olhos viajaram para o local antes de me aproximar

e levantar a papelada. Era uma cópia do testamento do seu

pai.

Jax riu. — Vá para a página três, parágrafo quatro, —

ele ordenou. Quando fiz o que disse e li o que estava escrito

lá, meu estômago caiu e senti uma onda de enjoo tomar

conta de mim.

Meu olhar encontrou o de Jax e ele assentiu. Reli o

parágrafo, esperando que estivesse errado, um erro de

digitação, algum tipo de erro. Mas não era.

— Ele deixou a Derek, a empresa de canalização e a

propriedade. Deixou tudo para ele…, — disse,

balançando a cabeça, mordendo o canto da boca. —


Isto é tudo o que eu já tive. Meu pai e este lugar eram tudo o

que eu sempre tive, e ele deu a meu irmão, que fugiu.

Não tinha certeza do que dizer. Não tinha certeza de

como processar essa informação. Tudo o que eu sabia era que

Jax tinha recebido uma mão de merda na vida, e justamente

quando parecia que a possibilidade de ele dar a volta por

cima, a vida voltava novamente à realidade, dando-lhe outra

ronda de desilusões.

— Ele deve ter deixado algo para você… Ele deve ter… —

As minhas palavras tropeçaram e cambalearam na minha

língua. — Isto não faz sentido, — eu disse ainda incrédula.

— Cole Kilter nunca fez sentido.

— Ele não deixou nada para você?

Ele balançou a cabeça e apontou para o testamento

novamente. — Há uma caixa de sapatos no chão. Foi o que

ele me deixou.

Olhei para baixo e peguei a caixa. Lá dentro estavam as

cartas – as nossas cartas, as que eu nunca tinha recebido de

Jax e as que eu tinha enviado que ele nunca recebeu. Em

cima delas havia um pedaço de papel que dizia: ‘Você levou a

minha felicidade, então eu levei a sua’.

Quando olhei para cima, Jax estava olhando para mim.

Eu não tinha ideia do que dizer ou o que sentir, então

eu não podia nem imaginar que pensamentos estavam


passando por sua mente.

— É engraçado, não é? — Ele andou pelo escritório, com

a voz elevando-se. — Mesmo do seu túmulo, ele pode me

machucar.

— Jax…

Ele balançou a cabeça para frente e para trás. — Todo

esse tempo pensei que haveria algum motivo para tudo isso,

alguma razão por trás de toda essa besteira, mas não havia.

Como é que eu ia resolver isto? Como poderia eu, fazer

um homem que passou toda a sua existência lutando pelos

outros, ver que também merecia lutar por ele, quando tantas

coisas na sua vida tinham contado uma história diferente?

— É tudo uma piada, — ele murmurou. Recuando,

olhou para o estrago e vi o pequeno tremor em seu lábio

inferior. Deixou cair o copo no chão, e enquanto se

estilhaçava, ele também quebrava. E caiu de joelhos e seus

ombros caíram para frente. Ele não chorou, mas eu sabia que

era o seu ponto de ruptura. Minha mão cobriu minha boca

para esconder meus próprios gritos pela alma quebrada

diante de mim. Quando ele não conseguia chorar, eu me

desfiz por ele.

Suas mãos pousaram sobre o copo quebrado, que

cortou sua pele. Aproximei-me dele e não disse uma

palavra. Não pedi que ele ficasse de pé. Não pedi que

ele tentasse ser forte. Sentei-me ao seu lado durante


a sua tempestade, e fiquei quando ele me implorou que o

deixasse sozinho.


Kennedy

— COMO ELE ESTÁ? — Derek perguntou depois que eu

forcei Jax a dormir um pouco. Derek e Stacey estavam

hospedados na pousada da cidade. Stacey voltou para

descansar, mas ele não queria ir embora sem saber que seu

irmão estava bem.

Fui até ele e sentei-me no sofá ao seu lado. — Ele está

lutando, é claro. Não posso censurá-lo. O que seu pai…

— Ele não era meu pai, — Derek sibilou entre dentes. —

Ele também não era o pai de Jax. Nem de longe. A forma

como aquele monstro o tratava era nojenta. Eu nem consigo

imaginar o que ele passou quando eu parti. Eu não devia têlo

deixado aqui.

— Você tentou fazê-lo ir com você, — ofereci.

— Sim, bem, eu deveria ter insistido mais.

— Pelo menos você pode deixar-lhe a propriedade, —

eu disse. — Tenho certeza que você pode assinar em

seu nome, ou algo assim. Tenho certeza que há uma


maneira de fazer isto funcionar.

Derek baixou a cabeça. Com as mãos entrelaçadas, e os

seus nós nos dedos estavam brancos enquanto ele se

mantinha calado.

— Derek, — insisti. — Você pode transformar a

crueldade do seu pai em algo bom.

— Eu sei, — ele concordou. — É exatamente por isso

que vou vender esse buraco pelo maior lance.

Senti a pontada de suas palavras. — Você não pode

fazer isso. Este lugar significa tudo para Jax.

— Sério? É por causa dos buracos nas paredes? É isso

que o mantém aqui? Ou as lembranças de quando Cole jogou

o micro-ondas no chão da cozinha? Ou as memórias de

quando ele me deu um soco tão forte que eu desmaiei na

noite anterior à minha partida? É isso que o mantém aqui? —

disparou ele.

— Não. Claro que não.

— Então o que diabos poderia mantê-lo neste lugar?

— Sua mãe, — eu sussurrei.

Derek começou a bater o pé no chão acarpetado. Todo o

seu corpo tremia. — Essa é outra razão pela qual ele deveria

deixar este lugar para trás. É muita tragédia.


— Ele está tentando transformar isso em algo bonito.

Você precisa acreditar nisso, Derek.

— Você não pode tirar beleza do nosso passado. Confie

em mim, eu tentei.

Fiquei triste ao ver a ansiedade de Derek aumentar cada

vez mais à medida que ele estava ali sentado. Eu sabia que a

sua mente se movia à velocidade da luz, e ele acreditava

verdadeiramente que estava fazendo a coisa certa ao vender

as terras da sua família.

— Derek…

— Vou entrar em contato com as pessoas certas para

que isto avance o mais rápido possível. — Levantou-se do

sofá e encostou o polegar nas sobrancelhas. — Tenho um voo

para casa amanhã cedo, mas entrarei em contato com Jax.

— Espera, não. Por favor, reconsidere, — implorei,

disparando para me levantar. — Isto vai quebrá-lo, Derek. Se

você tirar esta propriedade dele, ele vai quebrar.

O canto de sua boca se encolheu quando ele se recusou

a fazer contato visual comigo. — Ele passou por coisas piores

e sobreviveu. Tenho certeza de que também passará por isso

e sairá mais forte. Poderá finalmente começar uma vida.

— Ele tem uma vida aqui.

— Não, ele tem uma jaula aqui. Uma em que ele

está preso por muito tempo. Escuta, Kennedy, eu


entendo. Você se importa com ele. Eu também. É por isso que

estou fazendo essa escolha. Ele não vai fazer isso por si

mesmo. Eu fiz muitas coisas erradas na minha vida. Eu fiz

escolhas erradas várias vezes, mas sinto na minha alma que

isso é o certo.

— Para onde ele vai? — Sussurrei, balançando a cabeça.

— Sem a casa dele, para onde ele irá?

— Essa é a beleza de tudo, — murmurou enquanto

alisava seu terno de grife. — Ele poderá ir a qualquer lugar,

menos aqui. Diga a ele que eu disse adeus, sim?

— Que tal você mesmo contar a ele? Seja homem. Olhe

nos olhos do seu irmão e diga a ele o que você está fazendo.

— Nunca fui uma pessoa corajosa. — Ele abaixou a

cabeça por um segundo e respirou fundo antes de suspirar.

— Apenas diga que é o melhor e eu entrarei em contato.

— Você é um covarde. — Eu lancei, enojada com a ideia

de que Derek iria embora sem contar a Jax seus planos. Que

ele nem teria a coragem de olhar o rosto de seu irmão e dizer

a verdade. — Ele te adora, e você vai acabar com ele.

— Ele vai me perdoar, porque é isso que Jax faz. Ele

perdoa as pessoas.

— Mas isso não lhe dá o direito de se aproveitar dele.

— Você está certa, e talvez eu tenha que enfrentar

uma carga pesada de carma por essa escolha, mas,


pelo menos, vou conseguir dormir melhor sabendo que meu

irmão não está nesta prisão. Entendo que você se preocupa

com ele, inferno, estou feliz que ele tenha alguém lutando por

ele, mas também estou lutando por ele. Sinto muito que você

não possa ver isso agora, mas com o tempo talvez você veja.

Adeus, Kennedy.

E me deixou lá com a notícia que eu sabia que ia

destruir o homem que eu amava.

Lá estava eu, com a bomba em minhas mãos, que eu

sabia que explodiria a alma de Jax da pior maneira possível.

DEPOIS de eu ter dado a notícia da partida e dos planos

de Derek, ele não ficou chateado. Não gritou e não teve

nenhum colapso. Parecia… desanimado. Entorpecido, talvez.

Como se rolasse por todas as emoções e ficasse com um vazio

absoluto.

— Acho que você deve ir, — disse Jax enquanto

estávamos sentados na beira da sua cama.

— Não, Jax. Eu não vou te deixar.

Fiquei tranquilizando-o, mas não tinha certeza de

que ele estava me ouvindo mais.


Estava desligado do seu ambiente, desligado dos seus

sentimentos, desligado de mim.

Levantou-se da cama, e pigarreou. — Tenho de ir ao

banheiro.

Também me levantei, junto com ele, que me deu um

sorriso fraco. — Você não precisa me seguir até o banheiro,

Sun. Acho que consigo lidar com isso.

— Oh, certo. Claro. Tudo bem. Estarei aqui esperando.

— E me sentei conforme ele saiu do quarto, alguns momentos

depois, ouvi o motor da sua caminhonete ligar. Corri para a

porta da frente a tempo de vê-lo partir.

— ELE NÃO ATENDEU AO telefone. Eu liguei sem parar. Já

faz mais de quatro horas— expliquei a Yoana no momento em

que ela chegou à minha casa. — Estou realmente

preocupada.

— Tenho certeza que ele está bem. Provavelmente

precisava limpar a cabeça. Tudo o que aconteceu foi muito

para ele.

— Eu não quero ele sozinho, quero estar lá para

ele. Eu sinto que precisa de alguém, ao seu lado, mas


ele está afastando a todos. E sei como é estar nesse inferno.

Afastei você por um ano inteiro porque sabia que você me

daria conforto e não achava que merecia.

A tristeza dessa verdade ardeu nos olhos de Yoana. —

Você o ama, não é?

Eu assenti. — Com tudo o que sou.

Ela me deu um sorriso quebrado e me cutucou no

braço. — Você sabe o que se faz quando se ama alguém?

— O quê?

— Ame-os muito mais em seus piores dias. Jax está

sofrendo, e mesmo que ele ache que não, ele precisa de você.

Ele precisa de você mais do que nunca. Você sabe o que eu

faria se fosse Nathan?

Esperei por sua resposta.

Ela se levantou, caminhou até a porta da frente e

começou a calçar os tênis. — Eu procuraria em todos os

cantos do mundo para trazê-lo de volta para casa para mim.

Então, vamos procurá-lo.

Peguei meus sapatos e estávamos a caminho.


Jax

— UÍSQUE—, murmurei, deslizando meu copo vazio em

direção ao barman. Não sabia quanto tempo eu estava

sentado dentro daquele bar. Não sabia quanto tempo eu

estava lá. Afastei-me de Kennedy e seu conforto, porque

minha mente estava muito confusa. E precisava me afastar e,

quando consegui sair pela cidade, percebi que não tinha mais

para onde ir.

Eu não conhecia mais nada além daquela maldita

cidade.

Então, acabei no Ray's Bar e Grill, bêbado em uma noite

de sábado. Eu estava oficialmente no ponto em que o uísque

parou de queimar e meus pensamentos ficaram em branco.

Bom. Eu não queria sentir nada. Não queria lidar com o fato

de que, depois de anos tentando compensar meus erros, eu

ainda tinha falhado. E estava sem teto, e sem trabalho.

Dei a meu pai tudo o que tinha e ele me ferrou.

Apesar de ele ter me dito que, um dia, eu ficaria com a

terra. Apesar de ele ter jurado que me passaria a


terra. Esse foi meu erro por acreditar num mentiroso. Eu

poderia muito bem acreditar no Papai Noel.

— Você tem certeza que já não bebeu o suficiente, Jax?

— Ray perguntou, estreitando os olhos. Qual era a história

das pessoas que batizavam seus bares com seus primeiros

nomes nesta cidade? Faltava-lhes assim tanta criatividade?

Merda.

Eu estava bêbado.

— Enterrei um idiota hoje, Ray. Tenho direito de tomar

mais de uma dose de uísque, — sussurrei.

Ray fez uma careta. — Ouvi falar sobre isso. — Ele não

me ofereceu suas condolências, porque ele era um homem

honesto. Ele não estava triste por meu pai ter falecido. Não o

culpo. No entanto, ele colocou meu copo de volta na minha

frente e deixou a garrafa de uísque comigo.

Passei as mãos por meus cabelos selvagens e

indomáveis antes de servir outro copo. Desliguei o telefone

para evitar as ligações de Kennedy que continuava me

ligando. Eu não estava pronto para me sentir bem. Não

estava pronto para o amor que ela iria me dar.

Tudo o que eu queria fazer era me afogar nas minhas

verdades patéticas.

Tudo o que eu queria era ser deixado sozinho.


Infelizmente, eu sabia que isso não aconteceria no

momento em que ouvi uma voz risonha no bar. — Oh meu

Deus, Lars! Pare com isso, — Amanda bufou.

Olhei por cima do ombro para ver duas Amandas e três

Lars, entrando no bar. Estavam bêbados, obviamente, e

dançavam a música country que estava ressoando do rádio.

Desde quando a música estava tocando?

Talvez o tempo todo.

Pisquei algumas vezes e balancei a cabeça. Acabou que

havia apenas uma Amanda e um Lars. Tanto faz. Isso não

importa.

Voltei ao meu uísque e tentei o meu melhor para me

livrar do meu aborrecimento quando Lars gritou. — Bem, se

não é Jax Kilter no bar. Que bom para todos! — Ele gritou,

batendo palmas.

Meu peito apertou, mas, ainda assim, o ignorei.

— Deixe-o em paz, Lars, — disse Amanda. — Ele já

passou por muito hoje.

— Oh sim. Tinha até me esquecido disso. Aposto que é

por isso que ele está aqui, no entanto. Tenho certeza que ele

está tomando uma bebida em comemoração ao seu pai

moribundo. É isso que você está fazendo, Jax? Perguntou

Lars, marchando na minha direção e colocando suas

mãos contra os meus ombros.


Minhas mãos agarraram o copo e fiquei parado.

— Lars, vamos lá. Vamos pegar uma mesa e comer, —

Amanda implorou, como se estivesse surpresa pelo fato de

Lars ser um idiota. Estava no DNA dele. — Deixe-o em paz.

Será que ela acreditava realmente que isso era algo que

Lars faria? Ele nunca me deixou em paz durante toda a

minha vida. Porque é que ele iria ter calma comigo essa

noite? Além disso, o passatempo favorito do Lars era dar

pontapés nas pessoas quando elas já estavam abatidas.

Nada como bater num cachorro morto.

— Que tal você conseguir uma mesa, enquanto eu

converso com um velho amigo. — Ele pediu.

— Não sou seu amigo, — sussurrei.

Ele inclinou a cabeça em minha direção e se aproximou.

— O que você disse?

Amanda deu alguns passos em nossa direção. — Lars…

— Vá, — ele ordenou, dando-lhe seu sorriso arrogante.

Eu olhei para Amanda. Os olhos dela estavam cheios de

preocupação. Não tinha certeza se a preocupação era comigo

ou com ela mesma.


— Não deixe ele falar assim com você, — falei

suavemente. — Não deixe ninguém falar assim com você.

— Jax…, — ela começou, e Lars mais uma vez a

interrompeu.

— Eu disse, arrume uma mesa, — ele retrucou.

Como pôde ela acabar com ele? Ela era melhor do que

isso. Ela merecia algo melhor. Com base na forma como

baixou a cabeça e foi procurar uma mesa para os dois, ela

não sabia que estava melhor sem ele.

Sabia que eu não era fã do Lars. Não consegui deixar de

pensar se ela foi atrás dele para tentar chamar minha

atenção.

— Isso te incomoda? — Lars me perguntou. — Eu

fodendo sua ex-mulher?

— Cara. Você está falando sério? Nós temos quase trinta

anos. Que tal você superar essa merda? — Murmurei. Está

um pouco velho para isso.

— Deve estar matando você. Na verdade, estou

surpreendido por Amanda ter ficado contigo tanto tempo

quanto ela ficou. E quer saber de uma coisa? Depois de eu

acabar de foder com ela, também vou foder tua nova garota.

Daí ele já foi longe demais. — Se você chegar perto

de Kennedy, — eu sibilei, virando-me de lado.


— Ohh, aí está ele. — Ele sorriu. — A fera está

acordando.

— O que você quer de mim, Lars?

— Quero que você saia desta cidade. Estamos melhores

sem você. E você acha que é esperto? Começando um negócio

de paisagismo? Levando meus clientes?

— Não estou começando um negócio de paisagismo, —

murmurei.

— Então que diabos é isso? — Ele latiu, jogando um

cartão de visita em minha direção.

Peguei e tentei focar meu olhar o melhor que pude.

Claro, Connor fez cartões de visita e os estava distribuindo

pela cidade. Deveria saber que ele acabaria fazendo algo

estúpido assim.

— Não é verdade, — eu disse a ele.

— É verdade para mim quando as pessoas falam sobre

receber cotações de outra empresa. Não posso ter você aqui

tirando dinheiro do meu bolso.

— Ninguém está pegando seu dinheiro, — eu gemi.

Estava bêbado demais para isso. Por que Lars estava falando

comigo? Ele não tinha um encontro para voltar?

— Claro que não, porque você é um vagabundo, tal

como seu pai morto. Ninguém nesta cidade quer


trabalhar contigo, além de consertar seus banheiros de

merda. Um homem de merda lidando com a merda, isso é

tudo que você é. Eu gostaria que você tivesse se matado

quando matou sua fodida mãe, — sussurrou com sua voz

baixa e coberta de veneno.

E, sem mais nem menos, as partes entorpecidas da

minha alma acenderam-se dentro de mim enquanto ele falava

sobre a minha mãe. — O que é que você quer, Lars? — Erguime,

levantando-me do banco. — Você quer que eu surte?

Quer que eu enlouqueça? Quer que eu lute com você? Quer

me fazer parecer um idiota? Bem. Aqui estou, Jax-porra-

Kilter! O idiota que matou sua mãe. O idiota que foi

espancado pelo pai. O idiota que não tem nada. Você quer

que o monstro em mim apareça? Aqui está! Vamos lá! Faça o

seu melhor, — sibilei, com os braços bem abertos. O que é

que eu tinha a perder?

— Você realmente quer fazer isso, Kilter? — Lars

perguntou, aparentemente surpreso.

Não. Eu não queria lutar com Lars. Eu não queria fazer

nada. Eu estava bêbado, tudo estava girando, e o

entorpecimento que eu segurava estava desaparecendo.

Balancei minha cabeça. — Não importa, — eu

murmurei.

— O que há com você, hein? Por que você é um

cara tão estranho? Por que você está sempre


sussurrando? — Lars latiu. — Eu não sei como Amanda

aguentou isso.

Não queria lidar com ele. Não queria lidar com ninguém.

Tudo o que eu queria era ser deixado em paz.

Quando me virei para me afastar, Lars agarrou meu

ombro e me virou para encará-lo. — Eu não terminei de falar

com você, idiota! — Ele gritou, e sem pensar eu bati meu

punho direto em seu rosto.

E não quis fazer isso. Eu estava indo embora. Tudo o

que eu queria ir para casa.

Eu não tinha casa…

Merda, merda, merda.

Antes que eu pudesse me concentrar, Lars me atacou e

me mandou para o chão. Começamos a lutar enquanto todos

no bar gritavam. Amanda parecia estar chorando. Algumas

pessoas aplaudiram, outras tentaram nos separar.

— Sai fora daqui! — Ray gritou, tirando um do outro.

— Ray, desculpe. — Lars ficou de pé. — Foi ele que

começou.

— Poupe-me, Lars. Você é um idiota de verdade por

mexer com Jax hoje, de todos os dias. Dê o fora daqui, — ele

ordenou. E Ray estendeu a mão para mim. — Você está

bem, Jax?


Balancei a cabeça, mas não disse mais nada enquanto

estava me levantando. Meu rosto doía. Minha cabeça doía.

Meu coração também doía.

Enfiei a mão no bolso, peguei meu dinheiro e joguei no

balcão. — Desculpe Ray, — eu sussurrei antes de sair do bar.

Comecei a afagar meus bolsos, procurando por minhas

chaves quando uma voz me chamou.

— Jax!

Eu olhei para cima e vi quatro Kennedys vindo em

minha direção.

Duas Kennedys.

Não, apenas uma.

— O que você está fazendo aqui? — Gaguejei,

tropeçando. Eu poderia ter deitado na calçada e ficaria bem.

— Estou aqui para levá-lo para casa, — disse

envolvendo um braço em volta do meu.

Eu puxei para longe. — Casa? — Eu ri. — Boa Kennedy.

Comecei a andar na direção oposta a ela, e ela me

seguiu. — Espere Jax. Vamos. Você pode ficar na minha

casa. Você não precisa ficar sozinho.

— Por que não? É assim que tem sido.


— Você está bêbado, — ela sussurrou, voltando para

mim e segurando meu braço. Aquele choque elétrico que ela

enviava ainda estava lá. Odiava como ela me confortasse.

Odiava como estar perto dela fazia as coisas parecerem um

pouco melhores.

— Estou ferrado. — Suspirei. — Eu devo ir. Preciso sair

desta cidade. Preciso sair deste lugar. Preciso...

— Venha comigo, — ela interrompeu. Com seus olhos

cor de mel me perfurando.

— Onde?

— Onde quer que seja. Em qualquer lugar. Para onde

quer que você vá, leve-me com você. — Ela tomou as minhas

mãos nas dela e puxou-me para mais perto do seu corpo. Eu

queria afastar-me, mas queria permanecer ainda mais. Sua

testa descansou contra a minha. — Fica, Jax.

— Sun…

— Fique, Moon, — ela sussurrou, colocando as mãos no

meu peito.

Meus olhos se fecharam quando minha mente começou

a girar.

— Fique comigo, — ela implorou.

— Não tenho nada, Kennedy. Não tenho nada para

lhe oferecer.


— Dê-me seu coração, e é tudo que preciso. Por favor,

Jax. Por favor — ela implorou, passando os lábios

suavemente pelos meus. — Se você ficar, eu vou te amar para

sempre.

Abri os olhos e lá estava ela, minha amante. Minha

amiga. Minha luz do sol.

— O que eu vou fazer? — Perguntei, com minha voz

falhando.

— Vamos para casa hoje à noite e vamos descobrir de

manhã. Tudo bem?

Nós vamos descobrir isso.

Nós.

Já não era apenas eu. Eu não estava mais sozinho,

porque Kennedy era corajosa o bastante para andar ao meu

lado.

E balancei a cabeça lentamente e peguei a mão dela na

minha. — Tudo bem.


Kennedy

— O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI? Como você sabia onde

eu estava? — Derek perguntou na manhã seguinte.

— Há apenas uma pousada na cidade. Não é tão difícil.

Eu não dormi ontem à noite, porque Jax não conseguia

dormir, então fiquei com ele até o sol nascer.

— Posso te mostrar uma coisa? — Eu perguntei.

Derek coçou a barba e pigarreou. — Stacey e eu temos

que chegar ao aeroporto em breve. Eu realmente não tenho

tempo.

— Não vai demorar muito. Só quero te mostrar uma

coisa.

— Mostrar-me o quê?

— O que Jax criou. Venha ver, por favor. Prometo que

você verá que sua propriedade precisa ficar com Jax.


Ele olhou para o relógio de pulso e cruzou os braços. —

Eu só tenho cerca de vinte minutos.

— Confie em mim, não vai demorar muito.

Ele não disse mais nada, apenas assentiu.

Levei Derek para o bosque na terra de Jax. Nós não

dissemos uma palavra o caminho todo. Quando chegamos ao

campo das margaridas, os olhos de Derek se encheram de

lágrimas ao ver todas aquelas flores.

— Margaridas, — ele sussurrou, parecendo seu irmão.

— Sim.

— Eram suas flores favoritas. — Ele limpou a garganta.

— Jax fez este lugar para ela?

— Sim. E têm muitos outros planos também. Manteve

todas as antigas plantas de paisagismo dela e...

— Merda, — Derek sussurrou antes que um grito caísse

em seus lábios. — Porra!

Sua explosão me jogou em um loop, e eu não tinha

certeza do que dizer. — Desculpa se te aborreci ao trazê-lo

aqui, — disse me sentindo culpada por minha ideia. Pensei

que iria ajudá-lo.

— Não, você não entendeu, — ele disse enquanto as

lágrimas começaram a cair em suas bochechas. Ele


colocou as mãos acima da cabeça visivelmente emocionado.

— Não, você não percebe.

— Percebo o que?

— Tudo isso. — Engoliu em seco e colocou as mãos

atrás da cabeça. — Tudo o que meu irmão passou é minha

culpa, porra.

Estreitei meus olhos, perplexa. — Do que você está

falando?

— Todas as suas lutas, toda a sua dor. Ele ficar preso

com Cole, é tudo por minha culpa. E aqui ele está plantando

as flores favoritas da mamãe por culpa de algo que nem é

culpa dele.

— Derek. O que está acontecendo?

— O acidente. Não foi ele. — Sua cabeça caiu e as

lágrimas caíram rapidamente pelas bochechas. Todo o seu

corpo tremia quando ele falou as palavras que viraram meu

mundo inteiro de cabeça para baixo. — Fui eu, Kennedy. Fui

eu. Eu atirei nela. Eu matei nossa mãe, não Jax.

As palavras me embalaram, e o silêncio que encheu a

floresta era aterrorizante.

Eu dei alguns passos para trás. — O quê? Não. Foi o

Jax. Eu sei que provavelmente se culpa por você tê-lo

deixado aqui, mas...


— Não, — Derek discordou. — Fui eu que fiz isso. Eu

puxei o gatilho, Kennedy. Sua arma ainda estava com a trava

segurança. Ele não desativou a trava. Eu fiz isso. Sinto

muito. Peço desculpas. Eu atirei nela. Eu matei minha mãe.

Ele começou a soluçar incontrolavelmente enquanto

revelava suas verdades. — Eu sinto muito. Eu sinto muito.

Não sabia o que fazer eu não sabia como avançar com

tudo o que estava saindo da boca de Derek. Ele atirou em sua

mãe? Ele matou Elizabeth e permitiu que Jax convivesse com

a ideia de que foi ele quem puxou o gatilho?

Que diabos estava acontecendo?


Derek

Dezessete anos de idade

COLE cancelou a viagem de acampamento de verão de

Jax. Ele não o deixou ir, porque Jax não matou o cervo.

Mamãe lutou com Cole para deixar Jax ir, mas ele disse que

era o dinheiro dele e não estava enviando seu filho fraco para

o acampamento.

Mamãe e Cole brigavam o tempo todo ultimamente, eu

não aguentava mais. Era como antes, quando mamãe brigava

com meu pai. Eu odiava os gritos, mas odiava o pensamento

de deixarmos Cole mais. Eu sabia que mamãe o deixaria, se

Jax não mudasse. Eu já perdi um pai e não queria perder

outro.

Na maior parte do tempo, Cole era tudo que eu queria

em um pai. Ele vinha a todos os meus jogos de futebol. Nós

pescamos juntos. Nós íamos caçar. Ele era incrível pra

caralho. Claro, ele era duro com Jax, mas isso era culpa

de Jax. Ele agia como um bebê o tempo todo. Se ele

agisse como um garoto e não como uma garotinha,


Cole o trataria como ele me tratava. Então, mamãe e Cole

ficariam felizes e tudo ficaria bem. Eu ia me certificar disso.

— Saia da cama, — gritei, entrando no quarto de Jax e

empurrando-o no ombro no final de uma tarde, depois de

outro dia de mamãe e Cole brigando. — Temos que sair e

fazer isso rápido.

— Fazer o que?

— Você tem que matar um cervo e daí Cole vai te

perdoar.

O rosto de Jax caiu quando o pânico passou por ele. —

Não, não. Eu não posso fazer isso, — ele gaguejou.

Puxei seu cobertor e o tirei da cama. — Sim, você pode,

Jax. Você está com medo.

— Eu não estou, — mentiu. Ele estava apavorado.

— Sim você está. Agora vamos lá. Você realmente quer

ser a razão pela qual mamãe vai deixar Cole? Você quer que

seus pais se separem?

— Não.

— Então vamos lá.

— Nós não podemos nem pegar as armas. Papai as

mantém trancadas.


Coloquei as chaves de Cole na frente do rosto dele. —

Deixa comigo. Vamos, agora antes que eles percebam que não

estamos na cama.

Jax ficou parado por um momento, e eu gemi, batendo a

palma da mão na minha testa. — Jax, agora é a hora. Tenha

medo para sempre, ou apenas faça isso, — falei com meus

olhos penetrando nos dele. Seu olhar parecia tão gentil, como

o de mamãe. Ele também era calmo como ela. Emocional.

Cole disse que eles eram muito emocionais para o seu próprio

bem.

— Você não quer que Cole te ame como ele me ama? —

Eu o repreendi.

Isso o fez levantar.

Eu o arrastei para fora do quarto e o fiz colocar um

tênis. Ele me seguiu até o galpão, onde pegamos as armas. —

Pegue a arma de Cole, — eu pedi. — Ele ficará impressionado

ao ouvir que você matou um cervo com sua arma favorita.

Assim que saímos, certifiquei-me de que Jax segurasse a

arma. Ele estava tremendo muito.

Estava escuro e eu sabia que ele odiava o escuro. Não

havia muito do que Jax não tivesse medo, isso era certo.

Tudo o que tínhamos era a luz da lanterna que eu

trouxe conosco, com uma vela tremeluzente. Imaginei

que uma lanterna assustaria muito o cervo.


Eu também tinha minha arma, caso Jax precisasse de

ajuda.

Tudo o que ele tinha que fazer era matar o cervo. Tudo o

que ele tinha que fazer era puxar o gatilho e Cole gostaria

dele. Então tudo voltaria ao normal. Mamãe e Cole parariam

de brigar, e poderíamos ser uma família.

Usei a lanterna para nos ajudar a ver o cervo se

movendo entre as árvores. Cole me ensinou que era preciso

ter paciência ao capturar uma beleza como o cervo cauda

branca.

Então, esperamos, esperamos e esperamos um pouco

mais.

Finalmente, ele apareceu. O cervo era grande. Quase

duas vezes maior do que eu matei no outono passado.

— Aí está, Jax. Ele é lindo! Foco, — ordenei, embora as

mãos de Jax estivessem trêmulas.

Então, ouvimos a voz na floresta, chamando por nós

dois. — Jax! Derek!

Mamãe.

Ela estava vindo.

Ela sabia que havíamos saído.

Porra.


— Faça! — Eu sussurrei, fazendo Jax saltar e derrubar

a vela.

— Nossa, Jax, vamos lá! Você entendeu, apenas aperte o

gatilho. Puxe o gatilho, aperte o...

A arma disparou e Jax soltou a arma de suas mãos.

Ouvimos um grito.

A arma caiu das minhas mãos e eu tentei o meu melhor

para olhar para a escuridão. Ouvi soluços enquanto corria

pela escuridão em direção aos gritos. Quando cheguei ao

barulho, uma onda de pânico passou por mim quando vi

sangue na grama e os galhos ao meu redor. E olhei para um

par de olhos de corça, que estavam arregalados de pânico.

eu.

— Mamãe! — Eu gritei. E Jax correu, aterrorizado como

— Meninos, — mamãe suspirou, tremendo com as

palavras enquanto as lágrimas escorriam por suas

bochechas.

O que?

Como?

Não…

As mãos de Jax pegaram as dela nas minhas

quando comecei a gritar. — Socorro! — Eu gritei, o

pânico atingindo cada centímetro do meu ser. Meu


peito subiu e batia descontroladamente quando senti como se

meu coração estivesse sendo arrancado de dentro do meu

peito.

— Está tudo bem, baby, — mamãe choramingou,

apertando as mãos nas de Jax.

— Sinto muito, mãe, — Jax soluçou.

Suas palavras desapareceram quando a escuridão da

noite começou a me engolir inteiro.

Não, não, não…

— O que eu fiz?! — Jax chorou quando o pânico se

instalou no meu peito. Foi tudo minha culpa.

Lágrimas inundaram meus olhos quando ele olhou para

mamãe. — Oh meu Deus, — gritei, andando de um lado para

o outro. Não foi ele. Não foi ele.

Diga a ele que era minha arma.

Diga a ele que eu apertei o gatilho.

Seja fodidamente corajoso!

Mas não consegui.

Eu não consegui dizer as palavras.

E disse a única coisa que nunca deveria ter saído

dos meus lábios enquanto meu irmãozinho chorava

com nossa mãe em seus braços. — Jax, — eu gritei,


com minha voz tensa. — O que você fez!?


Kennedy

Presente

NENHUMA PALAVRA FOI DITA quando Derek revelou sua

história.

Ele continuou a desmoronar no meio das margaridas, e

eu balancei minha cabeça. — Você tem que dizer a verdade a

ele.

— Não, não posso. Eu não consigo… isso vai matá-lo, —

ele engasgou. — Ele nunca vai me perdoar.

— Isso não importa, Derek. Ele passou pelo inferno,

vivendo toda a sua vida com essa dor e culpa por algo que

nem sequer fez! Confesse, admita! Você não merece esconder

isso dele. E me desculpe, se você não contar a ele, eu irei.

— O que está acontecendo? — Uma voz perguntou atrás

de nós. Eu me virei para ver Jax parado ali, parecendo

confuso. — Derek, você está bem? É por causa da morte

do papai? — Perguntou tão ingênuo.


Derek balançou a cabeça. — Sinto muito, Jax.

— Está bem. Seja o que for, está tudo bem. — Ele foi até

o irmão, ignorando completamente o motivo por trás das

lágrimas de Derek. Ele não tinha ideia de porque seu irmão

estava desmoronando, mas ele o confortou. Um conforto que

eu não acreditava que ele merecesse.

— Diga a ele, — ordenei a Derek, cuja culpa estava

estampada em todo o seu rosto.

— Dizer-me o que? — Jax perguntou. — O que está

acontecendo?

Derek abaixou a cabeça e continuou se desculpando. As

palavras pareciam menos legítimas toda vez que saíam de

sua boca.

— Desculpe pelo quê? — Jax questionou. — O que

diabos está acontecendo?

Derek respirou fundo e revelou tudo ao irmão.

As palavras queimaram quando caíram da língua de

Derek e atingiram a alma de Jax.

Jax se afastou do irmão, e falou. — Não. Você me

deixou... — Ele fechou os olhos com força e respirou fundo.

— Passei a vida inteira pensando que fui eu quem...


— Eu sei, — confessou Derek, balançando a cabeça. —

Eu sei. Não posso voltar atrás e me desculpe. Fugi todos

esses anos atrás porque não conseguia enfrentar o que tinha

feito, Jax. Eu fui um covarde. Estava fodido da cabeça e saí.

Me arrependo disso todos os dias da minha vida.

— Toda vez que te ligava e você dizia que não era minha

culpa. E você tentando martelar isso na minha cabeça, em

toda oportunidade que tinha. Você tentou me convencer disso

com o fato de que eu não deveria me culpar, e eu nunca

entendi o porquê. Eu imaginava que você estava tentando me

confortar, mas a verdade era que você estava tentando

confessar.

Derek continuou chorando, e Jax ficou em silêncio.

Não sabia o que fazer, o que dizer, como melhorar a

situação. Eu tinha quase certeza de que Jax estava prestes a

quebrar. Eu teria enlouquecido se essas verdades me fossem

reveladas. Mas para minha surpresa, para surpresa de todos,

ele ficou calmo.

— Dê para mim, — Jax disse ao irmão. — Esta terra, me

dê. Não quero mais nada de você. Você me deve isso. Não

quero seu tempo e não dou a mínima para suas desculpas,

mas você me dá isso e depois seguimos em frente.

— É sua, — disse Derek, abatido enquanto se rendia. —

É sua.


Derek se afastou, ainda sussurrando suas desculpas.

Corri para o lado de Jax e peguei suas mãos nas

minhas. — Não consigo imaginar o que você está sentindo.

Não consigo nem pensar o que está passando por sua cabeça

agora, mas eu só quero que você saiba que estou aqui com

você. Estou aqui, Jax, e não vou sair do seu lado.

Fechou os olhos e encostou os lábios à minha testa.

Encostou-me a ele e me segurou com força. — Está tudo uma

bagunça.

— Eu sei.

— Mas eu ainda tenho você.

— Sim. Jax, eu estou aqui, não importa o quê, eu ficarei

aqui.

— Eu amo você, Kennedy.

— Eu também te amo.

Sabia que não seria fácil. Sabia que havia muito que Jax

teria que trabalhar, mas eu estaria lá com ele. Eu ia segurar

sua mão durante todas as tempestades que aparecessem em

seu caminho.


FIQUEI ao lado de Jax nos dias seguintes, que se

transformaram em semanas. Ele estava lutando para lidar

com a verdade do acidente de todos aqueles anos atrás.

Derek o procurou várias vezes para tentar consertar o

relacionamento deles, mas Jax não atendeu.

— Vou ter que falar com ele algum dia, — ele disse, —

simplesmente não acho que esse dia seja hoje.

Mais do que compreensível.

Depois do que ele passou, eu não culparia Jax se ele

nunca mais falasse com seu irmão, mas eu o conhecia. Seu

amor era maior do que seu ódio. Seu relacionamento com o

irmão nunca mais seria o mesmo, mas eu sabia que em

algum momento ele o perdoaria.

Por agora ele começou a trabalhar no paisagismo da sua

propriedade, com minha ajuda e a de Connor, é claro. Parecia

que colocar as mãos na terra estava servindo de cura para

ele. Cada vez que desenterrava um pedaço de seu passado,

parecia que estava descobrindo um novo tipo de futuro. Algo

que poderia ser bonito e sadio. Finalmente estava

encontrando uma maneira de começar novamente.

E eu estava fazendo o mesmo.

Eddie – ou, bem, ele era o Dr. Jefferson naquela tarde –

me entregou outro lenço de papel para enxugar minhas

lágrimas. Eu o via duas vezes por semana nas últimas

três semanas, e nossas sessões sempre terminavam


comigo em lágrimas.

— Isso é bom, Kennedy. Despir suas emoções é algo

muito saudável, — ele me encorajou. Eu sabia que ele estava

certo, apesar de alguns dias parecerem muito mais difíceis de

lidar. Mas eu estava ficando melhor em lidar com meus

ataques de pânico com algumas dicas e truques que ele me

deu.

— Sempre que vir outra criança, cintile a palavra 'Daisy'

em sua mente. Pense neles como momentos de sua filha

enviando seu amor, em vez de parecer um momento de perda.

Ela pode viver em todos os momentos e, se você permitir,

pode ser uma bela bênção.

Eu estava tentando o processo dele há algum tempo e,

embora nem sempre funcionasse, às vezes acabava sorrindo.

Depois, eu compartilhava histórias sobre Daisy com as

pessoas que eu amava, e as pessoas que estavam sempre

dispostas a ouvir.

Naquela tarde, quando saí da sessão de terapia, Jax

estava me esperando do lado de fora do prédio.

— Lágrimas? — Ele perguntou com um pequeno sorriso

nos lábios.

— Você sabe. — Sorri. — Seria terapia sem o Eddie me

fazer chorar?


— Ele é muito bom em seu trabalho, — Jax concordou.

Estreitei os olhos e cutuquei-o no peito. — Talvez você

deva voltar a permitir que ele seja bom em seu trabalho com

você também.

Ele beijou minha testa e me puxou para ele. — Nós dois

não podemos melhorar de uma só vez, Sun. Precisamos de

pelo menos um parceiro instável nesse relacionamento, —

brincou.

Interrompi meus passos. — Sério Jax. Você está bem?

Quero dizer, eu sei que você diz que está bem, mas você está

mesmo?

— Chegarei lá. Eu prometo. Só vai levar um dia de cada

vez. Apenas tenho que continuar acordando de manhã e

querendo mais pela minha vida. Por enquanto, tudo bem.

Eu sorri. — Ótimo.

— Sim. Um passo na frente do outro. É tudo o que

posso fazer de verdade.

Planejava dar cada passo ali ao lado dele. Enquanto

continuássemos em frente, eu sabia que estaríamos bem.

— Agora, podemos chegar a essa festa? Prometi a

Connor que não faltaria. — Jax me jogou suas chaves e foi

para o banco do passageiro de sua caminhonete. Ele

estava me deixando dirigir sempre que eu pedia para

que eu pudesse me sentir mais confortável ao


volante. Nunca dirigimos a lugar além de dez minutos, mas,

para nossa sorte, nenhum lugar em Havenbarrow levava mais

de dez minutos para chegar.

Hoje era o grande aniversário de Connor e, por grande,

eu quis dizer enorme. Connor era amado por praticamente

todos na cidade. O centro da cidade inteira foi fechado como

se um grande festival estivesse acontecendo. Havia uma rodagigante

alugada, jogos de parque de diversão e um tobogã.

Todo mundo na cidade apareceu para comemorar os

dezoito anos de Connor, que era praticamente o inferno

pessoal de Jax. Ele ainda odiava as pessoas dessa cidade,

mas ele amava Connor mais do que ele jamais admitiria.

Estacionamos a caminhonete – que eu dirigi

perfeitamente, devo acrescentar – e Jax pegou o presente de

Connor no banco de trás.

As pessoas corriam pela festa rindo, gritando e

enchendo o rosto com algodão-doce e pipoca. Era tudo tão

exagerado e maravilhoso. E Connor merecia essa

comemoração.

Quando Connor disse que o ingresso era uma taxa de

vinte e cinco dólares por seu aniversário, ele não estava

brincando. Dois adolescentes pegavam o dinheiro no portão

principal. E deixei cinquenta dólares para ele – estava me

sentindo selvagem desde que terminei o primeiro

rascunho do meu manuscrito. Claro, meu agente pode


não ser capaz de vender o livro para uma editora e talvez eu

tenha que continuar economizando por um tempo, mas me

senti bem por estar de volta aos trilhos com meus sonhos e

objetivos.

— Sócio, você veio! — Connor disse, correndo para Jax e

eu com o maior sorriso no rosto. Essa não era a única coisa

em seu rosto. Havia um pintor na festa e Connor se tornara

oficialmente um tigre. Eu esperava que ele nunca mudasse.

Seu espírito era brilhante demais para desaparecer.

Jax sorriu. — Eu não poderia quebrar nosso acordo.

Feliz Aniversário. — E entregou seu presente a Connor.

— Espero que tenha me dado isso e meus cem dólares

que você me deve.

— Sim, sim, punk. Paguei as meninas quando entrei.

Connor correu para abrir seu presente, e ele começou a

rir quando viu o que havia dentro. E não pude deixar de

levantar as sobrancelhas com a estranheza do presente.

— Puta merda! — Connor exclamou.

— Linguagem, — disse Jax.

— De jeito nenhum, Jax. Agora eu tenho dezoito anos,

então posso dizer o que diabos eu quiser. Mas, falando sério,

esse é o melhor presente de todos os tempos.

Curiosa perguntei. — Isso são… bolinhas anais?


— São com certeza. — Connor sorriu de orelha a orelha.

— Diga a verdade, Jax. Estas são as de Eddie?

— Espere o que?! — Suspirei.

— Não interessa, — disseram em uníssono.

Sabem que mais? Eu deixaria esse pensamento morrer.

A última coisa que eu precisava era chorar na minha próxima

sessão de terapia enquanto pensava em Eddie usando

bolinhas anais.

— Também peguei isso para você, — disse Jax, puxando

sua carteira.

Connor balançou as sobrancelhas. — Mais dinheiro?

— Não, mas acho que você pode gostar. — Ele entregoulhe

um cartão de visita e, em segundos, Connor ficou

emocionado.

E sacudiu o cartão no ar. — Sério?

— Sim.

Connor entregou o cartão para mim para mostrar o que

o estava deixando tão emocionado. Eu li em voz alta. — Kilter

& Roe Paisagismo: dois homens e uma enxada. — Elegante.

Eu gostei.

— Você realmente quer iniciar outro negócio

comigo? — Perguntou Connor.


— Seria uma honra. — Jax estendeu a mão para ele. —

O que você diz, sócio?

— Eu digo, porra, sim! — Connor pulou de emoção. —

Oh! Eu quase esqueci as melhores notícias que tinha para

contar sobre minha mãe. Ela está em remissão. O câncer se

foi oficialmente.

Os olhos de Jax se encheram de lágrimas quando ele

jogou os braços em torno de Connor e o abraçou emocionado.

— Foda-se, sim! — Ele gritou.

Connor riu. — Linguagem, Jax! De qualquer forma.

Finalmente economizei o suficiente para levá-la à Disney

World neste inverno e queria convidar vocês dois para virem

comigo. Você sabe, eu preciso do meu sócio lá para conhecer

o lugar mais feliz do mundo.

— Não perderia isso por nada no mundo, — disse Jax,

sorrindo. Aquele momento lembrou-me de algo tão

importante na vida. Lembrou-me que, embora houvesse

momentos sombrios, também havia momentos cheios de luz.

A mãe de Connor encontrou um final feliz, e eu sabia que

havia muito mais finais felizes para as nossas vidas. Estava

ansiosa por todos os momentos com Jax. Os altos e os

baixos.

— Só para deixar claro, eu não estou pagando pelos

dois, então é melhor você começar a economizar. Quero

você lá, mas não sou o seu vale-alimentação, —


brincou Connor antes de sair correndo para conversar com

outras pessoas.

Jax me puxou para um abraço e me segurou firme.

Enquanto olhamos para a multidão, meu coração se encheu

de alegria quando vi uma menininha empurrando seu rosto

cheio de algodão-doce.

— Daisy, — murmurei para mim mesma.

— O que você disse? — Jax perguntou, sorrindo na

minha direção.

— Nada. — Eu fiquei na ponta dos pés e beijei seus

lábios. — Só senti uma onda de amor, só isso.

Passamos o resto da noite perdendo dinheiro nos jogos e

girando na roda gigante. Quando fui para casa com Jax

naquela noite, não pude deixar de me sentir agradecida.

Tanta coisa aconteceu na minha vida, e mesmo com tudo

isso, eu ainda era capaz de sorrir. Fiquei grata por todas as

tempestades que me trouxeram de volta a ele.

— VOCÊ QUER LER AS CARTAS? — Eu perguntei a Jax,

depois que chegamos em casa da festa de Connor.

Sentamos em sua cama com a caixa de sapatos de


cartas antigas que havíamos trocado. Nos últimos dias,

estávamos debatendo o que faríamos.

Ele balançou a cabeça. — Acho que não. Quando escrevi

essas cartas, eu estava em um lugar muito escuro. E revivi

esse lugar por tantos anos na minha vida e estou cansado

dessa história. Eu quero seguir em frente, e isso significa me

livrar dessas cartas. — Ele me puxou para mais perto de seu

corpo. — Temos o resto da eternidade para trocarmos outras

cartas de amor.

Eu beijei seus lábios quando a campainha tocou. —

Esperando alguém?

— Não, — disse ele, levantando-se para ir atender. Eu

segui de perto atrás para ver quem poderia ser.

Quando ele abriu a porta, ficamos surpresos ao ver

Amanda parada ali com uma caixa nas mãos. Seus olhos

pousaram em mim antes de dar a Jax um fraco sorriso.

— Oi, desculpe interromper sua noite. Achei que já era

hora de devolver suas coisas que você deixou na minha casa.

Não sei por que segurei por tanto tempo, mas aqui está. —

Ela disse, passando a caixa a Jax.

— Obrigado, — ele disse.

— Sim. E lamento pelo que aconteceu no bar. Lars

estava errado. Ele é um idiota às vezes. Você não

merecia isso. — Ela continuou mexendo nos dedos e


evitando o contato visual. — Você merece ser feliz.

— Você também, Amanda. Você merece mais do que

Lars.

— Talvez. — Sorriu nervosa. — Só o tempo dirá. — Ela

olhou em minha direção e me deu um sorriso quebrado. —

Cuide dele, sim? Este homem não ama facilmente. Por um

tempo, pensei que ele não amava nada, mas vejo que isso

mudou quando ele olha para você. Você o deixa inteiro. Você

era a peça que faltava. Então, pode me fazer um favor?

— Sim? — Eu perguntei.

Ela sorriu para nós dois e soltou um suspiro pesado. —

Fique.


Jax

KENNEDY SE RECUSOU a sair de perto de mim durante

todas as minhas dificuldades. Ela ficou nos meus momentos

mais sombrios e prometeu que não iria a lugar nenhum sem

mim. Dia após dia, ela abriu meu coração e não pareceu ter

medo do que viu.

Quando chegou a hora de uma cura mais profunda, eu

sabia exatamente para onde ir.

— Bem, admito que quando vi seu nome na minha

agenda, pensei que era um erro de digitação, — disse Eddie

enquanto eu entrava no consultório dele.

Eu ri um pouco e tomei meu assento muito familiar em

frente à sua mesa. — Sim, bem, o que posso dizer? Eu gosto

de manter as pessoas ocupadas. — Fazia algumas semanas

desde que Derek voltou para casa e eu ainda estava tentando

lidar com as verdades que ele revelou. Cada dia vinha com as

suas próprias lutas e eu tinha passado por todas as

emoções, mas já não tinha de lidar com elas sozinho.

Não tinha que sentir o que sentia no escuro, porque


Kennedy estava lá para ser a minha luz.

Na verdade, eu tinha uma equipe inteira ao meu redor

para ajudar a me guiar para casa sempre que começava a me

afastar, e isso incluía as minhas consultas de terapia com

Eddie. Na verdade, aprendi o que significava conquistar seus

demônios. Não era algo que você fazia e desaparecia

magicamente. Não, a vida estava determinada a jogar merda

em você, não importa o quanto você tentasse permanecer no

reino da felicidade.

Mas eu descobri rapidamente o quanto era importante

aprender a revidar.

Essa era a coisa sobre as tempestades. Quando você

estava no meio delas, eles se sentiam poderosas. Elas

achavam que estavam dirigindo sua vida, e você ficava sem

controle sobre a maneira como os ventos sopravam. Era por

isso que era tão importante ter um grupo de amor ao seu

redor o tempo todo. Quando você enfrentava a tempestade

junto daqueles que te amavam, quando segurava as mãos

deles permanecia forte, e as tempestades tinham mais

dificuldades em derrubá-lo. As tempestades não o

surpreendiam porque você estava ligado ao mundo com

amor, a arma mais poderosa a ser usada durante a mais

poderosa das tempestades.

E quando a tempestade passava? Você permanecia

de pé com quem amava, olhando para o arco-íris.

Kennedy foi quem me aterrou. Sua mão na minha


mão me manteve imóvel e, com seu amor, eu sobrevivi a mais

difícil das minhas tempestades.

Eddie e eu conversamos por um tempo. Passamos do

tempo previsto, mas ele não parecia se importar e, quando

chegou a hora de eu ir embora, ele se recostou na cadeira, me

encarando com lágrimas nos olhos.

Eu ri. — Você está ficando emocionado, Doc?

— É só que… — Ele limpou a garganta, tirou os óculos e

enxugou os olhos. — Isso é bom. Isso é incrível, Jax. É uma

honra vê-lo se tornar o homem que você é hoje. Você é a

definição da cura.

Também sentia. Sentia a cura, senti-me ficando inteiro

novamente.

LIGUEI PARA Derek pedindo para vir até Havenbarrow,

dizendo a ele que precisava revisar alguns documentos sobre

a transferência da propriedade para mim. Mesmo que essa

não fosse à verdadeira razão pela qual eu liguei para ele.

Achei que era hora de realmente conversarmos sobre tudo o

que aconteceu.


Quando ele chegou em casa, ele parecia quebrado e

cheio de culpa. Antes que pudesse deixar outro pedido de

desculpas escorrerem por seus lábios, eu disse a ele para não

dizer.

— Apenas entre — pedi, entrando em casa. Ele seguiu

atrás de mim.

No momento em que entrou na sala, ele parou e

levantou uma sobrancelha. — O que está acontecendo?

Ao redor havia várias latas de tinta e materiais para

reformar a casa. Sentei-me no sofá em frente a ele e juntei

minhas mãos. — Estou cansado dessas coisas. Estou

cansado de tentar descobrir por que você fez o que fez e como

minha vida poderia ter sido diferente se você tivesse dito a

verdade. Estou cansado de tentar te odiar. Estou cansado de

me sentir mal por você e pela merda que você carrega em

seus ombros. Estou cansado do passado, Derek. Então, eu

estou consertando os buracos ao redor deste lugar. Estou

removendo todas as lembranças do que papai fez comigo.

Estou preenchendo os buracos que me lembram de tudo o

que aconteceu antes e quero que você me ajude.

Ele limpou a garganta e cruzou os braços. — Não espero

que você me perdoe, Jax.

— Sim, eu sei, mas um dia eu vou. Vai demorar um

pouco. Por enquanto, só preciso da sua ajuda para

pintar essas paredes.


Não precisávamos resolver tudo naquele momento. Não

tivemos que nos abraçar e fazer as pazes. Não tivemos que

consertar nossas cicatrizes porque elas ainda estavam muito

vivas, mas poderíamos pintar juntos. Poderíamos encobrir o

passado e trazer um futuro melhor. A cura viria aos poucos, e

eu estava disposto a superar isso.

UMA SEMANA DEPOIS, Derek regressou a Chicago.

Ficamos em termos decentes, que imaginei que só

melhorariam com o tempo. Digamos que começamos a subir

do fundo do poço. No entanto, eu também sabia que levaria

mais de uma semana de reformas para corrigir nossos

problemas.

Depois que ele saiu, fui para a casa de Kennedy em uma

tarde de domingo. Ela estava tendo um dia de spa com

Yoana, que fez isso a meu pedido. Quando entrei em seu

quintal, Connor estava dando os retoques finais em nosso

projeto paisagístico. Nós tínhamos pendurado luzes de fadas

na noite anterior, e agora que o céu noturno estava se

aproximando, tudo estava começando a iluminar-se

perfeitamente. Kennedy ainda não tinha visto nada,


porque eu queria que o quintal fosse uma surpresa. Eu

queria estar lá quando ela testemunhasse a imagem

completa.

Nas árvores pendiam borboletas de papel, a favorita de

sua filha. Nos arbustos, as máquinas borbulhavam sem

parar, e no lado esquerdo da cerca havia um campo de

margaridas sob uma placa que dizia Flores de Daisy com o D

ao contrário.

Connor se aproximou e me deu um tapinha nas costas.

— Você está feliz com o resultado, chefe?

Eu sorri para ele e passei um braço em volta de seus

ombros. — Está perfeito, sócio.

Connor olhou para mim e sorriu de orelha a orelha. A

verdade da história era que aquele garoto tinha sido o melhor

parceiro que eu já poderia ter pedido. Seu humor e bondade

provavelmente me salvaram nos dias mais difíceis da minha

vida. Sou agradecido por poder conhecer alguém como ele.

— Prometa que não vai me esquecer quando se tornar

um milionário, Con? — Perguntei.

— Não seja bobo, Jax. — Ele balançou a cabeça. — Eu

vou ser um bilionário. E provavelmente comprarei sua

empresa de você, mas pagarei um bom cheque.

Eu ri. Parecia certo.


— Vocês, preparem-se, preparem-se, — disse Joy,

correndo para o quintal. — Yoana e Kennedy estão voltando.

Meu estômago deu um nó, e eu não podia deixar de rir

quando vi Yoana virando a esquina, guiando uma Kennedy de

olhos vendados.

— Por que estou tendo um forte déjà vu? — Kennedy

riu. — Yoana, eu já sei como é a casa. A venda é realmente

necessária?

— É, — eu disse a ela.

Kennedy ficou mais ereta. — Jax? — Ela questionou. —

O que você está fazendo aqui?

— Queríamos surpreendê-la com o quintal finalizado. —

Fui até ela e beijei seus lábios. — Você está pronta?

— Estou! — Ela exclamou. — Estava esperando por isso.

— Ok, e lembre-se, se você odiar, foi Connor que fez, —

brinquei. Tirei a venda dos seus olhos e ela ofegou ao ver

tudo ao seu redor.

— Oh meu Deus. — Ela chorou, olhando em volta.

Quando olhou para as árvores e viu as borboletas, as

lágrimas começaram a cair. Então elas começaram a correr

por suas bochechas quando ela viu a placa, e elas nunca

terminavam de cair. Yoana chorou pelas emoções de sua

irmã e, inferno, eu quase chorei também, porque ver


Kennedy feliz fazia meu coração disparar.

— Você gostou? — Eu perguntei.

— Se gosto disso? Jax, está tudo perfeito. Nunca

imaginei algo tão bonito. Isso é mais do que eu jamais

poderia imaginar.

Peguei a mão dela na minha e a conduzi. — Vamos lá,

deixe-me mostrar-lhe tudo. — Eu apontei todos os pequenos

detalhes que ela provavelmente nem queria saber, mas eu

estava excitado, nervoso e, porra, estava difícil respirar.

Eu a conduzi até o campo de margaridas e apontei para

as flores. — Estas são margaridas especiais. Há rumores de

que algumas são ótimas para cultivar objetos dentro delas.

Ela riu. — Afinal, o que isso quer dizer?

— Basta olhar atentamente e ver se você consegue

descobrir.

Ela estreitou os olhos para mim e se abaixou. E

começou a procurar nas flores o que quer que fosse que ela

deveria encontrar. — Não há nada aqui, — disse ela, confusa.

— Isso é porque eu já o peguei, — eu disse.

Ela se virou e me encontrou de joelhos com uma

margarida na mão. No topo da flor, havia um anel de

diamante, esperando por seu dedo.


A mão de Kennedy voou para seus lábios e ela soltou

um pequeno suspiro. — Jax...

— Kennedy, a primeira vez que te vi, eu sabia que você

era especial. Claro, um pouco esquisita, mas foi isso que me

fez me apaixonar por você. — Ela riu entre as mãos trêmulas.

— Você é a definição de força. Você é a parte mais brilhante

do meu dia. Seu amor cura as rachaduras no meu coração

que eu pensei estarem condenadas a serem quebradas para

sempre. Você é minha melhor amiga, minha alma gêmea e

minha flor favorita, e se você me permitir, eu adoraria ser o

único a fazer você sorrir pelo resto da minha vida. Você quer

se casar comigo?

— Sim! — Ela gritou chorando, me puxando do chão. E

começou a plantar beijos por todo o meu rosto, me fazendo

sorrir.

— Você tem que me deixar colocar o anel, eu acho, —

brinquei.

— Oh, certo! Claro. — Ela estendeu a mão e todos

aplaudiram a nossa volta. Eu não podia acreditar como

minha vida havia mudado. Era como se todas as peças

estivessem reunidas novamente e a tempestade finalmente

tivesse passado para trazer dias melhores.

Eu sabia que a vida teria seus problemas, mas também

sabia que ficaria bem porque estava cercado de amor,

de amizade e de Kennedy. Ela era meu sol, eu era sua


lua e, pelo resto de nossas vidas, nos lembraríamos de

dançar na chuva.


Jax

Três anos depois

— OH MEU DEUS, Kennedy, eu sempre soube que você

era especial! Eu não disse isso na primeira vez que a

conhecemos, Kate? Eu não falei sobre o quão especial

Kennedy era? — Louise sorriu quando estava em frente da

minha mulher.

Minha mulher.

Adorava o som disso.

Era divertido ver Louise, junto com todos os outros na

cidade, desmaiando sobre Kennedy na sessão de autógrafos

em Havenbarrow para o seu mais recente romance de

sucesso. Há mais de quinze meses, Kennedy assinou um

acordo com uma grande editora. Quando seu livro, Invasão,

chegou às prateleiras, e tornou-se um sucesso instantâneo.

Kennedy chorou no dia em que a Oprah's Magazine

a incluiu na lista de 'leitura obrigatória'. Ela quase

vomitou quando chegou ao New York Times – onde


ficou por dez meses até agora.

Depois de algum convencimento da população da

cidade, Kennedy concordou em fazer uma sessão de

autógrafos, e as gêmeas eram as primeiras da fila.

Embora Kennedy pudesse ter sido desagradável com as

mulheres que não foram nada além de cruéis com ela desde o

dia em que chegou, ela não foi. Se manteve gentil, e

demonstrou muita gratidão. Às vezes, eu gostaria que ela

fosse uma idiota como eu, mas, infelizmente, ela era o sol.

Ela era meu sol. Eu me apaixonei pelo sol, e ela manteve meu

coração quente.

— Obrigada por terem vindo, senhoras, mas acho que

vou ter que interromper esta sessão, — disse Kennedy,

levantando-se. Havia uma fila enorme saindo pela porta do

café do Gary. As pessoas começaram a gemer com a ideia de

Kennedy partir, vendo como ainda não havia assinado seus

livros.

Eu levantei uma sobrancelha para ela, confuso com o

que ela estava fazendo.

— Eu sei, desculpe a todos, e certamente reagendarei na

primeira chance que tiver. Só que, minha bolsa acabou de

romper, então acho que tenho que ir para o hospital, — ela

explicou.

Oh Certo. Isso fazia sentido.


Olhei para ela inexpressivamente por alguns segundos

antes de suas palavras clicarem na minha cabeça.

Oh!

Certo!

Isso fazia sentido!

Estávamos tendo um bebê! Bem, ela estava tendo um

bebê, eu estava junto nessa viagem. Caminhonete. Chaves.

Bebê! Oh inferno, eu estava em pânico.

— Não entre em pânico, — disse Kennedy, andando ao

meu lado com as mãos na barriga.

— Pânico? Por que eu ficaria em pânico? Eu não estou

em pânico! Eu só preciso das minhas chaves, — eu disse,

batendo nos bolsos. — Chaves, chaves, eu preciso da minha

chave...

— Aqui, — disse ela, balançando-as na minha cara. —

Eu dirigi para cá, lembra?

— Certo, é claro. OK. Vamos. — Saí pela porta da frente,

deixando-a para trás, até perceber que deixei minha esposa

grávida, muito grávida para trás. E corri de volta para dentro.

— Esqueci; eu preciso que você venha comigo.

Ela riu enquanto controlava a respiração. — Sim,

suponho que sim.


Chegamos ao hospital e tudo correu bem. Exceto pela

parte em que eu apaguei, mas não precisamos falar sobre

isso.

Depois de doze horas de trabalho de parto, eu e a minha

linda esposa, conseguimos segurar nossa linda filha.

Elizabeth Daisy Kilter.

Nomeada em homenagem a minha mãe e sua filha, é

claro.

Elizabeth era um sonho realizado, e quando eu a abracei

pela primeira vez, eu sabia que nunca seria capaz de deixá-la

ir.

— Ela é perfeita, — eu disse, balançando-a para frente e

para trás em meus braços. Olhei para minha esposa exausta

e beijei sua testa. — Você foi perfeita.

Todo sonho que eu já tive, se tornou realidade naquele

dia. Eu estava com o amor da minha vida olhando nos olhos

de nossa filha e não podia pedir mais nada. Eu sabia que

cada dia que estava por vir seria uma bênção e prometi a

mim mesmo que nunca tomaria isso como garantido. Eu ia

viver todos os dias como se fosse o meu último o que

significava que mostraria à minha família o quanto eu os

amava várias vezes.

Especialmente a minha esposa. Meu sol. Minha

melhor amiga.


Amigos para sempre.

Amantes para toda a vida.

Cinco anos depois

— PAPAI, POSSO COMER UMA BARRA DE GRANOLA? —

Elizabeth perguntou enquanto seguíamos pela floresta

terminando uma de nossas longas caminhadas. O sol estava

começando a se pôr e sempre gostamos de vê-lo do

conversível que colocamos entre as árvores.

O velho veículo amarelo tinha muitas adições de arte

adicionadas desde que Kennedy e eu nos encontramos há

muitos anos. Joy desenhou uma foto comemorando seu

nonagésimo quinto aniversário no mês passado. Nathan e

Yoana adicionaram um desenho de seu doce recém-nascido

Elijah ano passado também. E recentemente, tivemos um de

Elizabeth em uma foto do seu primeiro dia de aula.

Ver o carro crescer com lembranças era uma das

minhas coisas favoritas para testemunhar.

Quando chegamos ao carro, subimos no banco de

trás para ver o céu desaparecer à noite.


— Você já não comeu sua barra de granola? — Kennedy

perguntou a Elizabeth com uma sobrancelha levantada.

— Sim, mamãe, mas foi por isso que perguntei ao papai,

porque ele sempre diz sim para mim, mesmo quando você diz

não, — disse ela com naturalidade.

A garota não estava errada. Eu tinha muita dificuldade

em dizer não à minha pequena. Eram os olhos, eu juro. Ela

tinha os olhos de sua mãe.

— Bem, que tal adiarmos a granola até depois do jantar,

— disse Kennedy.

Elizabeth teve um ataque, é claro, mas quando percebeu

que não íamos ceder, ela soltou o maior suspiro do mundo. —

Ser criança é difícil, — gemeu.

— Eu aposto. — Sorri e a puxei para o meu colo. — Não

se preocupe, um dia você será adulta e poderá comer todas

as barras de granola que quiser.

Os olhos dela brilharam. — Sério?

— Com certeza.

— Mesmo aquelas com lascas de chocolate? — Ela

perguntou.

— Mesmo aquelas, — Kennedy assentiu, beijando a

testa de Elizabeth.


Enquanto observávamos o céu, Elizabeth sempre

adorava apontar a lua quando podíamos vê-la. — Aí está! Lá!

Está certo, papai? Você é a lua?

Eu sorri. — Sim. Eu sou a lua.

Elizabeth estreitou os olhos. — E mamãe é o sol?

— Exatamente, — eu disse.

— Isso significa que Daisy e eu podemos ser as estrelas?

— ela perguntou, olhando para o céu mais uma vez.

Isso fez meu coração quase explodir no meu peito.

Os olhos de Kennedy lacrimejaram quando um sorriso

caiu contra seus lábios. — Sim, querida. Você e sua irmã

podem ser as estrelas.

Todos os dias, contávamos a Elizabeth às histórias de

seus entes queridos. Contamos as histórias deles para

mantê-los vivos para sempre, e isso aquecia meu coração,

sabendo que Elizabeth entendia que, embora as pessoas

passassem, elas nunca haviam realmente ido embora – desde

que as mantivéssemos perto de nossos corações. Naquela

noite, nossos entes queridos estavam perto de nós. Eu podia

senti-los no vento. Eu podia sentir o amor e a proteção deles

toda vez que olhava para o céu.

Naquela noite, nos sentamos sob o céu, e as

estrelas brilhavam intensamente.


Kennedy

Doze anos de idade

Ano dois do acampamento de verão

— O que você quer ser quando crescer, Jax? — Eu

perguntei quando nos sentamos na doca olhando para a

água. Estávamos jogando pedras até ficarmos sem pedras,

então agora estávamos sentados no banco, entediados como

sempre. Era um dos dias mais lentos no acampamento, onde

não havia muito que fazer. Pelo menos eu tinha Jax, então

tudo se tornava melhor.

Além disso, eu corri para roubar alguns picolés da sala

de jantar, então tínhamos aqueles para desfrutar.

O céu estava cheio de nuvens e eu sabia que uma

tempestade viria em breve. Estava tão animada por isso

também. Amava quando chovia. Jax não era um grande fã de

tempestades, mas eu sempre disse a ele que ele acabaria

gostando.


— Eu não sei. Realmente não penso assim no futuro, —

respondeu lambendo seu picolé. — O que você quer ser?

— Acho que quero escrever livros e quero usar todas as

grandes palavras que você me ensinou. Quero que meus

livros sejam tão grandes e tão bons que deixem as pessoas

felizes quando terminarem. Quero que as pessoas fiquem tão

empolgadas com a ideia de esperar por outro livro meu. E, a

cada livro terá uma palavra que você me ensinou, por isso é

como se você sempre fizesse parte dos meus livros também.

Por um segundo, eu pensei que ele riria de mim e dizer

que meu sonho era estúpido, mas ele fez sua coisa de Jax.

Ficou quieto enquanto lambia seu picolé rápido o suficiente,

para que nunca deixasse suas mãos sujas. Então, disse: —

Vou ler todos os seus livros cinco milhões de vezes.

Eu sorri.

— Ei, Jax?

— Sim, Kennedy?

— Ainda seremos amigos no futuro?

— Amigos para sempre, — ele respondeu.

— E sempre.

E descansou a mão livre no banco, e eu descansei a

minha bem ao seu lado. Seu mindinho roçou no meu, e

eu senti isso no meu coração.


Eu amava Jax Kilter e, um dia, eu esperava que ele

também me amasse.

Mas isso não me importou muito naquela noite. Nós

ainda éramos crianças. Nós teríamos a eternidade para nos

apaixonarmos. Não tinha que acontecer naquela noite.

Naquela noite, tudo o que tivemos que fazer era sentar no

banco e esperar a chuva chegar.

Quando a chuva começou a cair, fiquei na doca e

comecei meus movimentos selvagens de dança. Eu pulava,

remexia e pulava novamente. E não podia acreditar no que

aconteceu depois.

Pela primeira vez desde que eu o conheci, Jax dançou

comigo também.

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