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Tudo o que eu queria era fugir, nunca esperei colidir com
seus braços...
Depois de deixar a vida da cidade para trás para escapar do
meu casamento sem amor, mudei-me para a pequena cidade de
Havenbarrow para um novo começo.
O que eu não esperava era me sentir atraída pela ovelha
negra da cidade.
Eles o chamavam de perturbado. Frio. Um homem com um
passado sombrio.
O que todo mundo parecia não sentir em Jax eram os
respingos de luz em seus olhos. Os atos aleatórios de bondade
que ele realizava quando ninguém estava observando. O jeito que
ele me fazia sorrir.
Jax ajudou a desempacotar a bagagem que eu carregava
comigo. Ele era paciente com minha dor e gentil com minhas
cicatrizes. Ele foi o silêncio durante o meu furacão.
No entanto, quando nosso passado voltou a
assombrar nossos dias atuais, percebemos
rapidamente que às vezes as histórias de amor
não terminam como esperamos.
Às vezes, você fica apenas com os danos
da tempestade.
“Teu destino é o destino comum de todos; em cada vida
alguma chuva deve cair.”
– Henry Wadsworth Longfellow
Jax
Treze anos de idade
SUN,
LAMENTO se a aborreci com as minhas últimas cartas.
Não sei o que fazer. Está tudo devastado por minha causa, e já
não tenho ninguém com quem falar. Meu irmão me odeia. Meu
pai me odeia. Ele me odeia tanto, que eu não sei o que fazer.
Não consigo parar de chorar, e quero fugir para sempre e
nunca mais olhar para trás. Você disse que eu poderia fugir
para você se precisasse lembra? Será que posso? Posso ir ficar
contigo? Talvez teus pais possam vir me buscar. Você sabe o
meu endereço. Estarei pronto, se vier. Odeio isto aqui. É tudo
culpa minha. Eu quero fugir. Por favor, deixe-me fugir para
você.
Tem medo de mim agora por causa do que eu fiz? É por
isso que não vai me escrever de volta? Foi um engano. Juro
que foi um engano. Eu não queria fazer isso. Ela era a
minha melhor amiga, como você é minha melhor amiga.
Por favor, escreva-me de volta.
Eu sinto muito.
Eu sinto muito.
Eu sinto muito.
Não quero mais ficar aqui. Não quero mais me sentir
assim. Eu odeio isso. E sinto muito.
Por favor, escreva-me de volta.
Por favor, Sun. Eu preciso de você.
MOON
Kennedy
Presente
— POR FAVOR, NÃO ME ENVERGONHE HOJE À NOITE, — disse
Penn enquanto arrumava a gravata pela quinquagésima vez
nessa noite.
O papel de parede de nossa casa estava manchado da
fumaça de cigarro e promessas quebradas. Meu marido
quebrou algumas promessas e eu também quebrei algumas
por minha conta. Um casamento era para ser assim? Dias se
transformando em semanas que se transformaram em meses
e anos de promessas quebradas? A palavra “aceito” vinha em
letras miúdas que ninguém nunca leu verdadeiramente.
Percorremos os termos do acordo e no fim clicamos no campo
— concordo, — sem saber as consequências ocultas do que
aceitamos.
Eu tinha desrespeitado meus votos, mas ele também
tinha desrespeitado os dele.
Promessas, promessas, tantas promessas quebradas.
Naquela noite, prometi a ele que não o prejudicaria na
frente de seus colegas de trabalho e clientes, durante o
evento de sua empresa imobiliária. Essa noite era uma
grande oportunidade para Penn, tomar um vinho e jantar
com pessoas muito ricas que estavam em busca de grandes
propriedades. Quanto mais fáceis às coisas corressem nessa
noite, melhor era a oportunidade que Penn tinha de
desenvolver conexões com os clientes. Ele não me queria lá,
mas seu patrão insistiu na presença dos cônjuges.
Prometi a Penn que também não traria à tona nosso
passado. E não pretendia quebrar minha promessa no jantar
naquela noite. Tomei meu remédio para ansiedade. Fiz meus
exercícios de respiração. E só fechei meus olhos quando
cruzamos com carros os para o evento. Enquanto estávamos
na estrada, eu estava bem. Normal, até – bem – o meu tipo de
normal.
Minhas promessas estavam ilesas.
Tudo estava perfeito, tão perfeito quanto poderia ter
sido, considerando meus problemas, e então Marybeth – a
linda e deslumbrante Marybeth – se inclinou em minha
direção durante a refeição. Havia cinco casais em nossa
mesa, que incluíam a colega de trabalho de Penn, Marybeth.
Os outros eram clientes dele em potencial que valiam
mais dinheiro do que eu jamais poderia imaginar.
Gostaria de ser mais parecida com Marybeth. Ela era
perfeita. A mãe perfeita, a esposa perfeita, a corretora de
imóveis perfeita. E ainda cheirava a Chanel nº 5, e seu
pescoço pingava diamantes. Seu sorriso branco perolado fazia
os outros sorrirem com os lábios fechados, pois sabiam que
não podiam se igualar ao nível de ‘Uau’ que o sorriso de
Marybeth proporcionava. Ela era tudo o que eu não era e
tudo o que eu sonhava em ser.
Houve um tempo na minha vida em que eu me amava
tanto que nunca invejaria a vida de outra mulher.
O que aconteceu comigo?
Quando minhas forças se esvaíram do meu corpo?
Então a perfeita Marybeth tocou meu pulso levemente e
sorriu com os lábios e seus olhos cor de avelã. — Tatuagem
intrigante, Kennedy. O que significa?
Nesse momento, a promessa que fiz a Penn se dissolveu.
Primeiro, houve uma rachadura nos cantos da minha
promessa e depois todas as peças se partiram.
— É… minha… — Respirei fundo quando me virei para
ver Penn me olhando intensamente. E vi em seu olhar azul –
decepção, porque ele conhecia os sinais dos meus defeitos.
Ele sabia quando eu estava escorregando, escorregando,
escorregando. Meu corpo tremia, minha voz falhava e
minha respiração ficava ofegante. — É… bem…
Olhei para a tatuagem na minha pele: uma margarida
com um D ao contrário no meio da flor.
— Minha… é… — Engoli o fôlego apertado na minha
garganta e fechei os olhos. E lágrimas estavam aguardando
para se libertar, e eu odiava que estava prestes a deixá-las
cair. — É para meus pais e minha… — Abri os olhos e olhei
para Penn, cujos olhos estavam gritando ‘NÃO’, mas não
podia não terminar a conversa. — Nossa filha. O D ao
contrário é para a nossa filha.
Seus lábios se separaram quando a realização se
instalou em sua mente. E recostou-se na cadeira com um
olhar de culpa nos olhos. Claro que ela sabia do acidente.
Todo mundo sabia do acidente; eles apenas preferiram andar
na ponta dos pés ao redor do tópico em vez de enfrentá-lo de
frente. A morte deixava as pessoas desconfortáveis, e eu não
podia culpá-las por não querer falar sobre isso. Era um
assunto tão estranho de abordar.
Eu tracei o D na minha pele conforme as lágrimas
começaram a rolar por meu rosto. — O nome da minha filha
era… — eu queria dizer a ela. Precisava continuar falando
sobre eles para mantê-los vivos em mim. Era o pequeno
conforto que eu precisava, mas às vezes as palavras saíam
um pouco bambas.
— Kennedy. — Uma mão pousou no meu pulso,
cobrindo a tatuagem. Olhei para cima e vi Penn me
encarando, balançando a cabeça levemente enquanto
ele apertava meu pulso um pouco apertado demais. — Talvez
você devesse ir retocar sua maquiagem, ficar um minuto
sozinha.
Traduzido como: Você está me envergonhando
novamente – se recomponha.
Ele já não sentia mais pena de mim. Depois de mais de
um ano, por que ele deveria? Ele tinha sido capaz de se curar
da nossa tragédia. Eu deveria ter conseguido fazer o mesmo,
mas, por alguma razão, não estava melhor.
Tudo que eu queria fazer era ficar melhor.
Limpei as lágrimas dos meus olhos só para cair mais
rapidamente. — Sim. Claro. Desculpe, eu só… — Empurrei
minha cadeira para longe da mesa e me desculpei. — Sinto
muito, — murmurei.
Os olhos de Marybeth estavam cheios de culpa. Sua
mão pressionou contra seu peito quando me virei para me
afastar, e ouvi-a sussurrar um pedido de desculpas a Penn.
— Não, não, você não fez nada errado, Marybeth, —
disse Penn, parecendo se desculpar ao confortar sua colega
de trabalho em vez de sua própria esposa. — Ela
simplesmente fica assim. Você não fez nada errado. Ela é
muito emotiva, precisa aprender a se recompor melhor.
Realmente, na idade dela…
Muito emotiva.
Fui ao banheiro para me refazer, e quando me olhei no
espelho, fiquei impressionada com o reflexo olhando para
mim. Quando foi que eu me perdi? Quando eu perdi minha
cor e minha luz? As bolsas debaixo dos meus olhos sempre
foram tão proeminentes? Quanto peso eu tinha perdido para
fazer minhas bochechas parecerem tão ocas?
Quando a porta do banheiro abriu, uma mulher entrou
– Laura, esposa de um dos colegas de Penn.
Laura era uma mulher mais velha, provavelmente com
cinquenta e poucos anos. Ela sempre foi tão gentil comigo,
mesmo que eu muitas vezes parecesse embaraçada e
desconfortável na maioria das situações. Durante o ano
passado, Penn fez parecer que eu era mais um fardo nas
reuniões de trabalho do que um trunfo. Disse-me inúmeras
vezes que eu ficaria melhor em casa.
— Você está bem, querida? — Laura perguntou com
uma expressão sincera no rosto. O cabelo castanho escuro
dela tinha mechas naturalmente grisalhas.
Rindo levemente comigo mesma, enxuguei meus olhos o
melhor que pude. — Sim, desculpa. Estou muito emotiva…
— Você não é muito emotiva, — ela interrompeu, me
alcançando uma toalha de papel. — Você não está
exagerando. Perdi um filho quando era mais nova – um
aborto espontâneo, mas, ainda assim, uma criança – e
isso quase me destruiu. Minha graça salvadora foi
meu marido. Ele foi minha rocha quando eu desmoronei.
Agora, não pretendo bisbilhotar, mas não pude deixar de ver
como Penn estava tratando você lá fora. Querida, não se
ofenda com o que estou prestes a dizer, mas não é assim que
um marido deve tratar sua esposa. Você nunca deve ser
menosprezada quando estiver no fundo do poço. Ele deveria
levantar você, não chutá-la de volta.
Abri os lábios para responder, mas eu não sabia como.
Laura limpou as lágrimas dos meus olhos e me oferece
um pequeno sorriso.
— Mais uma vez, não é da minha conta, e Jonathan me
mataria se soubesse que me envolvi nos assuntos dos outros,
mas… você merece ser curada, e deveria ter permissão para
falar sobre sua filha sem se envergonhar. Você sabe o seu
valor. Então cobre mais.
Engoli em seco quando ela me deu um abraço que eu
nem sabia que minha alma precisava. Meu corpo derreteu
contra o de Laura e ela me segurou enquanto eu chorava em
seus braços.
— Está tudo bem, querida. Você está bem. Não
engarrafe. Deixe sair.
Depois que me acalmei um pouco em seus braços, ela
me soltou e me deu um sorriso. — A propósito, eu li
todos os seus romances. Seus livros são mágicos, suas
palavras são acalentadoras. Mal posso esperar pelos
próximos.
Eu tinha publicado romances nos últimos cinco anos,
mas depois do acidente, não consegui escrever uma única
palavra. Meu agente me disse para levar meu tempo, e que as
palavras voltariam para mim, mas ultimamente eu estava
começando a pensar que isso não era verdade. Eu perdi a
minha musa, por isso as minhas palavras também
desapareceram.
O carro estava silencioso no retorno para casa, minhas
costas estavam viradas para Penn enquanto eu mantinha
meus olhos fechados durante todo o trajeto de volta. Quando
entramos em casa, Penn finalmente desencadeou sua raiva
reprimida.
— Você prometeu que não faria isso, — ele disse com
um suspiro, passando as mãos por seus cabelos penteados
com gel. — Você jurou que não teria outro episódio em
público outra vez! Quer dizer, caramba, Kennedy! Você não se
cansa de parecer uma psicopata? — Suas palavras me
chocam.
Já esperava isso dele porque essas palavras vinham
sempre depois de um dos meus colapsos. Quando aconteceu
na primeira vez, ele tinha compreendido porque também
estava de luto. Mas com o passar dos meses, a sua
compreensão tornou-se amarga. Ele estava exausto
de mim, e eu não podia censurá-lo.
Eu também estava exausta. Só queria que ele pudesse
ver que eu estava tentando o meu melhor. Eu estava
tentando o meu melhor para ser normal, para ser eu
novamente.
Eu estava tentando.
Olhei para ele, incerta sobre o que dizer, porque as
desculpas pareciam tão vazias depois de tantas tentativas
fracassadas de tentar recuperar meu antigo eu outra vez.
Ele tirou o paletó e o jogou sobre a cadeira da sala antes
de desabotoar as abotoaduras. — Eu gostaria que você nunca
tivesse feito essa tatuagem idiota. É um lembrete de um
momento fodido, Kennedy. Não entendo por que você quer
olhar para isso todos os dias.
Suas palavras foram duras, mais uma vez, e eu não o
culpo outra vez. Apenas fiquei em silêncio, olhando para a
tatuagem no meu pulso. Ele não entendia, mas eu precisava
desse lembrete diário. Eu precisava sentir minha filha na
minha pele. Eu precisava sentir como se ela ainda estivesse
comigo.
— Você tem algo a dizer? — Ele perguntou,
desafivelando suas calças. E inclinou a cabeça em minha
direção, como se fosse um pai desapontado, em vez de
um cônjuge amoroso e preocupado. — Qualquer coisa?
— Eu quero… — Engoli em seco e olhei para o chão. —
Eu sinto… sinto…
— Você sente muito, — ele cuspiu, balançando a
cabeça. — Claro que você sente. Você sempre sente muito.
Toda a sua vida é um pedido de desculpas.
Ele estava zangado, e eu entendia a razão, mas não
compreendia sua agressão. Podiam ter sido as doses de
uísque que ele bebeu, durante o jantar. Meu marido ficava
muito mais expansivo e rude comigo quando bebia. O seu
fusível queimava até ao fim.
— Você sabe o que…? Não posso. — Suspirou, passando
as mãos pelos cabelos antes de se sentar no sofá à minha
frente. Ele pegou um maço de cigarros e acendeu um. — Eu
não posso mais fazer isso.
— Eu sei. — Engoli em seco e fechei os olhos. — Sei que
às vezes posso ser muito…
— Às vezes? Kennedy. Isso é o tempo todo. Você não
está normal há muito tempo e é cansativo. É difícil. Não
trabalha em nenhum romance novo há meses, quase não sai
de casa. Entrar em um carro é uma tarefa árdua. E isso está
me sufocando. Você está me sufocando. Eu não posso
continuar fazendo isso. Eu não posso… — ele declara
balançando a cabeça. — Nunca deveria ter feito isso em
primeiro lugar.
— Feito o que?
— Ter casado com você. Nós nunca deveríamos ter nos
casado. Meus pais me disseram que era uma péssima ideia,
mas eu era jovem e estúpido, e olha onde isso me levou. Eles
me avisaram que você estava apenas tentando me prender,
mas eu discordei.
Eu sacudi minha cabeça enquanto olhava em sua
direção. — Penn…
— Mas aqui estou eu – preso. Eu deveria ter ouvido. Eu
deveria ter corrido naquela época e não ter sido um idiota.
— Você… você está chateado. Eu sei que errei hoje,
mas…
— Pare de falar. Você não entende, Kennedy? Só casei
com você porque você estava grávida e agora nem tenho mais
uma filha, e isso por sua causa, — ele cuspiu.
Meu peito parecia que estava desabando.
Suas palavras doíam, mesmo estando tão distantes seus
comentários já não deviam mais me magoar. Já não nos
aproximávamos há algum tempo, sem sexo e sem frequentar
suas festas de trabalho. Não me lembrava da última vez em
que nós rimos. O meu coração quase nunca batia por ele.
Mesmo assim, o veneno na sua língua causou-me um caos na
mente, derramando nas minhas células cerebrais e
envenenando a minha autovalorização – não que
ainda houvesse muito disso.
Ele continuou. Continuou cavando, continuou me
destruindo com suas palavras. — Meu pai estava certo – você
deveria ter feito um aborto. Isso nos pouparia muito tempo.
Meu coração…
Meus batimentos… todos eles pararam.
Destruído…
Eu estava desmoronando.
Meus joelhos dobraram embaixo de mim e o chão frio e
duro de madeira amparou meu corpo. Comecei a soluçar em
minhas mãos, e não havia ninguém por perto para me
confortar. Penn estava cansado de tudo, cansado de mim,
cansado disso – meus ataques de pânico, meus colapsos,
minhas dificuldades.
Eu soube claramente naquele momento.
Nosso relacionamento, nosso casamento, nossas
promessas terminaram.
Ele inclinou a cabeça na minha direção e parecia
imperturbável com tudo. Talvez você deva ir a outro lugar
hoje à noite. Por um tempo, na verdade. Algumas semanas,
alguns meses… vá descobrir alguma coisa, porque você ficar
aqui não vai dar mais certo.
— Para onde irei? — Engasguei, confusa.
— Eu não sei, Kennedy. Vá para sua irmã ou algo
assim.
Yoana…
Já não a via há mais de um ano. Como poderia aparecer
depois de todo este tempo sem uma única palavra? O que é
que ela diria? Porque me daria conforto depois de todo este
tempo, depois de eu ter desaparecido? Tudo o que ela recebeu
de mim foram mensagens de texto aqui e ali dizendo que eu
estava bem, embora não estivesse. Ela não me devia nada,
mas continuava me dando tudo. Ela escrevia-me longas
mensagens me contando sobre a sua vida, mantendo-me
atualizada sobre tudo e qualquer coisa. Tudo o que eu podia
fazer era enviar-lhe alguns emojis de vez em quando, porque
enquanto a sua vida avançava, a minha ficava estagnada.
A última mensagem que ela tinha enviado era sobre a
sua lua de mel, que finalmente ela estava prestes a ir após
dois anos de casamento. A anterior era um pedido para que
eu a visitasse. Antes disso?
Ela deixou uma longa mensagem de voz sobre como ela
e Nathan reformaram uma casa e estavam prestes a colocá-la
no mercado. Desde que os dois se casaram, ambos gostaram
tanto da ideia de reformar casas, e vendê-las. O fato de eles
terem conseguido trabalhar juntos e ainda serem tão
felizes me lembrou muito de nossos pais. Mamãe e
papai eram exatamente da mesma maneira.
Penn e eu? Não poderíamos ter sido mais opostos.
Quando eu disse a ele que queria ser autora, ele riu de mim,
dizendo que eu não tinha a educação certa para isso. Quando
recebi meu primeiro contrato de um livro, ele disse que era
sorte. Quando meus cheques de royalties chegaram, ele me
disse para não gastá-los, porque provavelmente não viria
mais.
Penn foi até o escritório e voltou com um envelope. — Eu
ia dar isso a você antes do acidente, mas adiei por motivos
óbvios. Basta assinar na linha pontilhada e deixá-los na mesa
do corredor antes de sair.
Então ele saiu da sala, deixando-me sentada ali emotiva
demais, enquanto colocava o prego no caixão do nosso
casamento. Papéis do divórcio.
Eu assinei todos eles com meu peito doendo.
Empacotei minhas coisas em três malas, levando
apenas as coisas importantes, apenas os itens que
significavam o mundo para mim. Então chamei um táxi e
comecei a viagem de quarenta e cinco minutos para ver uma
irmã que não tinha ideia de que eu apareceria em sua porta
para pedir abrigo.
Depois que o motorista me deixou na sua casa na
cidade de Rival, Kentucky, arrastei minhas malas para a
varanda.
Um suspiro de alívio tomou conta de mim quando vi o
carro deles estacionado na garagem.
Corri e bati à porta. Passava das dez da noite e havia
uma boa chance de Yoana já estar dormindo. Ela nunca
tinha sido uma coruja da noite, sempre acordava cedo.
— Quem é? — Uma voz profunda questiona – de
Nathan, é claro.
Eu falei. — Yoana, sou eu, — e engasguei, com os
soluços pesando na minha garganta. — É Kennedy. Eu, bem,
eu preciso… — Engoli o medo no meu peito e fechei os olhos.
— Eu preciso de você.
A porta abriu e lá estava ela, de pijama, olhando para
mim com o olhar mais preocupado de todos os tempos.
Minha irmã mais velha parecia uma deusa mesmo agora
quando tinha sido acordada no meio da noite. Nossa, eu
precisava dela. Eu precisava tanto dela, que isso fez meu
estômago doer fisicamente ao ver seus olhos me encarando...
os olhos que pareciam muito com os de mamãe.
— Você está bem? — Ela perguntou, e essas três
palavras quebraram a concha das minhas mágoas. A
sinceridade em sua voz me machucou mais do que eu
poderia dizer – o cuidado, a gentileza, o amor. Passei o ano
passado mentindo para minha irmã sobre meu bem-estar,
por estupidez e lutando com demônios internos, e mesmo
assim, sem um momento de hesitação, ela estava me
perguntando se eu estava bem.
Meus lábios se separaram, mas nenhuma palavra saiu.
Lágrimas começam a inundar meus olhos, e eu cobri meu
rosto enquanto soluçava incontrolavelmente nas palmas das
minhas mãos. — Sinto muito, Yoana, — eu chorei,
balançando a cabeça com vergonha e dor. — Me desculpe, me
desculpe, me desculpe.
Ela não parecia precisar das minhas desculpas. Ela não
me martelou com perguntas sobre a minha situação, não me
repreendeu por afastá-la. Em vez disso, ela deu um passo à
frente, passou os braços em volta de mim e me abraçou com
força.
— Tudo bem, Kennedy. Está bem. Entendi. Entendi.
E me segurou firme. Pela primeira vez no ano passado,
comecei a respirar novamente e minha irmã não me deixou ir.
Ao me abraçar, ela me fez uma pergunta muito, muito
importante provavelmente a mais importante que eu já ouvira
há muito tempo. — Vinho?
— Sim. — Eu ri e fiquei surpresa com o quão
genuíno parecia. — Vinho.
Kennedy
NOVOS COMEÇOS DEVEM VIR com uma etiqueta de aviso.
Atenção: novos começos não vão impedir que memórias
antigas inundem seu cérebro, resultando em ataques de
pânico, desconforto social e surtos de todas as emoções
possíveis decorrentes da depressão, colidindo com a gratidão e
crepitando em faíscas de raiva. Nenhum sentimento é
esquecido.
Fazia três dias que eu dormia no quarto de hóspedes da
minha irmã, e Penn não tinha me procurado nenhuma vez.
Eu tentei o meu melhor para não revelar os pensamentos
confusos que passavam por minha mente. Não queria que
meu fardo pesasse muito sobre minha irmã e Nathan – eles
não mereciam isso. Eles mereciam apenas o meu
agradecimento, não a triste mulher que eu tinha sido
durante o ano passado. Esse era o problema com Penn
– ele viu a minha tristeza e comprovou que não valia a pena
amar esse meu lado. Por isso, eu estava trabalhando cada vez
mais para não deixar esse lado meu escapar. Não queria
afastar mais as pessoas com minha dor.
Gostaria que as pessoas ficassem.
Fingir para mantê-los por perto, Kennedy. Esse é meu
mantra.
É um fato comprovado que, se você sorrir mais, as
pessoas vão pensar que você é feliz. Isso é ciência básica.
Estava sorrindo tanto nos últimos dias desde que cheguei à
casa de Yoana que minhas bochechas estavam doloridas. Às
vezes, eu me refugiava no banheiro apenas para deixar o
sorriso desaparecer por um momento antes de colocá-lo de
volta em meus lábios.
Até agora, não tinha sido interpelada por causa dos
meus sorrisos falsos, o que significava que esses sorrisos
mereciam um Oscar.
— Está bem, não espie! — Yoana me alertou enquanto
me guiava pelas ruas de uma pequena cidade chamada
Havenbarrow. A cidade ficava apenas a quinze minutos da
sua casa e ela disse que era a cidade mais bonita que já
existiu. Nos últimos dias, ela só falava da beleza da pequena
cidade.
Eu não poderia ter espiado mesmo que quisesse,
graças à bandana que cobria os meus olhos. Já
andávamos por algum tempo, eu tropeçava a cada poucos
minutos enquanto Yoana fazia o possível para me impedir de
cair.
— A venda é realmente necessária? — Perguntei, um
pouco confusa com todas as palhaçadas da minha irmã
enquanto me guiava. No momento em que estacionamos o
carro dela na cidade, Yoana ordenou que eu fechasse os
olhos. Então, ela me levou para essa aventura.
— Sim! Agora fique quieta e continue. Estamos quase lá.
Espere! Pare! Carro! — Ela gritou, me puxando para trás.
— Que diabos! — Eu gritei, fazendo Yoana cair na
gargalhada.
— Só estou brincando. Não estamos nem perto da rua.
Eu apenas achei que seria engraçado.
— Oh, como eu senti falta do seu senso de humor. —
Meu tom era brincalhão, mas eu realmente tinha sentido falta
do senso de humor dela. Tinha perdido praticamente tudo
sobre estar perto de minha irmã, desde que eu tinha
procurado por ela, ela não foi nada além de uma santa para
mim.
— Apenas mais uma curva à esquerda, — me disse com
as mãos nos meus ombros, depois me virou para a direita.
— Eu quis dizer direita, direita! Ok, mais alguns
passos para frente… dois passos para trás.
— Estamos fazendo a coreografia de Paula Abdul em
‘Opposites Attract’? Porque se sim, preciso trocar de sapatos,
— eu lhe disse.
— Cala a boca, mulher. Já estamos aqui. Apenas mova
um pouco para a esquerda. — Eu obedeço. — Um pouco
mais. — Embaralhei meus pés um pouco mais. — Ok, bom,
bom. Agora um pouquinho para a direita.
— Yoana! — Eu gritei.
Ela riu, e o som me fez sorrir também. — Ok, ok,
desculpe. Só quero que a surpresa seja perfeita, só isso.
— Está bem, então me diga o que devo fazer. Posso ver a
surpresa agora? Não que tivesse que me dar alguma coisa,
porque já fizeram mais do que o suficiente ao me deixarem
dormir no quarto de hóspedes. Além disso, o fato de que
você…
— Kennedy.
— Sim?
— Cale-se.
— Ok.
— Tudo bem, obrigada. Agora, em três, vou tirar sua
venda para mostrar a coisa mais emocionante de todos os
tempos. Um, dois, três! — Ela retirou a venda e revelou
que estávamos em frente a uma casa. Uma casa muito
fofa recém-pintada com uma cerca em volta do quintal, onde
crescia uma vegetação selvagem. Nos degraus da frente da
casa estava o marido de Yoana – Nathan com duas garrafas
de champanhe nas mãos e o maior sorriso pateta que já vi em
seu rosto.
Olhei de relance para minha irmã, confusa e culpada
por achar ter perdido alguma coisa. — O que está
acontecendo afinal?
— Surpresa! — Ela chiou. — É a sua nova casa!
— Minha nova o quê… — Virei para encarar Yoana
quando meu queixo caiu. — Minha nova o quê? — Exclamei,
com a perplexidade me atingindo a uma nova velocidade.
— Sua nova casa. Como você sabe, nós recentemente
resolvemos reformar casas para vender, e essa foi a nossa
última novidade na pequena cidade mais fofa conhecida pela
humanidade. Estávamos prestes a colocá-la no mercado, mas
decidimos adiar para que você tenha um lugar para ficar, que
seja apenas seu. — Ela estava falando como se tudo o que
estivesse dizendo não fosse uma insanidade completa
enquanto caminhava em direção à varanda. — O quintal
ainda não foi concluído, mas os paisagistas começarão em
alguns dias e há pouco ou nenhum mobiliário. Ok, não há
nada lá dentro, mas pedi algumas peças que acho que você
gostaria e elas chegarão nos próximos dias. Peguei uma
lavadora e secadora que será entregue e, por enquanto,
há uma geladeira azul antiga na cozinha que você
tem como cortesia de Nathan e eu da nossa garagem.
Também mandei Nathan correr para a loja e comprar alguns
itens essenciais - uma bela cama de casal queen, alguns
utensílios, e uma mesa de cozinha barata, todos os itens
básicos do banheiro e...
— Por que você faria isso? — Engasguei, atordoada e
confusa com toda essa bondade indevida que Yoana estava
me mostrando. — Isso é uma loucura. — Eu não merecia
isto, não podia ficar numa casa que estavam prestes a
colocar no mercado. Não podia tirar tanto da minha irmã
quando lhe tinha dado tão pouco durante o ano passado.
Acima de tudo, já tinha tirado as coisas mais
importantes da vida dela.
— Por que eu faria isso? — Perguntou surpresa com a
minha pergunta. E colocou as mãos nos meus ombros e
estreitou os olhos. — Kennedy… você é minha irmã. Eu faria
qualquer coisa por você.
Quando eu pensava em anjos na terra, a minha irmã
mais velha era sempre a primeira a surgir-me à cabeça.
Yoana era uma santa mais do que os santos, uma praticante
do bem. Corações como os dela eram tão poucos e raros. Era
linda tanto por dentro quanto por fora, embora a maioria das
pessoas notasse sua beleza exterior primeiro. Yoana
McKenzie Lost era a imagem cuspida da nossa mãe. Ela
tinha os cachos pretos da mamãe, a pele escura, e os
olhos de corça e uma covinha profunda em sua
bochecha esquerda. Sempre que sentia falta da minha mãe,
tinha a sorte de poder olhar nos olhos da minha irmã.
Eu, por outro lado – eu era a combinação perfeita de
meus pais, a personificação da história de amor deles. Recebi
o sorriso de mamãe, nos lábios o arco do Cupido. E tenho o
nariz esbelto e torto do papai e suas bochechas de esquilo.
Mamãe e eu tínhamos marcas de nascença iguais em nossas
omoplatas e a mesma covinha em nossos queixos. Meus
cachos soltos, cor de mel, eram uma mistura da genética de
meus pais.
E meus olhos? Eles pertenciam ao meu pai. Eu tinha os
olhos do papai que intercalavam entre castanho e verde
dançando dentro de suas íris. Sempre que sentia falta dele,
olhava no espelho. Algumas pessoas olhavam para mim e me
chamavam de birracial, mas eu simplesmente me chamava
de filha de Aaron e Renee.
Minha irmã e eu éramos a prova viva da história épica
de nossos pais – o maior amor de todos. Mesmo que papai
não fosse pai biológico de Yoana, não havia dúvida de que ele
era o pai dela. Quando minha mãe estava perdida e sozinha
com uma criança de dois anos, papai levou ambas as
meninas como se fosse sua no momento em que ele as viu.
É preciso um tipo especial de homem para amar uma
criança que não têm seu sangue. Nunca houve um
segundo em que o meu pai tratasse Yoana de maneira
diferente do que ele tratou a mim. Por vezes, quando
eu era mais nova, até sentia que ele a amava um pouco mais
do que a mim. Ele não fazia isso de propósito, claro, e quanto
mais velha ficava, mais eu entendia. Yoana tinha um item
faltando em seu álbum da vida, e papai garantiu a ela que
seu álbum estivesse cheio de amor, mesmo que ela nunca
conhecesse seu pai biológico.
Ela era filha dele – talvez não de sangue, mas
definitivamente do coração. Os seus corações batiam em
sincronia e, por vezes, eu podia jurar que Yoana tinha o
sorriso de papai.
Não passou um dia em que não sentia falta dos meus
pais, mas felizmente tenho minha irmã para me abraçar
agora. Eu gostaria de ter percebido isso antes. Em vez disso,
eu a afastei porque achei que ela me culpava pelo acidente.
Foi por causa de Yoana que senti como se o céu nublado
que me seguia pelo ano passado finalmente estivesse
clareando os dias ensolarados e as noites ficando mais
calmas. Pelo resto da minha vida, eu devo a ela o amor
incondicional que me concedeu.
Eles me mostraram a casa, me deixando chocada com o
quão bonita era, especialmente com base nas fotografias
anteriores que me mostraram. Quando estava quase na hora
de irem pegar o voo para a lua de mel, Yoana fez questão de
me dar uma lista de tarefas enquanto eles estivessem
fora.
— Agora, repita o que eu disse, — ela ordenou.
— Medite de manhã e de noite, não importa o que
aconteça, mesmo que apenas por cinco minutos para
respirar. Sim, mãe, — gemi sarcasticamente aborrecida, mas
sinceramente estou muito agradecida pelo amor de Yoana.
Ela tinha na alma tanto do entusiasmo de mamãe. Estar
perto dela era como estar envolta no mais quente dos
cobertores pesados, um conforto instantâneo.
— E aqueles bosques atrás da casa – não tenha medo de
atravessá-los. Eu sei que eles não são exatamente da sua
propriedade, mas duvido que o homem que os possui se
importe ou note. Quando Nathan e eu trabalhamos aqui, nos
perdemos lá atrás, o lugar me lembrou de quando mamãe e
papai nos levavam para passear quando éramos crianças.
Lembra quantas vezes nos perdíamos?
Sorri. — Ah, sim, e quando mamãe ficava nervosa a
medida que ia escurecendo, papai dizia: 'Você não pode se
perder se estiver cercado pela natureza. A natureza é o nosso
lar´. — Sorri com a lembrança antes de meus lábios
começarem a se abaixar.
— Sinto falta deles, — Yoana confessou.
— Eu também. — Muito. Eu não tinha dúvida de que
me encontraria vagando por aqueles bosques para
algumas sessões de meditação.
Quando éramos pequenas, meus pais mandavam minha
irmã e eu meditar todas as manhãs e noites. Papai nos
ensinou ioga e mamãe técnicas de respiração. Essas lições
realmente ajudaram a moldar minha vida, mas quando as
coisas deram errado, a meditação foi à primeira coisa que
desapareceu da minha rotina diária. Engraçado como as
pessoas perdem seus princípios básicos e crenças quando
seu mundo está de cabeça para baixo.
As outras tarefas da minha lista de tarefas da Yoana:
Encontrar uma coisa para me fazer sorrir todos os dias;
Mantenha um diário para lentamente voltar a escrever;
Consiga luz solar diária quando o tempo permitir;
Explore Havenbarrow;
Yoana me cutucou de lado. — Agora que tudo isso está
resolvido, você quer sair para pegar algo para o jantar?
— Na verdade, estou ficando um pouco cansada. Além
disso, você não tem um avião para a Costa Rica para pegar?
Uma expressão vaga passou por seu rosto enquanto
olhava para o relógio. — Oh, certo. Isso.
— Sim, isso. — Eu ri. — Apenas a primeira parte da lua
de mel mais épica de todas as luas de mel.
Ela me mostrou olhos de cachorrinho. — Tem certeza
que não quer vir conosco?
— Uh, não. Confiem em mim, ficar de vela para vocês
dois no cinema, é uma coisa, agora eu ir junto à viagem de
lua de mel, com certeza, eu cruzaria linha.
— Bem. Só não sei o que vou fazer sem você por tanto
tempo. Sinto que acabei de ter você de volta. — Ela faz uma
pausa e morde o lábio inferior enquanto seus olhos ficam
molhados e sem brilho. — Não quero te perder novamente.
— Não se preocupe. Quando você voltar, eu estarei
ainda melhor. Você não vai me perder de novo. — Funguei
um pouco, vendo Yoana se emocionar. — Não comece a
chorar porque sabe que sou uma rainha soluçante e
solidária. Apenas me abrace e vá embora, sim?
Ela me puxou para um abraço. — Eu ligo para você
todos os dias, ok? Não me importo com a diferença de
horário. Vamos verificar todas as mídias sociais e, se você
precisar de mim, não importa o quê, Kennedy, estarei aqui
para você.
— Eu sei. Obrigada. Agora vá! — Ordenei, acenando
para o casal feliz em direção à porta. Inclinei-me, beijei a
bochecha de Yoana e dei um abraço apertado em Nathan. —
Você cuida dela ou você morre, combinado?
— Sim, sim. Capitão. Ouça a cidade aqui tem ótimos
lugares para comer e passear. Não tenha medo de entrar em
contato se alguém lhe der dificuldades. Eu sei como essas
pessoas de cidade pequena podem ser grosseiras. Você é
minha irmã agora e não tenho medo de chutar a bunda de
alguém mesmo do exterior.
Eu ri. — Vão, meninos. Amo vocês, fiquem seguros, e
façam como mamãe e papai sempre disseram em suas
aventuras – não tenham medo do desconhecido.
— O mesmo vale para você, mana. Não tenha medo do
desconhecido, — ecoou Yoana.
Nathan se despediu e saiu para dar um momento a
Yoana e a mim. Meu peito doía com o pensamento dela me
deixando, mas eu fiz o meu melhor para esconder essa dor.
— O que Penn fez com você foi cruel, e se eu pudesse,
pessoalmente eu cortaria o pau dele, mas esse capítulo da
sua vida acabou. Lembra o que mamãe e papai disseram para
fazer quando alguém faz você se sentir fraco?
Balancei a cabeça enquanto as lágrimas começaram a se
formar nos meus olhos. — Quando alguém faz você se sentir
fraco, faça algo para se sentir mais forte.
— Exatamente, e é isso que você fará a partir de agora.
Você está se redescobrindo. Você está começando de
novo, e quem tem a coragem de começar novamente é
forte. Você é tão forte. Mamãe e papai ficariam tão
orgulhosos de você. Sei que eu estou.
Basta de Yoana me fazer chorar. — Nossa, apenas saia
daqui, sim? Você vai me deixar chorando sozinha como uma
idiota em uma cidade pequena.
— Ok, eu te amo. Vou ligar assim que chegarmos ao
aeroporto.
Dissemos mais um adeus porque dizer adeus sempre
era um processo extremamente longo. Quando minha irmã
fechou a porta da frente, respirei fundo e permiti que as
lágrimas caíssem por minhas bochechas.
Inclinando minhas costas contra a porta de madeira,
fechei os olhos e senti a onda de solidão batendo no meu
peito. Acabou que não importava quão grande ou pequena a
casa era, não importava o quão quente ou fria a casa estava,
e não importava quantas coisas estavam guardadas dentro
das paredes – quando a solidão aparecia ainda me sentia
extremamente triste.
Nesse momento, meu celular tocou.
Yoana: Eu me esqueci de te contar! Deixei um presente
para você. Coloquei-o na calçada para um pouco de conforto.
Engoli em seco e me recompus enquanto saía para
encontrar a surpresa. No momento em que saí mais lágrimas
brotaram dos meus olhos.
Ali, estacionado bem na minha frente, estava um
presente do passado que pretendia me trazer um pouco de
conforto: o conversível dos meus pais. Aquele veículo velho
representava minhas duas pessoas favoritas, pessoas que eu
havia perdido. Era de uma cor amarela opaca com desenhos
por toda parte. Mamãe e papai queriam que desenhássemos
nossos momentos favoritos no carro durante toda a infância,
criando memórias duradouras que poderíamos recordar ao
longo dos anos.
Enquanto andava em volta do carro, captei todas as
lembranças inscritas nele. Celebrações de aniversário.
Exibições de arte. Férias em família. Não pude deixar de
sentir um sorriso curvar meus lábios. Era uma lembrança
instantânea de quem no fundo eu realmente era.
Lembrei-me de dirigir pela estrada com minha família,
ouvindo Lauryn Hill enquanto nossos cabelos sopravam ao
vento sem medos e muita felicidade. Yoana estava sentada ao
meu lado no carro, e sua risada era contagiante. Ela caía em
um ataque de riso quando ela e eu sopramos bolhas no banco
de trás do carro. Você não conseguiria ficar infeliz com essas
três pessoas em sua vida e esse tipo de alegria.
Pulei no banco do motorista e respirei fundo quando um
perfume particular tomou conta de mim.
Mamãe.
Olhei para o banco do passageiro, onde tinha uma cesta
cheia de guloseimas e uma carta. O perfume favorito de
mamãe estava lá, e eu sabia que era o que estava sentindo.
Yoana deve ter borrifado nos assentos do carro a fragrância.
Orquídeas e mel.
Junto com o perfume havia uma garrafa de uísque e um
pote com grão de café.
Abri a carta e li as palavras.
Kennedy,
Odeio ter que deixar você tão rapidamente depois que nos
reconectamos, mas achei que você poderia usar um pedaço de
sua família enquanto se redescobrisse. Portanto, deixei para
você um pote dos grãos de café favoritos da mamãe para
tomar nas manhãs e uma garrafa do uísque favorito do papai
nas suas noites.
Te amo irmã. Me chame se precisar de mim. Estou a
apenas um voo de distância.
E tente não pensar demais em tudo. Você está no
caminho certo, mesmo nos dias em que não está.
Yoana
Enquanto olhava para as estrelas que pintavam a
atmosfera de Havenbarrow, abri a garrafa de uísque e passei
o resto da noite fazendo pedidos às estrelas por melhores
dias. Pedi a mamãe e papai que me enviassem um sinal de
que, não importando o quê, tudo ficaria bem. Pedi orientação,
oração e milagres.
Eu poderia realmente precisar de um milagre na minha
vida.
Quando a manhã chegou, tive uma forte sensação de
que finalmente seria capaz de sentir o sol depois de tantos
dias de escuridão.
Kennedy
— CUIDADO, Louise. Não esmague esses arbustos, —
uma voz sussurrou enquanto eu bocejava no banco de trás
do conversível que dormi na noite anterior. E fui arrancada
do meu descanso quando ouvi um farfalhar no quintal.
Meu coração pulou no meu peito quando me levantei e
fiquei sentada.
— Ah, quieta, Kate. Se eu pisasse nesses arbustos faria
um favor a eles – confie em mim, — a outra mulher
sussurrou em resposta. Elas andavam na ponta dos pés pela
propriedade, espiando nas janelas enquanto ambas
seguravam recipientes de plástico nas mãos.
— Você acha que é uma família grande? — Louise
perguntou. — Deus sabe que a última coisa que precisamos é
de mais crianças correndo pelo bairro.
— Eu não sei, mas com base na falta de móveis na casa,
eles podem estar em dificuldades.
Eu levantei uma sobrancelha para as mulheres
bisbilhoteiras, que não tinham me notado sentada a alguns
metros delas.
— Espero que contratem alguém para cuidar desta
pocilga que está esse quintal. Não preciso que o valor das
propriedades desça por causa do recém-chegado. A última
família que ficou aqui já fez estragos suficientes, — Louise
bufou de nojo.
— Posso ajudar senhoras? — Entrei, vendo as
intrometidas saltarem em seus sapatos Louboutin ao som da
minha voz. Elas recuperaram o equilíbrio e felizmente
mantiveram os potes em suas mãos enquanto giravam para
me ver sentada no meu carro.
— Oh meu Deus, querida, você não deve se aproximar
das pessoas assim, — disse a de vestido de verão amarelo –
Kate, eu percebi – conforme segurava uma mão contra o
peito. — Você quase me deu um ataque cardíaco.
Quase que revirei os olhos para a ironia de tudo isto,
mas dei-lhe apenas o meu melhor sorriso do Sul ao sair do
carro e caminhar em sua direção. — Desculpem por isso. Não
queria assustá-la.
Os olhos de Louise dançaram sobre minha roupa
vibrante e depois trancaram nos meus olhos. — Bem, sim,
você deve ter mais cuidado.
— Farei melhor da próxima vez. Então, como posso
ajudá-las?
Kate deu um passo à frente com seus perfeitos cachos
loiros balançando no rosto. — Oh, sim. Nós somos suas
vizinhas! Vimos que estava de mudança ontem à noite e
pensamos em passar por aqui para dizer ‘Olá’. Eu sou Kate, e
esta é Louise.
— Sem qualquer parentesco, — disseram elas em
uníssono, e depois riram. — Estou brincando, somos gêmeas!
Porque é evidente que são.
— Eu moro a duas casas abaixo de você, à esquerda, e
Kate mora duas casas abaixo, à direita, — disse Louise. —
Você está bem no meio do sanduíche das gêmeas.
Que sorte a minha!
— Bem, eu sou Kennedy. Prazer em conhecê-las.
Elas mantiveram seus grandes sorrisos no rosto
enquanto olhavam para o conversível dos meus pais. Então
seus olhares dançaram através da minha aparência e de volta
para o carro.
— Devo dizer que esse é um carro de aparência única, —
Louise refletiu, com seu tom pingando julgamento. — Você
dirige por aí, ou é para… exposição?
— Pertencia aos meus pais. Ele contém um pouco de
história de família. Ainda não experimentei levá-lo para a
estrada, mas talvez possa tentar em algum momento. —
Talvez amanhã. Talvez daqui a um ano. Quem sabe...
As mulheres fizeram uma careta. — Interessante, —
disseram, mais uma vez, ao mesmo tempo.
— São para mim? — Perguntei, tentando o meu melhor
para mudar a conversa e fazê-las irem embora. Se eu
soubesse alguma coisa sobre cidades pequenas de todos os
livros que já li, sabia que essas gêmeas eram a receita
perfeita para problemas.
— Oh, sim. Cada uma de nós fez uma torta para você. A
melhor torta de morango e de maçã que você já experimentou
na sua vida. Ficamos acordadas até tarde ontem à noite
assando quando vimos sua mudança.
— Vocês não deveriam…, — eu disse.
— Querida, é claro que sim. Afinal, somos suas novas
vizinhas. Levamos a sério a hospitalidade do sul por esses
lados, — comentou Kate, ainda carrancuda avaliando minha
propriedade.
Louise pigarreou. — Falando em paisagismo... —
Estávamos falando em paisagismo? — ...quem lidará com o
seu? Posso te apresentar algumas pessoas que fazem um
ótimo trabalho.
— Bem, obrigada, mas temos tudo isso alinhado. Eu não
sou a proprietária da casa.
— Oh meu Deus. — Kate gemeu com os dedos pousados
nos lábios. — Você é uma invasora? Na verdade, não mora
aqui? Quer dizer, acho que isso explica o carro, mas isso é
completamente ilegal.
— Devemos informar ao xerife Reid, — afirmou a outra
severamente.
Essas mulheres estão realmente falando sério? Estou
parecendo uma delinquente? Ashton Kutcher está escondido
nos arbustos esmagados por Louboutin?
— Não, não. O que eu quero dizer é que estou alugando
a casa da minha irmã e cunhado pelos próximos meses antes
que eles a vendam. Os paisagistas devem aparecer nos
próximos dias para começar o trabalho.
— Oh, graças a Deus! — Louise exclamou. — Não
poderia, pela minha vida, deixar esta selvageria ir mais longe.
Já estamos lidando com a louca da Joy Jones ao lado, com
seu jardim desgrenhado. Se eu tivesse a oportunidade,
compraria a casa, dessa esquisita.
Ela disse esquisita como se fosse uma coisa ruim.
Pessoalmente me sentia mais atraída pelos esquisitos do
mundo. Eles pareciam muito menos críticos.
Olhei para a propriedade ao lado que era a graça
salvadora de me impedir de ser vizinha direta de Louise. A
casa era exatamente como ela a descrevia – um tanto
desgrenhada – mas ainda assim, era de alguma forma
perfeita. Flores silvestres floresciam como se tivessem sido
plantadas para serem livres. Não havia uma verdadeira
concordância ou razão para a forma como elas cresciam, mas
parecia uma obra de arte.
As mulheres provavelmente me odiariam se eu dissesse
que amei aquele jardim. A liberdade de tudo brandiu para a
parte enjaulada da minha alma. Eu queria ser como essas
flores.
Livre. Sem amarras. Como o vento.
— Seu marido morreu há anos, e Crazy Joy não sai de
casa desde então, — explicou Louise. — Você já viu o Hey
Arnold! Esse desenho animado dos anos 90? Havia aquele
personagem, Stoop Kid, que tinha muito medo de sair na
varanda? Bem, essa é Crazy Joy em poucas palavras. Ela
está com muito medo para atravessar o jardim da frente
desde que o marido morreu.
— Se ele não tivesse deixado dinheiro para Joy e a casa
deles não tivesse sido paga, tenho certeza que ela ficaria sem
teto. Não sou de fofocar, Deus me livre, mas essa mulher é
maluca, — acrescentou Kate. — Há rumores de que ela
acredita que alienígenas vão dominar o mundo em
breve. Todas as cartas que ela escreve todas as
manhãs na varanda são cartas para a Área 51.
Completamente maluca.
Quanto mais elas falavam, mais eu queria conhecer essa
vizinha.
— Faça o que fizer com seu paisagismo, não cometa os
mesmos erros que Joy cometeu com a sua propriedade, —
avisou Kate. — Especialmente com isso, — insistiu ela,
apontando para o quintal da Joy.
Arqueei uma sobrancelha. — Com o que?
Os olhos dela se arregalaram em confusão. — Você não
vê isso?
— Vejo o quê?
— Aquelas flores azuis! — Ela sussurrou, gesticulando
como uma mulher louca. — Ela plantou flores azuis na frente
e no meio!
Esperei alguns momentos para Kate continuar seu
pensamento, mas seus lábios se fecharam como se essa fosse
à conclusão.
Louise deve ter percebido minha confusão. — Flores
azuis! Simplesmente não são naturais.
Oh meu Deus.
Se Yoana e Nathan soubessem quem eram meus
vizinhos, eu tenho quase certeza de que eles teriam
reconsiderado eu ficar nessa casa.
Sorri para as duas loucas. — Vou manter isso em
mente. Agora, é melhor eu voltar para...
— Detesto bisbilhotar, querida, mas você estava
dormindo no seu carro quando chegamos? Você não tem
cama em casa? — Louise perguntou.
Você não tem boas maneiras?
Esta mulher queria inventar as histórias mais absurdas
sobre o que quer que haja sobre minha vida. Por experiência
eu via o melhor nas pessoas – as quais, sim, vinham com
suas lutas – mas Louise e sua irmã, obviamente, tinham a
tendência de ver o pior.
Mordi minha língua. A última coisa que eu queria fazer
era transformar vizinhos em inimigos. Essas duas mulheres
pareciam o tipo que criariam o inferno se sentissem que
tinham um motivo para fazê-lo.
— Às vezes gosto de dormir sob as estrelas. Além disso,
meus móveis não serão entregues até a próxima semana.
Mais uma vez obrigada pelas tortas, senhoras. Foi um prazer
conhecê-las.
Seus olhares se moveram através de mim mais uma vez,
e então elas sorriram assustadoramente ao mesmo tempo.
Stephen King teria tido um dia cheio com estas duas.
— Vamos ver você por aí, tenho certeza. Bem-vinda a
Havenbarrow. Se você não quer ser vista pela cidade dirigindo
isso aí, a herança de família, tenho certeza de que pode
chamar o aplicativo Cuber, — Louise disse com aquele sorriso
maligno.
— Você quer dizer Uber? — Eu perguntei.
Louise riu e acenou com a mão na minha direção. —
Não, querida, quero dizer o aplicativo Cuber. Não temos nada
disso Uber ou Lyft na cidade, mas Connor Roe criou seu
próprio aplicativo chamado Cuber. Ele tem dezessete anos,
mas o garoto é rápido. Além disso, o carro dele parece mais…
estável do que o seu.
Ah, se ela soubesse o quanto seu comentário me fez
querer dirigir o carro de mamãe e papai pela cidade, não teria
dito isso. Eu tinha lidado com valentões suficientes no
passado. E tinha pouco espaço sobrando no meu coração
para seus tons desagradáveis.
Ainda assim, eu não tinha dirigido desde o acidente. A
verdade era que eu não sabia se seria capaz de fazê-lo tão
cedo.
— Não se sinta uma forasteira enquanto estiver aqui.
Lembre-se, se precisar de alguma informação sobre alguma
coisa ou alguém nesta cidade, pode sempre nos perguntar,
querida. Somos muito bem informadas sobre tudo o que se
passa por aqui. Afinal de contas, o marido de Kate é o
Presidente da Câmara, por isso a nossa função é sermos
informadas. Outra coisa, se desejar, pode ir às nossas casas
para se inspirar no paisagismo. Lembre-se – duas para a
esquerda e duas para a direita e você vai nos encontrar! —
Louise disse antes que ambos se apressassem para sair.
Nota mental: não vire à esquerda ou à direita ao sair de
casa.
Ao meio-dia, mais uma dúzia de vizinhos apareceram
com sobremesas a reboque, todos alegando que queriam se
apresentar. Se eu não tivesse ficado fatigada da minha vida
antes de me mudar para Havenbarrow, já teria ficado quando
recebi o meu quarto pão de banana sem glúten, sem nozes e
sem sabor.
Pelo número de perguntas e de intromissões que tinha
sofrido, eu tinha certeza de que as mulheres da cidade teriam
muito o que dizer sobre mim na sua próxima reunião do
clube do livro.
Para conseguir uma pausa da loucura, coloquei um
tênis e peguei meu diário. Eu não queria contato humano por
um bom tempo. Eu precisava voltar ao básico.
Só eu, meu diário e a floresta.
Kennedy
ALGO SOBRE A NATUREZA sempre me fez sentir em paz, algo
sobre o modo como as árvores cresciam por vontade própria e
se inclinavam em direção ao sol para beijos de luz. Algo sobre
a maneira como seus galhos acenavam e dançavam com o
ritmo do vento, enquanto suas raízes permaneciam
solidamente plantadas no lugar, como o ar fresco cheirava a
uma mistura de flores e folhas.
A forma como as aves cantavam… adorava as canções
que cantavam no início de cada primavera, revelando a forma
com que despertavam para um novo começo. Adorava a
forma como as aves se moviam pelos ambientes da natureza,
como se pertencessem a qualquer lugar, como se moviam
livremente e sem restrições. Era tudo o que eu queria na vida,
movimentar-me livremente como as aves enquanto ainda
tinha as minhas raízes solidamente colocadas no chão.
Parecia ridícula – a ideia tanto de voar como de se manter
firme – mas o meu sonho era pertencer a um lugar onde
ainda fosse livre.
Estava vagando pela floresta atrás da minha casa nos
últimos 45 minutos em busca de um lugar para relaxar e
anotar meus desejos, meus sonhos e minhas esperanças.
Eu não havia deixado nenhum tipo de roteiro para voltar
para minha casa e esperava poder encontrar o meu caminho
sozinha. Na pior das hipóteses? Eu dormiria debaixo das
árvores. Não seria a primeira vez, e eu duvidava que fosse a
última.
Quando abri caminho por alguns galhos, fiquei surpresa
ao encontrar um campo aberto, livre de árvores e cheio de
flores de todos os tipos. A flor que mais se destacou foi a que
mais me deixou sem fôlego.
Margaridas.
Centenas e centenas de margaridas amarelas vibrantes
que pareciam ter sido colocadas ali de propósito. Meus olhos
brilharam com lágrimas enquanto eu tentava o meu melhor
para controlar minha respiração. No meio do campo havia um
banco branco, e eu não pude deixar de me encontrar
andando pelo trajeto feito pelo homem em direção a ele. Era
lindo. A maneira como o sol passava sobre as flores as faziam
brilhar e era de tirar o fôlego.
Não conseguia imaginar um lugar melhor para sentar,
respirar e escrever.
Então fiz exatamente isso.
Comecei a rabiscar no caderno, me perdendo enquanto
derramava todo e qualquer sentimento que ocorresse. Não
fazia ideia de quanto tempo passara enquanto passava a
caneta pelo papel e não me importava. Estava mais
preocupada em colocar minhas verdades – não importando
quão bagunçadas elas estivessem – no papel.
O céu da tarde começou a escurecer, e lampiões solares
entrelaçados pelas margaridas começaram a iluminar o
espaço, fazendo com que tudo se tornasse muito mais
mágico.
— O que diabos você está fazendo aqui? — Uma voz
latiu na minha direção, me fazendo pular do banco. Minha
caneta e caderno voaram das minhas mãos, aterrissando
entre as flores. Eu me virei para ver um homem parado atrás
de mim e uma explosão de choque e nervosismo passou por
mim.
— Olá... olá. Eu sou Ke…
— Eu não perguntei quem você era, — ele interrompeu,
com sua voz baixa e severa. — Perguntei o que diabos você
está fazendo aqui.
Ele era um homem bem constituído. Seus ombros eram
largos, seus bíceps eram impressionantes, e seu sorriso era –
bem, inexistente. Mas seus olhos? Perdi-me naqueles olhos
sombrios que se pareciam com o céu à meia-noite. Eu
sabia que era ridículo, mas podia jurar que já tinha
visto aqueles olhos antes. Talvez num sonho, ou talvez numa
fantasia, mas, de qualquer forma, senti uma atração por esse
estranho cruel. Conhecia aquelas íris escuras que me
sugavam, e a forma como ele inclinava a cabeça para mim,
completamente perplexo, me fazia sentir como se ele talvez
também me conhecesse.
Mas desde quando?
De onde?
— Eu sei... — Comecei, mas fui rapidamente
interrompida por sua agressividade.
— Você é surda? — Ele me repreendeu.
Talvez eu não o conhecesse. Eu me lembraria de
conhecer alguém tão rude quanto ele e me lembraria de ficar
longe, muito longe. — Não. Não, de jeito nenhum. — Corri
para pegar meu diário e a caneta que voaram alguns
momentos atrás. Quando dei um passo à frente, confusa,
tropecei nos meus pés e cambaleei, tentando me equilibrar.
— Cuidado! — Ele me alertou e sua voz era uma mistura
de aborrecimento e preocupação – não preocupação comigo,
obviamente. Ele parecia mais preocupado com as margaridas.
Felizmente, eu não caí. E fiz o meu melhor para andar
na ponta dos pés pelas flores enquanto pegava minhas
coisas. — Desculpe. Eu estava vagando pela floresta
quando eu...
— Invadiu.
— O que?
— Você está invadindo. Esta terra é propriedade
privada.
Eu ri um pouco enquanto abraçava o livro no meu peito.
— Sim, eu ouvi, mas…
— Então você sabia?
— Bem, sim, mas…
— Não há, mas. Você ouviu e desobedeceu a lei. Retirese
da minha propriedade antes que eu precise envolver a
polícia.
Eu bufei, atordoada por suas palavras. — Isso é sério?
Estava apenas tentando respirar um pouco de ar fresco e
explorar e…
— Invadiu, — ele interrompeu - novamente.
— Pare de me interromper! — Meu rosto estava ficando
quente com a grosseria dele e a raiva começou a borbulhar
dentro de mim.
— Eu vou quando você não estiver em minha
propriedade.
O homem com os olhos mais intensos e tristes que eu já
vi estava começando a me irritar. Ele estava sendo tão
grosseiro, duro e frio. Como achava certo ser tão indelicado
com uma pessoa que nem sequer conhecia?
Decidi chamá-lo ironicamente de Sr. Celebridade, vendo
como ele era tão encantador.
— Você não precisa ser tão indelicado, — resmunguei,
balançando a cabeça em descrença. — Eu não estava
prejudicando ninguém nem nada por estar aqui fora. A ideia
de que as pessoas podem possuir a natureza é um conceito
completamente ridículo de qualquer maneira. Essas árvores
estavam aqui antes de você nascer, estarão aqui muito tempo
depois que você morrer, e você ainda está tentando
reivindicá-las como suas. Isso é loucura para mim.
— Suponho que fique bem com estranhos vagueando
por seu terreno. —
— Isso não é o mesmo.
— Não é o terreno onde a casa foi construída antes de
você nascer? Será que não estará lá depois de a casa desabar
e você morrer? Mas acho que as pessoas invadindo o teu
espaço é diferente, porque a casa é tua e não minha.
— Seu sarcasmo não foi apreciado, — eu rebati, falando
com firmeza, apesar do meu nervosismo.
Comecei a dar um passo à frente para sair do campo de
flores e acidentalmente esmaguei algumas margaridas. Ele
pulou em minha direção.
— Cuidado! — Gritou.
E se inclinando no chão começou a tentar reparar o
dano que eu havia causado. A careta em seu rosto se
transformou em uma expressão severa enquanto as
margaridas estavam frouxas em suas mãos. Suas mãos eram
tão grandes que parecia que ele era um gigante brincando
com flores em miniatura. Seus lábios se moveram um pouco
quando ele murmurou algo baixinho, mas eu não consegui
discernir o que estava dizendo.
— Lamento, eu não ouvi…, — afirmei, e meu coração
ainda estava na minha garganta de tão nervosa que eu
estava.
— Provavelmente porque eu não estava falando com
você.
— Certo. Desculpe. Além disso, sinto muito por
qualquer dano que causei às suas flores.
Ele continuou sussurrando baixinho. Lembram-se do
Cesar Millan, o cara que sussurrava com os cães? Bem, neste
momento estava lidando com o Sr. Celebridade, o
sussurrador humano – não porque ele tivesse uma forma
profunda de entender os humanos, mas porque tudo o
que ele fazia era sussurrar.
— Se houver algo que eu possa fazer…
— Apenas vá, — afirmou com sua voz baixa e
controlada.
— Sem ofensa, mas você tem um temperamento terrível.
— Sem ofensa, mas eu não dou a mínima para o que
você pensa de mim.
— Idiota, — murmurei.
— Então você já ouviu falar.
— Ouvi o que?
— Sobre o meu papel na história fodida desta cidade, —
resmungou. — Eu sou o idiota da cidade. Apenas vivendo de
acordo com meu papel.
— Posso ver que você o leva a sério.
— Sou um profissional.
— Espero que você seja apenas uma pequena parte da
história desta cidade.
— Não há pequenas partes numa pequena cidade,
apenas pequenos clichês mentais. Tenho certeza que você vai
se encaixar bem. Agora, se me desse o prazer de sair da
minha propriedade, isso seria ótimo.
Uau.
Muito bem, Sr. Celebridade.
Posso apoiar alguém que encara seriamente sua carreira
de ator, sem qualquer problema. E rapaz, ele era bom. Ele
merecia um prêmio por sua atuação. Acreditava em todos os
comentários arrogantes que ele proferiu.
Se Louise, Kate e o Sr. Celebridade fossem os pontos
altos desta cidade, eu estaria em uma festa.
Ele não olhou para mim. Aqueles olhos escuros e
misteriosos não focaram nos meus novamente. Ele manteve o
olhar fixo nas margaridas com uma expressão tão carrancuda
que alguém pensaria que eu pisara em sua amada e a
esmagara até a morte.
Murmurei outro pedido de desculpas sem resposta e
comecei minha jornada de volta para casa – bem, tentei
encontrar o caminho de volta. Mas acabei caminhando em
círculos na floresta, e me encontrei de volta no campo das
margaridas. E o Sr. Celebridade estava sentado no meio do
campo, no banco branco, e soltou um suspiro pesado quando
me viu.
— Vá direto para minha casa. Vai até a Merry Road.
Com sorte, poderá descobrir onde vive quando chegar à
estrada principal.
— Certo. Claro. Obrigada.
Ele não disse mais nada.
Enquanto andava pelo quarteirão para encontrar meu
caminho de volta para minha casa, não pude deixar de rir do
fato de o Sr. Celebridade morar em uma rua chamada Merry 1 .
Ele estava longe de ser feliz. E Avenida Scrooge 2 parecia
muito mais adequada.
1 - Feliz em inglês;
2 - Ebenezer Scrooge é um personagem principal da história Um Conto de Natal, de Charles
Dickens. O personagem mais tarde serviria como inspiração para Carl Barks criar o Tio Patinhas. No
início da história Scrooge apresenta uma frieza desmedida no coração, além de ser ganancioso e
avarento;
Jax
AS PESSOAS ERAM AS PIORES.
Infelizmente, meu trabalho diário exigia que eu tivesse
um contato próximo com os seres humanos regularmente. Eu
era o único encanador da cidade, por isso, é desnecessário
dizer que passava muito tempo lidando com a merda de
Havenbarrow. Houve tantos dias em que desejei ter-me
tornado um escritor, ou escultor – ou literalmente qualquer
coisa que envolvesse o mínimo contato humano possível. Ah,
você precisa de alguém que fique em Marte por cinquenta
anos? Não há problema, chefe. Inscreva-me.
Inferno, ser veterinário teria sido melhor que isso. Pelo
menos, eu teria sido capaz de interagir com animais fofos
enquanto lidava com os seus donos idiotas que achavam que
não havia problema em dar vinho aos seus cães porque LOL
YOLO 3 .
3 - Yolo é um lema em inglês, um acrônimo que significa You Only Live Once, cuja tradução é Você Só
Vive Uma Vez.
Desnecessário dizer que eu não sou uma pessoa do
povo. E também achava que eles eram demais para o meu
gosto. Tinha cruzado com muitos tipos diferentes de
indivíduos na minha vida e tinha aprendido rapidamente que
a maioria deles não era para mim. Portanto, encontrar uma
mulher invadindo o meu bosque não foi à coisa mais
excitante que me aconteceu ontem à tarde. Mesmo que ela
fosse bonita, ela ainda era, apesar de tudo, humana. Sua
beleza não era suficiente para que eu não me importasse que
ela estivesse em minha propriedade. Queria dela a mesma
coisa que desejava de praticamente toda esta gente na cidade:
ser deixado em paz.
— Que diabos está preso aí dentro? — Eu resmunguei
enquanto olhava para a pia entupida do banheiro principal
dos Jeffersons.
Marie Jefferson era uma senhora velha com olhos
bondosos. Ela estava no início dos seus 60 anos e usava
sempre as suas pérolas à volta do pescoço, com a roupa mais
cara e vibrante conhecida pela humanidade. Estava sempre
com roupas de grife, e se não fosse de grife, mesmo assim era
cara como o inferno. A maioria das pessoas em Havenbarrow
recebia grandes salários ou vinha de uma família abastada, e
Marie não era diferente. Ela simplesmente não tinha a
mesma atitude arrogante que muita gente da cidade tinha.
Na escala de pessoas que eu odiava, ela era uma das
poucas e distantes entre as quais eu podia tolerar, o que era
bom, considerando que seu marido, Eddie, era meu terapeuta
e era desde os treze anos de idade.
— Oh, bem, você sabe… — Marie encolheu os ombros e
girou o dedo nos cabelos tingidos de loiro morango. — Ontem
à noite, Eddie e eu ficamos um pouco selvagens, e bem… —
Ela pigarreou e suas bochechas ficaram vermelhas. — Jax, é
um pouco embaraçoso. Eddie me disse para não lhe contar a
verdade, mas sou uma péssima mentirosa.
O seu olhar passou por mim e travou em Connor, meu
assistente, que tinha acabado recentemente o seu primeiro
ano no ensino médio. Ele era o meu único empregado por
uma simples razão: ninguém mais na cidade tinha coragem
suficiente para trabalhar comigo. Connor era diferente,
porém. Ele era o golpista da cidade. Se havia uma maneira de
obter lucro, Connor estava em cima dele. Não me
surpreenderia se ele ficasse milionário antes de fazer vinte e
um anos. As rodas da sua cabeça estavam sempre rodando
com ideias sobre como ganhar mais dinheiro.
Eu trabalhava com ele há quase um ano, o que era
muito mais tempo do que qualquer outro empregado meu
tinha durado. Todo mundo antes dele saiu chorando ou me
chamando de idiota. Alguns choraram e me chamaram de
idiota ao mesmo tempo.
Connor era diferente. Ele não levou a sério nenhum dos
meus comentários agressivos e enérgicos. Estava
determinado a comparecer para receber seu salário e a se
divertir fazendo isso também. Mesmo quando eu estava de
mau humor, Connor agia como se fôssemos melhores amigos.
Na verdade, funcionava muito bem a meu favor. Nós
éramos um estranho perfeito casal. Éramos como o policial
bom, e o policial mau. Quando eu era mal-humorado com os
clientes, Connor vinha com seu charme para conquistá-los.
Regularmente ele ia embora com mais gorjetas do que eu
porque as pessoas gostavam dele. E não poderia culpá-los.
É triste dizer isso, mas com o tempo, tenho me afeiçoado
ao merdinha também.
Passei o braço pela testa. — Bom, não se envergonhe,
Marie. Ou você pode nos dizer agora, ou eu desmontarei os
canos. E de qualquer forma, descobriremos o que há lá, mas
se você me disser agora, posso evitar um trabalho extra.
— Oh, céus. — Ela corou e apertou as pérolas no
pescoço. — Ok, bem… há bolinhas anais lá embaixo. Nem
são grandes nem nada! Apenas uma sequência muito
pequena delas.
Connor instantaneamente caiu na gargalhada. Lancei
um olhar severo para ele calar quando meu corpo se
encolheu com a ideia do que Marie tinha acabado de me
dizer. A ideia da pequena e doce Marie usando
bolinhas anais trouxe um nível de desconforto que eu não
estava pronto para enfrentar. Em que tipo de merda esquisita
meu terapeuta se meteu? Nossa, perturbado nem sequer
chegava perto de como eu estava me sentindo.
Inferno, agora eu estava segurando minhas próprias
pérolas.
— Nós usamos apenas uma vez, enquanto Eddie e eu
estávamos… hum, bem… — Ela corou ainda mais e se
inclinou em minha direção. — Veja bem, eu estava com as
mãos e os joelhos no balcão da pia. — Ela fez uma pausa e
gesticula. — Não se preocupe, eu limpei tudo antes de você
aparecer. Não há se...
— Ok, sabe o que, Marie? Eu acho que conseguimos a
partir daqui. Que tal ir cuidar do que precisa ser feito na
casa? Terminarei em pouco tempo.
Olhei por cima do ombro para ver Connor parado ali
com os braços cruzados e o rosto mais vermelho da história
de todos os tempos. Suas bochechas estavam inchadas como
Alvin, o maldito esquilo, e eu sabia que se o cutucasse, ele
explodiria.
Quando Marie estava fora de vista, Connor soltou uma
risada, curvando-se e agarrando seu estômago enquanto ele
uivava em uma luta de risadinhas.
— Oh meu Deus, essa é a merda mais desagradável que
eu já ouvi! Ela tem cem anos! — Ele exclamou.
— Ela está na casa dos sessenta, não cem, e você teria
sorte de ter a idade dela e ainda ter uma vida sexual.
Ele estremeceu com o pensamento. — Isso é nojento.
Não quero que meu pau enrugado deslize em alguém dessa
idade.
— Olha a boca, Connor.
— Só estou dizendo que é nojento.
— Olha a boca, Connor. — Repeti.
Ele gemeu. — Desculpe, Jax.
— Apenas me dê uma chave inglesa, sim? — Arregacei
as mangas e manobrei embaixo da pia para começar.
— Ei, Jax... toc, toc, — disse Connor, segurando a chave
na minha direção. Eu juro, esse cara faz mais piadas ruins
do que um pai do centro-oeste.
— Quem bate?
— As bolinhas anais de Marie.
Pelo amor de Deus. — As bolinhas anais de Marie quem?
Ele riu antes de começar a falar novamente. — Não,
é isso. Essa é a piada. A piada é que você está prestes a
tocar nas bolinhas anais de Marie, e se isso não é engraçado,
não sei o que é.
Continuou rindo o tempo todo que eu trabalhei, e não
esperava nada menos do garoto pateta.
Depois que as bolinhas foram removidas com sucesso
do cano da pia, lavei minhas mãos agressivamente e fechei a
torneira. — Vá jogar as coisas na caminhonete. Encontro você
lá fora.
— Certo, capitão.
Ele se apressou e, enquanto eu saía do banheiro,
encontrei Eddie entrando em casa com uma pasta nas mãos.
Ele passava as manhãs no parque, lendo jornal em seus dias
de folga.
Eddie estava na casa dos sessenta também, e as rugas
em seu rosto contavam as histórias de seu passado. Suas
linhas de expressão eram profundas.
Acenou na minha direção com um pequeno sorriso. —
Vejo que você ainda está vivo depois de perder duas semanas
de terapia, — comentou com um sorriso.
— Apenas trabalhando.
Balançou a cabeça em compreensão enquanto colocava
sua pasta no chão. E passou a mão pelos cabelos grisalhos.
— E Amanda? Como ela está? Como vocês estão?
— Não somos mais nós. Nós terminamos há algumas
semanas.
— Humph. — O olhar de Eddie dizia muito mais do que
suas palavras jamais diriam.
Suspirei. — Tudo bem, desembucha.
— O que?
— O que pensa sobre meu término com Amanda.
— O que eu penso? — Murmurou, passando o polegar
pelo bigode grosso. — Eu não tenho nenhum pensamento
sobre o assunto.
Arqueei uma sobrancelha. — Sério?
— Sério. — Ele parou por um momento, ainda me
analisando com aqueles olhos de terapeuta. O fato de não
estarmos sentados em seu consultório não significava que ele
não usaria suas habilidades em mim. Uma parte de mim
suspeitava que Marie tivesse colocado as bolinhas anais no
ralo apenas para que eu viesse depois de perder algumas
consultas.
— Por quê? — ele questionou com os olhos estreitos. —
Devo ter pensamentos sobre o assunto? Você tem
pensamentos sobre o assunto?
Aí estava.
Seus comentários pareciam tão indiferentes, mas eu
sabia que ele estava me preparando para se aprofundar mais
na minha psique sobre por que as coisas não tinham
funcionado entre Amanda e eu. Ele estava me abordando
como um terapeuta.
— Você quer que eu me deite no seu sofá e conte
minhas ponderações? — Eu brinquei.
Eddie sorriu um pouco. — Meu sofá está sempre aberto.
— Sim, bem, hoje não. Nós, temos regras. Apenas nas
sessões no consultório, lembra-se? Além disso, tenho mais
trabalhos com Connor, então me perdoe por não querer
mergulhar nos detalhes da minha separação.
— Humm. — Oh inferno. Eu conhecia o tom daquele
humm. Nada de bom vinha depois desse tipo de humm
quando saía de seus lábios. Ele apontou para o sofá. — Você
tem certeza de que não podemos explorar um pouco? Mesmo
por mais ou menos cinco minutos?
Eu ri. — Boa tentativa, doutor, mas eu tenho que correr.
— Do que exatamente você está fugindo? — ele disse
com as mãos juntas e a cabeça inclinada para o lado.
— Neste momento? Bolinhas anais.
Ele jogou as mãos para o ar. — Pelo amor de Deus,
Marie, você não podia deixar de contar a Jax sobre o que
aconteceu com o ralo do banheiro? — Ele gritou em direção à
outra sala.
— As bolinhas foram ideia sua, querido! Não me culpe
por ser incapaz de mentir, — ela gritou de volta. — Minha
veracidade foi o que fez você se apaixonar por mim todos
esses anos.
— Sim, bem, as coisas mudam. — Ele gemeu,
balançando a cabeça.
Eu empurrei minha língua na minha bochecha. — Tem
certeza de que não quer se deitar no sofá e me contar seus
pensamentos e sentimentos atuais?
Ele atirou punhais em mim com os olhos, tornando-o
menos Dr. Jefferson e mais o Humano Eddie. — Pensei que
você estava indo embora.
Sorri. — De saída.
— Passe no consultório quando tiver uma chance, para
uma consulta.
— Parece bom.
— Ah, e Jax?
— Sim?
— Sinto muito, ouvi sobre seu pai.
Fiquei quieto por alguns segundos. Eu nem me
incomodei em perguntar como ele soube disso, porque sabia
que as pessoas em nossa pequena cidade eram todas
repórteres sem credenciais. Era uma cidade de fofoqueiros
que realmente não dava a mínima para meu pai ou para
mim.
Na verdade, eles estavam correndo cantando canções de
alegria por ele estar quase morto. Logo, eu andaria pelas ruas
e ouviria os louvores das pessoas da cidade: Ding dong, o
velho idiota está morto. Qual velho idiota? O velho idiota
escroto!
Meu pai não era amado por mim, e ele era ainda menos
amado pelos habitantes dessa cidade. Se eu tivesse que
contar o número de vezes que ele foi referido como o Sr.
Potter da cidade de It's A Wonderful Life, ficaria exausto ao
contar. E não podia nem discordar da avaliação.
Meu pai não era um homem bom, e agora ele estava
numa casa de repouso, lutando depois que seu terceiro
derrame o deixou parcialmente paralisado e com demência
vascular. Sequer sabia quem ele era, e eu não era mais
capaz de cuidar dele. Havia se mudado recentemente
para o lar de idosos, onde poderia obter os cuidados
de que precisava.
Antes de meu pai ser colocado lá, eu havia passado os
doze anos anteriores ajudando-o com seus problemas de
saúde – que eram muitos. Ele nunca se cuidou, o que
dificultou ainda mais a tarefa. Durante todo esse tempo, ele
também era ágil em me bater, para me lembrar de que eu
estava sob o seu domínio. Meu irmão mais velho, Derek,
partiu no dia em que fez dezoito anos e nunca mais olhou
para trás. Mamãe teve Derek em um casamento anterior, mas
durante toda a minha vida, Derek referiu-se ao meu pai como
seu até o dia em que a nossa mãe faleceu e papai se voltou
contra nós como o seu saco de pancadas.
Agora, papai fora transferido da casa em que cresci e
colocado sob os cuidados de outras pessoas. Mesmo que eu o
odiasse, a casa ainda era um pouco mais fria à noite.
Engraçado o quanto alguém podia sentir falta dos demônios
com quem costumavam brincar quando partiam.
Eddie teve um dia cheio quando eu revelei essa verdade
a ele.
Balancei a cabeça, tentando não mostrar nenhuma
emoção sobre a condição do meu pai. A verdade é que eu
tinha pulado nossas consultas porque não estava pronto para
conversar. E não sabia o que dizer.
Eddie faz uma careta feia no rosto. Ele costumava ser
melhor em segurar essas caretas durante as sessões de
terapia, mas quanto mais nos afeiçoamos e mais nos
tornávamos família, Eddie não conseguia esconder sua
preocupação comigo.
— Se você precisar conversar… — começou.
— Seu sofá está sempre aberto… sim, Eddie, eu sei.
Fui para fora para encontrar Connor na caminhonete,
mas, para minha surpresa, encontrei-o em pé na cerca,
conversando com a mais nova vizinha de Eddie e Marie – a
invasora.
Ele segurava um dos seus cartões de visita na sua
direção e como sempre falando – demais. — Então, sim, eu
sou o fundador, proprietário e CEO da Cuber Incorporated, e
você como novo membro, ganha sua primeira corrida de
graça. Mas, como parece ser um diamante nesta pequena
cidade carbonífera, vou permitir que tenha duas corridas
gratuitas. Basta fazer o download do app e introduza o código
‘diamante’. — Fez uma pausa e arranha o nariz. — Muito
bem, não introduza ainda esse código porque tenho de
atualizar o aplicativo antes que isso funcione, mas depois das
16 horas, estarei livre para oferecer esse serviço. — E
balançou as sobrancelhas de forma sugestiva.
— Connor, — eu grito, fazendo-o virar a cabeça
para mim. — Vamos.
Ele ergueu um dedo. — Um segundo, sócio, estou
tratando de uns negócios. Por falar em negócios, não tenho
apenas o Cuber, sou sócio da Kilter e Roe Encanamentos e…
— Você não é meu sócio, é meu funcionário, e
atualmente até nisso está pendurado por um fio.
Connor sorriu e acenou com a mão desdenhosamente
em minha direção. — Não lhe dê ouvidos, ele é apenas um
velho rabugento antes dá uma da tarde. Demora um pouco
para ele acordar e ser um humano decente como todos nós,
— brincou.
A intrusa sorriu levemente, olhando para o meu lado. —
Percebi que isso é verdade, — disse ela.
Fiz uma careta, sem me impressionar com o rumo que
esta conversa estava tomando. — Connor, carro. Agora.
— Muito bem, sócio…
— Mais uma vez, você não é meu sócio.
Revirando os olhos, diz: — Algumas pessoas e a sua
resistência aos títulos, não é mesmo? — Disse sorrindo, e a
invasora voltou a rir. Que ela se lixe por ser bonita. — Mas,
de qualquer maneira, deixe-me ir antes que o rabugento
McGrump tenha um aneurisma. E lembre-se, precisando de
uma carona, você tem o Connor ao seu lado. E se estiver com
problemas de encanamento, não tema em ligar para o
segundo número deste cartão. — Entregou-lhe outro
cartão de visita e depois piscou para ela. — Ficarei mais do
que contente em dar uma olhada em seu encanamento.
Santo Deus! As insinuações que saíam da boca deste
garoto eram dolorosas.
— Connor, entra no carro, — ladrei.
— Rabugento mesmo. — A invasora sorriu, o que me
irritou ainda mais porque o seu sorriso também era lindo.
Voltei para a caminhonete e saltei para o assento do
motorista.
Alguns instantes depois, Connor se juntou a mim,
afivelou o cinto de segurança e depois esfregou as mãos. —
Não poderia perder a oportunidade de obter novos clientes.
Você entende né chefe.
Eu levantei uma sobrancelha. — Oh, então agora eu sou
seu chefe?
— Escute, Jax, você precisa entender; as mulheres
respeitam os homens que têm seus próprios negócios. Isso
me faz parecer mais profissional quando digo que sou seu
sócio.
— Ou isso faz você parecer um mentiroso.
— Dá no mesmo…
— Deixe-me ver este cartão de visita que você está
distribuindo para nós.
Ele enfiou a mão no bolso e me entregou.
Olhei para ele e balancei minha cabeça
instantaneamente. — Encanamento Kilter e Roe: mesma
merda, banheiro diferente. Esse é o seu slogan? — Eu gemi.
— Era isso ou ‘Nós bombeamos a sua merda’, —
explicou. — Sinto que o que escolhi tem a melhor pronúncia.
Agora, como contraí uma nova clientela e ajudei na remoção
das bolinhas anais, acho que é o momento perfeito para
passar no café e almoçar antes do nosso próximo trabalho, —
sugeriu ele, balançando as sobrancelhas.
— Acabamos de tomar o café da manhã antes de parar
na casa dos Jefferson.
— Sim, há duas horas. Sei que é velho e provavelmente
já atingiu o teu auge e tudo o que terá que esperar no futuro
é bolinhas anais, mas eu sou um jovem em fase de
crescimento, Jax! Preciso de todos os carboidratos que
conseguir ingerir.
Virei à chave na ignição. — Almoçaremos durante o
nosso intervalo no escritório. Eu já trouxe comida para nós.
Connor fez uma careta de nojo. — Por favor, não me faça
comer outro sanduíche de manteiga de amendoim e geleia e
seu repugnante shake de proteína. Estou cansado disso.
— Está repleto de proteínas e ajudará você a
desenvolver músculos.
— Você sabe o que mais me ajudaria? Um número nove
do McDonald's.
Eu sorri. — Você pode gastar seu salário com essas
coisas durante o seu tempo livre, mas, no trabalho comigo,
comerá um sanduíche e um shake de proteína.
— Com grama nele.
— Não é grama. É couve.
— Não julgando sua masculinidade Jax, mas adicionar
couve aos seus shakes de proteína faz com que você se
pareça muito com aquelas garotas que usam botas Ugg e são
viciadas em Starbucks e Target.
— Você está me chamando de uma vadia sem
personalidade?
Ele abriu os lábios para responder, mas fez uma pausa,
arqueando uma sobrancelha. — Vai me dizer para cuidar do
meu linguajar se te chamar de vadia?
— Sim.
— Bem, então pare de ser uma vadia sem personalidade
e comer couve. A próxima coisa que sei é que você brindará
com batidas de abacate no Instagram enquanto toma um
kombucha 4 . —
— O que é kombucha?
4
– Chá adoçado;
— Oh! Graças a deus. — Connor suspira e passa a mão
na testa. — Você ainda tem suas bolas. —
— Não diga bolas, — pedi, apontando um dedo severo
para ele. — E não diga vadia.
Ele se recostou no banco e colocou as mãos atrás da
cabeça, apoiando os sapatos no meu painel antes que eu os
tirasse rapidamente.
— Ok, eu não vou dizer vadia mais. De qualquer forma,
podemos tirar um minuto para falar sobre a gostosura que é
a nova vizinha de Jefferson? — Ele perguntou.
— Não.
— Vamos lá, Jax. Você deve ter notado. Ela é gostosa
demais! E você viu seus olhos? Ela tem os olhos mais
impressionantes que eu já vi. Eles eram como... caramelo.
Você viu Jax? Você viu os olhos dela?
— Sim, Connor. — Eu vi os olhos dela, e ele estava certo
– eles eram malditamente lindos, mas isso não tinha nada a
ver comigo, e definitivamente não era da minha conta… e foi
por isso que fiquei confuso que o pensamento de seus olhos
tivesse pesado muito na minha mente.
O DIA de trabalho continuou e Connor não parou de
falar o tempo todo. Juro que esse garoto não calava um
minuto do dia. Eu me tornei muito bom em desligá-lo, porque
metade da merda que saía de sua boca era apenas bobagem
adolescente. Talvez fosse por isso que eu gostava dele, porque
ele não era nada como eu. Ele era caloroso, convidativo – e
um completo idiota, sim, mas, ainda assim, eu gostava de ter
o garoto por perto. É claro que eu nunca diria isso a ele,
porque ele nunca me deixaria passar com isso.
Quando chegamos a sua casa no final da noite, a cor de
Connor se esvaiu um pouco quando ele olhou para sua casa.
O garoto brilhante e falador perdeu toda a luz em um
instante enquanto olhava para dentro de casa e via sua mãe
entrando.
Eram apenas os dois, e sua mãe estava atualmente
lutando contra o câncer, o que é extremamente difícil para os
dois. Eu sabia que Connor trabalhava tanto, porque queria
ser capaz de cuidar de sua mãe. Ele tinha um coração de
ouro, e ela tinha sorte de tê-lo.
Abaixei minha cabeça enquanto minhas mãos estavam
presas no volante. — Se vocês precisam de alguma coisa, —
ofereci, me sentindo horrível pelo pobre garoto. Gostaria de
poder lutar suas batalhas.
Ele balançou sua cabeça. — Não. Estamos
superando isso. Hoje à noite, vou assistir a um filme
da Disney com ela para tentar animá-la um pouco.
Ela ama essas coisas da Disney. — Ele sempre tentou agir
como se o câncer não o atingisse, mas eu sabia que não devia
acreditar nisso.
Não era justo que Connor estivesse sendo forçado a
crescer mais rápido do que ele merecia.
— Envie uma mensagem se precisar de alguma coisa, —
disse.
— Ok. Vejo você amanhã. Espero que o dia envolva mais
bolinhas anais, — brincou, mas a palidez de seu rosto ainda
estava lá enquanto tentava esconder seu sofrimento com
humor.
— Duvido.
— Boa noite, Jax. — E saltou da caminhonete e correu
em direção aos degraus da frente. Esperei até ter certeza de
que ele havia entrado em sua casa.
Em vez de ir para casa como eu queria, fui ao único
lugar onde desejava não precisar ir para ver a única pessoa
que eu desejava saber como superar. Fui diretamente para o
asilo para ver o meu pai.
Sabia que ele provavelmente estaria dormindo quando
eu chegasse. Ultimamente ele dormia a maior parte dos dias
enquanto seu corpo lutava para preservar sua vida ou para
aproximá-lo da morte – eu não tinha certeza.
Só sabia que desde que ele foi parar no lar de idosos, eu
estava lá todas as noites, sentado à sua cabeceira enquanto
ele dormia profundamente.
Reparei numa bicicleta estacionada à porta do asilo, e
sabia que pertencia à Amanda, uma das cuidadoras do meu
pai que, por acaso, era minha ex-namorada.
Entrei e a reparei nela sentada na recepção, lendo um
romance. Ela estava sempre lendo um livro sobre cavalheiros
de armadura brilhante, salvando o dia.
Achei que era por causa desses livros que eu nunca
tinha sido o que ela queria que eu fosse. Mesmo quando eu
tentava entrar totalmente em nosso relacionamento, eu
sempre soube no fundo que algo estava faltando. Paixão?
Uma conexão mais profunda?
Quem sabe.
Talvez eu estivesse muito ferrado com meus traumas do
passado para saber como amar alguém corretamente. Tudo
que eu realmente sabia era que depois de dois anos de
namoro e sem um compromisso, ela se cansou de tudo.
Quando ela mencionou que nós podíamos ter um bebê e
ignorou a etapa do casamento, eu sabia que era hora de
cortar o cordão.
— Oi, — eu disse, acenando em sua direção. Ela
nem tinha me notado entrar. Quando seus olhos
estavam trancados nessas páginas, ficava distante do
resto do mundo, totalmente imersa nas palavras das páginas,
a menos que um paciente precisasse de sua ajuda.
Fechou o livro e me deu um meio sorriso. — Oi.
— Como ele está?
— Você sabe, o mesmo. — Ela se levantou da cadeira e
abraçou o livro no peito. Seu cabelo castanho estava preso
em um rabo de cavalo bagunçado, e parecia exausta. Tinha a
sensação de que o trabalho dela não era o mais fácil de
executar.
Ficou claro que papai não tinha muito tempo e, para ser
sincero, eu não tinha certeza de como me sentir sobre tudo
isso. Meu pai não era um bom homem. Ele era cruel com
qualquer pessoa.
Alguns olhares em volta da minha casa mostraram como
o meu pai tinha sido comigo durante minha infância. Havia
feito buracos suficientes nas paredes desde que a sua fúria
bêbeda emergia através dos seus punhos. Quando aqueles
punhos não tinham tido ligação com as paredes, havia uma
boa chance de colidirem em meu rosto. Nem podia contar
com ambas as mãos o número de vezes que ele me batia em
cada uma das salas daquela casa por coisas totalmente
banais.
Se a máquina de lavar não terminasse antes do
noticiário da noite – me batia.
Se estranhos fossem encontrados vagando em nossa
propriedade – me batia.
Se me ouviu roncando alto demais – me batia.
Se por sentir falta da minha mãe – me batia.
Sempre procurei perceber quando o meu pai tinha se
tornado o monstro que ele era. Ele tinha sido cruel e violento
antes da morte da mamãe, mas perdeu o juízo quando ela
morreu. Nunca culpei meu irmão por ter deixado a cidade. Eu
deveria ter feito à mesma coisa, mas nunca consegui criar
coragem suficiente para deixar meu pai por conta própria.
Talvez uma parte de mim tenha sentido necessidade de
tomar conta dele.
Talvez uma parte de mim sentisse que eu merecia os
espancamentos.
Seja como for, eu fiquei.
Eu deveria ter preenchido os buracos nas paredes, mas
uma parte de mim não queria esquecer o dano que meu pai
havia causado.
Amanda cruzou os braços e seu olhar ficou suave. —
Como você está indo? — Perguntou.
— Você sabe, o mesmo, — murmurei, dando a ela as
mesmas palavras que ela me deu do meu jeito. Puxei o
livro de dentro da minha jaqueta e o segurei no ar. —
Posso entrar?
— Sim, claro.
— Ok. Obrigado, Amanda.
Um raio iluminou o céu lá fora e, em segundos, um
dilúvio estava caindo.
— Merda, — murmurou, revirando os ombros para trás.
— Está realmente caindo o mundo lá fora, e eu vim de
bicicleta para o trabalho.
— Vou te dar uma carona para casa quando terminar
aqui, se você quiser.
Eu vi uma centelha de esperança em seus olhos
enquanto dizia essas palavras, e eu gostaria de ter sido o tipo
de idiota que não percebia as emoções de uma mulher. Teria
sido mais fácil do que ver todos os sentimentos que
alternavam em suas feições.
— Sim, isso seria ótimo, — disse tentando segurar seu
sorriso.
Não sorria para mim, Amanda. Eu não valho a pena.
Fui para o quarto de papai e, quando entrei, ele estava
dormindo, o que era bom. Se ele não estivesse dormindo, eu
teria pensado em me virar e ir embora. Sentado no leito de
morte, ele ainda tinha a capacidade de ser totalmente
cruel – mesmo quando não me reconheceu como seu
próprio filho. Quando ele estava deitado eu podia vê-lo um
pouco mais humano, invés do monstro.
Puxei uma cadeira ao lado de sua cama e comecei a ler
Guerra e Paz – seu romance favorito – para ele. Eu lia alguns
capítulos todas as noites, mesmo que ele não pudesse me
ouvir. Esse romance foi uma das únicas coisas que ele e eu
tínhamos em comum. Além de gostar do mesmo livro, eu era
o completo oposto do homem frágil que estava deitado à
minha frente.
Eu li por quarenta e cinco minutos antes de fechar o
livro e me levantar. Papai parecia tão quebrado e cansado. Às
vezes eu contava suas respirações para ter certeza de que ele
estava respirando.
Outras vezes, eu colocava minha mão contra seu peito
para sentir seus batimentos cardíacos.
Meu coração frio não sabia como lidar com o que estava
acontecendo com o homem que sempre foi agressivo e duro
comigo. Vê-lo tão quebrado era mais difícil do que eu jamais
poderia imaginar.
Depois que terminei minha visita, fui em direção à
recepção onde Amanda já estava me esperando. — Pronta? —
Eu perguntei.
Ela assentiu enquanto pegava suas coisas.
Saímos para a minha caminhonete, e ela foi rápida em
mudar meu rádio da estação de rock para sua música pop. —
Obrigada pela carona. Eu não sabia que iria chover, —
explicou passando as mãos pelas coxas.
— Sem problemas.
— Você viu o convite do casamento de Alex e Morgan? —
Ela perguntou. — Quer dizer, foi enviado para minha casa,
mas Morgan disse que lhe enviaria outro, já que não somos
mais um casal. A menos que…, — ela mordeu o lábio inferior
e, porra, tudo que eu queria era uma cerveja gelada e
silêncio. — A menos que você deseje ir comigo.
Passei a mão pelo cabelo. — Acho que nós dois sabemos
por que essa não é uma boa ideia.
— Poderia ser uma boa ideia se tentássemos, no
entanto. Quer dizer, realmente – e se tentássemos essa coisa
de ex com benefícios? Acho que estou bem o bastante com a
separação. — Ela disse isso em tom brincalhão, mas eu sabia
que ela estava falando sério.
— Amanda… você me ligou bêbada e chorando no fim de
semana passado.
— Foi culpa do álcool. Isso me deixa uma bagunça. —
Ela riu, e percebi que era uma risada nervosa. Eu me senti
muito mal com a separação, não porque não era certo
para nós – porque era - mas porque ela não estava
levando isso numa boa.
Paramos na frente do seu prédio e estacionei a
caminhonete. — Amanda, por favor. Já conversamos sobre
isto. Simplesmente não funcionaria entre nós. Você sabe que
eu acho que é uma grande garota e...
— Por favor, não me menospreze com os seus elogios
vazios, — murmurou. — Isso não faz doer menos.
Abaixei minha cabeça. — Se trabalhar para o meu pai
está dificultando muito essa situação, posso tentar transferilo...
— Eu posso fazer o meu trabalho, — retrucou. — E não
preciso que você questione se eu posso lidar com o meu
trabalho por causa dos meus sentimentos por você. Além
disso, eu estava brincando de ser ex com benefícios. Para
com isso. Tenho certeza de que você namorará em breve, e
será como se eu nunca tivesse existido.
— Eu não estou vendo ninguém. — Se ela soubesse
quão errada ela estava sobre sua teoria. Namorar estava tão
longe dos meus objetivos. Imaginei que se uma garota como
Amanda não pudesse me fazer um homem de família, talvez
eu não fosse para ser um. Ela era uma boa pessoa com um
bom coração.
Havia apenas uma parte desconhecida de mim que
não me via apaixonando por ela e criando seus filhos, e
eu não seria o idiota que a amarraria. Ou seria o
idiota que partiria seu coração.
Fale sobre uma situação de perder ou perder.
— Você me amou? — Ela perguntou, e porra essa
pergunta era péssima. E sabia a resposta. O que eu não sabia
era porque ela estava fazendo isso consigo mesma.
Olhei para ela e vi seus olhos cheios de emoção. — Sinto
muito, Amanda.
— Talvez você seja como seu pai, — afirmou e essas
palavras fizeram minha pele arrepiar. — Talvez sua mente
esteja tão confusa que não possa amar outra pessoa ou até
deixá-la amar você.
Meu queixo aperta quando tento afastar o que ela me
disse.
Talvez você seja como seu pai.
Isso foi um golpe baixo, e Amanda sabia disso.
A única coisa na vida que eu nunca quis ser era como
meu pai.
— Boa noite, Amanda.
— Sério? É isso aí? Você não vai tentar argumentar?
Evidentemente que não. Ela montou uma armadilha
com a qual eu não queria mexer neste momento. Estava
tentando me forçar a algum tipo de reação, mas eu
não tinha nada a oferecer. Manteria para mim a minha
irritação, porque a verdade é que eu não era nada como o
meu pai. Nunca deixei que a minha raiva tomasse conta de
mim.
Por fim, ela saltou da caminhonete sem dizer uma
palavra e correu para o prédio.
Respirei fundo e exalei quando liguei o rádio de volta à
estação de rock.
Chegando à propriedade da minha família – mais de cem
hectares de terra que estavam praticamente vazios há anos –
soltei um suspiro de alívio. Poderia trabalhar no paisagismo,
mas sempre que eu oferecia, papai fazia questão de me dizer
para não tocar na merda até que ele estivesse morto. Ele
disse que quando morresse, seria tudo meu, e eu já sabia o
que queria fazer com isso. Mamãe sonhava há muito tempo,
com o que ela queria que parecesse, e faria o meu melhor
para tornar a imaginação dela realidade.
Eu não acreditava em anjos, mas isso não significava
que não havia possibilidade de que fossem reais. Se fossem,
eu sabia que minha mãe seria um anjo, e se ela estivesse me
vigiando, eu esperava que estivesse vendo seu sonho ganhar
vida e que isso a deixaria orgulhosa.
Assim como fazia toda semana, liguei para meu irmão
naquela noite para atualizá-lo sobre as condições de
papai.
Derek morava em Chicago e vinha dizendo – nos últimos
catorze anos – que voltaria para uma visita. Acontece que
sempre fui eu quem fazia a viagem anual ao norte para vê-lo.
— Bem, talvez esteja na hora de se afastar
completamente. Sejamos honestos, Jax, você fez mais por
aquele homem do que ele merece. Não precisa continuar a ser
pai de um homem que nem sequer te criou corretamente.
Sentei-me na poltrona favorita do papai e suspirei. —
Mais fácil falar do que fazer.
— Estou falando sério, Jax. Você já fez o bastante.
Não respondi por que, depois do acidente com a mamãe
todos esses anos atrás, não senti como se fosse fazer o
bastante para compensar o que havia acontecido.
— Tenho muito carma para limpar, Der. O mínimo que
posso fazer é cuidar dele nos seus últimos dias.
Ele suspirou pelo telefone, e eu o imaginei passando as
mãos nos cabelos ondulados parecidos com os meus. — Se
isso é sobre o acidente…
— Não é, — eu menti. Claro que era mentira.
Tudo na minha vida foi resultado do acidente de anos
atrás. Toda escolha que eu fiz para afastar as pessoas foi por
causa dos erros do meu passado.
— Jax. — Eu podia ouvir a dor de Derek por mim
através do telefone. — O que aconteceu não foi sua culpa.
Você não pode segurar essa merda em sua alma para sempre.
Acredite em mim quando digo isso… não foi sua culpa, porra.
Ele me diz isso toda vez que conversávamos.
E eu nunca acreditei nele.
Depois que terminamos a ligação, fui para a cama e
permiti que a escuridão da noite me chamasse para dormir
novamente.
Kennedy
SE VOCÊ DER UM MUFFIN A KENNEDY, provavelmente
descobrirá alguns fatos da vida dela.
Esse parecia ser o lema das pessoas em Havenbarrow.
Acordei com mais gente da vizinhança aparecendo com
guloseimas para me receber na cidade. O número de vezes
que eles me entregaram comida enquanto tentavam espiar
minha casa era irritante. O que era ainda mais preocupante
era a forma como eu dizia alguma coisa a um visitante, e
quando o próximo chegava, eles já estavam a par de toda a
minha história de vida.
As notícias se espalhavam por Havenbarrow como um
incêndio florestal, e quando as histórias se espalhavam, elas
ficavam um pouco piores do que quando começaram. Era
como se estivéssemos brincando de telefone sem fio na
escola. Atualmente, eu era uma mulher solteira
desempregada, morando na propriedade da minha irmã
sem o seu conhecimento.
Realmente nunca me considerei uma garota da cidade
até aquele momento. De onde eu vim, ninguém se importava
com quem você era, e o único presente que eles estavam
oferecendo era uma mão pressionada na buzina se você
esperasse dois segundos demais depois que a luz vermelha
mudasse para verde.
A única graça salvadora dessa pequena cidade, eram
meus vizinhos não tão intrometidos, os Jefferson.
E minha outra vizinha adorável, Joy Jones.
Joy Jones era uma personagem e tanto. Naquela
manhã, quando o sol nasceu, ela saiu para a varanda da
frente e sentou-se na sua cadeira de balanço com um sorriso
no rosto e uma grande caneca de café na mão. Alguns dos
meus visitantes intrometidos disseram-me que era uma
rotina diária para ela.
Seus cabelos prateados estavam arrumados em um
coque bagunçado preso com duas agulhas de tricô, e seus
óculos laranja vibrantes de armação grossa estavam no topo
da cabeça. Ela usava um laço de cores vivas no cabelo que
combinava com o vestido do dia, e sempre cumprimentava a
todos que passavam pela casa dela, mesmo quando eles não
respondiam.
Quando ninguém passava, ela estava ocupada
conversando consigo mesma – ou, mais precisamente,
conversando com o marido, que não estava mais vivo.
Ela também rabiscava num papel, cartas como se sua vida
dependesse da tinta que sangrava nas páginas.
Era comovente de se ver, ainda mais preocupante era
como as pessoas da cidade a ignoravam quando ela escapava
nos seus delírios. Era gentil quando cumprimentava os
transeuntes, sempre muito amável, mas o sentimento não era
mútuo. Era como se tivessem medo de lhe oferecer um aceno,
um bom dia, boa tarde ou boa noite em suas caminhadas ao
redor do quarteirão.
O que me incomodava ainda mais era a forma como as
pessoas a ridicularizavam. Se a chamavam eram para
zombarem dela, chamando de Crazy Joy, a mulher que nunca
saiu de sua varanda. Corriam rumores de que ela não tinha
saído daquela varanda de madeira desde o dia em que o
marido morreu. Às vezes, os adolescentes troçavam, e riam
uns com os outros em grupos.
— Oi, Crazy Joy. Você cozinhou mais alguém em sua
casa? — Falam antes que eu os repreenda e os mande
embora.
— Tenham um bom dia queridos, — dizia Joy, enquanto
acenava na direção deles, sem se importar nem um pouco.
Ainda assim, Joy continuava cumprimentando a todos que
passavam, e seu sorriso nunca vacilava. Era como se ela
estivesse acima de ser incomodada pelos julgamentos e
crueldade deles, como se as opiniões e pensamentos
dos outros não afetassem sua alegria.
Ela realmente faz jus ao seu nome. E gostaria de poder
ser mais como ela – menos afetada pelo mundo ao meu redor
– mas meus sentimentos eram muito parecidos com o vento,
movendo-se onde quer que fossem soprados. Era uma falha
minha, uma que meu marido se certificou de me contar o
tempo todo também.
— Se recomponha, Kennedy. Você não pode reagir e levar
tudo o que digo tão a sério — ele sempre me dizia. — Suas
emoções vão estragar tudo de bom que temos.
Estava tentando o meu melhor para excluir suas
palavras do meu cérebro, mas era mais fácil dizer do que
fazer. Quando alguém faz você se sentir tão pouco, sua mente
se prende às suas falhas.
— Lamento que tenham sido tão cruéis com você, — eu
disse a Joy.
Ela olhou para mim com um enorme sorriso no rosto e
balançou a cabeça. — Quem foi cruel, querida?
Sorri de volta.
Deixa pra lá.
Voltei a ler meu livro na minha varanda enquanto os
raios de sol me aqueciam da cabeça aos pés. Era
engraçado pensar em como Joy não saía de casa havia
anos. Para outros, provavelmente parecia loucura,
mas eu entendi. Eu não dirigia um carro há mais de um ano
por minhas razões pessoais, e Joy não se aventurava pelas
dela.
Não estava dizendo que fazia sentido, mas eu entendia.
Algumas vezes, por muito que queira lutar contra isso, uma
pessoa torna-se tão dedicada aos seus medos que faz tudo o
que está ao seu alcance para impedir que ganhe vida. Eu não
sabia quais eram os medos da Joy ou o que a estava
impedindo de sair de sua casa; tudo o que eu sabia era que
eu entendia.
A vida é difícil. Temos que fazer o que for preciso para
nos mantermos confortáveis com a nossa mente. Para mim,
isso significava não dirigir. Para a Joy, significava ficar em
casa.
Mas gostaria de saber como é que ela conseguia.
Pergunto-me como é que ela conseguiu continuar vivendo
sem pisar fora de casa. Ela não parecia ter filhos, nem sequer
um prestador de cuidados que a ajudasse, pelo que pude
perceber.
Mais tarde, nessa manhã, as minhas perguntas foram
respondidas quando uma pickup azul encostou em frente da
sua casa.
Desnecessário dizer que meu queixo caiu no chão
quando vi o Sr. Celebridade sair do veículo. Ele
caminhou direto para a varanda de Joy, com os
braços cheios de sacolas de compras.
E foi cumprimentá-la, e ela se levantou da cadeira de
balanço quando ele colocou as sacolas no chão. Então ele a
abraçou.
Ele a abraçou!
Eu não pensaria que alguém tão mal-humorado quanto
o Sr. Celebridade tivesse a capacidade de abraçar alguém. Os
dois entraram para guardar as compras, deixando-me
completamente perplexa e incapaz de voltar à minha leitura.
Era preciso muito para me afastar de um livro – e por ‘muito’,
eu quero dizer muito. A minha casa podia estar em chamas,
ou os extraterrestres podiam ter me abduzido, e eu ainda
quereria ir para aquela última página. Quando a minha
própria história de amor estava quebrada, recorri a histórias
para curar as fissuras dos meus batimentos cardíacos
despedaçados. Quando o meu mundo desmoronou, os livros
ainda acreditavam na felicidade e no para sempre. Esses
livros me salvaram nos dias em que eu sentia minha alma
cair vítima da mais dura das tempestades.
No entanto, o Sr. Celebridade me afastou das palavras.
Ele me deixou curiosa entrando na casa de Joy. Observandoo
conversar com ela, minha mente disparou. Alguns minutos
depois, quando os dois voltaram para o lado de fora, cada um
com um copo nas mãos – um com vinho, o outro com um
pouco de líquido escuro que supus ser uísque – não
consegui parar de olhar para eles. Joy continuou
falando, e o Sr. Celebridade continuou respondendo. Mesmo
que eu não pudesse ouvir o que eles estavam dizendo, Joy
olhava muito além do que estava sendo dito a ela, o que
obrigou meu próprio coração a pular algumas batidas.
Bem, eu vou ser amaldiçoada.
O idiota da cidade me fez desmaiar.
Desviei o olhar antes que ele pudesse me notar
contemplando como se ele tivesse acabado de salvar um
gatinho de uma árvore. Quando voltei para o meu romance,
meus batimentos cardíacos não diminuíram, e
silenciosamente desejei poder voar no parapeito da varanda
de Joy para ver do que os dois estavam falando.
Quando ouvi uma risada profunda e masculina sair dos
lábios do Sr. Celebridade, minha cabeça girou rápido ao vê-lo
jogando a cabeça para trás, divertido.
Uau.
Ele tinha a capacidade de se divertir.
Quem teria imaginado?
Os dois conversaram um pouco mais e, quando chegou
a hora do Sr. Celebridade ir embora, ele se levantou e deu
outro abraço em Joy.
— Vejo você amanhã no café da manhã, — disse
ele. — Eu vou fazer para você panquecas.
— Ok, querido. Ligue-me assim que chegar em casa, —
disse Joy.
— Eu moro literalmente ao virar da esquina, Joy. Vou
chegar seguro em casa.
— Ligue-me quando chegar em casa, — disse ela mais
severamente desta vez.
Ele sorriu quando se inclinou para frente e beijou sua
testa. — Vou ligar, Joy.
Meu Deus, meu coração?
Enquanto Joy entrava e o Sr. Celebridade ia em direção
a sua caminhonete, meus olhos o seguiram o tempo todo. Ele
não olhou para mim uma única vez, mas seus lábios abriram.
— Se você vai ser tão bisbilhoteira, é melhor puxar uma
cadeira na varanda da frente para escutar da próxima vez, —
ele me disse, ainda sem olhar para mim. — Eu não deveria
estar chocado, vendo como você tem o costume de invadir,
primeiro minha terra e depois minhas conversas.
Sentei-me ereta na minha cadeira. — Eu não estava
invadindo.
Ele abriu a porta da caminhonete. — Vá no Google, e
pesquise a palavra invasão, e veja que você está errada -
depois viva com esse fato pelo resto da sua vida. — Com
isso, ele fechou a porta com força, girou a chave na
ignição e se afastou do meio-fio sem outra palavra.
E os meus batimentos cardíacos de merda?
Eles pararam quando o meu coração disparou.
Então o idiota ainda era idiota, mesmo que ele
socializasse com a doce Joy.
Naquela noite, pesquisei no Google a palavra invasão.
In-va-são
Verbo
Gerúndio ou particípio presente: invasão
1. Entrar em terras ou propriedades do proprietário
sem permissão.
2. Cometer uma ofensa contra (uma pessoa ou um
conjunto de regras)
A definição no Urban Dictionary era um pouco diferente
do Merriam-Webster, no entanto.
Invasão 5
1. Quando uma mulher é propriedade de outra
pessoa, mas dois caras a penetram.
(Três) passando: Dois homens, uma mulher. (trio)
5 - Em inglês invasão é trespassing;
Está bem, está bem. Eu estava invadindo sua
propriedade, mas não havia nenhuma invasão do tipo trio
envolvida. Além disso, eu não estava invadindo sua conversa.
Eu estava escutando. Absolutamente não é a mesma coisa.
Eu chamaria a isso uma vitória.
Jax
JOY JONES ERA FACILMENTE minha humana favorita em
Havenbarrow, mas a maior parte da cidade ficava longe dela.
A família de Eddie e eu éramos as exceções. Ela estava no
final dos oitenta anos e, na maior parte do dia, sua mente
vivia em uma época em que o mundo era muito diferente.
Desde que seu marido faleceu há mais de vinte anos, Joy
tornou-se uma verdadeira reclusa.
A maioria das pessoas a chamava de louca, mas eu a
chamava de brilhante. Pouca interação com outros seres
humanos? Conte comigo.
Quando eu era mais novo, fugi de casa quando meu pai
ficou bêbado e me disse que ia me bater até eu dormir para
sempre, e acabei me escondendo no quintal da Sra. Jones por
alguns dias. Quando ela me encontrou, não me repreendeu
ou me disse para ir para casa. Em vez disso, ela assou
biscoitos para mim, e me deu o jantar. E conversou comigo.
Isso foi há mais de quinze anos, e eu estava
tomando café da manhã e jantando com ela
praticamente todos os dias desde então. Para o resto do
mundo, ela era Crazy Joy, mas para mim? Ela era minha
amiga, uma das poucas.
— O que você acha da minha nova vizinha? — Joy me
perguntou uma noite depois que eu vim para o jantar. —
Eddie e Marie vieram almoçar mais cedo, e eles tinham tantas
coisas boas a dizer sobre ela.
— Eu não acho nada dela, — disse enquanto nos
sentávamos à mesa da sala de jantar, que estava cheia de
comida suficiente para todo um coral gospel. Joy sempre
cozinhou comida demais, e eu sabia que era porque ela
estava determinada a me mandar para casa com as sobras
todas as noites. Provavelmente a mulher pensa que eu não
consigo fazer uma pizza congelada sem queimá-la.
Eu nunca discuti com ela sobre as sobras que ela me
envia. A verdade é que eu tinha queimado a minha quota de
pizzas congeladas, por isso a preocupação de Joy era
justificada.
— Eu acho que ela é tão doce. E linda também, —
comentou colocando salada no prato antes de passar a tigela
para mim.
— Oh? — Eu disse, parecendo desinteressado, mesmo
que eu tivesse sido um idiota por não perceber o quão bonita
era a mulher que se mudou para a porta ao lado. Bonita
parecia um eufemismo. Ela era de tirar o fôlego. Seus
cachos de mel saltavam toda vez que ela sorria, e quando ela
sorria, droga…
Esse sorriso fez até meu coração frio querer sentir um
leve calor. Ela tinha pernas longas, roupas vibrantes e shorts
curtos que a abraçavam nos lugares certos. Então aqueles
olhos...
Aqueles malditos olhos. Por que eles pareciam tão
familiares para mim, como se fossem a chave de uma
memória que eu não tinha sido capaz de desbloquear?
Aqueles olhos sorriam ainda mais que seus lábios. Quando
ela estava triste ou assustada, seus olhos também ficavam.
Era como se suas íris fossem o caminho para sua história,
mas eu não tinha sido capaz de mergulhar profundamente
em sua linguagem, não havia decifrado seu código. E não
sabia que história seu olhar estava contando. Não
compreendi as palavras nos olhos dela.
Merda, eu nem tentei alcançar.
E não queria tentar.
— Ela parece ser uma boa menina, — continuou Joy. —
Personalidade legal também. Você sabe que todas as manhãs
ela me cumprimenta com o maior sorriso e pergunta se eu
preciso de alguma coisa? Ela é um doce. E o mundo precisa
mais de garotas agradáveis.
Por quê? Para poder destruí-las?
Se eu sabia alguma coisa sobre pessoas agradáveis, era
que o resto do mundo não deixaria de bater na bondade
delas. Era como se a bondade fosse uma doença e todos
estavam decididos a esmagar qualquer pessoa que exibisse os
seus sintomas. Eu tinha passado os últimos vinte e oito anos
tendo qualquer luz positiva eliminada do meu corpo, e se
aprendi alguma coisa, foi que o mundo não foi feito para
pessoas agradáveis. Foi criado para destruí-las.
Fiquei em silêncio enquanto Joy continuava falando
dela. — Devia falar mais com ela, conhecê-la melhor.
Eu ri. — Não gosto muito de fazer amigos, Joy. — Ela
sabia disso. Não era um segredo. Um sinal de alerta deveria
ser quando meu melhor amigo era minha porra de terapeuta
e minha melhor amiga tinha quase noventa anos. — Além
disso, eu tenho você. — Sempre achei que, se você tivesse um
amigo de verdade, estava melhor que a maioria. E eu? Eu
tinha um punhado deles – se eu contasse Connor. Com base
nas estatísticas, eu provavelmente já tinha muitos.
— Sim, bem, um dia eu vou embora e você precisará de
um novo. É melhor você começar a selecionar agora. Eu não
estou ficando mais jovem, garoto. Aliás, acho que ela também
precisa de um amigo. Ela perdeu alguém, assim como nós
dois.
Minha sobrancelha arqueou. — Ela te contou isso?
Joy balançou a cabeça. — A perda não é algo que tenha
que ser dito. Está profundamente dentro dos olhos de uma
pessoa. As pessoas que perderam entes queridos se movem
de maneira diferente. Sua perda ainda está fresca, como se
ela não soubesse como se mover a cada dia. Isso é algo que
eu posso entender. Acho que é algo que você também pode
entender, então pense em conhecê-la um pouco melhor.
Estreitei os meus olhos. — Não está tentando bancar à
casamenteira já que eu rompi com a Amanda, né?
— Não, não, desta vez não. Não se trata de ser
casamenteira, apenas de amizade. Ao contrário da sua crença
pessoal, todos precisam de amigos, Jaxson, até as ovelhas
negras de uma pequena cidade como Havenbarrow.
— Vou manter isso em mente.
— E, a propósito, estou feliz por você ter terminado com
aquela garota Amanda. Ela era muito agressiva, — disse
acenando com a mão com desprezo. — Sempre querendo que
você fosse alguém que não era, tentando transformá-lo em
alguém que ela queria que você fosse, não gostava disso.
Ainda por cima, ela não gostava do meu bolo de limão.
Eu ri. — Foi exatamente por isso que eu terminei as
coisas com ela.
Ela estendeu a mão e deu um tapinha na minha
mão. — Que homem bom você é, Jax. Falando sobre
minha vizinha, — ela disse, mudando o assunto para
o que considerava importante, — você sabe o que eu mais
gosto nela até agora?
— O que é?
— O carro estacionado em sua garagem. É tão diferente
e divertido! Jax, você precisa ver quando sair. É muito legal.
Felizmente, Joy permitiu que a conversa mudasse da
minha vida amorosa e da busca por amizades quando o mais
novo episódio de The Bachelor começou. Como sempre, eu
assisti ao louco programa com ela. E como sempre, torci para
quem não estava recebendo a rosa no final do episódio e,
como sempre, Joy ficou surpresa com quem estava indo
embora. Durante o programa, alguns trovões surgiram, e eu
sabia que íamos ter uma chuva forte.
Antes de o solteiro entregar sua última rosa, um dilúvio
estava caindo sobre nós, e a chuva martelando sobre a casa.
— As árvores vão amar essa tempestade, — comentou
Joy, sempre encontrando o lado positivo em qualquer
situação.
Enquanto saía, rapidamente entrei na minha
caminhonete e, inferno, não pude evitar. Passei pela entrada
da nova garota e verifiquei o carro parado do lado de fora.
Meu peito se apertou quando o veículo estalou em minha
mente e meu queixo caiu.
— De jeito nenhum, — murmurei, olhando para o carro
que era mais do que familiar para mim.
Não poderia ser.
Não havia como…
Porra.
Colocando minha caminhonete no estacionamento, pulei
e corri para o veículo, invadindo como o idiota que eu era,
mas não consegui evitar. Eu me movi ao redor do carro,
olhando para todos os desenhos nele, e então parei perto do
porta-malas. Logo acima do pneu, havia um coração com as
iniciais JK + KL dentro. Com as palavras ‘amigos para
sempre’ escritas abaixo.
— De jeito nenhum, — disse sem fôlego, tropeçando
para trás. Minha mão passou por meus cabelos molhados
quando o choque quase me derrubou. Eu deveria saber,
deveria ter ligado os pontos instantaneamente, mas já faz
mais de quinze anos desde a última vez em que a vi – a
garota obviamente cresceu para ser uma mulher e tanto.
Kennedy Lost.
Kennedy Lost era a nova garota do bairro, e ela estava
vivendo bem entre os Jeffersons e Joy. Como? Como é que
isso era possível? De jeito nenhum. Nem pensar. O que a
trouxe aqui? Como é que ela acabara na minha cidade?
O que é que isso significava? Que diabos eu deveria
fazer com esta nova informação?
Não.
Claro que não.
Já foi há muito tempo. Éramos apenas duas crianças
estúpidas. Ela era apenas uma parte do meu passado – nada
mais, nada menos.
Mas mesmo assim…
Julguei que uma parte de mim sabia que era ela no
momento em que prendi os meus olhos nela no bosque. Senti
um impulso no meu coração congelado assim que ela olhou
para mim, mas fiz o meu melhor para considerar que era
uma azia porque não queria que fosse ela. Não depois de
todos esses anos. Não depois das mudanças que ocorreram
na minha vida. Não no homem em que me tornei ao longo do
tempo porque já não era mais o rapaz que ela conhecia.
Eu não precisava que visitantes do meu passado
voltassem para assombrar meus dias atuais. Minha mente já
era profissional em me assombrar com arrependimentos do
passado todos os dias. Não precisava de mais fantasmas
voltando para mim. Mas caramba...
Kennedy Lost.
Ela não era apenas esta bela pessoa que tinha
curvas em lugares que não existiam quando éramos
crianças, seu cabelo estava mais comprido, e seus
cachos eram beijados pelo sol quando caíam na frente do seu
rosto. Com a pele brilhando como se ela se banhasse sob o
sol, e os olhos…
Porra, Kennedy e aqueles olhos.
Vá embora, eu disse a mim mesmo.
Precisava me afastar da casa dela e não permitir que
meu cérebro a deixasse entrar. Precisava parar de pensar
nela, não poderia viajar por esse caminho.
Depois de ver aquele carro amarelo e comprovado quem
ela era, meu coração congelado tentou fazer a coisa mais
estúpida do mundo – tentou bater, mas o cristal frio no meu
peito não conseguiu realizar a tarefa. Não sabia como.
Entrei na minha caminhonete e fui embora. Eu tinha
que ir embora. Quando voltei para casa, não fui direto para a
cama. Em vez disso, caminhei na chuva pela floresta escura
que eu conhecia como a palma da minha mão, indo em
direção ao campo de flores. Dezenas que eu plantei ao longo
dos anos que estavam em plena floração. A flor mais comum
era a margarida.
Fui até o banco no meio do campo e me sentei enquanto
a água caía sobre minha pele. As flores bebiam as gotas de
água quando fechei os olhos e olhei para o céu. Estava
encharcado da cabeça aos pés, mas não me importei.
Sinceramente, sempre me senti renovado quando
conseguia me sentar em uma tempestade.
Sentia como se me regenerasse da mesma forma que
regenerava as flores.
Respirando em silêncio, deixei que a minha mente
ficasse quieta, como sempre. Eu estava sozinho nesse bosque
abandonado, como sempre. Depois fui para casa e rastejei
para minha cama, como sempre.
A única diferença desta vez foi, pelo tempo que eu tentei
impedir que isso acontecesse, Kennedy não parava de cruzar
minha mente. Num instante, eu não era o homem em que me
tornara. Voltei ao tempo em que eu era um garotinho
assustado que queria um maldito amigo para fazer os dias de
merda desaparecerem.
Jax
Onze anos de idade
Ano um do acampamento de verão
FALAVA MUITO SOZINHO.
Não muito alto nem nada, só sussurrando de vez em
quando. Papai disse que odiava quando eu sussurrava, mas
os meus murmúrios eram para mim e para mais ninguém
ouvir. Por vezes desejava ter um amigo que murmurasse
também para que pudéssemos murmurar juntos somente
para a gente ouvir, mas, por enquanto, a única pessoa com
quem eu podia murmurar era comigo mesmo.
Atualmente, meus murmúrios eram sobre Kennedy Lost.
— Que garota esquisita, — murmurei.
Kennedy estava sentada em uma pilha de lama,
construindo o que parecia ser um castelo enquanto todos os
outros faziam artesanato em nosso tempo livre. Com a
chuva caindo sobre ela, fazendo-a parecer um esfregão
molhado, enquanto cantava alguma música, balançando a
cabeça para frente e para trás.
Essa garota estava sempre cantando. Ela provavelmente
cantava ainda mais do que falava, e ela falava muito. As suas
conversas não eram murmúrios; era a coisa mais barulhenta
que já ouvi, suas palavras nunca pareciam acabar. Parecia à
frase mais longa de sempre.
Ela falava bem alto e com qualquer pessoa e todos lhe
davam um minuto de atenção. Ela era a definição do
Energizer Bunny 6 – continuava sem parar, e suas baterias
nunca acabavam. Apostaria que ela até falava dormindo a um
milhão de quilômetros por minuto.
Era uma pessoa tão esquisita. Nunca tinha visto uma
pessoa assim até que conheci Kennedy Lost no acampamento
de verão daquele ano. Ela estava sempre se metendo em
problemas, vagando e fazendo sua própria bagunça, mesmo
que fosse repreendida por isso.
Tenho certeza que no momento em que a Srta. Jessie
visse Kennedy, ela estaria em apuros.
Kennedy nem se importaria, no entanto. Seus cabelos
bagunçados, emaranhados e encaracolados combinavam com
seus olhos dourados e travessos. Eu nunca tinha visto olhos
dourados antes de conhecer Kennedy. Eles também
tinham salpicos marrons. Não que eu estivesse olhando
6 - Desde sua primeira aparição em um comercial de televisão em 1989, o coelhinho cor-de-rosa das
pilhas e baterias ENERGIZER, conhecido como Energizer Bunny, à bateria que não acaba nunca.
seus olhos com muita atenção, porque sempre que eu olhava
para Kennedy por muito tempo, ela olhava para trás e sorria
para mim de uma maneira que fazia meu estômago revirar.
Ela me deixava enjoado, mas um tipo de enjoo que
parecia um bom… mais ou menos. Não sabia que me sentir
mal do estômago poderia me fazer sentir bem até conhecer
Kennedy.
Kennedy levantou-se e estendeu as mãos enquanto
olhava para as nuvens de chuva. Ela não sabia que um raio
poderia atingi-la e matá-la?
Uma vez eu tinha visto um documentário com mamãe
sobre quantas pessoas morreram em tempestades com raios,
e com certeza, talvez não fosse muito, mas era o suficiente
para me impedir de querer ficar do lado de fora na chuva com
raios de fogo piscando no céu. Ela estava estranhamente
perto de uma árvore também – uma árvore que, sem dúvida
ela abraçou no início do dia.
Kennedy Lost – uma garota esquisita que abraça árvores
e constrói castelo de barro no acampamento.
— É Kennedy lá fora? — Srta. Jessie exclamou enquanto
olhava pela janela para a garota que agora estava dançando
na chuva ao lado de seu castelo bagunçado como se fosse
uma louca.
Onde as coisas selvagens crescem você se pergunta?
Onde quer que Kennedy Lost fosse encontrada.
Srta. Jessie correu para a esquisita, e todos nós
corremos para a janela para ver quando Kennedy foi
repreendida e arrastada para a cabana dela para se limpar.
— Que aberração, — alguém murmurou.
Muitas pessoas a chamavam de nomes maus, e eu sabia
que Kennedy ouvia às vezes, mas ela não parecia se importar.
Gostaria de ser assim, gostaria de ter me importado menos
com o que as pessoas pensam sobre mim, especialmente meu
pai, mas por algum motivo, eu me importava com o que ele
pensava de mim mais do que qualquer outra pessoa no
mundo.
Enquanto Srta. Jessie levava Kennedy de volta à sua
cabana, a garota estranha dançou o caminho todo até lá.
Na maior parte do tempo, eu odiava o acampamento. Eu
odiava os esportes, os jogos e as atividades em grupo. Eu
odiava estar longe de casa – bem, mais ou menos. Eu sentia
falta da mamãe porque achei que ela também sentia minha
falta. Não sentia falta do papai porque parecia que eu nunca
era bom o bastante para ele, mesmo que eu tentasse ser
melhor. Papai amava meu irmão mais velho, Derek, muito
mais do que ele me amava. Derek nem era seu filho biológico,
mas, ainda assim, ele amava papai. Eles gostavam do
mesmo tipo de coisa – futebol, caça, filmes de ação.
Eu não era um bom filho como Derek, e papai me fazia sentir
mal o tempo todo por isso.
Enviou-me para o acampamento esperando que eu
melhorasse em certas coisas e que minha masculinidade se
sobressaísse. Mamãe me mandou para o acampamento na
esperança de eu fazer amigos.
Não era bom em criar ou fazer amigos, mesmo que isso
fosse tudo que eu sempre quis.
As pessoas me chamavam de esquisito – mais ou menos
como eu chamei Kennedy de esquisita a pouco, mas eu não
dançava na chuva ou construía castelos de barro. Na
verdade, eu era o completo oposto de Kennedy Lost. Ela era
barulhenta e eu era reservado. Ela se vestia com todas as
cores do arco-íris, enquanto minhas roupas eram pretas,
brancas ou cinza. Ela sempre falava sobre histórias
inventadas enquanto eu ficava mudo. Ela até usava o cabelo
encaracolado com as pontas tingidas de roxo, enquanto o
meu era marrom, domado e no lugar.
Era estranho como duas pessoas esquisitas podiam ser
completamente opostas.
— DEIXE-ME IR! — Eu gritei quando meus companheiros
de beliche do acampamento me arrastaram para fora do
quarto no meio da noite. James, Ryan, e o líder da sua
matilha, o maldito Lars Parker, não me soltava. O Lars era da
minha cidade e sempre me intimidou na escola. Não devia ter
ficado surpreendido quando ele continuou a me intimidar no
acampamento.
Estava chovendo, e os três caras estavam chateados
comigo por fazê-los perder no futebol mais cedo naquele dia.
Eu nem queria jogar, e meu time não queria que eu jogasse
também, mas o acampamento tinha uma regra estúpida de
‘ninguém ficava de fora’, o que me fazia ser o alvo principal de
um valentão.
Meu pai teria gostado de todos eles, porque eles eram
bons nessas coisas de caras.
— Cale a boca, bebê chorão! — Lars gritou, passando as
mãos em volta dos meus pulsos quando Ryan e James
agarraram um dos meus tornozelos.
Eu nem queria jogar futebol.
Eu nem queria vir para o acampamento de verão!
Eu odeio isso!
Eu odiava tanto que poderia ter chorado.
— Deixe-me ir, deixe-me ir, deixe-me ir! — Gritava.
— Ah, vamos deixar você ir, logo depois de jogá-lo na
lixeira como o lixo que você é, — disse Lars. Ficou claro que
ele era o líder do circo dos idiotas. Ryan e James
praticamente faziam o que ele dizia. Eu me perguntava como
as pessoas ficavam poderosas assim, como podiam fazer com
que alguém seguisse o que diziam.
— Você não está jogando ninguém em lugar algum, —
disse uma voz. Olhei por cima do ombro e vi Kennedy parada
na chuva com um arco e flecha em suas mãos. Ela segurou a
flecha apontada diretamente para o rosto de Lars e, oh, que
estranho Kennedy Lost, era uma psicopata maldita. — Larga
o Jax e ninguém se machuca.
— Oh, olha, a namorada louca de Jax veio salvar o dia!
— Ryan zombou.
— Oh, Ryan você é tão óbvio que nem conseguiu pensar
em um comentário melhor para fazer. Realmente, Ryan,
trabalhe em seus insultos. Eles carecem de autenticidade,
assim como toda a sua personalidade – ou devo chamá-lo de
Lars número dois? — Kennedy zombou dele antes que eu
pudesse expressar que ela não era minha namorada.
Essa era outra diferença entre ela e eu – ela não tinha
medo de se defender.
— Vai embora, Kennedy! Isso não tem nada a ver com
você, — disse James.
— Desculpe, Lars número três, não posso deixar você
fazer isso. Apenas coloque-o no chão e ninguém se machuca.
— Ela atirou uma flecha que caiu bem entre os pés de James.
— Você é louca? — Ele latiu, pulando no ar e jogando
meu pé no chão.
Kennedy não respondeu. Ela simplesmente enfiou a mão
na mochila que estava usando, e puxou outra flecha
atirando-a diretamente nos pés de Ry... Lars número dois.
Ele pulou e soltou meu outro pé.
Duas pernas livres faltam os braços.
O Lars levantou uma sobrancelha para Kennedy
enquanto os seus dois ajudantes se apressavam para trás do
seu líder. Ele segurou-me à sua frente e deu-lhe um sorriso
arrogante. — Não consegue disparar com o Jax na minha
frente, Kennedy. Por isso, é melhor que dispare.
Ela atirou a flecha seguinte passando por mim e roçou a
orelha de Lars.
Caralho! Ela quase lhe deu um piercing! Apostaria que,
se ela realmente quisesse, ela poderia ter feito um buraco na
orelha.
— Posso fazer qualquer coisa, — Kennedy latiu, e
engraçado, eu estava começando a acreditar nela. — Agora,
deixe-o ir porque da próxima vez, não vou falhar.
Eu sabia que Lars não estava demonstrando, mas senti
seus tremores quando ele me soltou.
Kennedy pegou outra flecha na bolsa, mas congelou
quando percebeu que não havia mais nenhuma.
Lars sorriu. — Parece que a aberração está sem armas.
Agora vou chutar duas bundas.
Comecei a tremer enquanto corria para o lado de
Kennedy. Ela se virou na minha direção. — Está tudo bem,
Jax, apenas late.
— O quê!? — Perguntei nervoso.
— Late para eles! As pessoas ficam assustadas se você
começa a latir para elas e depois elas o deixam em paz. Veja.
— Ela voltou-se para Lars e seus amigos e começou a latir
como um cachorro. — Woof! Woof! Woof! — Latiu me
deixando atordoado e um pouco assustado.
Que garota esquisita.
Mas parecia funcionar. Os caras começaram a recuar,
então eu comecei a fazer o mesmo. — Woof! Woof! — fiz
provavelmente parecendo um poodle em comparação ao
rottweiler de Kennedy, mas continuei até eles
recuarem. — Woooooof!
Lars balançou a cabeça enquanto se afastava de nós. —
Tanto faz, perdedores. Vamos lá pessoal. Vamos voltar para a
cama. Se você for esperto, Jax, não voltará esta noite, a
menos que queira levar um chute no traseiro.
Os três saíram correndo, e eu fiquei um pouco
estonteado quando Kennedy colocou o arco na mochila e
depois começou a dançar na chuva. — Viu? Sempre que
alguém estiver te incomodando, late pra eles. Sempre
funciona.
— Sempre?
— Sim, como cinquenta por cento das vezes.
— Nem sempre é assim.
— Oh, então nem sempre, eu acho.
— O que você estava fazendo aqui fora? — Perguntei,
encharcado, assustado e confuso.
Kennedy olhou para mim e seus lábios se curvaram em
um sorriso torto.
Quem diria que sorrisos tortos poderiam parecer…
fofos?
Tanto faz. Não que eu estivesse percebendo que o
sorriso de Kennedy era fofo. Porque não era. Quer
dizer, era, mas eu não estava percebendo, porque eu
não percebia esse tipo de coisa sobre Kennedy Lost.
Ela levantou a sobrancelha. — Oh, eu estava atirando
arco e flecha.
— Na chuva?
Ela assentiu. — Sim. Faz de você um atirador melhor se
trabalhar contra os elementos da natureza. A chuva
acrescenta um obstáculo que me obriga a pensar fora dos
limites e a fazer algo diferente. — Ela puxou seu arco para
fora e segurou-o na minha direção. — Quer tentar?
Sacudi a cabeça. — Não. Eu quero me secar.
— Está bem. Posso acompanhá-lo até seu beliche e você
pode pegar suas roupas. Depois pode dormir na minha cama
comigo para que os rapazes não o incomodem.
— Não preciso que uma garota me vigie, — eu discuti,
me sentindo envergonhado.
— Precisa, sim, — respondeu não de uma forma
mesquinha, apenas como um fato. — Agora vá lá, vou manter
as minhas flechas apontadas para eles enquanto pega as
tuas coisas.
Embora quisesse discutir com ela, sabia que não devia
lutar com uma garota instável segurando um arco e flecha.
Fomos para minha cabana e juntei algumas roupas para
a noite enquanto Kennedy me protegia dos caras.
Eles não disseram uma palavra.
Quando cheguei à cabana dela, suas colegas de quarto
já estavam dormindo. Graças a Deus. A última coisa que eu
precisava era que as pessoas pensassem que eu estava
apaixonado por uma garota como Kennedy Lost.
Eu me troquei no banheiro e Kennedy se trocou depois
de mim – colocando mais um conjunto de pijama de cores
vivas. Apenas Kennedy teria um pijama verde neon.
Ela rastejou em sua cama, e eu relutantemente rastejei
ao lado dela. A última vez que estive na cama com uma
garota foi – ah, certo.
Nunca.
Nunca estive na cama com uma garota.
Ela se virou para mim e me deu aquele sorriso torto e
estúpido que deixou meu estômago enjoado. — Por que você
não dançou na chuva lá fora, Jax?
— Eu não danço na chuva.
— Então quando você dança?
— Nunca.
Ela franziu a testa, e caramba, isso também era fofo. Ela
virou as costas para mim. — Você deveria dançar na chuva.
Vai te fazer feliz.
— Eu sou feliz.
— Você ficará ainda mais feliz se dançar na chuva.
Eu não sabia o que dizer sobre isso, então não disse
nada.
— Você não fala muito, fala? — Ela perguntou.
— Não.
— Tudo bem. Eu falo muito. E falo e falo e falo e… — ela
respirou fundo. — ...falo, mesmo que as palavras realmente
não me levem a lugar algum.
Eu não poderia discordar disso.
Fiquei na cama com ela que não era para eu estar. —
Tenho que sair daqui antes que alguém acorde. As pessoas
não nos podem ver na mesma cama.
Ela bocejou. — Não se preocupe, acordo sempre antes
de todos para ir falar com os pássaros que cantam para mim
de manhã.
Bocejei porque ela bocejou, e agora estávamos
bocejando juntos. — Você é uma garota muito esquisita,
Kennedy.
Na minha cabeça, pude ver o seu sorriso torto e bonito
que me deixava enjoado quando ela respondeu: — Obrigada,
Jax.
Kennedy
Presente
CHOVEU por três dias seguidos e eu estava exausta.
Eu odiava tempestades. Nunca conseguia dormir com
elas e, quando estava sozinha, não conseguia desligar meu
cérebro. Minha ansiedade estava no teto. Sentia falta de
Penn. Bem, não dele tanto quanto ter alguém deitado ao meu
lado na cama durante as tempestades. O conforto de ter
outro humano quente ao meu lado quando eu estava no meio
dos meus pontos mais baixos sempre os fazia parecer mais
simples.
Agora estava enfrentando sozinha minha ansiedade, e
não havia segredo de que ela estava me afetando. Não tinha
certeza o que estava mais exausto, o meu corpo ou a minha
mente.
Tentei fazer o máximo possível para me manter
ocupada. Fiz listas de coisas que queria fazer para ter
mais coragem. Tentei o meu melhor para meditar. Por
vezes também chorei, porque Yoana disse que chorar era
corajoso.
Então eu esperei a tempestade passar e, felizmente,
sabia que não importava o tamanho da tempestade, elas
sempre passavam, não importando as circunstâncias. Depois
de cada tempestade, o sol sempre voltava a brilhar.
Demorou alguns dias para o sol sair e, com isso, a
equipe de paisagismo apareceu. Embora estivesse
extremamente cansada, estava pronta para ver o que eles
haviam planejado para moldar o quintal. Era um espaço
bonito, e eu só podia imaginar que Yoana já tinha seu próprio
esboço e planos em mente de como ela queria que seu quintal
ficasse. Mal podia esperar para ver o trabalho dos paisagistas
ganharem vida.
Quando duas caminhonetes pararam com materiais
para começar o trabalho, eu fui para fora para cumprimentar
Lars, o dono da empresa. Eu ouvi de Louise e Kate que ele
era o melhor paisagista da cidade – e o único – e que era
muito atraente.
Elas não estavam erradas sobre sua boa aparência. Com
cabelos loiros desgrenhados e uma covinha profunda na
bochecha esquerda, eu podia ver o charme.
Lars falou com três de seus funcionários, dando a cada
um deles o conjunto de tarefas antes de se virar para
mim para uma saudação. Primeiro, seus olhos me
cumprimentaram enquanto dançavam para cima e para baixo
no meu corpo. Quando ele encontrou meu olhar, um sorriso
sinistro curvou em seus lábios.
— Bem, olá. Ouvi muitas coisas sobre a nova garota da
cidade. É bom finalmente conhecê-la.
— Parece que as notícias viajam rápido por aqui. Eu sou
Kennedy.
— Sou Lars, o proprietário da Lars Paisagismo. É uma
honra conhecê-la, — ele disse, estendendo a mão para mim.
Aproximei minha mão para ele cumprimentar, mas ele
pegou e a virou para colocar os lábios na minha pele.
Que nojo.
Rapidamente puxei minha mão para longe dele.
Assim, sem mais nem menos, sua boa aparência foi
decaída. Ele estava sendo tão arrogante – sobre tudo. Era
evidente que Lars sabia que ele era bonito, e provavelmente
recebia muita atenção das fêmeas em Havenbarrow. Mas
para mim, não havia nada pior do que um homem que sabia
que era bonito e que achava que podia escapar com coisas
baseadas apenas na sua aparência.
Mesmo que eu não conhecesse Lars por mais de dois
segundos, eu estava recebendo muitas vibrações ruins
dele.
Ele continuou sorrindo, parecendo uma raposa astuta.
— É bom ter alguém novo na cidade. É fácil ficar cansado de
ver os mesmos rostos o tempo todo. É só você e seu, — ele
olhou para o meu dedo anelar, que estava vazio —
namorado…?
Esfreguei minhas mãos e balancei minha cabeça. —
Não. Apenas eu.
— Solteira? — Ele perguntou, se animando.
Sorri, mas na boca do estômago, me senti enjoada. Eu
não gostava de como isso estava indo, e adoraria que a
conversa mudasse de direção, e era exatamente isso que eu
faria acontecer. O que havia naquele homem que me deixou
tão inquieta? Algo nele parecia tão familiar.
— Sim, eu sou. Bem, deixe-me sair da sua frente. Eu só
queria cumprimentá-lo. Não vou incomodar em nada. Se
precisar de alguma coisa, eu estarei lá dentro. Como sabe,
este lugar pertence à minha irmã e ao meu cunhado, por isso
a maior parte das modificações devem provavelmente ser
aprovadas por eles, mas eu posso entrar em contato com eles
rapidamente, se necessário.
— Não sinta como se precisasse ficar escondida naquela
casa. Se quiser, pode sempre vir aqui fora e sujar-se comigo,
— disse Lars. Então ele piscou o olho.
Ele piscou, e eu queria vomitar naquele momento.
Em vez disso, soltei um sorriso encantador sulista,
assenti uma vez, dei meia volta e voltei para casa. E tinha
certeza de que o cara estava olhando para minha bunda
quando eu virei de costas, e esse pensamento por si só me
deu calafrios.
Assustei-me e me encolhi quando Lars inesperadamente
tocou meu ombro.
Disparei para enfrentá-lo com pânico nos olhos.
Ele levantou as mãos em sinal de rendição. — Whoa,
whoa. Eu sinto muito. Não quis te assustar.
Meu coração estava batendo rápido no meu peito
quando dei um passo para trás e passei meus braços em
volta do meu corpo. — Não, está tudo bem. Desculpe. Apenas
me assusto com facilidade.
— Só queria dizer que você está linda hoje, — declarou
Lars, permitindo que seus olhos vagassem por mim mais uma
vez. O desconforto começou a subir na boca do meu
estômago e instalou-se pesadamente dentro da minha
garganta.
— Obrigada, — disse, apesar de querer dizer palavras
mais severas sobre seus comentários inadequados. Em vez
disso, me afastei e fui embora.
Antes de subir os degraus da casa, notei o Sr.
Celebridade sentado na varanda ao lado com Joy,
tomando uma xícara de café. Seus olhos estavam em mim, e
a intensidade de seu olhar enviou arrepios na minha espinha.
Inclinei minha cabeça em sua direção evidentemente confusa.
Seus olhos pareciam refletir sobre alguma coisa, mas eu não
conseguia identificar exatamente o que ele estava
expressando. Tive a sensação de que não seria a primeira vez
que ficaria perplexa com seus olhares distantes e frios.
Tive um forte pressentimento de que o Sr. Celebridade e
eu partilharíamos muitos olhares de perplexidade entre nós.
Talvez um dia eu fosse capaz de desviar o olhar mais
rapidamente, mas, por enquanto, meus olhos tinham um
jeito de permanecer nos dele. Algo estava diferente sobre ele
desta vez. Algo estava segurando seu olhar em mim. Pela
primeira vez desde que eu cheguei à cidade, o Sr. Celebridade
não desviou o olhar primeiro. Ele concentrou-se, inclinou a
cabeça e, por um momento, seus olhos pareciam
preocupados.
Quando afastou o olhar eu voltei para dentro para tomar
um banho e lavar o desconforto que Lars havia criado em
mim.
Antes que a tarde terminasse, Lars fez mais três
investidas em mim, deixando-me completamente
desconfortável. Eu não tinha certeza de como as próximas
semanas seriam com ele trabalhando no quintal. Passei
cinco anos desconfortáveis em um casamento sem
amor. A última coisa que eu queria era ficar
desconfortável com um completo estranho.
Não apenas eu estava lidando com Lars aparentemente
se atirando em mim, mas também estava tendo muitas
visitas ‘amigáveis’ de várias pessoas da cidade.
As pessoas continuavam aparecendo na minha casa
para se apresentarem, e, francamente, isso estava ficando
cansativo. Quanto mais elas vinham, mais invasivas se
tornavam me fazendo perguntas sobre minha vida amorosa,
curiosas se eu estava interessada em um encontro com seu
primo Bernie, que nunca tinha namorado uma garota em sua
vida, perguntando se eu estava interessada em doar para o
espetáculo de outono da escola primária sobre Macbeth.
Parecia um pouco pesado para um espetáculo infantil, mas
hei quem era eu para julgar?
De alguma maneira, acabei passando um cheque para
uma dessas senhoras insistentes.
Se você pensou que as mães de Havenbarrow eram
agressivas, espere até ouvir sobre suas filhas que vendem
biscoitos de escoteiras. De alguma forma, acabei pedindo
biscoitos suficientes para alimentar um exército – ou alguém
‘eu’ triste numa sexta-feira à noite.
As piores ainda eram Louise e Kate, que se viam cada
vez mais interessadas em saber quem eu era como pessoa
e ainda mais intrigadas em desenterrar algum tipo de
sujeira no meu passado.
— Ei, querida, — as duas cantaram quando pararam na
frente da minha porta uma tarde de sábado. — Queríamos
dar uma olhada em você e ver como está se adaptando a
pequena Havenbarrow. Deus sabe que deve ser uma grande
mudança para uma garota da cidade como você.
Fato Um: nunca lhes disse que era uma garota da cidade.
Eu disse à intrometida Nancy quando ela parou no outro dia
com muffins;
Fato Dois: não confie em Nancy, a intrometida, não
importa quão bons sejam seus bolinhos;
— Estou indo bem, senhoras.
— Oh, sim. Isso é bom e tudo, — disse Kate, apertando
os lábios — mas se você não se importa de eu bisbilhotar, o
que você veio fazer aqui?
— O que quer dizer?
— Não quero que se ofenda, Kennedy, — ela começou, o
que significava que algo ofensivo estava prestes a ser dito. —
No entanto, não se pode ficar aqui de braços cruzados, sem
um emprego. Você não tem ambições maiores do que essa?
Digo, você tem o quê, vinte e nove, trinta? — Pergunta.
O insulto foi alto e claro no seu tom, e eu não tinha
certeza de como me contive de bater com a porta na cara
dela.
— Vinte e oito, — eu respondi.
As duas franziram a testa. — É uma vergonha, — disse
Louise. — Você é muito velha para não fazer nada. Talvez seja
melhor vir às noites de pedicure que organizo com algumas
outras mulheres. Temos uma na próxima semana. Quem
sabe uma das garotas da cidade possa te arranjar um
emprego. E querida, tenho certeza que as tuas unhas irão te
agradecer pelo carinho. Além disso, e os encontros? O primo
da Mary, o Bernie, está solteiro. Ele é um pouco esquisito,
também. Esquisito, devo dizer como você. Aposto que vocês
dois dariam um excelente casal!
De novo, Bernie não. — Obrigada pela oferta, mas acho
que vou ter que passar. — Parte de mim queria contar a elas
sobre meus romances. Sobre como tive uma carreira de
sucesso. Uma parte maior de mim sabia que eu não era
muito boa com eles.
— Você deveria considerar Bernie e levá-lo para um
encontro. Na sua idade, você deveria se acalmar, não acha?
Aposto que você quer ter filhos em algum momento, não é? O
tempo está passando e só fica mais difícil quanto mais você
espera.
Uau.
Tinham ultrapassado os limites, e nem sequer se
davam conta disso. A cada dia que passava, eu tinha
cada vez mais certeza de que não poderia ficar
naquela casa com estas duas mulheres vivendo logo abaixo
na rua.
— Desculpe, esse é um assunto particular, e…
Louise entrou em cena. — Sabia que pode congelar seus
óvulos? Eu li um artigo que diz que você pode fazer isso.
Antes de eu poder responder, Louise estava acenando
para Lars, que estava arrancando algumas ervas daninhas.
— Olá, Lars. É bom vê-lo, — cantou ela, olhando-o de cima a
baixo como se ele fosse um bife que ela devoraria. — Vejo que
continua trabalhando duro como sempre.
Ele limpou a testa com as costas da mão e deu um
sorriso diabólico. — Você sabe que eu não consigo me
impedir de sujar as mãos, Louise. — Então piscou para mim
e meu estômago revirou cinquenta e sete vezes.
Louise se abanou e corou como se não fosse uma
mulher casada enquanto Lars voltava ao trabalho. — Nossa,
meu Deus. Se eu ainda fosse uma garota solteira, adoraria
sujar-me com aquele homem.
— Amém, — Kate cantou junto com sua irmã. — De
qualquer forma, vamos te chamar para a reunião de pedicuro
Kennedy! E sobre Bernie. Vocês dois se dariam tão bem. Eu
apenas sinto isso.
Ambas apressaram-se em sair e eu mentiria se
dissesse que senti falta delas quando foram embora.
No final do dia, Lars bateu à porta para me informar que
sua equipe havia terminado. — Deixe-me mostrar o que
fizemos hoje, — disse apontando para o jardim.
Com um sorriso hesitante, eu o segui. Andamos por aí
enquanto ele gesticulava aqui e ali, explicando como seria
daqui a alguns meses. Ele falou sobre o jardim que seria
colocado no quintal e sobre as luminárias que seriam
alocadas no lugar. Gabando-se de quão talentoso e inteligente
– e solteiro – ele era, às vezes tocando na quantidade de
sucesso que seus negócios haviam alcançado em
Havenbarrow. Então, quando estávamos olhando para o
canto onde o arbusto de lilás ficaria – a flor favorita da
mamãe – ele colocou a mão na parte inferior das minhas
costas e eu me afastei.
— O que você está fazendo? — Disse, sentindo um
calafrio correr por minha pele.
Ele levantou uma sobrancelha, aparentemente perplexo.
— Sinto muito? Eu só estava…
— Tocando minhas costas sem minha permissão, —
repreendi. — E, francamente, isso é altamente inapropriado.
Em vez de se desculpar por suas ações, Lars revirou os
olhos. — Vá lá, senhora. Não é que não tenha se atirado
sobre mim o dia todo desde que cheguei aqui com a minha
equipe. Os sinais pareciam bastante claros.
— Não houve sinais. Não estava de forma alguma me
atirando em você.
— Não há necessidade de mentir sobre isso, —
argumentou passando as mãos pelos cabelos, como se ele
fosse o homem mais confiante do mundo. — Entendi. Você é
uma garota bonita. Eu sou um cara bonito. Só fazia sentido
que…, — ele colocou a mão no meu ombro, enviando calafrios
pela minha espinha. — ...ficássemos atraídos um pelo outro.
— Eu não estou atraída por você, — disse, com minha
voz ficando mais alta quando joguei a mão dele do meu
ombro. — E se você me tocar mais uma vez, vai se
arrepender.
— Não precisa ser uma vadia, — ele bufou. — Na
realidade, você nem é meu tipo.
O que há com homens que não podem aceitar o fato de
que uma mulher pode não estar interessada neles e,
portanto, ficam na defensiva?
— Você é um pouco gordinha pro meu gosto, — disse
olhando-me de cima a baixo.
— É hora de você sair, — pedi, com minha voz severa,
embora eu estivesse estremecendo um pouco por dentro. Pelo
menos no meu casamento, eu conhecia o monstro que
voltava para casa todas as noites. Mas com Lars? Um
completo estranho? Eu não sabia onde ele traçava seus
limites de raiva.
— Tanto faz. Volto amanhã para trabalhar.
— Provavelmente é melhor se você não voltar, — eu
pedi, sabendo que não havia como Yoana se sentir
confortável com alguém como ele trabalhando em sua
propriedade. Ela nunca quereria que eu me sentisse
desconfortável. E Lars? Ele era a definição do desconforto.
Ele riu, balançando a cabeça. — Você não tem o direito
de me demitir. Como você mesmo disse, sua irmã é minha
cliente, não você.
— E minha irmã receberá uma ligação minha no
momento em que você sair. Agora saia.
— Escute, senhora… — ele disse, dando um passo em
minha direção, me fazendo recuar. Puxa, eu odiava isso.
Odiava ele perceber meu desconforto. Odiava como eu vi o
lampejo de confiança que meu vacilar deu a ele. Odiava
parecer fraca na frente dos homens. Odiava me sentir
encurralada.
Seu peito inchou quando ele ficou mais alto. — Não
posso permitir que mexa no meu orçamento, por isso vamos
ter de arranjar outra solução.
— Ou que tal isso? Que tal você ouvir e deixar a
propriedade dela, — disse uma voz, fazendo Lars e eu
olhar na direção da casa de Joy. Lá estava ele, o Sr.
Celebridade, na cerca curta que separava o quintal de Joy do
meu. Seus olhos eram severos e cheios de… raiva? Isso era
raiva? Só que desta vez o olhar enlouquecedor estava focado
em Lars.
— Que tal você cuidar da sua vida, amigo?
O Sr. Celebridade contornou a cerca e depois foi para o
meu quintal. E ficou cara a cara com Lars e, em segundos,
Lars parecia um peixinho prestes a ser comido por um
tubarão. Claro, Lars era um cara maior, alto e um tanto em
forma, mas o Sr. Celebridade estava em forma. Tipo em forma.
Como se levantasse um carro com o seu mindinho sem sequer
suar.
Eles tiveram um concurso de encarar por alguns
momentos antes de Lars recuar e se render. — Tanto faz,
cara. Não tenho tempo para isso. — Lars voltou seu olhar
para mim e seus olhos azuis pareciam um pouco mais frios.
— Boa sorte em encontrar outro paisagista para terminar
essa merda. Eu sou o único da cidade, então parabéns –
você fodeu com o quintal da sua irmã.
— Saia, — o Sr. Celebridade sibilou, com seu olhar
ainda jogando punhais em Lars.
— Ok, ok, idiota. — Com uma risada sinistra, Lars
jogou as mãos para o ar. — Só não atire.
Essas palavras saíram de sua língua de uma maneira
perturbadora, e agora estava na hora do Sr. Celebridade
tropeçar um pouco para trás. Seus olhos brilharam de
emoção antes que ele piscasse. O que foi isso? Qual era a
história por trás de seu deslize de emoção?
Lars se apressou e vi um suspiro exausto e lento cair
dos lábios do Sr. Celebridade quando seus ombros caíram. O
urso pardo diante de mim soltou seu rosnado.
Alívio rolou através de mim enquanto sorria para o Sr.
Celebridade. — Obrigada por isso. Eu estava quase…
— Que diabos você está fazendo? — Retrucou, com seu
tom duro me assustando.
— O que?
— Por que você o deixou assediá-la assim durante todo
o dia? Além disso, você continua deixando essas pessoas
intrometidas entrarem em sua casa e menosprezá-la.
Eu fiquei um pouco mais ereta. — Do que você está
falando?
— Todos os dias, essas pessoas têm trazido uma merda
para você enquanto cagam sobre você comentários negativos.
Eles estavam cuspindo seu desrespeito direto no seu rosto, e
você permitiu como se não tivesse problema.
Uau. Ok. Aparentemente, estávamos de volta ao cara
agressivo e rude que conheci no bosque. — Não é realmente
da sua conta.
— Se você não os afastar agora, eles voltarão e ficarão
cada vez mais agressivos e intrometidos na sua vida.
— E por que você se importa como as pessoas me
tratam?
Seus olhos brilharam com uma suavidade, e eu jurei
que vi uma pessoa que conheci. Ele enfiou as mãos nos
bolsos da calça jeans e encolheu os ombros. — Estou apenas
dizendo. As pessoas nesta cidade são como trolls. Se você tem
que interpretar o bandido, assuma esse papel. Não fique
tímida, no entanto. Eles gostam de quebrar o tímido. Eles vão
te enlouquecer, pressionar você contra uma parede, atacá-la
repetidamente até você estourar – e acredite em mim, você
estourará – e então eles perguntarão por que você estourou.
— Você ainda não respondeu a minha pergunta. Por que
você se importa como as pessoas me tratam? — Repeti.
— Não me importo, — ele murmurou asperamente,
passando as costas da mão na testa. — Mas você também
não se importa como eles a tratam. Tenho certeza de que esse
é o verdadeiro problema em questão.
Eu queria discutir com ele, queria dizer a ele que
estava errado, dizer que não me importava o que essas
pessoas dessa cidade pensam de mim, mas a verdade
era que eu me importava. Eu queria que eles gostassem de
mim, porque mais do que ser intimidada, eu temia não ser
amada.
Meu marido fez questão de colocar esse temor em mim –
que eu não era digna de ser amada. Tudo o que eu queria era
ser amada, mesmo que isso significasse partir meu coração
para fazer as pessoas gostarem de mim. E esse era um fato
muito deprimente.
— Um conselho do idiota da cidade? — Ele ofereceu.
— Claro que sim, me esclareça.
— Seja mais forte, tenha autoridade. Defenda-se.
Pressione mais quando eles pressionarem contra você.
— Não sei se seguir o conselho do idiota da cidade é
uma ideia tão inteligente, não quero ser uma solitária como
você. Quero ter amigos.
Seus olhos se afastaram dos meus por uma fração de
segundo. Quando ele olhou para trás, eu jurei que o
vi...magoado? Eu o magoei com minhas palavras?
— Eu tenho amigos, — disse ele, com firmeza como
sempre. — Pessoas que significam o maldito mundo para
mim. Pessoas que me pegam quando o resto do mundo tenta
me quebrar.
Meu estômago deu um nó. — Eu sinto muito. Não quis
dizer isso…
— Você disse, e está tudo bem, mas antes de sentar
aqui e me julgar, concentre-se em si mesma agora. Decida se
você realmente deseja essas pessoas como amigas. As
pessoas não têm cuidado com quem se entregam hoje em dia
porque acham que ser amado é mais importante do que ser
respeitado. Essas pessoas vão te matar.
Sorri. — Eu duvido que Louise e Kate vão tirar minha
vida.
— Eu não estou falando sobre tirar sua vida. Estou
falando deles pegando algo mais importante.
— E o que seria isso?
— Sua alma.
Não sabia o que dizer, eu não sabia o que fazer. Fiquei
quieta por um momento quando ele se aproximou de mim e
falou baixinho. — Late para eles, Kennedy. Late.
E deu um passo para trás, respirando fundo. Meu peito
ficou tão apertado quando ele se afastou. Suas palavras
estavam enviando calafrios por minha espinha enquanto
tocavam repetidamente na minha cabeça, como se estivessem
tentando desbloquear algo dentro das minhas memórias.
Late para eles, Kennedy. Late.
Kennedy
— OH MEU DEUS, eu sinto muito que ele tenha te tratado
assim, Kennedy. Que idiota! — Disse Yoana pelo telefone
enquanto eu bocejava e me espreguiçava na cama. Minhas
costas estavam doendo extremamente e cansadas de eu ser
uma idiota por dormir em um carro pelas últimas noites,
então eu me mudei para dentro em uma cama de verdade
como um adulto de verdade. Fiquei tão feliz quando os
móveis finalmente chegaram e a casa começou a parecer mais
como uma casa.
— Sim, — concordei, referindo-me a Lars e a maneira
como ele me tratou no dia anterior. — Sinto muito por ter
perdido seu paisagista.
— Tanto faz. Não é grande coisa. Tenho certeza de que
alguém vai aparecer. O que importa é que você esteja bem.
Precisa que eu volte para casa? Eu posso voltar para casa. Eu
posso voltar para casa se você precisar de mim.
— Tenho cem por cento de certeza de que você não é
necessária na cidade. — Eu ri.
— Sério? Porque Bora Bora é um tédio completo. Tudo o
que fazemos é tomar sol e consumir bebidas frutadas.
— Nossa, que vida difícil, muito difícil.
— Você que está dizendo. Além disso, tem esse cara que
me acompanha por aí, dizendo que me ama sem parar e
atendendo a todos os meus desejos e necessidades.
Levantei uma sobrancelha como se ela pudesse me ver.
— Você quer dizer… seu marido?
— Marido. — Ela suspirou, balançando a cabeça para
frente e para trás. — Que palavra esquisita. Eu tenho um
marido. — Ela riu, parecendo apaixonada como sempre.
— Com certeza você tem. E um dos bons. Seja grata por
isso... há muitos peixes terríveis no mar.
— Por falar em peixe terrível… você ouviu falar de sua
lula?
Meu peito apertou e eu puxei meu cabelo em um coque
bagunçado. — Não…
— Bem, isso é bom, certo? Não ter notícias dele é uma
coisa boa.
Talvez. Ainda assim, uma parte de mim se sentia
estranha por não ter notícias dele. Tentei o meu melhor para
não pensar nisso. Quanto mais eu pensava sobre isso, mais
eu pensava sobre o meu passado, e isso era difícil para mim.
Eu não era boa em lidar com o meu passado. Era muito difícil
para eu enfrentar.
— Sim é bom, uma observação, — falei mudando de
assunto — se você estiver interessada em saber, meus
vizinhos são as pessoas mais intrometidas do mundo.
— Oh Deus, é ótimo saber. Aposto que eles estão tendo
trabalho com você.
— Nem imagina. Estou surpresa que uma torta de
frutas ou pão ainda não tenha aparecido hoje.
— Ainda é cedo – tenho certeza de que está a caminho,
— brincou. — Como é a cidade? É o Southern Stars Hollow 7
dos nossos sonhos? — Yoana perguntou, com sua voz cheia
de esperança. — Existem vendas de bolos e desfiles na cidade
porque é terça-feira? Existe um Luke's Diner 8 ? Oh meu Deus,
por favor, me diga que há um Luke's Diner.
Sorri. — Ainda não andei pela cidade, na verdade, mas
você tem uma vizinha fofa e peculiar. Ah, e aviso – o idiota da
cidade é dono do bosque atrás de sua propriedade. Eu não
7
– Cidade fictícia do seriado Gilmore Girls;
8
– Cafeteria do seriado;
vagaria por lá se fosse você. Ele é o oposto de uma pessoa
popular.
— Ohhh, interessante. Ele é um antissocial tipo Luke ou
antissocial tipo Jess?
Se havia algo em que Yoana e eu éramos profissionais,
era em falar nas referências de Gilmore Girls.
— Jess. Totalmente um Jess.
— Ele é gostoso? Oh Deus, por favor, me diga que ele é
gostoso. —
Oh, o Sr. Celebridade era um belo espécime de um
idiota. Se caras quentes mal-humorados pudessem matar, eu
já estaria morta dez vezes. Era como se alguém pegasse
Damon de The Vampire Diaries, jogasse um pouco de Hook de
Once Upon A Time e voilá! O Sr. Celebridade nascia.
— Não é essa a questão, — digo para me livrar do seu
óbvio sex appeal porque eu ainda estava numa missão para
odiá-lo – mesmo que ele andasse com os idosos no seu tempo
livre e me salvasse de pessoas como Lars. Isso não anulou a
sua falta de jeito comigo nem a sua personalidade malhumorada.
— Esse é o ponto, Kennedy. Não há problema em achar
o idiota da cidade sexy.
Também acho. Só que Yoana não precisava saber
desse fato – nem mais ninguém – porque não tinha
relevância para nada. O Sr. Celebridade era lindo demais com
mechas de cabelos castanhos escuros que caíam na frente do
rosto da maneira mais sexy possível? Sim. Olhos profundos e
misteriosos que me fascinaram por um momento? Claro, sim,
tanto faz. O tempo parou, blá, blá, blá. Isso não mudava o
fato de ele não ter as habilidades com as pessoas. Nenhuma
quantidade de lábios carnudos ou mandíbulas fortes poderia
mudar esse fato.
A sua beleza e natureza misteriosa simplesmente
tornava mais difícil desviar o olhar.
— Se você continuar falando, eu vou desligar o telefone,
— brinquei, levantando-me para entrar no banheiro.
— Tudo bem, tudo bem, mas como assim você ainda
não esteve na cidade? Não me diga que você foi antissocial.
Você tem que sair! Explorar. Conhecer novas pessoas.
— Confie em mim, não preciso conhecer novas pessoas.
Eles têm um jeito de vir direto para a minha varanda.
— Você precisa sair, Kennedy. Vai ser bom para você.
— Mas sua casa é tão grande e confortável, — brinquei
tentando mudar a direção da conversa. Pude perceber pelo
suspiro de Yoana que ela estava preocupada. E sabia que era
porque ela estava absorvida com minha saúde mental, que
vinha sofrendo bastante nos últimos meses. Ela queria
que eu ficasse bem, o que eu compreendia
completamente. Eu também queria isso. Só que
essas coisas levavam tempo. Eu tinha que me curar nos
meus próprios termos – mesmo quando o resto do mundo
queria que eu superasse isso mais cedo ou mais tarde.
Isso não me parecia justo. Afinal, era o meu trauma, não
o deles.
Mas meu marido já havia me deixado por causa da
minha incapacidade de seguir em frente com minha vida. Eu
também não poderia perder minha irmã pelas mesmas
razões.
— Só me preocupo com você, Kenny, — ela disse,
usando o apelido que mamãe costumava me chamar. Meu
estômago vibrou. — Você passou por muita coisa. Depois de
perder mamãe, papai e Da...
— Vou sair hoje, — ofereci, interrompendo-a antes que
ela pudesse mencionar o acidente que queimou minha alma.
— Vou ver o que está acontecendo neste lugar, — eu disse,
tentando parecer esperançosa para que as preocupações de
Yoana pudessem evaporar.
O suspiro que deslizou pelo alto-falante do telefone foi
muito mais relaxado dessa vez. — Oh, Kennedy, você vai
adorar! Nathan me convenceu a comprar a casa, oferecendome
alguns destaques de Havenbarrow. Há um cinema drivein
à moda antiga que só reproduz filmes em preto e branco, e
toda sexta-feira à noite tem um filme romântico, —
insistiu ela, despertando meu interesse.
— Ah? Continue.
— Há uma cafeteria que tem um gato de rua chamado
Marshmallow que anda por aí.
Ok, ela agora estava fazendo cócegas na minha fantasia.
— E, e, e! — Ela exclamou, seu entusiasmo vindo alto e
claro. — A biblioteca tem uma estante secreta! Pelo menos
essa é a lenda urbana. A estante leva a um recanto de leitura
oculto e você precisa encontrar o livro certo para desbloqueála.
Há rumores de que ninguém o encontrou ainda, mas
supostamente deve estar lá.
Desafio aceito.
— Você pode até levar o carro da mamãe e do papai para
dar uma volta, — disse Yoana com um toque de esperança.
Isso definitivamente estava levando as coisas longes
demais. Ela sabia dos meus problemas para dirigir. Ainda
não estava pronta para pular do trampolim. — Um passo de
cada vez, mana.
Eu quase podia sentir seu sorriso culpado vindo pelo
telefone. — Tinha que tentar.
Depois de desligar com Yoana, na tentativa de evitar os
indivíduos invasores que carregavam assados e sair da minha
zona de conforto, fui à cidade para tomar um café da
manhã.
O café parecia muito com o Luke's Diner, com mesas
espalhadas aleatoriamente ao redor e cabines de couro
vermelho ao longo das paredes. Os bancos que ficavam no
balcão da frente eram ocupados por pessoas conversando, em
vez de encarar seus telefones celulares. Havia uma placa na
parede em frente à estação de café que dizia: Nada de celular.
Conecte e vá embora.
Agora, se isso não era um recado do Luke's Diner, eu
não sabia o que era. Achei que não havia necessidade de
perguntar se eles tinham uma senha Wi-Fi que eu pudesse
usar. Então enfiei o meu telefone na minha bolsa e sentei-me
numa cabine. Não demorou muito até que o meu bife e ovos
fossem entregues, e depois voltei a minha atenção para a
janela para o meu entretenimento gastronômico. Um
cachorrinho adorável estava na coleira, do outro lado da rua.
Não faça isso, cachorrinho.
A dona do cão estava gritando com alguém em seu
celular e balançando seus braços como uma louca. A coleira
estava amarrada num suporte de bicicleta e, a cada poucos
segundos, ele puxava a tira de couro, afrouxando o nó.
Tentava alcançar o gato vadio sentado no lado oposto da rua
movimentada, lambendo as patas.
Sua dona não percebeu o nível de angústia de seu
cachorro, muito ocupada gritando em seu telefone para
se preocupar com o fato de que o cachorro estava
prestes a sair correndo pelo trânsito.
O ritmo dos meus batimentos cardíacos tornou-se
irregular. A coleira do cachorro estava quase solta da trava.
— Não, — murmurei para mim mesma, com minhas mãos
tremendo, esperando que o cachorro sentasse e ficasse onde
estava.
O gato se esticou, deixando o cachorro ainda mais
frenético. A atenção nos olhos do cachorro e seus latidos
altos deveriam ter feito à dona notar, mas ela não notou.
Imagine uma pessoa estar tão desligada de tudo.
— Não! — Eu gritei, com minha voz falhando. As
pessoas olharam na minha direção, mas eu não me importei.
Pulei da minha cabine enquanto calafrios percorriam
meu corpo, e dois segundos depois, a coleira estava livre, e o
cachorro estava na rua e meu coração estava na garganta.
Antes que o cachorro pudesse pular na frente de um
carro, antes que uma visão horrível se desenrolasse diante de
mim, o Sr. Celebridade entrou em frente ao veículo em
movimento e pegou o cachorro em seus braços.
Senhor.
Maldito.
Personalidade.
Você está brincando comigo?!
Homem adulto, atraente, segurando um cachorrinho
minúsculo e indefeso contra o peito?
Resultado: Uma mulher com tesão instantâneo.
O motorista do veículo bateu a mão buzina antes de
gesticular no ar com um olhar de nojo e depois acelerar.
A dona do filhote se virou para ver o homem com o
cachorro nos braços, e ela parecia horrorizada – não pelo
cachorro quase perdendo a vida, mas pelo homem que estava
segurando o animal.
Ela pegou seu animal de estimação longe dele e
começou a acenar com as mãos no ar mais uma vez,
aparentemente xingando-o por salvar seu animal de
estimação.
O que há de errado com ela?
Claro, ele era conhecido como o idiota da cidade, mas
naquele momento, ele foi um super-herói! Ela deveria ter
agradecido ao idiota por seu ato heroico. Em vez disso, ela o
xingava como se ele fosse a causa do incidente. E o Sr.
Celebridade ergueu-se e não gritou de volta para ela. Na
verdade, ele não disse uma palavra. Seus lábios carnudos
continuaram pressionados, e ele não parecia nem um pouco
incomodado com a mulher. Nem uma sobrancelha levantada
e nem um único sorriso ou carranca nos lábios.
Ele apenas parecia… vazio.
Completamente desconectado da agressão sendo
lançada em sua direção.
Ele era melhor do que eu naquele momento, isso era
certo. Se fosse eu, teria inventado palavrões usando todas as
letras do alfabeto.
Enquanto ela continuava gritando, o Sr. Celebridade se
virou e se afastou dela, deixando a mulher com seu vômito de
palavras e péssimas aptidões como dona de um animal de
estimação.
A campainha da porta tocou quando ele entrou no café.
E se sentou em uma cabine de canto, abriu um cardápio,
ajeitou o boné e abaixou a cabeça, curvando os ombros
enormes para frente enquanto estudava as opções do
cardápio.
Por que ele fez isso?
Por que ele teve que salvar um filhote do atropelamento?
Por que ele tinha que tornar tão difícil para eu não
gostar dele?
O Sr. Celebridade era como um super-herói. Do
maxilar esculpido aos braços e bíceps, esse homem
provavelmente poderia ter parado um trem de alta velocidade
usando seu tronco de aço. Era uma pena que, quando eu
cruzei seu caminho, suas habilidades em comunicação não
correspondiam às suas aparentes habilidades de ginástica.
Então, novamente, isso o faria bom demais para ser verdade.
— Se você queria um prato de sal com um bife e ovos ao
lado, eu poderia ter providenciado, — uma voz amigável
falou, tirando meu olhar do Sr. Celebridade para a comida na
qual eu estava irritantemente agitando o sal nos últimos
cinco minutos.
— Desculpe, — murmurei, colocando o saleiro na mesa
e me abaixando de volta na minha cadeira. Olhei de volta
para a janela e encontrei a mulher gritando com seu cachorro
por ser desobediente.
Eu me senti mal pelo cachorro. A dona parecia uma
pessoa verdadeiramente desrespeitosa.
— Não precisa se desculpar. Todos nós temos hábitos
peculiares, — garantiu a voz amigável.
Meus olhos se moveram para o cara falando. Ele tinha
lábios finos cor-de-rosa e olhos verdes escondidos atrás de
um par de óculos. Seus olhos tinham essa coisa de poder
sorrir por conta própria. Suas bochechas eram cobertas de
sardas vermelhas que combinavam com seu cabelo espetado
de vermelho-alaranjado. Eu olhei seu crachá e sorri
enquanto lia em voz alta. — Marty. — Ele parecia
exatamente como eu imaginaria um Marty. Tipo magro, alto e
meio nerd, mas estranhamente bonito.
— Sou eu, — disse e seus lábios virando para combinar
com os olhos sorridentes. — Posso pegar outro bife e ovos?
Hesitei, debatendo se eu queria gastar mais dinheiro.
Mesmo que Yoana estivesse determinada a enfiar dinheiro
nos meus bolsos, eu recusei. E ainda tinha o suficiente das
minhas economias dos meus livros, mas com o jeito que eu
estava escrevendo – ou não escrevendo – não sabia quando
viria mais dinheiro. Cada centavo importava.
Marty deve ser um leitor de mentes, porque seguiu sua
oferta dizendo que seria por conta da casa.
— Você não teria problemas por isso? — Perguntei, com
meu estômago roncando mais alto do que eu queria. Certo
embaraço passou por mim quando olhei para o meu prato
coberto de sal para evitar os seus olhos preocupados.
— Ah, não é grande coisa. Meu pai é dono do lugar. —
Limpando a garganta se inclinou para sussurrar: — Vou
arranjar um brinde extra para você também. — Marty
levantou o meu prato da mesa após o ter recolhido e colocado
para baixo num total de quatro vezes, achei estranho mas
não mencionei seu comportamento, em troca lhe ofereci um
sorriso.
Ele parecia ter a minha idade, talvez um ano mais ou
menos.
Houve esta estranha luta que vi acontecer diante dos
seus olhos quando ele pegou uma vez no saleiro e o voltou a
colocar sobre a mesa. Levantou-a de novo, voltou a colocá-la
na mesa. No total de quatro, esta mesma ação aconteceu
mais duas vezes. Arqueei uma sobrancelha para ver as suas
bochechas vermelhas e suas feições envergonhadas.
— Desculpe. — Ele riu nervosamente. — Apenas um
caso grave de TOC. Encolheu-se com suas palavras e meus
lábios se voltaram para baixo. Era evidente que seu distúrbio
obsessivo-compulsivo era algo que ele tentava esconder, mas
não conseguia.
Parecia ser esse o caso de todo o mundo, presumo que
tinha um segredo e tentava ao máximo esconder. Inclinei-me
para mais perto dele.
— Não se preocupe, todos nós temos nossos hábitos
peculiares, — e pisquei o olho para ele e vi o seu olhar
serenar.
— Há algum problema? — Perguntou uma voz severa.
Tirei os olhos de Marty para olhar para um homem que
tinha o dobro do seu tamanho. O pai de Marty, presumi pela
semelhança. O crachá dele me dizia que se chamava
Gary.
Gary olhou para o filho e suspirou, com um olhar de
decepção em seus olhos cansados. — Você está
enlouquecendo os clientes de novo?
Antes que Marty pudesse responder – ou deixar cair o
prato trêmulo na mão – eu agarrei suas mãos inseguras e me
virei para Gary com um grande sorriso. — Estava apenas
olhando seu bolo de veludo vermelho em exposição ali, e seu
filho Marty estava me dizendo que você tem o melhor da
cidade.
Os olhos de Gary suavizaram. E seus lábios se
transformaram em um pequeno sorriso quando ele cruzou os
braços e estufou o peito. — Essa é a verdade. A melhor fatia
de bolo que você encontrará em Havenbarrow e em todo o
Kentucky. E faço tudo do zero. Essa é a mágica. Não é nada
falso como os daquele novo restaurante do outro lado da rua,
levando todos os nossos clientes. Eles usam toda a porcaria
congelada que adoece as pessoas. Orgulhamo-nos de usar
comida de verdade. Meu bolo é de morrer. — Era espantoso
como o viril Gary ainda surgia quando falava de um bolo.
— Bem, eu definitivamente terei que voltar um dia para
provar.
Gary passou a palma da mão pelas sobrancelhas. —
Sem dúvida que sim. Bem, é melhor eu voltar para a cozinha.
— Marty
O olhar irritado de Gary regressou — vai limpar as
outras mesas antes que a multidão do final da manhã
chegue.
Gary desapareceu na cozinha movimentada, onde
panelas e frigideiras podiam ser ouvidas chacoalhando. Marty
me agradeceu por distrair seu pai por um momento e depois
correu para fazer meu novo pedido.
Enquanto aguardava, peguei uma caneta e um caderno
da minha bolsa e comecei a adicionar à minha lista de coisas
para fazer em Havenbarrow.
Aprender a assar um bolo a partir do zero.
De vez em quando, olhava para a mesa onde o Sr.
Celebridade estava sentado, e uma onda de nervosismo me
atingia a uma velocidade avassaladora. Não conseguia
manter meus olhos longe dele, por mais que tentasse desviar
meu olhar. Parecia que eu era uma perseguidora, olhando em
sua direção, mas algo nele me atraía e tornava quase
impossível desviar o olhar.
Ele deve ter sentido o meu intenso olhar, porque quando
olhou para cima, do seu cardápio, seus olhos pousaram
diretamente em mim. Como a psicopata que eu era, eu não fiz
o que a maioria das pessoas normalmente faria quando eram
apanhadas olhando para um completo estranho.
Eu não virei à cabeça para o outro lado.
Eu não fingi olhar para trás dele.
Eu não me afastei para fugir disso.
Não, não, não.
Simplesmente sorri e abri meus lábios.
— Oi, — eu disse com uma expiração, alto e claro
quando ele estreitou os olhos.
E piscou três vezes.
E retornou de volta para o cardápio, recolocou o boné de
beisebol e virou os ombros para frente mais uma vez,
fazendo-me sentir completamente psicótica por falar com ele.
Mas ainda assim, eu continuava encarando.
O que havia de errado comigo?
Recentemente, eu tinha assistido a série da Netflix Você,
e estava revelando algumas características fortes de Joe
observando este completo desconhecido. Se eu fosse Joe, este
teria sido o meu atual processo de raciocínio perseguidor:
Você olha para o cardápio completamente incerto sobre o
que você vai pedir. Vai ser o smoothie verde? As panquecas? O
mingau de aveia? Não. Tem mais cara de omelete. Você usa
um boné para esconder o rosto, mas não sei por que, já que
tem um queixo muito bonito e definido. Apesar de ainda serem
frios e pouco convidativos, os teus olhos são dignos de
serem admirados, Kennedy, nem sequer desvia o olhar.
O que havia acontecido comigo?
Eu vi quando ele tirou o boné, e o colocou sobre a mesa,
passando as mãos pelos cabelos.
Marty voltou para a mesa, e fez sua rotina peculiar e me
entregou minha comida. Inalei os aromas surpreendentes
resultantes da minha refeição. E não esperei que Marty se
afastasse antes de começar a enfiar a comida na boca de uma
forma totalmente abominável.
— Então, o que te traz à cidade? — Ele perguntou com
um pouco de admiração nos olhos, provavelmente em
resposta à rapidez com que eu estava colocando a comida na
boca.
— Estou alugando a casa da minha irmã e cunhado
pelos próximos meses, — eu digo, pegando uma garfada de
ovos.
— Oh, com o seu… namorado? Marido? — Marty
pergunta.
Meu estômago deu um nó quando olhei para o meu
dedo sem anel. Fazia algumas horas desde que eu pensei
sobre o meu passado. Bastava que o simpático Marty
comentasse algo para provocar essas emoções de volta a
mim.
— Não. Apenas eu.
— Você é solteira? — Ele disse, com sua voz cheia de
esperança.
Eu sorri para ele, tentando afastar os pensamentos do
meu relacionamento passado em que ele estava tentando
arrancar de mim. — Sim, solteira e feliz com isso. Acabei de
sair de um relacionamento longo e estou me concentrando
em mim, por enquanto.
Ele sorriu, entendendo. — Bem, se você precisar de um
amigo na cidade, estou mais do que disposto a não me atirar
em você, vendo como você não é realmente o meu tipo. —
Acenou com a cabeça em direção ao cavalheiro sentado a
uma mesa em frente a mim. — Estou mais interessado em
Kens do que em Kennedys.
Eu sorri. — Bem, eu provavelmente poderia usar um
bom amigo, isso é certo.
Meus olhos voltaram para a mesa do Sr. Celebridade. E
ele olhou na minha direção mais uma vez – e adivinhe quem
não desviou o olhar novamente? O bom e estranho que me
assusta. Pestanejou algumas vezes antes de voltar a olhar
para o cardápio. Senti as minhas bochechas aquecerem
instantaneamente enquanto levantava o meu copo de suco de
laranja para os lábios, e Marty seguiu o meu olhar.
Ele riu. — A maioria das pessoas olha para Jax Kilter
dessa maneira, — disse ele, me fazendo cuspir meu suco em
um instante, arruinando meu prato de comida.
— Espere o que? — Exclamei, completamente perplexa
com as palavras de Marty.
Ele olhou para mim como se eu fosse completamente
louca – e, bom, isso foi um julgamento justo – mas eu ainda
não conseguia me acalmar.
— Você disse Jax Kilter? — Perguntei.
— Sim.
De jeito nenhum.
Não poderia ser ele…
Fazia anos desde que eu o vira pela última vez, e quase
nada sobre o homem na minha frente se parecia com o garoto
que eu conheci uma vez – exceto por aqueles olhos. Aqueles
olhos profundos e escuros atraíam-me da mesma forma que
quando éramos crianças.
Marty coçou a barba inexistente. — Você o conhece?
— Sim. Quer dizer, acho que sim… há muito tempo.
Puxa, já faz anos. — Meus olhos voltaram para Jax, e meu
coração se apertou no meu peito enquanto lágrimas brotavam
nos meus olhos. Poderia realmente ser ele? Tinham
passado mais de quinze anos desde a última vez que
conversamos. Nós éramos apenas crianças naquela época,
mas vê-lo agora e saber que ele era o mesmo Jax da minha
infância fez minha mente voar em uma espiral. Por um
tempo, ele tinha sido meu amigo. Meu companheiro de
acampamento de verão. Meu melhor amigo. Passamos dois
verões crescendo juntos, construindo uma forte conexão, até
que ele desapareceu da minha vida sem dizer uma palavra.
— Você o conhece? — Perguntei a Marty antes que meus
dentes morderem meu lábio inferior.
— Oh sim. É uma cidade pequena, então todos se
conhecem. Para ser sincero, eu já sabia tudo sobre você antes
de você se sentar aqui, exceto seu número do Seguro Social,
— ele brincou.
— Ele é… legal? — Eu perguntei, ignorando o fato de
que Marty disse que sabia tudo sobre mim. Estava muito
preocupada em saber tudo sobre Jax. Minha pergunta
parecia idiota, porque, com base na minha interação com ele,
eu sabia a resposta: não, ele não era legal. Bem, ele foi meio
legal? Um pouco… pensei. Pelo que eu observei, suas ações
falaram de maneira diferente de suas palavras, e eu queria a
opinião de Marty sobre quem Jax se tornara.
— Jax é… ele é… bem, eu não sou de fofocar. E as
pessoas já fofocam muito por aqui para dar a qualquer
roteirista uma década de episódios de qualquer
telenovela, mas Jax é um sujeito interessante. Um
pouco solitário, tirando os seus relacionamentos
aleatórios. Recentemente, ele saiu de uma relação de dois
anos com Amanda Gates – não que eles realmente
parecessem próximos. Ele é um pouco EI.
— EI?
— Emocionalmente Indisponível. Surpreende-me que
Amanda tenha ficado tanto tempo com ele. Sua aparência
não dói. Tenho certeza que isso e os assuntos no quarto
foram suficientes para manter a atenção dela. Se eu tivesse o
menor indício de que ele gostava de Kens em vez de
Kennedys, deixaria o meu Marty acenar à sua maneira
porque esses olhos engolirão qualquer coisa humana. Mas,
infelizmente, ele joga pela tua equipe, não pela minha.
Sorri. Quanto mais Marty falava, e quanto mais
confortável ele ficava comigo, mais eu gostava dele. Sua
personalidade estava começando a brilhar através das
nuvens de nervosismo.
— Ouvi dizer que ele é o idiota da cidade, — disse.
— Ele é… mas é do tipo bom.
Eu ri. — Afinal, o que isso quer dizer? Tipo bom de
idiota? Isso é um paradoxo.
— Não, não é. Você sabe… ele é um idiota com as
pessoas que merecem. No começo, ele é frio, e é só porque ele
não conhece a pessoa. Ele tem os seus escudos
erguidos, porque já se feriu muito. Não posso culpá-lo
com a merda que as pessoas desta cidade o fizeram passar.
Eu também rotularia as pessoas como culpadas até provarem
sua inocência, se eu tivesse vivido metade da vida que Jax
viveu, e eu sou o cara gay símbolo neste lugar, além de ter
TOC. Confie em mim, eu vivi uma vida, mas não a trocaria
para entrar no lugar do Jax por um minuto.
O meu peito apertou com as palavras de Marty. Se
alguma coisa, Jax não soou como o vilão estúpido da história
desta cidade. O que mais parecia é que ele era o herói
quebrado, aquele que tinha se desmoronado tanto que se
retirou para a obscuridade acima da luz.
Muito parecido comigo, depois da tragédia me encontrar.
— Sua vida tem sido tão ruim assim? — Eu perguntei,
esperançosa de que Marty balançasse a cabeça e dissesse
não.
Infelizmente, ele assentiu. — Jax tem um passado
sombrio. Ele passou muitos anos cuidando de si mesmo
enquanto cuidava de seu pai imbecil, até que seu pai foi
colocado em um asilo algumas semanas atrás. Agora, se você
quiser falar sobre idiotas desta cidade, Cole Kilter era o chefe
da gangue. Mas Jax? Não é nada como o pai, nem um pouco,
embora ele venha com a genética idiota.
— E sua mãe?
Marty franziu o cenho. — Como eu disse, ele tem um
passado sombrio.
Só essas palavras partiram meu coração. Eu sabia o
quanto sua mãe significava para ele, e a ideia de ela não estar
mais por perto era devastadora.
Marty cruzou os braços. — Entre nós, acho que Jax é o
cara mais legal de toda essa cidade. — Ele arregaçou a
camisa e me mostrou uma cicatriz em sua pele. — Alguns
anos atrás, fui pego por Lars Parker e seu grupo de idiotas.
Eles estavam saindo do bar bêbados quando eu estava
terminando de arrumar a lanchonete para o dia seguinte.
Eles começaram a me assediar para lhes dar comida de graça
e, bem, para encurtar a história, eles partiram para cima de
mim.
— As notícias viajaram rapidamente sobre o incidente e,
alguns dias depois, Lars e seus amigos apareceram com seus
próprios ferimentos de batalha, olhos negros e tudo. Entrei
no trabalho depois disso, e lá estava Jax, sentado em sua
cabine habitual, lendo o jornal com as duas mãos enfaixadas.
Ele disse que sofreu um acidente ao cortar lenha no quintal.
Até hoje ele jura que não teve nada a ver em chutar a bunda
de Lars, mas tenho a sensação de que ele teve muito a ver
com isso. E depois, que ele me disse para avisar se alguém
me incomodasse, só confirmou. Agradeço a ele por isso
com frequência, e ele sempre me diz para ir embora e
trazer o seu pedido.
Lars Parker.
O mesmo idiota de quando éramos crianças. Claro que
era o mesmo monstro que me assediou. Sabia que não era
por nada aquela sensação estranha de quando o conheci. Não
fiquei surpresa ao ver que ele acabou se tornando o mesmo
idiota de quando era criança.
Marty voltou ao trabalho e eu olhei para Jax. Ele se
virou na cabine e, quando sua cabeça se levantou, ele virou
na minha direção. E nossos olhos se prenderam um no outro,
e meu coração começou a bater repetidamente no meu peito.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Marty trouxe
para Jax seu pedido e ele levantou e saiu do café, deixando
seu boné de beisebol na mesa.
Eu corri para deixar o dinheiro da minha conta na
mesa, e então me apressei para pegar o boné de Jax.
Saí correndo do café para encontrar Jax e dar-lhe o
boné e… não sei… abraçá-lo? Chorar? Perguntar a ele onde
ele esteve por todos esses anos? No entanto, antes que eu
pudesse fazer isso, meus pés congelaram no lugar enquanto
olhava para uma garotinha em pé na frente da sorveteria com
a mãe. Ela segurava um sorvete de chocolate com menta, e
não conseguia lamber rápido o suficiente para impedir que
derretesse. E sua mãe estava remexendo na bolsa em busca
de guardanapos para ajudar a limpar a bagunça.
Eu não conseguia desviar o olhar.
A menina parecia ter cerca de cinco anos, talvez seis.
viva.
Tudo que eu sabia era que ela era pequena, adorável e
Tão viva.
Não posso ficar aqui, pensei comigo mesma quando meu
peito começou a apertar. Eu queria dar meia-volta e seguir na
outra direção. Eu queria correr. Eu queria correr para tão
longe, e voltar para casa e me enterrar em um lugar onde o
lembrete da minha perda não fosse apresentado a mim de
todas as formas, e maneiras possíveis.
Seu sorvete favorito era chocolate com menta.
Ela falava tanto que o sorvete derreteria em seus dedos
e fazia uma bagunça enorme, não importa quantas vezes eu
tentasse limpá-la, sempre tinha guardanapos na bolsa
porque era mãe dela, e as mães sempre guardavam
guardanapos na bolsa e…
Pare com isso, Kennedy. Vá para casa.
Mas não conseguia me mexer. Eu estava congelada no
lugar quando um ataque de pânico começou a varrer minha
alma. E não conseguia desviar o olhar da criança e da mãe
que estava limpando a bagunça do seu queixo. Não pude
me virar. E não conseguia respirar.
— O que você tem? — Uma voz perguntou, me tirando
dos meus devaneios.
Eu me virei para ver Jax parado ali com um olhar
perplexo nos olhos. Meu corpo estava tremendo quando
minhas mãos tremiam com seu boné em minhas mãos, e eu
abri meus lábios para falar, mas nenhuma palavra saiu da
minha garganta.
E vi nos olhos dele também – a maneira como ele me
olhava como se eu fosse louca, da mesma forma que Penn
havia me encarado no ano passado. Ele estava me julgando.
Ele ficou perplexo com o meu medo inexplicável. Ele estava...
Ajudando-me?
— Ande, — ele ordenou.
— Eu… eu não posso, — falei ainda tremendo. A
garotinha e sua mãe não estavam mais na minha frente, mas
as sombras do momento de amor se misturavam às sombras
do meu passado na minha mente. Eu estava pensando
demais, exagerando e sentindo demais todas as emoções
estavam martelando em meu coração.
E não conseguia evitar, no entanto. Era por isso que fiz
o meu melhor para me desconectar da sociedade. Continha
muitos lembretes de toda a alegria que eu tinha perdido.
— Você pode, — ele discordou. — Você pode andar.
Ele não entendia.
Ninguém entendia.
Seu braço deslizou sob o meu, e ele o enrolou no seu.
— O…o que você está fazendo? — Eu gaguejei, com
minha voz rouca.
— Isso, — ele explicou, dando um passo à frente e me
levando com ele. — Agora você faz isso.
— Por favor, não, eu…
— Pare com isso. Pare de dizer o que você não pode fazer
quando pode fazê-lo. Mente sobre a matéria. Vamos lá, Sun…
— Sua voz era baixa, mas nem de longe tão fria quanto antes.
O apelido que eu não ouvia há tanto tempo me atingiu como
um trem de carga. Ele sabia. Ele sabia quem era eu. Ele se
lembrou. — Ande comigo, — implorou.
Um passo.
Então outro.
Eu estava me mexendo. Isso, ou ele estava me
levantando e me fazendo flutuar pela calçada. De qualquer
maneira, ele me acompanhou de volta à minha casa em
completo silêncio, enquanto meus batimentos cardíacos
começavam a diminuir a velocidade. E senti os olhos de todos
em Jax e eu enquanto caminhávamos, e eu odiava isso.
Eu odiava o constrangimento que vinha com os
ataques de pânico, do jeito que as pessoas olhavam como se
eu fosse maluca.
Lembrei-me do meu primeiro ataque de pânico em um
local público. Foi na festa anual de Natal da agência
imobiliária de Penn. Eu tive um colapso enquanto os altofalantes
tocavam a música favorita da minha filha, ‘This
Christmas’, de Donny Hathaway. Eu estava no meio da
conversa com o chefe dele quando meus joelhos dobraram e
eu caí no chão em pânico.
Ele sentiu-se envergonhado por sua esposa estar tendo
um ataque em público.
Eu só podia imaginar como Jax se sentiu ao me levar
para casa neste momento. O pior de tudo era que ele nem
sequer era casado comigo. Ele era um completo e absoluto
estranho lidando com a situação por toda a cidade. Mas ele
não parecia nada incomodado com isso. Só continuava
andando com o seu braço ligado ao meu.
Quando chegamos em casa, eu lhe agradeci, e ele me
calou e me mandou sentar no degrau da frente.
— Eu estou realmente bem, — disse, ainda me sentindo
um pouco instável e tonta.
Ele respirou fundo e fechou os olhos antes de soltar o
suspiro. — Por favor, — insistiu. — Sente-se.
Apesar de querer discutir, decidi escolher as minhas
batalhas.
Sentei-me e, para minha surpresa, ele se sentou ao meu
lado. Eu não sabia o que dizer para ele, mas felizmente, Jax
não estava procurando por palavras. Ele simplesmente se
sentou ao meu lado em um completo silêncio que parecia…
reconfortante? Sim. Eu me senti muito mais confortável do
que quando estava andando na cidade, tudo porque Jax
estava naquele degrau da varanda comigo.
Afinal, você não precisava de palavras para lhe trazer
conforto. Às vezes, tudo que você precisava era que alguém se
sentasse ao seu lado no meio de suas tempestades de pânico.
Quando chegou a hora de ele ir embora, se levantou e
olhou para mim. — Você está bem?
— Sim, estou. Obrigada por ter me ajudado. — Fiz uma
pausa. — Quanto tempo? Há quanto tempo você sabia que eu
era… eu?
O canto da boca dele se contraiu. — Alguns dias. Vi o
carro da sua família na entrada da garagem.
— Eu… isso… é loucura, certo? Depois de todos esses
anos, nos encontrarmos assim... só estou tentando entender
o que tudo isso significa, como tudo...
— Nada. Não precisa significar nada.
Coloquei minha mão no meu peito e respirei
profundamente. — Mas poderia, certo? Isso pode significar
alguma coisa. Quer dizer, quase parece destino, certo? De
todas as cidades em que eu poderia ter acabado, acabei aqui.
Você sente isso, não sente? Você sente como isso é... eu não
sei... é apenas um sentimento no meu peito. E se...
— Não.
— Não o que?
— Não tente fazer disso algo que não é. Na verdade,
provavelmente devemos manter distância. Para manter o
passado no passado.
Fiquei quieta porque não sabia o que dizer. Para ser
sincera, me senti um pouco louca. Minha mente ainda estava
girando com o meu ataque de pânico, e meu ritmo cardíaco
estava muito acelerado para decidir se eu queria abraçar Jax
ou gritar com ele por desaparecer por todos esses anos. Antes
que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele já estava indo
embora, me deixando sozinha com todos os pensamentos e
perguntas disparando no meu cérebro.
Depois que Jax saiu, fui direto para casa com uma
urgência avassaladora. Corri para o meu quarto, direto para
uma caixa que ainda não tinha desempacotado. Rasgando a
fita, joguei itens para fora do caminho até encontrar uma
caixa dourada. Naquela caixa, guardava todos os meus
itens mais preciosos. Joias da mamãe. As gravatas
favoritas do papai. Desenhos de Daisy. Fotografias antigas. E
as cartas de Jax.
Cartas que ele havia escrito para mim há muito tempo.
Cartas que eu mantive trancadas em segurança ao longo dos
anos. Eu não lia as palavras dele há muito tempo, mas agora
meu coração estava batendo forte no meu peito quando
cheguei na caixa e desdobrei as anotações para ler as
palavras que um Jax, de dez anos, havia me escrito.
As suas palavras foram rabiscadas nas páginas com
tinta preta, e eu sorri para a forma como ele sempre foi capaz
de se manter tudo dentro das linhas – o oposto completo da
forma como eu costumava escrever as minhas notas.
Enquanto a minha caligrafia era confusa, a do Jax era
sempre branda.
Eu recolhia os pedaços de papel e fui até o conversível
para me sentar debaixo do sol enquanto lia as palavras do
homem que em outros tempos era o meu melhor amigo.
Não esperava ficar tão emocionada enquanto lia. Não
esperava que as lágrimas se formassem nos meus olhos
enquanto o meu olhar corria para frente e para trás nas
páginas. Tínhamos escrito um ao outro durante três anos
seguidos durante os meses que não passávamos juntos no
acampamento de verão. Mantivemos contato da melhor
maneira que sabíamos. Recordo-me de ter passado três
anos correndo para a caixa do correio, na esperança de
ver a caligrafia perfeita de Jax num envelope.
Jurei que provavelmente já tinha lido essas cartas um
milhão de vezes no passado. As margens das páginas
estavam enrugadas e desgastadas, mas isso não afastava as
estranhas borboletas no meu estômago. Era provavelmente o
que sentia quando lia na época, só que com um sentimento
muito menor.
Palavras como:
Eu sinto sua falta.
Se você precisar de alguma coisa, me avise.
Até logo.
Eram todas tão simples, e não tinham um grande
significado na realidade, mas, naquele momento, eu sentia
como se significassem o mundo para mim – especialmente
para o até logo. Houve um dia e uma época em que pensei
que nunca mais veria Jax, mas agora aqui estávamos nós.
Finalmente, mais tarde, tínhamos encontrado o caminho até
ambos.
Meu dedo rolou pelo envelope com o endereço de Jax. E
meus olhos focaram na palavra Havenbarrow em seu
endereço, e senti arrepios em minha pele. Eu era apenas uma
criança, então não sabia como localizá-lo, mas ele esteve aqui
o tempo todo, a quarenta e cinco minutos de carro. Eu
achava que minha mente não se apegara ao nome da
cidade em todos esses anos desde que eu não sabia onde ele
estava, então não a reconheci quando Yoana me surpreendeu
com a casa aqui.
Eu li uma das últimas cartas que ele havia escrito para
mim e um parágrafo se destacou mais do que qualquer outro.
Eu sei que não há razão para eu dizer isso porque seus
pais são incríveis, mas você diz isso para mim em todas as
cartas que escreveu sobre meu pai, então achei que deveria
retribuir, apenas no caso de haver algum dia em que você
precise ouvir.
Se precisar fugir, corra para mim.
Jax
AS LÁGRIMAS que eu estava lutando finalmente
começaram a cair dos meus olhos. Mesmo com todas as
minhas mágoas, eu ainda acreditava em muitas coisas, e o
destino estava no topo dessa lista. Tinha que haver uma
razão para eu ter sido trazida para a cidade onde meu ex
melhor amigo morava. Ele não apenas morava em
Havenbarrow, mas também nos trombamos no
bosque. Tinha que ser um sinal de alguma coisa. Tinha que
ter algum significado.
Talvez eu estivesse desejando e esperando que isso
significasse algo, mesmo não significando. Talvez meu
espírito precisasse de um pouco de magia depois de um ano
segurando tanta escuridão.
Eu desejei um milagre, e ao virar da esquina estava Jax
Kilter.
Ainda assim, eu não sabia o que isso significava. Eu só
precisava que isso significasse alguma coisa. Qualquer coisa,
mesmo. Precisava de algo para me sentir esperançosa depois
de um ano sentindo o contrário.
Nesse momento, meu telefone tocou e uma mensagem
apareceu.
Penn: Há uma grande festa de gala neste fim de
semana, e eu não quero ter que explicar por que minha esposa
não está lá. Você pode voltar para casa agora. Eu exagerei.
Vamos resolver esta merda.
Penn: Porra, Kennedy. Por favor. Eu preciso de você,
sinto sua falta.
Eu sinto sua falta.
Essas palavras não me deram borboletas do jeito
que tinham dado a carta de Jax.
Pareciam forçadas como se ele só dissesse para
conseguir o que queria. Conhecia a única razão pela qual ele
dizia isso, porque sentia a tensão de ter que explicar aos seus
amigos e colegas porque é que eu não estaria presente no
evento. Ele esforçava-se tanto para manter as aparências que
parecia que nós levávamos uma vida perfeita, que éramos os
felizes para sempre com que os outros sonhavam. Aposto que
estava tendo ataques de pânico, tentando adoçar o fato de
sua esposa ter ido embora.
Ainda bem.
Já era tempo de ele saber como são os ataques de
pânico.
Independentemente disso, as suas gentis e suaves
mensagens de texto não apagaram as palavras desagradáveis
que me disse na noite em que me obrigou a ir embora. Eu
sabia melhor do que cair nessa falsa narrativa de emoções
que ele me mandava ao acaso.
Voltei a ler as minhas cartas de Jax. Guardavam muito
mais autenticidade nessas palavras, e não me parece que
tenham sido escritas ao acaso.
O meu espírito não podia deixar de pensar em Jax e em
quem ele se tornou ao longo dos anos. Não pude deixar de me
perguntar quantas partes do jovem rapaz que amei em
algum momento ainda viviam dentro do meu coração.
Kennedy
Onze anos de idade
Ano um do acampamento de verão
JAX KILTER ERA TÃO BONITO.
Era um tipo estranho de bonito que muitas pessoas não
achavam bonito, mas eu achei porque pensei que todas as
coisas diferentes eram bonitas e belas. Eu gostava dos seus
olhos castanhos escuros que pareciam a minha barra de
chocolate preferida, suas orelhas grandes. Gostei como o seu
nariz se inclinava um pouco para a esquerda, como se fosse
de propósito. Gostei dos seus grandes óculos. Ele parecia
imperfeito em muitos aspectos, e eu gostava disso nele.
Mamãe disse que as melhores pessoas são as
imperfeitas, porque as melhores aventuras da vida não vêm
de coisas perfeitas.
Também gostei da barba de Jax, mesmo que ele
ainda não tivesse barba. Eu sabia que um dia se ele
tivesse barba, eu gostaria dela. Teria apostado que ele
ia ser um homem bonito, porque ele já era um rapaz bonito.
Gostava tanto de Jax Kilter por muitas razões, mas um
dos maiores motivos era porque ele não se encaixava com
mais ninguém no acampamento, e eu não me encaixava com
mais ninguém também, porque conversava muito e era gentil
e diferente e oh meu Deus talvez possamos ser amigos!
Ainda não o acordei, porque sabia que quando o
acordasse, ele poderia correr e nunca mais querer falar
comigo novamente. Tinha tido muitos amigos que deixaram
de falar comigo depois da nossa primeira conversa porque
pensavam que eu era uma esquisita.
Mamãe e papai me disseram que ser esquisito era uma
coisa boa, no entanto. Se uma pessoa era esquisita, isso
significava que ela tinha sabor, e eu não queria que minha
vida fosse branda. Eu tinha tantos sonhos grandes e
coloridos e não queria nunca perder o rumo para realizá-los,
porque desisti da minha estranheza.
A melhor qualidade sobre mim – além da minha
capacidade de arrotar o ABC – era que eu me sentia tão
confortável sendo uma estranha.
Engoli em seco enquanto observava o sol começar a
nascer do lado de fora e depois cutuquei Jax no braço. — Ei,
— sussurrei. — É hora de acordar.
Jax se mexeu e resmungou e remexeu um pouco mais.
— Mais cinco minutos, mãe.
Sorri, porque ele era engraçado quando estava
sonhando. E o cutuquei novamente. — Eu não sou sua mãe,
Jax Kilter. Levante sua bunda antes de ser pego na cama com
Kennedy Lost.
Isso o fez abrir os olhos – bem arregalados. Aqueles
olhos grandes e deliciosos de chocolate.
Ele olhou para mim e depois para minhas companheiras
de quarto adormecidas e disparou sentando. — Tenho que
sair daqui antes que alguém perceba.
— Sim, é por isso que eu te acordei, duh.
Ele se levantou e passou a mão sob o nariz torto
enquanto pegava as roupas molhadas da noite anterior.
Eu levantei também e sorri para ele. Mamãe sempre
dizia que sorrir também faz as outras pessoas sentirem
vontade de sorrir. — Sorrisos são contagiosos, Kennedy.
Espalhe o seu como um incêndio, — ela dizia. Então, lá estava
eu, na frente de Jax, sorrindo mais forte do que nunca.
Ele arqueou uma sobrancelha e passou a mão pelo
cabelo bagunçado. — O que você está fazendo?
— Sorrindo.
— Por quê?
— Então você vai sorrir.
Ele pestanejou. — Oh.
Joguei meu moletom rosa e coloquei meus tênis. — Se
você quiser, pode vir conversar com os pássaros comigo.
— Os pássaros não falam.
— Sim, eles falam. Você que simplesmente não está
ouvindo atentamente.
— Você é tão estranha, Kennedy.
Eu sorri mais. — Obrigada, Jax. — E torci o nariz. — Ei,
seu nome é apenas Jax ou é mais longo?
— É Jaxson, mas apenas minha mãe me chama assim.
— Jaxson, — eu cantei. — Oh, eu gosto mais desse.
Prefiro chamar as pessoas pelo seu nome completo. Como
Matthew, ou Nicholas, ou Samantha. O nome do meu pai é
Tim, mas mamã o chama de Timothy. Ela disse que os nomes
verdadeiros são sosipcados.
— Você quer dizer sofisticado, — ele corrigiu.
Estreitei meus olhos. — Diga de novo, mas devagar.
— So-fis-ti-ca-do, — ele soletrou.
— So-fis-ti-ca-do, — ecoei, sorrindo para ele. —
Obrigada. Às vezes falo tão rápido que fico com a
língua presa e as minhas palavras saem mal, outras
vezes não sei as palavras certas, e é útil quando alguém está
por perto para me dizer a palavra que eu pretendia dizer, por
isso obrigada. — Respirei fundo. — Ei, posso te chamar de
Jaxson?
— Não! — Ele foi firme formando uma ruga na testa. —
Eu te disse, apenas minha mãe me chama assim.
— Uau. — Balancei minha cabeça. — Sua mãe é tão
sortuda. Então você quer?
— Quer o que?
— Ir falar com os pássaros?
— Sua mente sempre faz isso?
— Fazer o que?
— Pensa um milhão de pensamentos ao mesmo tempo.
— Oh. — Apertei o nariz. — Sim, acho que sim. Bem,
tudo bem, eu adoraria ficar por aqui e conversar, mas se não
chegar lá, sentirei falta dos pássaros e não sei se eles
saberiam o que fazer sem a minha conversa matinal. Tchau,
Jax! Vejo você por aí, buckaroo 9 !
Joguei minha mochila, que estava cheia de guloseimas
para todas as aventuras em que eu pudesse entrar o dia
inteiro. Eu tinha barras de cereal, balas e uma garrafa de
água. Sempre que meus pais, minha irmã e eu saíamos
9
– Um termo comum usado para descrever um amigo. Mais comumente usado no sul dos EUA, era
usado como um termo carinhoso para um amigo.
nas aventuras, mamãe sempre empacotava as barras de
cereal, e papai pegava grandes garrafas de água para nós.
Deixei Jax na minha cabana enquanto saía para cantar
com os pássaros. Eu adorava estar no acampamento porque
estávamos no meio da floresta. As cabanas das meninas
ficavam em uma bela clareira, com arbustos de Lilases
plantados do lado de fora da porta. Quando o vento soprava,
você era atingido pelo perfume das flores, que eu mais
amava. Lilases era a flor favorita da mamãe, e cheirá-las
todas as manhãs quando saía me deixava com menos
saudades de casa. O ar ainda cheirava a chuva, e eu me
certificava de saltar nas poças cada vez que via uma,
enquanto assobiava e vagava pela floresta.
Todo dia, eu dividia um pãozinho que pegava do jantar
da noite anterior para alimentar os pássaros e, rapaz, eles
adoravam. Eles cantavam e mergulhavam enquanto eu
sentava em um tronco e ouvia suas lindas canções.
Quando me sentei no meu tronco e vasculhei minha
mochila, comecei minha conversa com os pássaros e fui
rapidamente interrompida pelo som de um garoto
pigarreando.
Eu me virei para ver Jax ali de pijama com as roupas de
ontem dobradas perfeitamente em seus braços.
Eu sorri e, desta vez, meu sorriso foi suficiente para
fazê-lo sorrir também. Fui cavar na minha mochila
novamente e puxei uma barra de cereal de morango. Era
minha última de morango, e era minha favorita, mas eu
estendi para Jax. — Quer uma?
Ele hesitou por um segundo e olhou ao redor do
acampamento, como se estivesse preocupado com alguém o
pegando saindo com uma esquisita como eu. Então suspirou
e caminhou em minha direção. Pegou a barra da minha mão
e olhou para as árvores, contemplando os pássaros.
— Que espécie são essas? — Perguntou enquanto
desembrulhava a barra e dava uma pequena dentada nela.
— Ah, você sabe. Há a Lonnie de olhos vermelhos, o
Jaspe acinzentado e o Eriken, — falei com naturalidade.
Jax olhou para mim com uma sobrancelha levantada e
confusão nos olhos. — Você acabou de inventar tudo isso?
— Sim.
— Claro que você fez.
Começamos a comer e conversar com os pássaros. Bem,
eu falei enquanto Jax meio que apenas murmurou para si
mesmo. Quando o sol começou a aparecer, Jaxson tomou um
gole de água que eu lhe dera. — Seu nome completo é
Kennedy?
— Sim. Significa chefe de família. Papai disse que
significa que eu serei uma líder e os protegerei de coisas
ruins. O nome da minha irmã mais velha é Yoana, o que
significa que Deus é gracioso, o que combina com ela porque
ela é incrível. — Inclinei minha cabeça. — O que seu nome
significa?
— Oh, é estúpido.
— Eu duvido disso – nenhum significado de nome é
estúpido.
— O meu é, confie em mim.
— Apenas me diga.
Ele resmungou e suspirou. — Jaxson significa filho de
Jack.
— Oh. — Eu balancei a cabeça em compreensão. — O
nome do seu pai é Jack?
— Não. É Cole.
— Hum. Sim, você está certo – esse é um significado
estúpido. Vamos fazer o nosso próprio significado para você.
Que tal... Jaxson significar herói. Isso mesmo, você é forte e
sempre poderá salvar as pessoas, não importa de quê.
— Você não pode inventar significado para os nomes,
Kennedy.
— Claro que eu posso. Foi o que todos os velhos fizeram
quando decidiram que o teu era filho de Jack.
Ele cruzou os braços por um minuto em profunda
reflexão e depois deu de ombros. — Ok, Jaxson significa
herói, mesmo que eu não ache que seja capaz de salvar
alguém.
— Dê tempo. Vai se acostumar com seu nome, como
meu pai sempre diz. Queixo pra cima e chegarás lá.
— Sim, ok. — Ele coçou a nuca. — A propósito, obrigado
por me ajudar ontem à noite.
— Sem problemas. — Enfiei o último pedaço da minha
barra na boca e limpei as mãos na calça do pijama. — Então,
me diga algo emocionante sobre você.
Ele levantou uma sobrancelha. — O que você quer
dizer?
— Você sabe, algo legal sobre você.
— Oh. Não há nada legal em mim.
Comecei a rir e o empurrei no ombro. — Você é tão
engraçado, Jax.
— Eu não estava brincando. Eu não sou uma pessoa
legal.
— Todo mundo é uma pessoa legal. Até as pessoas não
legais.
— Kennedy, isso nem faz sentido.
— Você nem sempre precisa fazer sentido. Conte-me
algo. Do que é que gosta?
Ele limpou a garganta e passou o polegar pela ponta do
nariz antes de empurrar os óculos para cima. — Acho que
gosto de grandes palavras que significam coisas diferentes.
Minha mãe e eu estamos sempre procurando grandes
palavras para mostrar um ao outro e aprender seu
significado. Até criamos um quadro no Pinterest para marcar
nossas grandes palavras favoritas. — Ele mexeu no nariz. —
É meio estúpido.
Ofeguei e bati palmas. — Não é estúpido! De jeito
nenhum! Grandes palavras são tão legais! Não conheço
muitas palavras grandes além de so-fis-ti-ca-do, então talvez
você possa me ensinar.
Por um momento, seus olhos se iluminaram. — Você
está falando sério?
Eu assenti. — Sim.
— Bem… que tipo de palavras você quer saber?
— Eu não sei por que não conheço bobo. Como
posso saber o que quero saber se não as conheço?
Ele riu nervoso, e naquele momento se tornou ainda
mais bonito. — Oh. Certo.
— Apenas me diga a sua favorita.
— Oh Deus, existem tantas. — Ele estava começando a
falar mais e mais, e eu gostava disso nele. Eu gostei de como
ele começou a se abrir comigo. — Clinomania!
Ofeguei e bati palmas. — Oh! Eu amo isso!
— Você não sabe o que isso significa, não é?
— De jeito nenhum!
Ele riu novamente. — Significa um forte desejo de ficar
na cama. Minha mãe tem clinomania depois de todo fim de
semana, quando toma muito vinho.
— Parece que sua mãe e minha mãe seriam melhores
amigas. Qual é a outra?
— Há solitário.
— Ah sim, sim. Solitário. Muito agradável. Essa também
é uma das minhas palavras favoritas agora.
Ele sorriu. — Significa alguém que vagueia sozinho para
escapar do mundo. Tipo eu. Um pouco como eu. Prefiro
guardar as coisas para mim.
— Eu também. A maioria das pessoas pensam que eu
sou muito estranha para ser minha amiga, então eu sou uma
solitária, eu acho. — Franzi a testa um pouco, pensando em
como, às vezes, quando eu vagava, e me sentia sozinha sem
minha família por perto.
— Agora não, no entanto, — disse ele, me cutucando. —
Porque você não está vagando sozinha. Você está comigo.
Meus lábios se levantaram. — Sim. Estou contigo.
Ele continuou me dizendo palavras diferentes, e eu
continuei ouvindo. Seus murmúrios estavam ficando um
pouco mais altos, a tal ponto que eles não eram murmúrios, e
então quando ele ria alto o suficiente, eu jurei que todos os
pássaros dançaram com o som.
— Ei, Jax?
— Sim, Kennedy.
— Você quer ser meu melhor amigo?
Ele torce o nariz. — Não se pede simplesmente para as
pessoas serem suas melhores amigas. Não é assim que se
arranja um melhor amigo.
— Oh. — Fiz uma careta e cocei meus cabelos
emaranhados. — Bem, como as pessoas conseguem melhores
amigos?
— Eu não sei. Isso meio que acontece.
— Oh. — Puxei meu pãozinho e comecei a alimentar os
pássaros enquanto eles mergulhavam como viciados. — Ei,
Jax?
— Sim, Kennedy?
— Você quer apenas ser o meu melhor amigo?
Suspirando respondeu. — Tudo bem, Kennedy.
Minhas bochechas esquentaram e olhei para os
pássaros que mastigavam os pãezinhos. — Eu sempre quis
um melhor amigo.
Não pude ouvi-lo com muita clareza, porque Jax Kilter
gostava de murmurar, mas pensei ter ouvido as palavras: —
Eu também.
— Agora podemos ser solitários juntos, — eu disse.
— Uh, isso cancela todo o objetivo do solitário.
— Shh, Jax. Apenas deixe isso acontecer.
Sorriu e murmurou: — Ok.
Kennedy
Presente
CHUVA, chuva, vá embora, por favor, leve a ansiedade de
Kennedy.
Choveu por mais dois dias, e meu corpo estava doendo
da falta de sono. Quando tentava fechar os olhos, via flashes
do meu passado dentro das pálpebras. E se eu caísse no
sono, teria pesadelos.
Nada estava funcionando. Tentei todas as pílulas para
dormir conhecidas pela humanidade. Tinha feito quase todas
as meditações para dormir da internet, vasculhei minha casa,
tomei banhos de espuma, assisti The Office dez vezes, e ainda
assim, nada.
As pancadas de chuva na casa estavam ficando cada vez
mais intensas a cada dia que passava. Eu estava vivendo
oficialmente de comida chinesa e entrega de pizza. Não eram
as minhas verdades mais orgulhosas, mas era onde eu
estava na minha jornada. Além da chuva, eu não tinha
saído de casa desde o meu ataque de pânico. Honestamente,
meu corpo estava passando por ondas de exaustão
emocional. Quando acordava dos meus pesadelos, ficava
presa sozinha com os meus próprios pensamentos infelizes.
Eu não sabia que as mentes poderiam ficar tão
sobrecarregadas e que poderiam se concentrar em um milhão
de coisas ao mesmo tempo, mas a minha conseguia fazer
isso. Atualmente, meus pensamentos consistiam em: No que
vou trabalhar verdadeiramente? Vou ficar em Havenbarrow ou
vou voltar para a cidade? Onde está Penn? Será que ele sente
mesmo a minha falta, ou está apenas solitário? Se ele sente
mesmo a minha falta, porque não veio à minha procura?
Porque ele não sabe onde você está, Kennedy.
Se ele realmente se importasse, ele não tentaria me
encontrar? Ele não me ligaria em vez de apenas mandar
mensagens?
Também me perguntei o que Jax estaria fazendo
durante as tempestades. Ele realmente quis dizer que não
queria restabelecer nossa amizade? Era difícil para eu
acreditar nisso. Ainda tinha tantas perguntas, como, por
exemplo, como é que ele havia passado de um rapaz tão
magrinho, para um homem tão forte e musculoso? Porque
tinha parado de me escrever? E, mais importante ainda, o
que tinha acontecido com a mãe dele?
Toda vez que eu falava com Yoana, a preocupação em
sua voz ficava mais evidente. Às vezes eu desejava que ela
não fosse tão boa em me ler, mesmo através de um altofalante
do celular, mas minha irmã sabia que o peso na
minha alma ficava tão difícil de lidar em alguns dias.
— Eu estou bem, — continuei garantindo a ela. Eu me
sentia mal por lhe contar mentiras, mas ela estava no meio
do mundo – então não havia nada que pudesse fazer para eu
melhorar. Minha ansiedade e tristeza precisavam ser tratadas
por mim e somente por mim. Ninguém mais poderia me
salvar.
Bem, ninguém, exceto talvez Joy Jones.
Enquanto eu estava presa em minha casa, vagando pela
sala de jantar, antecipando mais uma noite de sono
fracassado, ouvi uma batida na minha janela. Olhei para
cima e vi Joy parada ali, jogando algo em minha direção. Ela
estava saindo de sua janela totalmente aberta, jogando coisas
em minha direção para chamar minha atenção, enquanto
deixava seu braço extremamente encharcado.
Incerta do que ela estava fazendo, eu abri minha janela.
— Oi, — disse hesitante, levantando uma sobrancelha. —
Você está bem? — Sabia que ela tinha mais de oitenta anos e,
se havia algo em que eu pudesse ajudar, eu faria da melhor
maneira possível. Também sabia que ela não era a
pessoa mais estável do mundo, mas se eu pudesse de
alguma forma desenvolver coragem suficiente para
ajudar outra pessoa, eu estava totalmente envolvida nisso.
— Oi querida, sim. Eu só queria ver se você gostaria de
tomar uma xícara de chá, — ela respondeu docemente.
— Hum, são dez da noite, Joy.
Seu sorriso se espalhou e ela assentiu uma vez. —
Então vinho?
Eu ri e concordei. O que mais eu ia fazer? Sentar e
pensar demais em tudo pelo resto da noite? Coloquei uma
capa de chuva e botas. Quando abri a porta da frente vi a
queda da chuva junto com o relâmpago acima, e me encolhi
assustada.
Apenas ande, Kennedy. É bem ao lado.
Mas não consiguia me mexer.
Quanto mais o céu desabava, mais tensão se acumulava
no meu peito quando a sensação de pânico começou a
crescer. Eu deveria ser melhor nisso. Eu deveria ter
conseguido andar adiante sem preocupação. Mas os flashes
da noite do acidente giravam na minha mente, e eu não era
capaz de afastá-los.
Não posso fazer isso, pensei comigo mesma, fechando os
olhos envergonhada.
— Sim, você pode, — uma voz chamou. Virei para a
esquerda e vi Joy sorrindo em minha direção com um olhar
sincero. — Venha agora, você não está sozinha. Apenas
alguns passos, e seu copo de vinho a aguarda.
— Eu… meu… — Fechei os olhos e respirei
profundamente. Minhas mãos estavam começando a tremer
quando o medo começou a me encher por dentro.
— Tudo bem ter medo, querida, — comentou Joy. —
Você pode ter medo e ser corajosa ao mesmo tempo. Agora,
vamos lá. O vinho está gelado, e a companhia é boa. Mesmo
que precise prender a respiração e correr até aqui, faça isso.
Então poderemos respirar juntas.
Eu fiz o que ela disse. Prendi a respiração e corri pelo
quintal, contornando a calçada e correndo pela trilha. No
momento em que cheguei à varanda, entrei na casa dela sem
ser convidada, como uma louca desequilibrada.
Eu tremia no saguão dela, abanando a chuva, e Joy me
seguiu para dentro, me entregando uma toalha que ela já
tinha à minha espera. — Aqui estamos nós. — Sorriu. — Isso
não foi assim tão mau.
Se ao menos ela soubesse a velocidade do meu coração
palpitante. Tinha sido muito mais difícil do que parecia.
— Branco ou vermelho? — Perguntou.
— Hum, branco se tiver.
— Oh, querida, eu tenho tudo. Agora, vamos, sente-se
no sofá e fique à vontade. Preparei uma pequena tábua de
frios para comermos enquanto conversamos. Está bem em
cima da mesa, se você quiser.
— Obrigada, Joy.
Sentei-me no seu sofá e tentei domar o meu ritmo
cardíaco ainda elevado. Sua casa era uma casa em que tudo
parecia autêntico e importante. As paredes estavam cobertas
de quadros desconexos com retratos em preto e branco que
destacavam todos os momentos bonitos da sua vida. Além
disso, todos os seus móveis eram vibrantes, e não faltava luz
porque havia muitas luminárias diferentes, tanto pequenas
quanto grandes, espalhadas por todo o lado.
Tinha uma parede de peças de arte que estavam em
destaque e muito bonitas. Havia pinturas e esculturas que
irradiavam tanto calor. Era como se eu estivesse num museu
olhando para obras de arte. Simplesmente de tirar o fôlego.
Quando Joy retornou, ela tinha as maiores taças de
vinho que eu já tinha visto na minha vida, e em poucos
segundos, ela era oficialmente minha nova melhor amiga.
Cada taça devia conter no mínimo meia garrafa de vinho.
Sorri, contente. — É uma taça impressionante.
— Algumas noites pedem taças maiores.
É isso aí, eu apoio!
— Como você sabia que eu precisava de uma pausa
para o vinho? — Brinquei, bebendo provavelmente o melhor
vinho branco que já tomei na vida.
— Eu notei você andando de um lado para o outro nas
últimas noites. Não que eu estivesse espiando ou algo assim,
mas meu canto de leitura fica do outro lado da sua sala de
jantar. Achei que você não conseguia dormir durante as
tempestades.
— Elas me deixam um pouco agitadas, — confessei, não
vendo motivo para mentir sobre isso. — Então obrigada.
Realmente aprecio sua companhia, e tenho que admitir, eu
estava ficando um pouco louca e quase perdendo a cabeça.
— Humm. — Ela assentiu em compreensão. — É assim
às vezes. Parece que as tempestades duram para sempre,
mas por experiência, aprendi que, não importa o quê, elas
sempre passam.
Esse era um bom conselho que eu teria que lembrar.
— Você sabe o que é bom saber? — Ela perguntou.
— O quê?
lá.
— Mesmo atrás das nuvens de chuva, o sol está sempre
— Esse é um bom ditado, — e disse. — Às vezes é
difícil lembrar.
Ela me deu um tapinha no meu joelho. — Confie em
mim, eu sei. Tenho quase noventa e às vezes também
esqueço. Mas também acho que é por isso que existe o vinho.
— Mexeu-se na almofada. — Então, o Jax parece estar
atraído por você.
Eu dei uma gargalhada. — Atraído por mim? Nem um
pouquinho. Ele deixou bem claro que devíamos manter
distância um do outro.
— Oh, querida, — ela abanou a mão como se estivesse
me dispensando. — Jax não quis dizer isso. Ele é apenas
duro como o meu Stanley. Mostrar emoções é difícil para Jax.
Ele também não costuma se abrir com muita frequência. Há
muitos anos que eu compartilho uma bebida com aquele
rapaz, e ele ainda mal se abre. Parece uma parede de tijolos,
mas ele é legal, só um grande frouxo. E desde que chegou à
cidade, tenho visto a forma como ele olha para você.
Meu estômago revira de nervoso. — Como ele olha para
mim?
— Como se você fosse algo que ele queira conhecer
melhor.
Abaixei a cabeça, brincando com meus dedos. — Há
anos atrás, ele foi meu melhor amigo. Fomos juntos para o
acampamento de verão por dois anos, e trocamos cartas entre
nós durante aproximadamente três anos. Então, um
dia, as cartas dele pararam de chegar.
Simplesmente… desapareceu.
Os olhos de Joy se arregalaram de surpresa. — Você o
conheceu quando menino?
— Sim. Ele era… — Sorri, pensando em Jax quando
criança. — Ele era o garoto mais gentil que eu já conheci. O
garoto mais quieto, mas o mais gentil.
— Sim. Isso não mudou ao longo dos anos. E ele sabe?
Que você é… você?
— Sim, sabe, mas me disse que seria melhor não
mergulharmos mais fundo em nossa história.
— Oh, merda, — Joy gemeu, me fazendo rir. — Você não
pode ouvir nada que Jax diz – você sabe por quê?
— Por quê?
— Seus batimentos cardíacos estão prontos para a
autodestruição. Ele afasta as coisas boas porque acha que
não as merece, mas eu conheço aquele rapaz – provavelmente
melhor do que ele mesmo – e ele precisa de um amigo. Acho
que precisa mais de você do que admitirá.
Balancei minha cabeça enquanto tomava um gole de
vinho. — Duvido que ele queira que eu seja esse amigo. Além
disso, como você disse, ele é uma parede de tijolos. Não tenho
como chegar até ele.
— Com certeza. — Ela pousou a taça de vinho e
caminhou até a lareira, onde estavam algumas velas. E pegou
um isqueiro e começou a acender cada uma. — Você perdeu
alguém, não foi?
Eu fiquei mais ereta. Mesmo com todos os
bisbilhoteiros, eu não tinha contado nada sobre a minha
filha. — Eu... Desculpa? Como assim? Como é que você...?
Ela olhou para mim e sorriu. — Eu vejo em seus olhos, e
reconheço a luz deles à tua volta.
Calafrios começaram a se espalhar por meu corpo
quando as palavras deixaram seus lábios. — Eu… é… —
Minha boca ficou seca enquanto eu tentava formar as
palavras, e ela balançou a cabeça.
— Não, não, querida. Você não precisa falar sobre isso
se for muito difícil. Entendi, mas quero que saiba que não
está sozinha em sua perda. Se existe algo neste mundo que
nos une a todos, é vida e morte, dia e noite. Jax também
passou por uma tragédia, e como vocês dois têm uma
história, acho que talvez vocês possam se conectar
novamente.
— Não acho que ele me queira em sua vida, pelo menos
não muito.
— Eu aposto que ele quer. O pai de Jax também
está chegando ao fim de sua vida, e eu sei que isso o
está esmagando, mesmo que ele não fale sobre o
assunto. Agora, não estou lhe dizendo isso, para forçar você a
conversar com ele. Eu só acho que a cura vem com o tempo,
paciência e amigos, e eu acredito que vocês poderiam usar
ambos como amigos neste momento, — explicou Joy.
— Como faço para que ele queira ser meu amigo? Como
faço para que se abra comigo?
— Apenas seja você. Isso é bom o bastante, tenho
certeza. Se tudo mais falhar, pressione. Às vezes, na vida,
precisamos ser pressionados para nos lembrar de que ainda
podemos nos mover.
Lembrei-me de apenas alguns dias antes, quando meu
ataque de pânico me atingiu, e eu não consegui avançar. Lá
estava Jax, me pressionando, ajudando a me guiar de volta
para minha casa. Se ele pode me ajudar, eu poderia pelo
menos tentar fazer o mesmo por ele. O que pior poderia
acontecer?
Joy e eu terminamos nosso vinho e conversamos sobre a
vida. Ela me fez rir enquanto eu estaria em casa sozinha
lidando com meus próprios pensamentos e tristeza. Fiquei
muito agradecida por sua gentileza. Ela foi uma das
primeiras pessoas na cidade que se interessou em se tornar
minha amiga de verdade.
Quando perguntei por que ela não havia saído de casa
por tanto tempo, ela respondeu com a simples resposta:
— Vou onde o amor está. Este lugar está cheio do
amor dos meus entes queridos. Quando o amor for para outro
lugar, certamente seguirei. Este é o meu refúgio até que Deus
me diga o contrário.
Quando me levantei para sair, parei no corredor dela,
cheio de fotografias. Eu peguei os rostos sorridentes, o que
me fez sorrir também. — Esse é seu marido? — Eu perguntei.
— Sim, esse é Stanley, meu amor frio como uma pedra.
— E a garota?
— Minha Bethany. Ela faleceu cedo. Tivemos dezoito
grandes anos uma com a outra antes que o câncer a levasse
para longe de nós.
Meu peito apertou. — Eu sinto muito. — Queria abraçála
e queria chorar, mas, em vez disso, fiquei parada.
— Eu também sinto muito, Kennedy. Eu realmente
sinto.
Eu não tinha dito a ela, mas de alguma forma Joy sabia
da minha perda. Coloquei o casaco e as botas e entrei na
varanda. Trocamos despedidas, mas antes que eu pudesse
sair, voltei-me para ela, fazendo a pergunta que tentava
responder a algum tempo. — Como você supera a perda de
uma filha?
Ela caminhou até mim e cruzou os braços. — Você
não supera. Só se ultrapassa, e conta a sua bênção por
qualquer período de tempo que tenham tido juntas.
Eu pessoalmente? Gosto de acreditar que assim que Bethany
saiu do meu lado, ela tornou-se o vento. Por isso, sinto-a em
todo lugar. — Estendeu a mão e fechou os olhos enquanto
tomava uma inspiração profunda. — Mesmo durante as
tempestades.
Eu sorri para ela antes de puxá-la para um abraço
apertado. Agradeci-lhe por tudo o que ela tinha me dado
naquela noite e depois voltei correndo para a minha varanda.
Desta vez, no entanto, antes de correr para dentro, fechei os
olhos, e senti o vento enquanto ele dançava sobre a minha
alma.
Jax
— ELE ESTAVA UM POUCO LÚCIDO HOJE, — disse Amanda
enquanto eu passava na recepção para assinar o termo de
visita do meu pai. — Ele se lembrou do meu nome.
— Ele foi duro com você? — Eu perguntei.
— Ele seria o Cole Kilter se não fosse?
Justo.
— Ele disse algo sobre mim? — Eu resmunguei.
— Meio que te chamou de idiota.
Também é justo.
Eu não tinha certeza se estava pronto para uma visita
naquela noite depois de um dia de merda no trabalho, mas
sabia que me chutaria se não lesse alguns capítulos para ele.
Ainda assim, isso não mudava o fato de que eu estava me
sentindo exausto, não estava me sentindo bem há alguns
dias. Na verdade, toda a chuva tinha sido um desastre,
meu trabalho ficava péssimo e eu não conseguia tirar
Kennedy da cabeça. Era como se eu percebesse quem ela era,
e desencadeasse um turbilhão de memórias que eu não sabia
como lidar, me afogando em lembranças dela.
Uma parte de mim queria conversar com ela. Encontrála
na cidade e perguntar como ela tinha estado. Essa parte de
mim era estúpida. Quase tudo o que toquei virou merda, e o
pensamento de me reconectar com Kennedy apenas para dar
errado não era um risco que eu queria correr.
Nós tivemos nosso passado. Nós tivemos nossa história.
Eu só me perguntei por que diabos ela nunca me
escreveu de volta.
— Como você está lidando com tudo? — Amanda
perguntou, tirando-me dos meus devaneios sobre uma
mulher que não era ela. Também me senti culpado por isso.
Na semana passada, pensei em Kennedy um milhão de vezes
mais do que em Amanda, mesmo que nosso rompimento
fosse recente.
— Estou bem, — respondi secamente. — Tenha uma
boa noite.
— Jax, espere… — Ela estendeu a mão e agarrou meu
antebraço, mas eu não queria lidar com ela hoje à noite.
Inferno, eu não queria lidar com nada. — Não precisa agir tão
duro consigo mesmo, para conversar sobre seu pai. Eu
sei que ele era o diabo, mas tudo bem você estar
sofrendo. Você pode falar comigo se precisar.
— Não há nada para falar. Estou bem.
— Você está mentindo.
Engoli em seco e olhei para baixo. — Amanda?
— Sim?
— Deixe-me ir. — E quis dizer meu braço e eu.
Ela deixou cair. — Bem, teimoso. Não sei por que você
vive neste mundo em que pensa que precisa lutar sozinho.
Mesmo se não falar comigo, espero que você fale com alguém.
— É para isso que serve a terapia, — murmurei.
Se ao menos eu estivesse indo.
Tirei o romance da minha jaqueta, esperando que papai
não estivesse muito lúcido. Quão fodido era isso? Rezei a um
Deus em que não acreditava que a memória de meu pai havia
desaparecido tanto que ele não se lembraria de mim.
Entrei no quarto, onde ele estava sentado em uma
cadeira de rodas, de frente para a janela. O anoitecer já havia
chegado então ele não poderia olhar para algo muito
emocionante. Limpei minha garganta e caminhei até ele, sem
saber como iria me receber. Ele olhou para mim com seus
olhos azuis que combinavam com o mar, e piscou. O lado
direito de seu corpo estava paralisado, e sua boca ficou
mole quando ele olhou para mim. Seu olhar vazio me
deixou claro que não me reconheceu.
E limpei minha garganta, outra vez. — Oi, Sr. Kilter. Eu
queria dar uma passada para ver se você gostaria que eu
lesse alguns capítulos deste romance.
Ele assentiu levemente, e virou para me encarar antes
de me sentar na cadeira na frente dele. Estava tão quebrado,
e de vez em quando eu tinha que limpar seu rosto. Era difícil
vê-lo dessa maneira, sabendo que sua aparência externa não
era nada comparada ao que estava acontecendo dentro de
seu corpo.
Ninguém nunca quer ver o corpo de seus pais se
esvaindo com o passar dos anos. Era como se fosse a
maldição da vida – assistir aqueles que o trouxeram ao
mundo desmoronar, um simples lembrete de que a vida é
muito mais curta do que qualquer um de nós imagina.
Enquanto eu lia os capítulos, ele olhou para frente. Não
estava olhando para mim exatamente, mas quase como se
estivesse olhando através de mim. No meio do meu terceiro
capítulo, notei seus lábios se moverem.
— Bo…bom, — ele murmurou, fazendo-me levantar uma
sobrancelha. Irônico ouvi-lo murmurar depois de anos dele
batendo na minha cabeça, avisando para eu não murmurar.
A vida era uma maldita piada.
— Bom? — Eu perguntei.
Ele assentiu, mal se movendo.
Meu coração frio tentou bater pelo pobre homem.
Então notei uma pequena poça de líquido se formando
no chão embaixo dele. Levantei-me, percebendo que ele
molhou as calças. Corri para conseguir alguém para ajudá-lo.
Duas enfermeiras vieram ajudar a limpá-lo e deitá-lo na cama
enquanto eu segurava o livro com força.
Depois que ele estava deitado, adormeceu rapidamente,
e eu saí, passando direto por Amanda, que eu sentia que
estava me encarando.
Entrei na minha caminhonete e joguei o livro no banco
do passageiro. Depois de girar a chave na ignição, parei.
Minhas mãos descansaram ao volante, segurando o couro até
meus dedos ficarem brancos. Fiquei lá por alguns momentos,
absorvendo todo o silêncio que me atingiu.
Peguei meu telefone e liguei para meu irmão. A conversa
foi como o esperado. — Ele não é de sua responsabilidade,
Jax. Você deveria deixar a cidade e começar uma nova vida.
Você não é o culpado pela morte da mamãe. — Mesma coisa
de sempre.
ENQUANTO DIRIGIA PARA CASA, pensei em meu pai, no
homem que ele costumava ser, no homem que ele se tornara.
Pareciam duas criaturas completamente diferentes. Um me
aterrorizou; do outro eu tinha pena. Nenhum homem deve ser
colocado na posição em que se suja e não pode fazer nada a
respeito.
Meu coração não reservou pena do homem que meu pai
costumava ser.
Foda-se o homem e a forma como ele me machucou
tanto física quanto emocionalmente.
Foda-se os anos de terapia que dificilmente levaram à
cura.
Foda-se as mãos dele que me deram socos, me
machucaram, e me menosprezaram.
Foda-se quem meu pai costumava ser.
Também foda quem ele era naquela noite.
Foda-se o homem que fez meu coração frio tentar
quebrar. Meu coração não podia mais quebrar porque tinha
sido quebrado demais ao longo dos anos.
QUANDO CHEGUEI EM CASA, saí para a floresta para
limpar minha cabeça. Havia muitos pensamentos em minha
mente para ir direto para a cama. Estava cansado, mas sabia
que não havia como dormir.
Quando me aproximei do meu lugar habitual, parei,
vendo uma mulher sentada no meu banco. Quanto mais me
aproximava, percebi quem era exatamente.
— O que você está fazendo aqui? — Eu ladrei,
inclinando minha cabeça em descrença.
Kennedy olhou para cima e me deu um sorriso. Ela
tinha um caderno na mão que estava rabiscando antes que
eu a chamasse.
— Oi, — suspirou. — Eu hum, eu só precisava de um
pouco de ar.
— Há ar em outros lugares.
— Sim, mas este é o lugar mais bonito que eu já
conheci.
— Você está invadindo novamente, — resmunguei
irritado com a necessidade dela de quebrar as regras.
Secretamente meio que aliviado ao vê-la. Na verdade, eu não
sabia o que estava sentindo. Depois da péssima visita com o
meu pai, as minhas emoções estavam distorcidas.
— Acho que nós dois vamos ter que lidar com o fato de
eu ser a garota transgressora.
Fiz uma careta e passei a mão por meu cabelo. Como eu
a queria aqui e queria que ela fosse embora ao mesmo
tempo?
Deslizou pelo banco e bateu no local ao seu lado. —
Você pode se juntar a mim.
— Eu não quero conversar, — rebati.
— Claro. Você nunca foi de conversar, mesmo.
— Eu também não quero que você fale, — insisti.
Ela fez uma careta. — Bem, nós dois sabemos que isso
seria difícil para mim, mas posso fazer uma exceção hoje à
noite.
Deveria ter dito a ela para sair, e entrar em minha casa.
Deveria ter dito a ela para não voltar. Deveria ter dito a ela
que não queria vê-la mais, porque minha vida estava bem
sem ela.
Em vez disso, sentei-me, porque até a miséria às vezes
precisava de companhia.
Ficamos em silêncio por um longo tempo. E Kennedy
continuava rabiscando em seu caderno e, de vez em quando,
eu dava uma espiada no que ela estava escrevendo. Era uma
lista de afazeres. Coisas para ver e fazer em Havenbarrow.
lista;
Conhecer Marshmallow, o gato;
Noites de cinema em preto e branco;
Biblioteca oculta;
Conecte-se com um velho amigo;
Dizer a Jax que está tudo bem que ele esteja lendo minha
Perguntar a Jax se ele está bem;
Dizer ao Jax que pare de torcer o nariz porque ele está
percebendo que estou escrevendo mensagens para ele.
esquisita.
Eu gemi, tirando os olhos do caderno dela. — Você é
— Achei que essa era uma coisa que gostava sobre mim.
Eu fiquei quieto.
Ela continuou pressionando. — Você está bem? —
Perguntou.
— O que aconteceu com o sem conversa?
— Você sabe que eu luto com isso.
Balancei a cabeça. — Eu não sei mais nada sobre você.
Nós éramos crianças naquela época. Muita coisa mudou.
— Como o quê? — Ela questionou.
Olhei em seus olhos cor de mel e por um momento eu
não quis desviar. E também queria abraçá-la, e contar a ela
tudo o que se desenrolou ao longo dos anos. Eu queria deixála
sentir o peso das minhas mágoas. Eu queria um amigo.
Precisava de um amigo, mas não merecia um.
— Não importa o que mudou, — eu disse. — Tudo o que
importa é que a mudança aconteceu.
— Você está bem, Jax? — Ela perguntou novamente,
desta vez sua voz coberta com o mais sincero cuidado e
bondade que eu já ouvi em algum tempo.
— Não é da sua conta.
— Mas eu quero que seja. — Ela colocou uma mão
contra o meu braço e um raio disparou sobre minha alma.
Seu simples toque enviou uma corrente elétrica através de
todo o meu sistema, diretamente ao meu coração para tentar
trazê-lo de volta à vida.
— Se você precisar conversar, Jax, — ela ofereceu
novamente, e eu deixei sua mão demorar por um momento
porque o calor parecia curar.
Por que o toque de Amanda não fazia isso comigo?
Afastei meu braço de Kennedy quando o frio voltou para
mim. Apertei minhas mãos e abaixei minha cabeça enquanto
meus nós dos dedos ficavam brancos. Mais momentos de
palavras não ditas. Então, os murmúrios liberaram
lentamente dos meus lábios.
— Meu pai está morrendo, — confessei.
— Sim. Joy mencionou isso. Lamento muito, Jax.
isso.
— Ele é um idiota. Ou pelo menos ele era antes de tudo
— E agora?
— Agora, ele está lá e não tem nada.
— Ele tem você.
— Nunca fui suficiente para ele antes, por isso duvido
que seja o bastante agora.
O que eu estava fazendo? Por que eu estava falando
sobre isso? Antes que ela pudesse enviar outra corrente
através do meu sistema, eu me levantei. Minhas
sobrancelhas se entrelaçaram, e enfiei as mãos nos bolsos da
calça jeans e comecei a me retirar mentalmente de volta ao
meu estado solitário.
— Você precisa ficar fora da minha propriedade, — eu
disse a ela. — Se não o fizer, terei que chamar a polícia.
Ela também se levantou. — Moon eu...
— Não me chame de Moon, — falei. — Vá embora,
Kennedy.
Seus ombros caíram e eu tentei não olhar para ela. Não
conseguia olhar para ela, porque se o fizesse, imploraria para
ela não ir.
— Sinto muito. Achei que você poderia querer um
amigo, — disse.
— Eu não preciso de um amigo, — respondi quase num
leve sussurro. — Não preciso de ninguém. Lembra? O idiota
da cidade. Não estou interessado em fazer pulseiras de
amizade com você.
Kennedy
— NÃO, — eu gritei quando Jax começou a se afastar.
Ele se virou para mim e inclinou a cabeça. — O que?
— Eu disse não. Você não pode ir embora agora.
— Você perdeu a cabeça? — Ele gritou com sua voz
coberta de raiva. Ou era dor? Em seus olhos eu via dor
enquanto sua voz gritava aborrecimento.
— Há muito tempo, mas isso não vem ao caso. O ponto
é que você precisa sentar e conversar comigo.
— Eu não vou, — ele ordenou. — E se você não deixar
minha propriedade agora…
— Você vai chamar a polícia, sim, sim, sim, blá, blá, blá,
eu entendo, Jax. Este é o seu papel nesta cidade. Você é o
grande lobo mau. O homem frio e duro que não deixa
ninguém entrar, mas eu conheço você. O verdadeiro você.
Esse garoto gentil e sensível ainda está aí. E sei que você
não é um idiota de verdade.
— Você pode simplesmente voltar para casa e fingir que
não nos conhecemos?
— Não, não posso, porque posso dizer que você carrega
muito em seus ombros há muito tempo.
Ele se virou para mim com uma expressão de peso nos
olhos. Um olhar que nunca deixa realmente suas feições.
Estava lá desde o primeiro dia em que trombamos na floresta.
Eu só poderia imaginar quanto tempo essa dor vive dentro
dele.
— Entendi, — ele disse. — Você sente como se houvesse
algum tipo de besteira de conexão com a alma entre nós,
porque fomos para o acampamento todos esses anos atrás,
mas esse fato é nulo e sem efeito, porque eu não sou nada
como a criança que fui todos esses anos atrás.
— E eu não sou nada como a garota que eu era, —
concordei.
— Seu guarda-roupa colorido e sua incapacidade de
entender uma dica quando as conversas acabam imploram
para discordar.
Sorri um pouco e alisei minha mão contra meu vestido
de verão amarelo neon. — Ok, acho que algumas coisas
continuaram iguais para mim.
— Não para mim, no entanto. Sem ofensa, mas não
estou interessado em me reconectar com você e em trocar
histórias de acampamento. Não tenho tempo para nenhum
tipo de conexão na minha vida – estou muito ocupado. Então,
se você quiser…
— Destino, — eu disse, levantando-me mais ereta. —
Você me ensinou essa palavra. Lembra? Junto com um
milhão de outras palavras. Mas destino era a minha favorita.
Significa...
— Eu sei o significado, — sussurrou, — mas não é isso.
Isto não é destino.
— Poderia ser, — argumentei. — Tudo o que estou
dizendo é… isso tem que significar algo. O universo nos uniu
novamente por uma razão.
— O universo não nos controla. Estou enjoado e
cansado dessa maneira milenar de pensar. Não existe
destino. Se você precisa de uma razão para nosso encontro
depois de todos esses anos, aqui está: nós dois morávamos
cerca de uma hora do nosso acampamento, é um mundo
pequeno e as pessoas se mudam para cidades diferentes.
Você acabou de se mudar para minha cidade. Como é isso
para a teoria do universo e o tempo divino?
— Não é muito bom, eu admito.
Ele olhou para mim e sua boca se contorceu,
como se tivesse algo a dizer, mas não quisesse
compartilhar comigo. Balançou a cabeça e se virou para
voltar para sua casa, e eu engoli em seco, pensando no que
Joy me contou sobre o passado de Jax.
Comecei a segui-lo mais uma vez e disse as oito palavras
que nunca deveria ter dito. — Não soube o que aconteceu
com sua mãe.
As costas de Jax enrijeceram para mim quando seu
corpo parou. Seus ombros se arredondaram para frente e eu
jurei que parecia que o tempo tinha parado. Não soube o que
dizer a seguir, não sabia como seguir em frente, mas desde
que eu tinha colocado as palavras lá fora, eu sabia que não
podia deixá-las remanescentes.
Eu dei alguns passos em direção a ele quando minha
próxima respiração ficou presa na minha garganta. — Jax,
sinto muito por…
— Não, — ele interrompeu, fazendo minhas palavras
sumirem. Sua cabeça tremia enquanto ele mantinha as
costas em minha direção. — Não fale sobre minha mãe.
Mesmo que suas palavras parecessem duras, ouvi o
estalo em sua voz enquanto ele falava. Não era a raiva que ele
estava cuspindo no meu caminho – era dor. Uma dor que eu
conhecia muito bem.
— Foi um erro, Jax. Não foi sua culpa.
— Você não tem ideia do que foi.
— Lamento. Não quero incomodá-lo. Só queria dizer que
entendo o que você passou.
— Não tem como você entender o que eu passei, Sun, —
ele murmurou quando o apelido me atingiu como uma
tonelada de tijolos. Se eu fosse honesta, muitos dos meus
dias recentes pareciam mais as sombras da lua em vez de
raios de sol.
— Eu tenho, — eu disse, tentando o meu melhor para
fazê-lo ver que ele não estava sozinho em sua miséria.
Ele girou nos calcanhares e seus olhos penetraram em
mim com tristeza neles. Nesse momento, senti o peso do
mundo que ele carregava sozinho. — Como? Como você
entende?
— Porque eu sou a razão pela qual meus pais e filha
morreram, — soltei. Essas foram as minhas doze palavras. As
doze palavras que queimaram quando rolaram da ponta da
minha língua. As doze palavras que eu não falava alto desde
que ocorreu. Eu nunca disse essas palavras. Yoana me proíbe
de falar isso, mas todos os dias eu sentia o peso delas. Só
porque as palavras não foram pronunciadas não significava
que não eram sentidas, e essas palavras me sufocavam
diariamente.
Os olhos de Jax suavizaram quando ele ficou lá com
total perplexidade com a minha declaração. Meus
nervos dispararam pelo céu, disparando na atmosfera,
lembrando-me de quão grande a dor de uma pessoa poderia
ficar em um único momento.
Baixei a cabeça e mexi nos dedos, porque olhar
naqueles olhos castanhos confusos estava fazendo meu
coração doer mais do que podia suportar. — Houve uma forte
tempestade e eu estava levando minha família para jantar
fora. Foi logo depois de uma briga com meu marido. Ele
estava dormindo com uma colega de trabalho e eu descobri.
Ele me chamou de louca, emocional e instável. Ele era o
mestre da manipulação, fazendo-me sentir como se estivesse
em falta quando não fiz nada de errado. Ele interrompeu
minhas preocupações sem sequer me dar uma chance de
conversar sobre o assunto. Sempre fazia isso, se afastou de
mim quando eu mais precisava da sua segurança. Durante a
tempestade, ele me mandou uma mensagem e me disse que
queria o divórcio. Olhei para o meu telefone quando recebi
sua mensagem, e foi tudo o que foi preciso. Uma fração de
segundo – uma mensagem de texto e eu atingi um ponto liso
na estrada. O carro girou e toda a minha vida mudou. Isso foi
há mais de um ano, mas em alguns dias parecem meros
minutos atrás.
Ele não disse uma palavra para mim, mas também não
fugiu. Quando o silêncio se tornou irresistível, eu olhei para
cima para encontrá-lo me encarando e, por minha vida, eu
não sabia o que ele estava pensando. Eu me perguntei se
Jax deixaria alguém se aproximar o bastante para
poder ler seus pensamentos.
Seus lábios se separaram, mas era como se ele não
conseguisse descobrir as palavras certas para dizer. Teria
uma palavra certa em uma situação como essa?
Ele limpou a garganta. Com as sobrancelhas franzidas.
Minha boca se abriu para me desculpar. Estava claro
que eu compartilhara demais. Estava claro que eu estava
fazendo dessa situação algo que não era. Ficou claro que ele
ia me abraçar.
Espera.
Espera. O quê?
Ele estava me abraçando.
O corpo de Jax estava em volta do meu quando ele me
puxou para perto dele e o segurou como se ele tivesse planos
de ficar lá pelo resto da vida. Seus braços grandes e fortes
reuniram-se em torno de todo o meu corpo, e eu derreti.
Derreti-me contra seu corpo e sua alma. Eu me fundi com a
história de nosso passado.
Ele cheirava a cedro e minhas memórias favoritas.
Queria permanecer nesse abraço o máximo que
pudesse, queria respirar mais e sentir seu conforto até
adormecer naquela noite, queria agradecer a ele por me
dar um momento para desmoronar em seus braços,
mesmo tendo certeza de que deveria confortá-lo, e não o
contrário.
Quando chegou a hora de nos separarmos, ele recuou
parecendo um pouco envergonhado pelo seu súbito abraço.
Limpei os olhos e deixei sair um riso nervoso. — Não estava
prevendo isso.
— Sim. — Ele sorriu, ou, pelo menos, eu imaginei. — Eu
também não.
— Eu devia deixá-lo em paz. Só queria que você
soubesse que se alguma vez precisar de alguém para
conversar, eu estou aqui. — Comecei a virar as costas
quando ele me chamou.
— Kennedy.
Eu me virei para esperar suas próximas palavras.
Parece que a conversa não foi fácil para ele. Isso não era novo
– nunca tinha sido fácil para ele. Ele limpou a garganta mais
uma vez enquanto gesticulava para o espaço ao nosso redor.
— Você pode vir aqui sempre que precisar limpar sua cabeça.
Meu peito apertou com suas palavras. Para alguns, elas
podem ter parecido um pouco sem sentido e frias pelas
verdades que compartilhei com ele sobre meus pais e minha
filha, mas de alguém como Jax era muito mais do que isso.
Ele estava me convidando para visitar seu oásis,
seu porto seguro, e era um convite que eu ia aceitar.
— Obrigada, Jax.
Ele não disse uma palavra, mas antes de se afastar de
mim, o lado esquerdo de seus lábios se curvou no que era
quase um sorriso de simpatia. E passou uma mão pelo cabelo
bagunçado e suspirou. — Eu sou ruim nisso.
— Ruim em quê?
— Pessoas.
Sorri. — Não me diga? — Disse sarcasticamente.
Seus lábios se transformaram em um sorriso completo,
e o meu estômago deu um nó da visão.
Lá estava ele.
aço.
O rapaz que eu conheci ainda vivia dentro do homem de
Tudo o que eu queria era que ele saísse e brincasse um
pouco mais.
Jax
Doze anos de idade
Ano dois do acampamento de verão
— E você sabia que existem quatrocentos bilhões de
pássaros no mundo? Mas quando Kennedy me contou sobre
eles no verão passado, ela não sabia o nome dos pássaros.
Foi por isso que fiz isso para ela, para ajudá-la a aprender
mais sobre os pássaros, porque acho que...
— Uau, vá devagar, Jaxson. Eu juro, que nunca ouvi
você falar tanto antes. — Mamãe riu enquanto me ajudava a
arrumar minhas malas para o meu segundo ano de
acampamento de verão. — Fico feliz que você esteja tão
animado.
Eu estava animado. Eu estava tão, tão, tão animado.
Kennedy e eu estávamos escrevendo cartas um
para o outro durante todo o ano letivo, e cada vez que
recebia uma carta pelo correio, eu a lia cinco milhões de
vezes. E mal podia esperar para vê-la pessoalmente. Eu não
conseguia parar de pensar nela, e sinceramente nunca deixei
de pensar nela. Ela estaria diferente? Estaria mais alta? Será
que continuaria falando tanto quanto antes? Eu realmente
esperava que ela ainda falasse muito, porque mesmo que no
começo eu pensasse que ela falava demais, eu realmente
gostei que ela falasse demais porque isso significava que eu
tinha que conversar menos.
Imaginei que ela tinha a mesma aparência, só que
melhor. Eu me perguntei se ela pensaria que eu também
tinha a mesma aparência. Eu usava óculos diferentes e era
um centímetro e meio mais alto, baseado nas marcas da
minha mãe na parede da sala, mas além disso, eu era o
mesmo Jax que esteve com ela na última vez. Bem, o meu
cabelo também estava mais comprido. Deveria tê-lo cortado.
Pergunto-me se ela teria notado alguma coisa que tenha
mudado em mim.
— Estou empolgado para vê-la. Ela é minha melhor
amiga — falei para mamãe.
— Ei, e eu? — Disse ela, me cutucando.
Eu ri um pouco — Você sabe o que eu quero dizer. Ela é
minha melhor amiga. Você é minha melhor amiga mãe.
Ela se inclinou e beijou minha testa antes de
dobrar outra camisa minha para colocar na mala. —
Isso funciona para mim. Desempenharei com prazer o papel
de melhor amiga mãe. Agora, você quer pegar o presente que
comprou para ela para que possamos embalá-lo?
Corri para a minha cômoda, onde dois presentes
estavam embrulhados perfeitamente – e eu quis dizer
perfeitamente. Eu as envolvi várias vezes até que cada linha
de vinco estivesse lisa. Levei mais de duas horas para acertar,
mas eu não me importei. Eu queria que fosse perfeito para
Kennedy.
Esperava que ela gostasse da fita verde neon brilhante,
nunca usaria fita verde neon se fosse minha escolha, mas
sabia que era sua cor favorita porque ela era minha melhor
amiga e eu sabia esse tipo de coisa sobre minha melhor
amiga.
— Você acha que ela vai gostar dos presentes? —
Perguntei, com meu coração parecendo estar preso na minha
garganta. Trabalhei num dos presentes durante meses, e a
ideia de Kennedy não gostar continuava passando por minha
cabeça.
Mamãe sorriu o tipo de sorriso que as mães fazem para
que seus filhos se sintam melhores. — Ela vai adorar,
Jaxson. Confie em mim. Eu sou sua melhor amiga mãe, afinal
de contas, eu não iria te enganar.
O sorriso de mamãe funcionou. Eu
instantaneamente me senti melhor.
— Você acha que quer ir até a loja e me ajudar a traçar
alguns planos para as casas para as quais estou projetando o
paisagismo antes de você sair amanhã? Mamãe perguntou,
fechando minha mala.
Ela estava tentando abrir sua própria empresa de
paisagismo chamada Millie's Haven Paisagismo. Era o
coração e a alegria de mamãe, e eu mal podia esperar até o
dia em que ela abriria sua loja. Eu adorava ajudá-la com o
planejamento dos projetos para as pessoas. Mesmo que ela
ainda não tivesse um negócio oficial, ela ajudou muitas
pessoas na cidade com seus quintais. Além disso, estava
elaborando projetos para os acres de terra em que vivíamos.
— Flores por toda parte, — ela sempre dizia. — Flores
silvestres florescendo o ano todo. Esse é o meu sonho.
Não gostava muito de sujar as mãos, mas gostaria de
ser seu braço direito. Ela disse que um dia eu poderia
assumir a empresa por ela, mas eu disse a ela que havia
muita sujeira envolvida.
Eu não gostava de bagunça.
Eu gostava das coisas perfeitamente arrumadas.
— Ou ele pode vir pescar com Derek e eu, — disse papai
enquanto entrava na porta do meu quarto. — Fazer coisas
viris pela primeira vez na vida.
Eu odiava pescar.
Eu odiava as minhocas.
Eu odiava o peixe se debatendo de um lado para o outro.
Eu odiava ver papai estripá-los depois.
Mas ainda mais, eu odiava como papai sempre parecia
desapontado comigo quando eu não queria fazer as coisas
que ele gostava, como pescar, caçar e praticar esportes.
Eu gostava de bibliotecas, concurso de soletrar, e de
escrever para Kennedy.
Papai não entendia nada disso, o que tornava difícil
para ele me entender.
— Paisagismo não é coisa de mulher, Cole. O mundo do
paisagismo está cheio de homens, e fazer Jaxson se sentir
mal por isso é desrespeitoso, — disse mamãe, me apoiando
como sempre fazia quando papai se decepcionava por eu não
ser mais parecido com ele.
Imaginei que era por isso que ela era minha melhor
amiga mãe, sempre me protegendo.
— Sim, mas ele não se suja com o trabalho. Ele não faz
nenhum trabalho pesado ou trabalho de verdade, —
argumentou papai. Toda vez que ele fazia isso – me colocava
no chão – meu estômago revirava.
No mês passado, mamãe disse que se ele não parasse,
ela o deixaria, mas eu não achei que isso fosse verdade. Ela o
amava, mesmo quando ele não merecia ser amado.
— Pare com isso, Cole, — mamãe ordenou.
Ele resmungou baixinho e passou a mão pelo cabelo
escuro, que estava lentamente ficando cinza. E olhou para
mim por um segundo antes de sair do quarto.
Sentei-me um pouco, sentindo um nó na garganta. —
Talvez eu deva ir com ele para que ele não fique com raiva de
mim.
— Não. Você é um indivíduo com vontade própria,
Jaxson, e seu pai não vai conseguir transformá-lo em algo
que você não quer ser. Se você não gosta de pescar, ponto
final.
Abaixei minha cabeça. — Gostaria que ele fosse legal
como você.
Ela beijou minha testa e me deu um abraço apertado. —
Você é perfeito do jeito que é filho. Nunca se esqueça disso.
No dia seguinte, mamãe jogou minha mala no carro e
fomos para o acampamento.
Depois que me acomodei e mamãe chorou porque
sentiria minha falta nas próximas semanas, nos
despedimos, peguei meu presente para Kennedy e corri
para frente do salão principal para esperar por ela.
Sentei-me em cima de uma rocha gigante pelo que pareceram
horas. Quando aquele carro amarelo cheio de marcações se
aproximou, meu coração quase pulou do peito e correu direto
para os braços de Kennedy.
Quando ela me viu, correu em minha direção, gritando
meu nome tão alto que os alienígenas em Marte
provavelmente poderiam ouvir seus gritos. — Jax!Jax!
Jaxxxxxxxxxxxx! — Ela gritou, correndo loucamente em
minha direção com braços selvagens. Mesmo que ela fosse
tão embaraçosa, e as pessoas estivessem nos encarando
como se fôssemos loucos, eu não me importei. Kennedy faz
isso comigo. Ela me ajudou a não me importar tanto com o
que as outras pessoas pensavam.
Jogou-se nos meus braços, e nós rimos quando caímos
no chão como idiotas completos. Quanto mais Kennedy ria,
mais eu ria também, porque ela tinha o tipo de risada que
fazia todos sorrirem junto com ela.
Agarrou-me e endireitou os meus óculos retorcidos. —
Você tem óculos novos! — Exclamou ela.
Eu suspirei.
Ela reparou.
— Você tem cabelo roxo.
Ela suspirou. — Você percebeu. — E me abraçou
novamente.
— Senti sua falta, Sun, — eu disse, abraçando-a com
mais força.
Ela sorriu alto, o que me fez sorrir ainda mais. — Eu
também senti sua falta, Moon. Senti tanto a sua falta que lhe
trouxe um presente!
— Eu comprei um para você também!
Ficamos de pé, e entreguei a ela meu presente
perfeitamente embrulhado. Ela procurou em sua mochila e
pegou seu presente perfeitamente desembrulhado, em papel
de jornal com fita adesiva demais.
— Você primeiro! — Ela assentiu enquanto pulava de
alegria para cima e para baixo.
Corri para rasgar o jornal e sorri alto quando vi o que
ela tinha me dado. Era uma pulseira da amizade com um
pingente de lua.
Então levantou o braço para mostrar sua pulseira de sol
correspondente. — Para que as pessoas sempre saibam que
somos melhores amigos.
Eu coloquei muito rápido e não conseguia parar de
sorrir.
— Você gostou? — Ela perguntou, mordendo o lábio
inferior.
— Eu amei! Nunca vou tirar. Agora, abra o seu.
Ela arrancou o papel de embrulho e seus olhos
arregalaram quando viu o caderno. — Um livro de pássaros?
— Ela perguntou, lendo a capa.
— Sim. Eu pesquisei muitos tipos diferentes de pássaros
e escrevi tudo sobre eles. Há mais de trinta! Até tirei fotos
deles para que possamos comparar com os que avistarmos
quando fizermos nossas caminhadas. E tenho dois binóculos
na minha mala, para vermos os pássaros bem de perto e...
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Kennedy
estava colidindo em mim, colocando seus lábios nos meus, e
ela estava…?
Espera.
Este é o meu…?
Ela acabou de…?
Oh meu deus ela me beijou!
Nós estávamos nos beijando!
Beijando!
Jax e Kennedy sentados em uma árvore, se B-E-I-J-A-N-
D-O!
Ok, não estávamos sentados em uma árvore, estávamos
ao lado de uma pedra, mas isso não importava porque eu
tinha acabado de dar meu primeiro beijo. Meu primeiro
beijo com minha melhor amiga, Kennedy Lost.
Eu adoro acampamento de verão!
Eu não sabia o que fazer, então apenas fiquei lá com os
braços ao meu lado, me perguntando se era assim que
deveria ser. Era como se meu coração fosse arrancado do
meu peito e dado cambalhotas na calçada, como se eu
pudesse correr um milhão de voltas pelo acampamento e
ainda não ficar sem fôlego, como se estivesse voando.
Eu estou voando?
Estou beijando-a de volta?
Eu não sabia dizer. Eu não sabia como beijar. Meu
irmão mais velho me dizia que eu nem precisaria me
preocupar em beijar até os quarenta e nove anos, e eu não
estava nem perto dos quarenta e nove anos.
Ela parou de me beijar.
Caramba.
Faça isso de novo.
E fiquei lá como um idiota, sem saber o que fazer.
Kennedy deu um passo atrás, e suas bochechas fofas ficaram
vermelhas. Eu não me lembrava das bochechas dela serem
tão fofas no verão passado, mas era assim que Kennedy Lost
era – ela ficava melhor a cada ano.
— Basorexia, — ela murmurou. Ela murmurou! Como eu.
Meu coração ainda estava tentando escapar.
Estreitei meus olhos. — Eu não sei o que isso significa.
Ela sorriu. — Pesquisei muitas palavras no ano passado
e a basorexia foi uma delas. Significa vontade súbita e
urgente de beijar alguém.
Oh!
Minha nova palavra favorita.
Não consegui formar palavras porque estava muito
ocupado olhando para as bochechas perfeitas de Kennedy.
Ela passava os dedos por entre os seus cachos soltos e
continuava a levantar as suas bochechas ao sorrir. — Adorei
este presente, Jax, por isso senti basorexia. Obrigada.
Ela voltou em minha direção, só que desta vez me deu
um abraço.
Caramba duplo.
— Desculpe se isso te chateou, — disse Kennedy,
ficando nervosa, o que era estranho porque eu não sabia que
uma pessoa como Kennedy poderia ficar nervosa. — Mas
esse foi o meu primeiro beijo, e Yoana estava me dizendo que
seu primeiro beijo sempre deveria ser com alguém de quem
você gosta, e bem, você é meu melhor amigo e tudo, e eu
pensei…
Ela parou suas palavras, porque eu a beijei. Desta vez
eu sabia que era eu a beijando e não apenas eu parado, tudo
porque eu tinha uma intensa basorexia.
Kennedy
Presente
FUI ao campo de flores todos os dias naquela semana.
Eu sentava no meio da beleza e praticava minha respiração.
Uma inspiração, uma expiração, coração ainda batendo, eu
ainda estou aqui.
Fiquei naquele campo o maior tempo possível, sentindo
como se estivesse voltando às minhas raízes, voltando à
pessoa que costumava ser. Tarde da noite, sentada em meio
às margaridas, Jax apareceu, parecendo um pouco abalado.
No momento em que ele me notou, deu um passo para trás,
como se fosse recuar, mas algum tipo de peso estava em seus
olhos enquanto ele olhava para mim.
Gostaria de saber se ele também notou o peso nos
meus.
Eu dei um tapinha no local ao meu lado para ele se
juntar, mas eu tinha fortes dúvidas de que ele aceitaria o
convite.
Minha respiração ficou presa na garganta quando ele
deu um passo à frente e caminhou em minha direção.
No silêncio da noite, Jax sentou-se ao meu lado.
Depois daquela noite, descobri que quando ele vinha
para o campo, ele também aprendia os meus períodos de
meditação. Sempre que eu sabia que ele estaria lá, eu não
podia me impedir de vir, e ele continuou aparecendo sempre
que eu estava sentada naquele banco. O tempo avançava
rapidamente e de alguma forma permanecia parado enquanto
eu estava lá fora com Jax. Quando parecia que nada no
mundo fazia sentido, ao menos sentar naquele campo me
acalmava. Nós não conversávamos por lá. Era como se as
palavras não fossem sequer necessárias para encontrarmos o
nosso fio condutor comum de paz. Sua quietude era tão
reconfortante, como se seu silêncio fosse o cobertor mais
quente que ele me envolvesse.
Nunca na minha vida soube que o silêncio poderia ser
tão bom até que me sentei ao lado de Jax Kilter.
Só no final de uma tarde, depois de cerca de uma hora
sentada, é que ganhei coragem para finalmente quebrar
nosso silêncio com palavras. Foi silencioso, quase um
sussurro. Se a natureza não estivesse tão quieta, ele
teria perdido aquelas palavras que caíam da minha língua.
— Daisy 10 , — eu disse, olhando para o campo de flores.
— O nome da minha filha era Daisy. Eu a batizei com o nome
da minha flor favorita.
Jax virou-se para mim com um olhar perplexo no rosto.
— Então, quando você se deparou com este campo...
Funguei e passei minha mão debaixo do nariz, e depois
assenti. — Isso meio que me derrubou. No dia anterior, pedi
um sinal aos meus pais, um sinal de que tudo ficaria bem,
que de alguma forma eu encontraria o meu eixo novamente, e
depois fui dar um passeio no bosque e encontrei um campo
de margaridas. Achei que era o sinal que meus pais me
enviaram.
Com os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos
entrelaçadas enquanto ele olhava para frente. — Eu não
acredito em sinais.
— No que você acredita?
Suas sobrancelhas franziram, e uma veia em sua
garganta latejava quando ele ficou quieto.
Nada.
Ele não acreditava em nada.
10
– Margarida – em inglês;
Isso tinha que ser difícil. Se eu não tivesse minhas
pequenas crenças, minhas pequenas relações de confiança no
universo, eu tinha quase certeza de que teria morrido há
muito tempo, ao lado de meus entes queridos.
— Deve ser difícil… não ter nada em que acreditar.
— Consegui chegar até aqui.
— Isso não significa que foi fácil.
— Você está certa, não foi. É bom que você acredite em
sinais. Às vezes, gostaria de poder.
Eu sorri. — Nunca é tarde para começar a acreditar em
algo.
— Provavelmente é para mim Cachorro velho, não
aprende truques novos… Ele coçou a nuca, coçou o queixo e
pigarreou. — Então, a tatuagem no seu pulso é para ela? —
Ele perguntou. — Sua filha?
Eu olhei para a tatuagem da margarida com o D para
trás e assenti. Minha mente voltou à minha última noite com
Penn quando Marybeth perguntou sobre minha tatuagem – a
maneira como ele me repreendeu por ser incapaz de controlar
minhas emoções, a maneira como ele me oprimia por
desmoronar.
— Sim é.
— Por que o D está ao contrário?
— Sou… eu… — Meu peito apertou, e eu me senti
começando a perder a batalha com minha mente.
Jax deve ter percebido. — Você não precisa falar sobre
isso se não quiser, — disse.
Mas não era isso. Eu queria falar sobre isso. Eu
precisava falar sobre a minha garotinha. É assim que eu
consigo mantê-la viva em minha mente, mas Penn era tão
contra qualquer conversa relacionada a ela. Ele disse que
tornava muito difícil seguir em frente. Talvez esse fosse o
nosso maior problema: ele queria seguir em frente enquanto
eu queria me manter ali. Nós estávamos empurrando um ao
outro em duas direções completamente diferentes. Claro que
não ia durar. Era só uma questão de tempo até que a nossa
emenda rompesse.
— Não, eu quero, é só que eu fico emocionada falando
sobre isso. Meu marido odiava isso em mim, quando eu ficava
emocionada quando falava sobre ela. Ele odiava sempre que
eu falava dela.
— Sem ofensa, Kennedy, mas seu marido parece um
idiota.
Eu ri. — Ele teve seus momentos. Tenho certeza de que
não fui a melhor esposa do mundo também. Não facilitei as
coisas para ele.
— Sim, bem, eu ainda o odeio. Mas vá em frente, — ele
disse, cutucando minha perna. — Fale sobre ela.
Inspirei profundamente e soltei. — Ela esteve comigo por
seis lindos anos. Quando começou a escrever seu nome, ela
escrevia seus Ds para trás, todas as vezes. Eu a corrigia
repetidamente. Um dia, quando eu estava dizendo a ela mais
uma vez que ela estava escrevendo errado, ela me disse, com
as mãos nos quadris: 'Está tudo bem, mamãe. Não leve a vida
tão a sério. Ds também podem ser ao contrário’. — Eu ri,
enxugando as lágrimas que caíram dos meus olhos. — Fiz a
tatuagem para me lembrar dessa ideia, de que não deveria
levar a vida muito a sério. Ainda estou trabalhando para
absorver essa mensagem.
— O que mais? — Ele perguntou-me.
Eu arqueei uma sobrancelha. — Você quer saber mais
sobre ela?
— Sim, se você quiser compartilhar.
Meus batimentos cardíacos partidos começaram a tomar
forma novamente. Eu me mexi e me sentei no banco. — Bem,
tudo bem. Ela ama – quero dizer, amava – bolhas. Sempre
que estávamos chateadas, jogávamos um milhão de bolhas
no ar e continuávamos fazendo isso até estarmos rindo.
Tornou-se um fato para nós que você não poderia ficar
triste se houvesse um milhão de bolhas ao seu redor.
Ele sorriu.
Jax sorriu.
Puxa, eu não sabia que precisava do seu sorriso até que
ele me deu.
— O que mais? — Perguntou.
— O que você quer dizer?
— O que mais você quer compartilhar sobre ela?
Eu arqueei uma sobrancelha. — Você quer saber mais
sobre ela?
— Sim. Se você quiser compartilhar.
Eu dei mais a ele. Eu dei a ele todos os detalhes sobre o
meu doce anjinho, e a maneira como ela mudou minha vida
para melhor. De seus programas de televisão favoritos à sua
cor favorita. Do jeito que ela amava borboletas e bolo de
chocolate. Então, ele me deixou falar sobre meus pais. Como
a voz cantada de mamãe soava como um anjo. Como papai
contaria as piores piadas do mundo, e elas ainda seriam
engraçadas. Como mamãe bufava, quando papai ria como
uma hiena. Como Daisy adorava dançar na chuva.
Uma vez que as palavras começaram a sair da minha
boca, as lágrimas que estavam caindo se transformaram em
risadas. Rindo. Eu estava rindo das lembranças.
Quando as risadas cessaram, nós dois sentamos lá
quietos enquanto o céu ficava cada vez mais escuro.
Ele limpou a garganta. — Tenho que ir visitar meu pai
na casa de repouso.
— Ah, tudo bem. Precisa de alguma coisa? Há algo que
eu possa fazer? Se você precisa de alguém com quem
conversar...
— Sun.
— Sim?
Ele me deu um sorriso triste. — Não cheguei lá ainda.
Ok, poderia respeitar isso.
Ele ficou de pé e segurou sua mão em minha direção. —
Posso levá-la para casa pela floresta?
Peguei a mão dele. E a faísca estava lá, nunca se foi.
Andamos em silêncio e, quando chegamos à minha
casa, agradeci.
Suas mãos estavam enfiadas nos bolsos e balançavam
de um lado para o outro, como se ele tivesse algo em mente
que estava tentando compartilhar.
— O que é isso?
— As margaridas eram a flor favorita da minha mãe.
Eu as plantei lá fora para ela e ouvir que esse era o
nome da sua filha fez parecer… — Ele riu para si
mesmo e balançou a cabeça. — Destino.
Sorri de orelha a orelha. — O que é isso? Jax Kilter
acredita no destino?
— Não se entusiasme. Estou apenas dizendo. — Ele se
mexeu desconfortavelmente enquanto olhava para meu
quintal. — Posso ajudá-la com o paisagismo da sua casa, se
você precisar de uma mão. Tenho certeza de que Lars desistir
tornou difícil encontrar outra pessoa. Minha mãe era
paisagista. Eu costumava ajudá-la quando era mais novo e fiz
o trabalho no bosque. Se você precisar de uma mão, eu posso
fazer o paisagismo para você.
Minha mãe era paisagista.
A palavra ‘era’ se destacava mais do que eu queria.
Oh, Jax.
Deixe-me te abraçar.
Meus lábios se separaram em choque com a oferta dele.
— Sério?
— Eu não preciso da comissão. Connor vai me ajudar
com o projeto.
— Eu… isso… — Eu lutei contra o desejo de envolver
meus braços em torno dele e cheirá-lo. — Sim. Por favor. Isso
seria incrível.
— Vou buscar suprimentos e começar ainda esta
semana. Se você tem um projeto, me avise. Caso contrário, eu
posso juntar algumas plantas e dispor por aqui. Basta fazer
uma lista de suas flores favoritas e quais não quer, quaisquer
conceitos que você queira incluir, e podemos começar a partir
daí.
— Isso seria bom.
— Ok. É melhor eu ir.
— Mais uma vez obrigada, Jax, por ouvir as histórias
sobre meus pais e minha filha.
— Vou ouvir todas as histórias que você contar sobre
eles sempre que quiser compartilhar.
E desapareceu de volta na floresta, e as borboletas que
ele deixou comigo? Elas continuaram tremulando.
Jax
— PAUSA, volte. Respire fundo. Você está me dizendo,
que estamos entrando no mundo do paisagismo agora? —
Connor perguntou enquanto se sentava à minha mesa
comendo a pizza que eu pedi para nós. Ele ainda não sabia
que a pizza era um suborno. Normalmente, eu teria feito
batatas fritas com couve e um shake de proteína.
Enfiou a pizza na boca, sem saber para onde estava indo
essa conversa. — Puta merda.
— Linguagem, — eu ordeno.
— Bolas sagradas!
— Não muito melhor.
— Não, você não vê, Jax? Isso é ótimo! Todo mundo sabe
que meu número da sorte é três, que é exatamente o que esse
próximo empreendimento será para mim! Terei três negócios
antes dos dezoito anos. Quantas empresas Bill Gates tinha
aos dezessete? Aposto que não eram três, com certeza.
— Vendo como você tem apenas um negócio em
funcionamento, não vamos nos antecipar.
— Sim, tudo bem, sócio. Você entendeu, — ele disse, me
batendo no ombro. — Você quer que eu invente um nome
para o negócio? Talvez eu crie alguns cartões de visita e
slogans? Que tal agora? Aparamos seus arbustos e
fertilizamos seu solo? Oh! Oh! Ou dois homens e uma
enxada?
— Connor. Segure sua agitação. Não estamos
começando uma empresa de paisagismo. Estamos apenas
ajudando uma mulher que demitiu Lars.
— Lars, — ele resmungou. — Nossa concorrência.
Eu nem iria me aprofundar no motivo pelo qual Lars
não era nossa concorrência, vendo que não tínhamos uma
empresa de paisagismo. Nem valia a pena falar. — Um
trabalho, e então terminamos, você entende? Liguei para você
para ver o projeto que eu rascunhei. Apanhei alguns layouts
da propriedade, e temos bastante liberdade sobre o que
podemos fazer.
O único pedido de Kennedy? Margaridas e flores azuis.
Eu não pude deixar de sorrir com o pedido das
flores azuis – era com certeza um pedido para
enlouquecer os vizinhos intrometidos e críticos. Isso parecia
muito com a velha Kennedy que eu conhecia. A que nunca se
importou com a opinião dos outros.
Connor esfregou as mãos. — Vamos usar o material
mais caro para aumentar os custos. Além disso, falando em
custos, quanto estamos cobrando por esse projeto? Porque,
conhecendo-o, provavelmente estará nos desvalorizando.
Precisa mesmo aumentar os preços nos serviços de
canalização mais cedo ou mais tarde. Quando se trata desses
canos, Jax, você é um artista e se você se desvaloriza, o resto
do mundo também o fará.
Eu nunca revirei os olhos com tanta força. — Não
estamos cobrando por este projeto.
Seus olhos se arregalaram e ele inclinou a cabeça em
descrença. — Uh, repita por gentileza?
— Estamos fazendo isso como um favor.
Ele riu. Connor riu tanto que se inclinou e caiu em um
ataque de riso. — Oh meu Deus, minha mãe sempre diz que
preciso limpar a cera dos meus ouvidos. Então, me perdoe
por ouvir você errado, então você pode repetir o quanto estou
sendo pago por esse show?
— Nada. Nada. Nada. É um projeto passional.
— Minha paixão, Jax, é dinheiro.
Suspirei enquanto beliscava a ponta do meu nariz. —
Eu não posso assumir tudo sozinho, Connor. Vou precisar da
sua ajuda.
— E eu vou precisar de fundos. Desde quando você faz
favores para alguém fora a Joy? De quem é o quintal?
— Kennedy Lost. A garota nova.
— Oh meu Deus. — Connor deu um sorriso sinistro e
começou a me cutucar no braço. — Isso é uma coisa do tipo
um convite pra sexo? Vocês estão trepando?
— Nunca diga trepando novamente… como… nunca.
— Escute, se vocês estão trepando, é algo que eu posso
deixar passar. Estou dentro com a ideia do meu irmão dar
uma foda, e se precisarem que eu plante algumas sementes
como seu amigo, eu estou dentro. Você está fazendo o jardim
dela para entrar no jardim dela? Está tentando plantar
alguns pepinos ao lado do seu pessegueiro? Será que há uma
berinjela de tamanho exagerado?
— Connor! — Eu gritei. — Cala a boca.
Ele não conseguia parar de rir de si mesmo. Mesmo que
ele não estivesse me divertindo, ele estava muito entretido.
Eu juro, que esse garoto era seu maior fã.
— Não estou dormindo com ela, — disse, esperando
encerrar com isso.
Ele levantou uma sobrancelha. — Sem sexo?
— Sem sexo.
— Talvez preliminares?
— Não.
— Um pequeno trava-língua?
— De modo nenhum.
Eu nunca o vi parecer tão decepcionado. Ele empurrou
as mãos contra a borda da bancada, balançando a cabeça em
total descrença. — Tudo bem, eu vou sair.
— Connor, vamos lá. — Eu fiz uma careta e suspirei. —
Por favor.
Ele se virou para mim como se eu tivesse duas cabeças.
— Você… você acabou de dizer, por favor? — Ele perguntou,
colocando as mãos contra o peito em choque. — Nunca na
minha vida ouvi você dizer a palavra, por favor, para mim!
— Não seja tão dramático.
— Eu não estou sendo dramático. Você nunca disse,
‘por favor’, para mim. Nunca.
— Porque é importante para mim.
Eu não podia acreditar que estava implorando para um
garoto de dezessete anos me ajudar nesse projeto.
Desesperado nem sequer me definia.
— Ok, mas eu tenho algumas regras.
— Dispara.
— Três vezes por semana, nós comeremos porcaria no
almoço.
Estreitei os olhos e cruzei os braços. — Duas vezes por
semana.
— Quatro vezes por semana e teremos um acordo.
— Sem chance, — ele começou a se afastar, e eu gemi —
tudo bem, três vezes por semana.
— Ok legal. E! Você tem que comparecer à minha festa
de aniversário que você perdeu no ano passado porque disse
que estava ocupado, o que – a propósito – eu sei que não
estava ocupado porque você não tem amigos, portanto não
havia nada com que estar ocupado. Estou fazendo dezoito,
então é um negócio enorme, Jax! Minha mãe está dando a
maior festa, e eu tenho as maiores notícias do mundo para
anunciar na minha festa, e preciso que meu parceiro no
crime esteja lá, então você tem que vir.
— Bem. Combinado.
— É uma taxa de vinte e cinco dólares, mas para você,
terá que ser cem.
Esse punk estava realmente me dando muito trabalho.
Eu levantei uma sobrancelha. — Muito bem. Terminou?
Ele estendeu a mão em minha direção. — Negócio
fechado, sócio.
— Chefe, — eu corrigi enquanto apertava sua mão.
— Tanto faz. Para mim, estamos em uma parceria de
cinquenta e cinquenta a partir de agora. — Ele fechou a caixa
de pizza e a pegou como se eu lhe oferecesse a coisa toda. —
Tenho de chegar em casa para procurar o que é preciso para
ser um paisagista, e ser um profissional pela manhã. Envieme
um e-mail com as suas plantas, e eu vou melhorá-las.
— Obrigado, Con.
Seus olhos se arregalaram. — Por favor, e obrigado em
uma conversa? É melhor eu dizer à minha mãe para jogar na
loteria hoje à noite, porque estou com sorte. A propósito, se
não usarmos dois homens e uma enxada para o nosso slogan
na empresa de paisagismo, devemos considerar dois homens
e uma chave inglesa para a de canalização. Tem um toque
legal.
— Boa noite, Connor.
— Noite, Jax.
CONNOR NÃO ESTAVA BRINCANDO QUANDO disse que iria
em casa pesquisar os meandros do paisagismo. Quando nos
encontramos novamente para pegar suprimentos, ele estava
bem equipado com seu conhecimento em ferramentas,
plantas e terra.
Ninguém jamais poderia dizer que ele não era um
trabalhador esforçado. Ele colocava tudo de si em todos os
projetos que assumia. Depois de chegarmos à propriedade de
Kennedy para iniciar o jardim, Connor atacou o quintal
enquanto eu tomava a frente.
Depois de oferecer água para Connor e eu, Kennedy
voltou para a varanda e pegou seu material de leitura. Eu não
conseguia parar de olhar sempre que ela ria alto. Sua risada
era um dos sons mais bonitos que eu já ouvi. Na verdade,
mesmo quando ela não estava rindo, eu ainda estava olhando
para ela.
Às vezes ela me pegava, e eu afastava o olhar
rapidamente. Outras vezes, eu dava um meio sorriso antes de
voltar ao trabalho. Quando uma garotinha passou andando
pelo jardim da frente em sua bicicleta, com o pai
segurando-a com firmeza, os olhos de Kennedy se
levantaram do livro e caíram na dupla de pai e filha.
Eu vi a luz em seus olhos desaparecer ao assistir os dois
interagindo. Foi da mesma maneira quando viu a menininha
tomando sorvete. Será sempre assim para ela? Toda vez que
ver crianças, sua mente congelaria em um entorpecimento de
confusão e agonia?
— Sun, — gritei, separando Kennedy de seus próprios
pensamentos.
Ela virou na minha direção e inclinou a cabeça. — Sim?
— Com quem você fala?
— O que você quer dizer?
— Com quem você fala sobre tudo o que passou?
Ela me deu um sorriso quebrado e deu de ombros. —
Ninguém. Está tudo bem. Estou bem.
— Você deveria conversar com um terapeuta, ou algo
assim. Eles podem ajudar. — É verdade que eu não estou
cem por cento consertado, mas gosto de pensar que nenhum
ser humano nesta Terra estava cem por cento curado de
tragédias do passado. No entanto, acho que conversar com
Eddie ao longo dos anos me ajudou. Às vezes, era bom ter
uma pessoa profissional para estender a mão.
— Eu estou bem, Jax. — Ela mostrou um falso
sorriso. — Não se preocupe comigo.
E voltou a seu livro, e eu fiz exatamente o oposto do que
ela disse, fiquei preocupado. Enquanto ela continuava lendo,
eu continuei pensando.
— Olá? Terra para Jax? — Connor disse, andando na
minha frente e acenando com as mãos. — Cara, você está
surdo? Estou chamando você nos últimos dois minutos e
você está em um tipo de atordoamento estranho olhando para
Kennedy como um psicopata.
Balancei minha cabeça. — O que? Eu não estava
olhando para ela.
— Sim, você estava. — Ele estreitou os olhos quando
Kennedy se levantou para entrar na casa. E pegou a pá das
minhas mãos. — Pensei que você disse que vocês dois não
estavam transando.
— Nós não estamos.
— Então por que você está comendo ela com os olhos
em público?
— Não diga comendo, — eu gemi.
— E não evite minha pergunta.
— Você não entende. Kennedy e eu temos uma…
história.
Ele balançou as sobrancelhas, satisfeito.
— Não é esse tipo de história, idiota. Não fique animado
— expliquei. Costumávamos ser melhores amigos quando
éramos crianças. Foi há muito tempo, mas ela foi uma grande
parte da minha vida.
— Espera. Pausa. A gostosa Kennedy costumava ser sua
melhor amiga?
— Sim.
— O que vocês são agora?
— Nada. Somos apenas duas pessoas que moram no
mesmo bairro.
Connor riu. — Mas você quer mais. Ela quer mais? Ela
quer ser sua amiga ou algo assim?
— Não, quero dizer, eu não sei. — Porra, estava
realmente tão quente lá fora? Eu estava suando? Porque
Connor estava me fazendo tantas perguntas? — Quero dizer,
ela mencionou querer ser minha amiga um tempo atrás na
floresta, mas imaginei que era só porque ela se sentia mal por
mim.
— Hurrg, — ele grunhiu. — Ela quer ser sua amiga.
Parei.
Refleti.
E neguei.
— Não. Acho que não.
Connor riu e revirou os olhos. — Para um cara grande e
forte que administra seu próprio negócio, às vezes você é tão
estúpido. Se este não é um filme da Disney, eu não sei o que
é. Você é a Elsa e ela é Anna, e você precisa sair com ela. Não
a faça implorar para você construir um boneco de neve.
Apenas faça.
Estreitei meus olhos. — Você costuma fazer referência
ao filme Frozen para suas conversas motivacionais?
— Parece que você sabe exatamente o que minha
referência significa, então funcionou. Quero dizer, diabos,
Jax. Olha, você tem essa mulher, essa mulher incrivelmente
bonita, que está pedindo para ser sua amiga e compartilhar
sua companhia com você, e você recusou? Você está louco?
— Eu me ofereci para ajudar com seu quintal.
— O que isso tem a ver com sair com ela? Cara. Eu sei
que posso ser chato e dramático, mas você deve ser amigo
dela. Você precisa de mais amigos além de mim.
— Desde quando somos amigos? — Eu brinquei.
— Não brinque com meus sentimentos, Jax. Você sabe
que eu sou sentimental. Realmente. Apenas a convide para
sair. Qual é o pior que poderia acontecer?
Dei de ombros. Ela pôde perceber que eu não era digno
da sua amizade. Eu não disse isso, no entanto. Parecia
temperamental demais, até para mim.
— Apenas encontre algo que ela goste e saia com ela
fazendo essas coisas. Então, pode ficar ainda melhor que
isso, porque você sabe qual a melhor coisa que isso poderia
acontecer? — Perguntou Connor.
— O que?
ar.
— Amigos com benefícios. — Ele começou a esmurrar o
— E esse é o fim desta conversa.
— Convide-a para sair, Jax.
— Não.
— Convide-a para um encontro como amigos.
— Não.
— Basta perguntar a ela
— Tudo bem! — Gritei, jogando minhas mãos no ar. —
Se eu pedir para ela sair, isso fará você calar a boca?
— Obviamente. Não se preocupe, você pode me
agradecer mais tarde.
Jax
DEIXEI Connor na casa dele, disse olá para sua mãe e
verifiquei se eles precisavam de alguma coisa. Ela recusou,
mas me agradeceu pela oferta. Antes de ir visitar meu pai, fiz
uma parada na casa de Eddie e Marie. Enquanto tocava a
campainha, senti um nó se formando no meu estômago.
Quando Eddie chegou à porta, ele pareceu perplexo ao me ver
ali, mas um pequeno sorriso curvou em seus lábios.
— Você perdeu outra consulta, — comentou, abrindo a
porta para falar comigo.
— Sim, eu sei. Estive ocupado. Escute, posso falar com
você rapidinho?
Seus olhos se iluminaram com esperança quando ele se
afastou. — Sim, claro. Meu sofá está sempre aberto para
você, Jax. Entre.
Entrei na casa, esfregando as mãos.
Marie saiu da sala dos fundos e sorriu feliz quando me
viu. — Oi, Jax. Como vai você? Eu não te vejo desde as boli...
— Marie, você pode fazer um café para nós? Vamos
realizar uma sessão de improviso na sala de estar. — Eddie
claramente não queria falar sobre a última vez em que cruzei
com Marie e a pia do banheiro.
Eu sorri um pouco para meu terapeuta irritado. — Não
preciso de café. Não vou ficar muito tempo.
— Você tem certeza? Eu tenho todo o tempo do mundo
para você, Jax. Realmente, não é um problema. Eu sei tudo o
que está acontecendo com seu pai...
— Isso não é sobre o meu pai, — disse.
— Oh? — Ele se sentou na poltrona da sala e juntou as
mãos enquanto eu me sentava no sofá. — Então é sobre o
que?
— Sua vizinha, Kennedy. A nova garota.
— Bem, não era isso que eu esperava que você falasse,
mas se houver uma nova mulher em sua vida depois de
Amanda, estou mais do que…
— Não, ela não está na minha vida. Quero dizer, ela
esteve em uma época, mas não está mais. Estou apenas
ajudando-a com seu paisagismo.
— Como assim, ela estava em sua vida?
— Ela costumava ser minha melhor amiga quando
éramos mais jovens. Fomos juntos ao acampamento de verão.
As sobrancelhas de Eddie franziram, e ele assentiu
muito lentamente, como terapeuta. — Intrigante.
— Não, não é. Não é nada.
— Oh?
— Pare com isso, Eddie. Não é por isso que estou aqui.
Não estou aqui para falar sobre meu passado com Kennedy
ou mergulhar profundamente em minha psique. Minha visita
não tem nada a ver comigo.
— Então… por que você está…?
— Ela precisa da sua ajuda.
Eddie coçou a lateral de sua barba grisalha. — Jax, não
é assim que funciona.
— Ela passou por um trauma. Ela perdeu os pais e a
filha em um acidente de carro pelo qual se culpa. Ela nem
consegue ver uma criança sem ser atingida por um ataque de
pânico. Joy me disse que Kennedy não dirige por causa do
acidente e não falou com nenhum profissional sobre seus
problemas.
— Lamento ouvir isso, Jax, mas não posso oferecer
ajuda sem ela…
— Você não precisa ser seu terapeuta, Eddie. Só… eu
não sei, seja curioso como o resto das pessoas desta cidade e
apareça para fazer uma visita como vizinho. Ela está
quebrada e só precisa de alguém com quem conversar.
— Ela não pode falar com você?
— Eu não sei como consertá-la.
— Eu também não, Jax. Além disso, como terapeuta,
não consertamos as pessoas, porque, na minha opinião, elas
não estão quebradas. Eles são apenas complexas.
— Sim, bem, basta ver suas complexidades.
— Ja…
— Porra, Eddie, — eu gritei, saltando do sofá. Fiz um
gesto na direção da casa de Kennedy. — Ela está se afogando.
Está naquela casa sozinha e está se afogando em suas
memórias e culpa. Eu sei como é isso. Eu sei como é me
afogar em toda essa merda, mas, pelo menos, eu tive você.
Pelo menos eu tinha alguém com quem conversar ao longo
dos anos. Kennedy não tem ninguém. Por favor, Eddie.
Apenas… — Suspirei e esfreguei as mãos no rosto. — Ajudea.
Eu olhei para ele e vi a culpa em seus olhos.
Ele não iria ajudá-la.
Foda-se.
— Você sabe o que? Deixa pra lá. Foi estúpido eu vir
aqui. Desculpe por desperdiçar seu tempo.
— Você não me fez perder tempo, Jax. Isso é bom. Tudo
isso é bom para o seu progresso, — ele disse enquanto se
levantava da poltrona.
— Meu progresso? Eu disse que isso não era sobre mim.
Ele me deu um olhar confiante, e eu odiei.
— Ela era sua melhor amiga, — afirmou. — Não é
chocante que seus sentimentos tenham ressurgido sobre ela
com sua chegada à cidade. Isso é completamente normal e
você não precisa se assustar com seus sentimentos. Sua
preocupação é justificada.
— Não estou assustado com os meus sentimentos
porque não estou sentindo nada sobre isso. O que você não
entendeu? Eu estou bem. Estou curado. Eu fiz minha
terapia.
— Você está curado? — Ele perguntou, enfiando as
mãos nos bolsos da calça.
— Sim. Eu fiz o trabalho. Eu melhorei.
Ele estreitou os olhos e balançou para frente e para trás.
— Como estão as coisas com seu pai, Jax?
Minhas mãos se fecharam em punhos e minhas unhas
começaram a cavar minha pele. — Não faça isso, Eddie.
— Fazer o que?
Ele sabia exatamente o que eu quis dizer. Não precisava
falar com ele sobre meu pai. Eu estava lidando com isso.
Estava passando por isso. E estava bem. Eu estava mais do
que bem. Eu estava melhor, era Kennedy que precisava de
seus olhares de terapeuta. Era ela quem estava
desmoronando.
— Esqueça. Estou indo embora. Obrigado..., —
murmurei, caminhando em direção a porta.
Eddie me seguiu, e quando eu pisei na varanda, ele
falou. — É bom que ela tenha você. Talvez seja disso que ela
esteja precisando mais do que terapia – apenas alguém para
estar lá com ela.
— Eu não sou uma boa pessoa para estar lá para os
outros, doutor. Essa merda não funciona para mim.
— Todo dia é uma nova oportunidade para tentar
novamente. Talvez você possa renovar sua amizade anterior
com Kennedy. Isso pode ser curativo para vocês dois.
O que há com essas pessoas? Primeiro Connor estava
me dizendo para construir um maldito boneco de neve com
Kennedy e agora Eddie estava me pressionando para
fazer amizade com ela também. E tinha certeza de que
Joy entraria naquele trem em breve.
O que eles não entenderam? Eu não precisava de um
amigo. Eu só queria que Kennedy recebesse a ajuda que ela
merecia. Ela já foi tão vibrante, tão brilhante e cheia de luz, e
agora? Sua luz havia desaparecido, o que era uma vergonha,
porque ela era o tipo de luz que fazia até a alma mais escura
parecer brilhante.
Passei a mão pela boca. — É injusto. Ela é boa, Eddie.
Ela é tão boa. Ela não merece esse tipo de sofrimento.
— Ninguém merece, Jax, incluindo você. Quando não
podemos nos apoiar, é bom ter outras pessoas por perto. —
Eu sorri para ele e, para minha surpresa, Eddie falou mais
uma vez. — Vou dar uma olhada nela. Você sabe, como um
bom vizinho.
Meu coração congelado? Puta merda, começou a bater
novamente.
— Sério? — Eu perguntei, com minha voz falhando.
— Sim. Tenho certeza de que não levamos uma torta
para ela como o resto das pessoas nesta cidade. Eu estava
tentando evitar ser esse clichê, mas não pode doer.
— Obrigado, Eddie, — eu disse, mais sincero do que
nunca.
Ele assentiu uma vez e virou-se para voltar para sua
casa.
— Biscoitos de chocolate, — eu gritei. — Esses sempre
foram seus favoritos.
— Biscoitos de chocolate – um clássico. Boa noite, Jax.
— Boa noite, Eddie.
Após minha visita a Eddie, parei na casa de repouso
para ler os capítulos de meu pai. Ele estava muito mais
agressivo naquela noite e irritado com tudo e todos, inclusive
eu. Não consegui ler muito para ele e quando cheguei em
casa, não conseguia parar de me lembrar das maneiras como
ele costumava ficar tão irritado comigo pelas coisas mais
estranhas. Eu gostaria de poder desligar meus pensamentos.
Eu queria poder fazer minhas memórias desaparecerem, mas
não consegui. Quando cheguei em casa, me servi de um copo
de uísque antes de cair na minha cama e a exaustão me
engolir.
Jax
Doze anos de idade
Ano dois do acampamento de verão
— ISSO É UM CARDEAL! — Kennedy gritou, apontando para
o céu enquanto usamos nossos binóculos no último dia de
acampamento. Na metade do tempo em que ela encontrava
um pássaro, era o pássaro errado, mas eu não a corrigi. Ela
estava muito feliz em encontrá-lo, então a deixei achar o que
ela queria achar.
Além disso, no momento em que lhe explicaria o
verdadeiro pássaro, ela já estaria em outro. Sua mente se
movia tão rápido, e eu nem sempre conseguia acompanhá-la,
mas tudo bem, porque eu só gostava de tê-la por perto.
Eu odiava a velocidade com que o verão passou e, se
pudesse, teria feito de Kennedy minha vizinha para que
pudéssemos nos ver o tempo todo. Como seria mais um ano
inteiro sem vê-la?
Talvez minha mãe me levasse para visitá-la, ou Kennedy
poderia me visitar.
Quando chegou a hora de pegar nossas malas, eu estava
com um nó no estômago. Eu não queria que ela fosse. Pela
primeira vez naquele verão, Kennedy também ficou quieta. Eu
não sabia se deveria perguntar a ela sobre seu silêncio,
porque não queria falar disso se ela não o fizesse.
Honestamente, tudo em que eu estava pensando era que
eu queria beijá-la novamente antes de partirmos, e não
queria beijá-la na frente de sua família ou da minha, porque
seria nojento. Derek provavelmente zombaria de mim para
sempre se ele me pegasse beijando uma garota, mesmo que
essa garota fosse Kennedy.
— Você está bem? — Eu finalmente perguntei quando
nos sentamos em cima da grande rocha em frente à entrada
principal do acampamento, esperando nossos pais virem nos
buscar.
— Sim, — ela murmurou quando uma lágrima caiu em
sua bochecha. — Vou sentir muito a sua falta mais do que da
última vez, porque agora eu sei muito mais sobre você, o que
significa que tenho muito mais a perder, e isso me deixa
triste.
— Oh. — Eu não era tão bom em explicar meus
sentimentos como Kennedy. Ela era boa nisso. E eu era
bom em escrevê-los.
Em vez disso, eu apenas a abracei. — Você é minha
melhor amiga, — sussurrei.
Ela me apertou e disse o mesmo de volta para mim.
— Então você é o garoto que fez minha filha se tornar
uma escritora melhor, — disse uma voz, me fazendo soltar
Kennedy. Eu olhei para cima e vi um adulto que se parecia
com Kennedy, e não parecia de alguma maneira.
— Papai! — Kennedy levantou-se e o abraçou, e ele a
levantou e começou a girá-la em círculos. — Senti sua falta!
— Eu também senti sua falta, querida! — Disse,
parecendo tão animado quanto sua filha.
— Tenho certeza de que você também tem mais amor
para dar à sua mãe e irmã, — disse a Sra. Lost, pulando com
a irmã de Kennedy em busca de abraços.
Eu mal podia esperar para abraçar minha mãe da
mesma maneira. Eu gostava muito de ver Kennedy, mas
também sentia muita falta de mamãe.
— Jax, ouvimos coisas maravilhosas sobre você, — disse
a Sra. Lost, olhando na minha direção. Ela era realmente
parecida com Kennedy. Talvez fosse o sorriso que era muito
parecido. — E como vocês tiveram mais um ano de sucesso
no acampamento de verão, pensei que talvez devessem
acrescentar uma memória ao Lost-móvel. — Ela pegou
algumas canetas e Kennedy chiou de alegria.
— Sim! — Ela gritou, arrancando os marcadores da mão
da Sra. Lost. Então agarrou minha mão na dela e me puxou
rapidamente. — Vamos lá, Jax! Vamos fazer uma coisa!
Eu ri. — Você realmente quer que eu desenhe no seu
carro? — Eu perguntei nervoso. Papai teria me matado se eu
riscasse no carro dele. Uma vez, acidentalmente, derramei
refrigerante no banco de trás e recebi uma surra como
nenhuma outra.
— Sim! É o nosso carro da memória. — Ela me entregou
um marcador. — Desenhe como quiser que este verão seja
lembrado, ok?
Mordi meu lábio inferior e tirei a tampa do marcador.
Depois de pensar um pouco, comecei a desenhar um coração
e coloquei nossas duas iniciais nele.
— Pronto, — eu disse, entregando a ela a caneta.
No fundo, Kennedy escreveu Amigos para sempre, e eu
sabia que era verdade.
Para sempre e sempre.
Enquanto estávamos de pé ao lado do carro dela, rindo
com sua família, a caminhonete do meu pai parou no
acampamento.
No momento em que me viu, ele começou a buzinar e a
gritar comigo. — Jax! Traga sua bunda aqui para que
possamos ir.
Meu estômago começou a doer porque eu estava
envergonhado. Onde estava mamãe? Por que ela não veio me
pegar? Cometi o erro estúpido de fazer essa pergunta ao meu
pai, o que o obrigou a sair do carro. Ele estava xingando
enquanto caminhava em minha direção.
— Ela está doente, será que isso importa? Eu lhe disse
para entrar no carro. Vamos embora, — bradou ele.
O pai de Kennedy deu um passo à frente com um
sorriso. — Agora, vamos lá. Esse nível de raiva não é
realmente necessário. As crianças estavam apenas se
despedindo, só isso.
Papai o olhou de cima a baixo. — Que tal você cuidar da
sua vida?
— Tudo bem, pai, — eu disse, com meu corpo tremendo.
— Vamos. Estou indo.
Pude ver o olhar de choque em toda a família de
Kennedy pela maneira como papai estava agindo. Como ele
não percebeu? Como ele não viu como estava me
envergonhando? Como ele não viu como estava sendo mau?
Pegou minha bagagem e arrastou-a para longe
antes de jogá-la na traseira da carroceria do carro.
Eu me virei e dei um sorriso fraco para a família de
Kennedy. — Foi um prazer conhecer todos vocês. Tenham um
bom dia, — falei.
O pai de Kennedy tocou minha cabeça e me deu um
sorriso quando ele se abaixou para mim. — Você está bem,
Jax? Você está bem com seu pai? Tenho certeza de que
podemos levá-lo para casa, se precisar ou...
— Jax! Traga sua bunda aqui! — Papai gritou, me
fazendo saltar. Eu sabia que quanto mais o chateava, pior
seria para mim.
— Eu estou bem, Sr. Lost. Obrigado. Eu tenho que ir...,
— gaguejei. Naquele momento, eu desejei que ele pudesse ter
sido meu pai. Kennedy não sabia a sorte de ter alguém legal
como ele. Alguém que não gritava com ela e a chamava de
nomes feios.
Kennedy me emboscou em um abraço apertado. Ela
esmagou nossas bochechas juntas, e eu senti suas lágrimas
contra a minha pele. — Sinto muito que ele seja tão mau,
Jax.
— Está tudo bem, — sussurrei. — Estou bem.
Ela me abraçou mais forte antes de falar baixinho. — Se
você precisar fugir, corra para mim.
Jax
Presente
HOUVE uma batida na porta da frente e levantei-me
rapidamente para atender. De pé na chuva torrencial estava
Kennedy com um olhar intenso em seus olhos. Ela estava
encharcada da cabeça aos pés, vestindo apenas um top
branco e shorts.
— Oi, — ela disse sem fôlego, sacudindo a água de seus
cachos. — Você está bem?
Eu levantei uma sobrancelha. — O que?
— Eu ouvi sobre seu pai. As pessoas estavam
conversando na cidade. Eu só queria verificar você e ter
certeza de que estava bem. Só posso imaginar com o que você
está lidando.
Eu arranhei minha barba. Quando começou a chover?
Quando eu fui para a cama, estava agradável e quente lá
fora. — Uh, sim. Eu apenas o vi. Ele está bem. Você
veio me checar?
— Claro que sim, Jax. Eu queria ter certeza de que você
estava bem. Posso entrar?
O que diabos está acontecendo? Eu queria perguntar
isso a ela, mas sinceramente uma parte maior de mim a
queria em minha casa comigo. Fiquei sozinho por muito
tempo; alguma companhia seria agradável.
Eu andei para o lado e ela entrou, tremendo por estar
molhada.
— Vou pegar para você… — Antes que eu pudesse
terminar meu pensamento, Kennedy bateu seu corpo no meu.
E seus mamilos duros pressionaram sua blusa quando ela
me puxou para um abraço, e eu tentei o meu melhor para
ignorar a sensação que seu corpo molhado estava enviando a
mim – ou, mais ainda, enviando diretamente para o meu pau
latejante.
— Sinto muito, Moon, — ela sussurrou, passando os
braços em volta do meu pescoço, me puxando mais contra
ela. — Eu sinto muito.
Antes que eu pudesse responder, seus lábios
pressionaram meu pescoço e ela me deu pequenos beijos. —
Me desculpe, eu só… Jax, senti sua falta. — Ela beijou a base
do meu pescoço novamente, desta vez rolando a língua
por minha pele. — Você também sentiu minha falta?
Você sentiu minha falta, Jax?
Suas palavras gotejavam com carinho e admiração
quando eu a envolvi e a levantei contra mim. E a pressionei
contra a parede, fechando meus olhos quando minha testa
caiu na dela. — Kennedy, você não deveria estar aqui. Não
deveríamos estar fazendo isso...
Seus lábios roçaram os meus. — Eu sei, mas ainda
assim… — Ela pegou meu lábio inferior no dela e chupou-o
gentilmente. — Eu quero fazer isso. Por favor, Jax… depois de
todos esses anos… depois de te perder por tanto tempo… não
consigo parar de pensar em você. Você pensa em mim
também? — Ela abriu os olhos e olhou nos meus. — Você
pensa em mim tanto quanto eu penso em você?
— Sim. — Suspirei enquanto minhas mãos estavam
entrelaçadas nas bochechas da sua bunda. — Deus,
Kennedy, penso em você o tempo todo.
— Mostre-me seu quarto, — ela sussurrou contra o
lóbulo da minha orelha antes de chupá-lo. Claro, meu
coração ainda estava congelado, mas meu pau cresceu três
tamanhos naquela noite. O que ela está fazendo comigo?
Inferno, eu não me importei. Eu só queria que ela
continuasse fazendo isso.
Levei-a para o meu quarto e a deitei em meus lençóis.
Apressadamente, ela jogou o top para o lado, soltou o
short e depois deslizou-o pelas pernas longas e
tonificadas, juntamente com a calcinha rosa.
Eu fui a seguir.
Joguei minhas roupas para o lado e, antes de me mover
para ela, examinei-a com cuidado. A garota que eu
costumava chamar de minha melhor amiga não era mais
uma garota. Não, ela era uma mulher adulta com o corpo
mais perfeito que eu já vi em toda minha vida. Seus seios
eram cheios e redondos, seus mamilos duros e suas curvas –
caramba. A maneira como seu corpo se curvava parecia uma
obra de arte que merecia ser exibida em um museu.
No entanto, era tudo meu.
Seus olhos vagaram para o meu pau latejante, que eu
estava acariciando na minha mão enquanto analisava seu
corpo. Ela entortou o dedo indicador e gesticulou para que eu
fosse com um sorriso diabólico nos lábios. Eu fiz como ela
ordenou, elevando-me sobre ela enquanto me abaixava em
seu corpo. Meus lábios dançaram nos seus, e ela gemeu
quando colocou as mãos nas minhas costas e me puxou para
mais perto. Meu pau roçou em sua entrada, enquanto ela
abria ainda mais as pernas para mim.
— Por favor, — ela implorou, com seus olhos de mel
olhando para mim, e para minha alma. — Eu quero todo
você, Jax. Cada pedaço, cada centímetro. — Sua voz se
transformou em um sussurro cheio de desejo. — Fodame
com a tua escuridão.
Não precisava dizer duas vezes.
Deslizei-me profundamente dentro dela, e ela gritou de
prazer. — Mais, mais, — ela implorou, exigiu.
Eu não podia negar a ela nenhum de seus desejos e
necessidades, porque suas necessidades eram minhas. Eu a
queria mais do que eu já quis alguém, mais do que eu
imaginei precisar de algo. Seu corpo contra o meu parecia
pecado e seus lábios tinham gosto de céu. Ela era a parte
mais doce do meu passado, e eu não podia acreditar que
estava com ela no meu presente.
Seus gemidos me iluminavam cada vez mais enquanto
eu penetrava meu pau mais fundo dentro dela, enchendo-a
com cada pedaço de mim.
— Sim, sim, sim, — ela gritou, envolvendo as pernas em
volta da minha cintura enquanto torcia os lençóis nos dedos.
— Bem aí, Jax. Sim, por favor, — ela disse repetidamente.
Concentrei minha mente em apenas agradá-la. Ela era
tudo o que importava naquele exato momento. Ela era tudo
que eu queria, tudo que eu precisava, tudo que eu sempre
sonhei.
Enquanto eu bombeava mais rápido, ela inclinou a
cabeça para a esquerda, em direção à janela do meu quarto, e
ofegou levemente. — Está nevando, — sussurrou.
Que porra?
E olhei para minha janela e… eu serei amaldiçoado. A
tempestade havia mudado para uma nevasca. Desde quando
tínhamos nevasca no Kentucky no meio do maldito verão?
Ela colocou as mãos nas minhas bochechas e me fez
voltar para ela. — Concentre-se em mim, Jax, nisso, em nós,
— ordenou. — Mantenha seus olhos em mim.
Fiz o que ela pediu, deslizando mais fundo nela,
puxando devagar e batendo rápido. Porra, ela estava tão
gostosa contra o meu pau. Tão molhada, e eu sabia que sua
umidade era para mim. Amei que conseguia fazer isso com
ela.
— Você… — Ela respirou pesadamente. — Você quer…
— Ela suspirou, rolando seus quadris com força contra mim.
— O que? Diga e eu farei, — garanti.
— Você quer… oh Deus, sim, bem aí, Jax…
— Diga, — eu exigi. — Diga-me o que você quer.
Seus olhos se encontraram com os meus e, no tom mais
sincero, ela disse: — Você... — Gemeu. — Quer… — e
começou a nevar sobre nós. — Brincar... — À beira de um
orgasmo. — Na... — Sério, estava nevando na minha cama. —
Neveee? — Ela gritou, arrastando a palavra enquanto gozava
em volta do meu pau, deixando-me atordoado e confuso
quando a neve caiu sobre nossos corpos nus.
O que… que porra é essa?
SACUDI A CABEÇA AFASTANDO o sonho mais fodido que já
tive na história. — Que porra é essa?! — Eu disse, olhando
para o meu pau bem acordado. Eu não conseguia entender o
fato de que tinha acabado de ter um sonho erótico com
Kennedy Lost... que se transformou em um single da Disney.
Não há mais uísque antes de dormir.
E não permitir que Connor cante músicas da Disney
enquanto estiver na minha presença.
Kennedy
— BISCOITOS DE CHOCOLATE? Agora você está falando a
minha língua. — Eu sorri enquanto olhava para o mais novo
visitante parado na minha porta.
Eddie segurou o prato de biscoitos na minha frente. —
Eu tenho que admitir que Marie os cozinhou – eu sou apenas
o entregador.
— O gesto é apreciado, — eu disse. Por alguns
momentos, um silêncio constrangedor preencheu o espaço
enquanto Eddie balançava de um lado para o outro em seus
sapatos, passando o polegar pelo nariz. Eu arqueei uma
sobrancelha. — Por que sinto que há algo que você não está
dizendo?
— Porque há algo que eu não estou dizendo? — Ele
respondeu, e sua declaração saindo como uma pergunta.
— O que está acontecendo, Eddie?
— É Jax. Ele veio até mim outro dia e perguntou
se eu poderia dar uma olhada em você, para ver como
as coisas estão indo, como um vizinho, não como um
terapeuta.
Meu estômago deu um nó. — Claro que ele fez. Não
tenho certeza do que Jax lhe disse, mas estou bem.
Sinceramente. Já passei por algumas coisas, mas estou
resolvendo meus problemas um dia de cada vez.
— Certo, é claro. E você que decide se que ajuda
profissional ou não. Na verdade, não é por isso que estou
aqui.
Ainda mais confusa indaguei. — Então, o que é?
— É Jax, — ele repetiu, desta vez com os lábios virando
para baixo. — Só me preocupo com ele, como vizinho, não
como terapeuta. Eu me preocupo que ele não esteja lidando
bem com os problemas de saúde de seu pai. Sinto como se
ele estivesse desviando suas lutas pessoais, e concentrandose
nas suas. Você acha que ele está indo bem?
Balancei minha cabeça. — Sinto muito, não tenho
certeza. Na verdade, faz pouco tempo que realmente
começamos a conversar. Éramos amigos há muito tempo,
mas ainda não tive a chance de ver Jax como um adulto.
— Sério? — Ele perguntou. — Isso é estranho, porque
ele fala sobre você como se vocês dois estivessem próximos…
o que também me confundiu, vendo como Jax não se
aproxima de ninguém. — Ele coçou a barba. — De
qualquer forma, vou parar de procurar pistas. Eu só
queria largar esses biscoitos, porque Jax praticamente
martelou na minha cabeça que eu precisava verificar para ver
se você estava bem.
Sorri. — Agradeço sua visita.
— Não é como ele, você sabe – se importar. Você
significa algo para ele, mesmo se você acha que tudo isso é
novo. Para ele vir até mim e pedir ajuda… isso é um grande
negócio para ele. Por fora, pode parecer pequeno, mas para
Jax esse é um enorme progresso em seu crescimento. Não sei
o que você está fazendo com ele, Kennedy, mas, por favor,
continue fazendo. — Ele se virou e desceu as escadas. — E se
você precisar do ouvido de um vizinho, meu sofá estará
sempre aberto.
Mordi um dos biscoitos enquanto Eddie se afastava, e
minha mente se enchia de pensamentos persistentes sobre o
que significava Jax procurar alguém para me ajudar. Eu
simplesmente esperava que ele estivesse buscando ajuda
para si mesmo também.
EU NUNCA SOUBE QUE O paisagismo poderia ser
extremamente sexy antes do dia em que observei Jax
pegar uma pá. Todo dia que ele e Connor apareciam,
eu encontrava razões para estar do lado de fora, e cada vez
que pegava Jax olhando para mim, eu via uma nova remessa
de borboletas enchendo meu estômago. Ele realmente não
falou muito comigo e, quando o fez, a conversa era
praticamente sobre o paisagismo.
No final de uma segunda-feira à tarde, o sol do
Kentucky batia em nós como se não tivesse o menor cuidado
em escurecer nossa pele em mais cinquenta tons. Continuei
refrescando e entregando água para os caras, pois eles
trabalharam duro o dia todo. Quando saí com uma jarra de
água gelada para encher os copos mais uma vez, quase
tropecei ao ver Jax.
Lá estava ele, sem camisa e ajoelhado na terra enquanto
estava plantando uma roseira. Seu corpo era tonificado como
uma rocha e sua pele bronzeada brilhava a luz do sol. Sua
camiseta branca estava enfiada no bolso de trás de seus
jeans, e eu estava oficialmente de volta sendo um Joe da série
Você, com vibrações de perseguição.
Sua bunda sempre foi tão redonda e encantadora?
Caramba, tudo o que eu queria era ir até ele, colocar minhas
duas mãos e apertar.
Desvie o olhar, desvie o olhar, olhe…
— Isso é para nós? — A voz de Connor disse atrás de
mim, me fazendo saltar assustada, e a jarra de água na
minha mão voou para frente, colidindo diretamente no corpo
de Jax.
— Porra! — Ele disse, levantando-se com o frio que o
envolveu. E pulou no lugar, sacudindo a água.
— Oh meu Deus, eu sinto muito! — Exclamei, correndo
até ele. — Fiquei assustada, me desculpe, — eu disse,
alcançando a primeira coisa que consegui pensar em secá-lo:
sua camiseta no bolso de trás. E agora eu estava esfregando
as mãos para cima e para baixo no peito de Jax.
Para cima e para baixo no seu abdômen.
O abdômen dele…
Assim, em seus muitos gominhos.
É uma festa de seis pessoas lá? Ou contei apenas oito? E
por que, oh, por que não consigo parar de esfregá-lo?
— Uh, acho que está bem, Kennedy. — Jax sorriu.
— Bom, bom, sim, tudo bem, — murmurei, ainda
esfregando.
Ele riu e colocou as mãos nos meus braços,
interrompendo meus movimentos. — Está tudo bem, sério.
Oh, Jax, se você soubesse o quanto estou bem agora.
— Certo, é claro. — Eu dei um passo para trás, com sua
camisa ainda na minha mão. — Desculpe, eu estava
apenas… perdi meu foco por um minuto.
Connor riu. — O que você estava olhando? — ele
brincou.
Meu rosto ficou quente e eu tinha certeza de que os dois
podiam ver o constrangimento subindo em minhas
bochechas.
— Sim, — Jax perguntou. — O que chamou sua
atenção?
Essa sua bunda, senhor!
Balancei minha cabeça. — Oh, uh, um esquilo –
perseguindo um gato, — eu soltei. O que? — Digo, um gato
perseguindo um esquilo. — Ambos arquearam as
sobrancelhas em confusão. E acenei minhas mãos. — Você
sabe o que? Não importa. Me desculpe por isso.
— Está bem. De qualquer maneira, estamos prestes a
terminar o dia, — disse Jax, passando a mão pelo cabelo
molhado. As gotas de água escorriam, e pingavam em seu
peito, e oh meu Deus, eu assisti aquelas gotas deslizarem
cada centímetro nele.
O que há de errado comigo? Fazia tanto tempo desde que
eu tinha visto um homem sem camisa que agora eu
estava fixada no peito de Jax?
Embora, sendo honestos, poucos homens possuíam
abdominais como os dele.
— Ok, eu vou começar a carregar coisas para a
caminhonete. Jax, enquanto isso, por que você não fala com
Kennedy sobre o que conversamos outro dia? — Connor
mencionou.
Jax lançou a Connor, um olhar zangado e sibilou com
os dentes cerrados. — Agora provavelmente não é a hora
certa, Connor.
— Não há momento como o agora, grandalhão, —
cantou Connor, passando por Jax e dando um tapinha em
seu ombro antes de pegar alguns suprimentos e seguir em
direção ao carro.
Eu levantei uma sobrancelha. — Está tudo bem?
Jax limpou a garganta e fez uma careta caçando o
queixo. — Um sim. É só que… bem, eu… — Ele estava
tropeçando em suas palavras e, em um instante, lembrei-me
do garoto que eu conheci. — É que, hum, Connor acha que
você precisa de amigos.
Eu fiquei mais ereta. — O quê?
Ele acenou com as mãos rapidamente. — Não, não como
se você precisasse de amigos. Digo, eu sei que você poderia
arranjar amigos se quisesse. E talvez os tenha. Ter
amigos, quero dizer, poderia fazer com que as pessoas
quisessem ser isso, sabe, seu amigo. — Afastou-se de mim e
voltou a passar as mãos pelo cabelo, murmurando um
caralho baixinho. E voltou para mim com uma careta no rosto
e estreitou os olhos. — Você quer ser minha amiga, quem
sabe? Tipo, você quer sair às vezes? Talvez riscar aquela lista
de tarefas que você fez? Quero dizer, se você quiser conhecer
esta cidade, posso levar você. Eu conheço esse lugar por
dentro e por fora. Eu posso te mostrar o mundo… de
Havenbarrow pelo menos.
Eu ri. — Você está pedindo para ser meu Aladdin?
— Algo parecido. — Ele balançava e remexia
nervosamente os pés, e mesmo quando estava sem camisa,
seu lado idiota estava saindo alto e claro. — Não tenho um
tapete mágico, no entanto. Apenas uma caminhonete
surrada.
Mordi o lábio inferior e olhei para a esquerda, onde Joy
sorria para si mesma enquanto escrevia em seu caderno. Eu
tinha quase certeza de que ela estava ouvindo e aquele
sorriso em seu rosto era da timidez de Jax.
Ele esfregou a parte de trás do pescoço e seus cabelos
caíram um pouco sobre o rosto, fazendo-o parecer muito mais
robusto e bonito. — Se você não estiver interessada, não é
grande coisa. Sim, não, é uma ideia estúpida. Desculpe, até
eu perguntar. Olha, deixe-me sair do seu...
— Podemos começar com Marshmallow na cafeteria? —
Eu o interrompi, fazendo o cara nervoso congelar.
— A cafeteria?
— Sim. Eu quero conhecer o gato da cafeteria. Além
disso, ouvi dizer que eles têm um ótimo chai latte.
— Certo. Sim, ok. — A luz que tocou os olhos de Jax fez
meu próprio coração se iluminar. — Sim, é uma boa ideia.
Tudo bem. Legal. Talvez eu possa buscá-la amanhã de
manhã? A menos que você esteja ocupada, porque se estiver
ocupada...
— Nove horas funciona.
Ele fez uma careta. — Normalmente tomo café com Joy
às nove...
— Oh, cale-se, rapaz. Vá ver o gato da cafeteria. Estarei
aqui outro dia, — gritou Joy, negando o comentário e
deixando claro que estava ouvindo nossa conversa.
Eu sorri. — Então, nos vemos às nove?
— Sim, — Jax concordou. Seus lábios se curvaram e eu
tive sorte de testemunhar. Jax não sorria com muita
frequência, então, quando sorriu, parecia à sobremesa mais
doce. Ele começou a recuar em direção a sua caminhonete,
onde Connor estava esperando. — Legal. Impressionante.
É um encontro. — Ele parou, e mexeu no nariz e se
encolheu. — Quero dizer, não como um encontro,
mas como um encontro com um amigo. Você sabe como...
— Tudo bem, isso já foi bastante constrangedor para
todos nós, então eu vou puxar esse cara. Tenha uma boa
noite, Kennedy. Jax vai te buscar de manhã, — disse Connor,
arrastando o chefe para longe. Eu ri quando ele repreendeu
Jax. — Cara! Eu disse para você ser legal, e isso foi o oposto
de legal! Você poderia ser mais estranho?
Jax disse a Connor para ele calar a boca, me fazendo
sorrir sozinha.
Connor não sabia, mas ver o embaraço de Jax deixoume
um milhão de vezes mais feliz do que eu estivera há
algum tempo. Pela primeira vez em muito tempo, as coisas
pareceram… normais.
— Obrigada, querida, — disse Joy depois que os caras
foram embora. — Ele realmente precisa de um amigo.
Se ela soubesse o quanto eu precisava de um também.
— VOU ser sincero, você pode ficar um pouco
desapontada com Marshmallow. O cara pode ser um
idiota, — explicou Jax enquanto dirigíamos para a
cidade. Eu tentei o meu melhor para não mostrar
minha ansiedade por estar em um veículo, mas estava
perdendo a batalha. Felizmente, chegamos em dez minutos.
E dei-lhe um sorriso tenso. — Nunca me decepcionaria
com o famoso gato de cidade pequena. Além disso, eu meio
que gosto dos idiotas desta cidade, — brinquei quando ele
parou e estacionou no meio-fio em frente ao café.
Ele sorriu um pouco e meu coração deu um pulo.
— Gosto quando você sorri, — eu disse, desafivelando o
cinto de segurança. — Isso me lembra do Jax mais jovem.
— Seus sorrisos me fazem querer sorrir mais, —
confessou, pulando para fora do carro.
Entramos na cafeteria e pedi minha bebida, pela qual
Jax se recusou a me deixar pagar. — Você pode pagar o meu
da próxima vez, — ele ofereceu.
Meu coração tremulou com a ideia de uma próxima vez
com ele. Ele não tinha ideia de quantas próximas vezes eu
queria com ele.
Sentamo-nos à mesa e eu continuava procurando por
Marshmallow enquanto tomava um gole do que poderia ter
sido o melhor café com leite que já bebi na vida. Só aquela
xícara era o suficiente para me manter em Havenbarrow. E o
pão de banana? Oh meu Deus, derreteu na minha boca.
— Esta é provavelmente a melhor coisa que eu já comi,
— eu gemi, lambendo as migalhas dos meus dedos.
Jax riu. — Não deixe Gary ouvir você dizer isso. Ele e o
proprietário daqui vêm discutindo há décadas sobre quem faz
os melhores pães de banana nas redondezas.
— Ok, mas eu só estou dizendo. Eu podia comer
cinquenta fatias e não me cansar. Honestamente,
provavelmente já comi mais carboidratos nas últimas
semanas em Havenbarrow do que em toda a minha vida
devido a pessoas me trazendo doces. Eu juro, tenho quase
certeza de que eles estão tentando me fazer engordar nessa
cidadezinha ou algo assim.
— Conhecendo as mulheres desta cidade, eu não
duvidaria.
— Bem, contanto que eu não possua uma balança e eu
tenha uma calça de ioga que sirva, estou bem com meu peso,
— brinquei enquanto me inclinava para frente e roubava um
pedaço do pão de banana de Jax. — Agora, onde está esse
gato?
— Provavelmente dormindo ou mijando no pé de
alguém, — disse Jax, olhando em volta. — Não estou
brincando, três anos atrás, aquele filho da puta veio até mim
enquanto eu pegava meu café e fez xixi no meu sapato – como
um psicopata.
Eu tentei o meu melhor para segurar minha risada, mas
não pude evitar. A ideia de um gato mijando em Jax me
matou. — O que você fez com ele para deixá-lo irritado?
Ele sentou-se, confuso com minha pergunta. — O que
eu fiz? Você está brincando? Eu só estava tomando meu café!
— Talvez ele estivesse chateado por você estar em seu
território. Só um idiota por café e tudo mais.
— Ele é assim com todos. — Jax deu de ombros. — Ele é
o Sr. Celebridade por essas bandas.
Eu sorri com o apelido. Ele não tinha ideia de que era
assim que eu o chamava há uma semana quando cheguei à
cidade. E manteria esse segredo pra mim.
Nesse momento, um gato branco grande e rechonchudo
saiu de trás e bocejou enquanto esticava as pernas.
— Oh. Meu Deus! — Eu gritei, saltando do meu assento.
Ele era a coisa mais bonita que eu já tinha visto em toda a
minha vida. — Olá, amigo. — Eu sorri quando me aproximei
dele.
— Uh, eu não faria isso se fosse você, — disse Jax,
recuando a cadeira mais longe do felino que se aproximava.
Eu sorri para ele. — Vamos lá, não me diga que você
tem medo de um gatinho 11 .
11
– Em inglês gatinho é Pussy cat, que também pode ser usada como uma gíria para boceta;
— Confie em mim, eu não tenho medo de boceta, —
disse, e suas palavras sugestivas enviaram uma poça de calor
ao meu núcleo. — Mas eu tenho pavor desse animal.
Revirei os olhos e me sentei no chão da cafeteria em
frente a Marshmallow. E estendi meus braços na minha
frente. — Venha pegar um pouco de amor, — eu pedi.
— Sun, espere… — Antes que Jax pudesse terminar sua
frase, Marshmallow estava no meu colo, ronronando. Ele
rolou para esfregar a barriga, e me pareceu que estava muito
satisfeito. — Caramba, — Jax murmurou. — Ele gosta de
você.
— Eu sou uma pessoa agradável.
Ele sorriu, mas não disse mais nada. E sentou-se
divertido enquanto Marshmallow e eu nos tornávamos
melhores amigos.
— Talvez eu tenha lido esse cara errado, — comentou,
levantando-se e caminhando em nossa direção. Quando ele
se aproximou, Marshmallow bufou e se afastou. — Foda-se
você também, Marsh, — respondeu Jax, virando sua cadeira.
Eu ri e me levantei do chão. — Algumas pessoas e gatos
simplesmente não se conectam, eu acho.
— Não é chocante que ele tenha gostado de você. Você é
difícil de não gostar, — disse Jax, bebendo seu café.
Sentei-me na cadeira e o encarei, e enquanto o
encarava, todo mundo – e quero dizer todo mundo – estava
nos encarando.
— Sou só eu, ou estamos sendo vigiados? — Perguntei,
mordendo meu lábio inferior.
— Sim. As pessoas desta cidade têm uma maneira bem
sutil ao ser invasiva na vida de outras pessoas. Normalmente,
eu apenas faço isso, — ele disse enquanto levantava os dois
dedos do meio. Alguns clientes ofegaram com seu gesto,
chamando-o de idiota.
Eu ri. — Primeiro o gato e agora as pessoas.
— Sou igualmente oportunista com meu ódio. Eu odeio
tudo e todos com a mesma quantidade de aborrecimento.
— Até eu? — Brinquei.
Seus olhos ficaram sombrios por uma fração de
segundo, e o pequeno sorriso em seus lábios começou a
desaparecer. — Eu nunca poderia te odiar, Kennedy. Confie
em mim, há muito tempo, eu tentei.
Suas palavras me confundiram, quando estreitei os
olhos. — Espere o que? Por que você tentaria me odiar?
Ele balançou a cabeça e pigarreou. — Não importa, foi
há muito tempo.
Estendi a mão sobre a mesa e coloquei minha mão na
dele. — Não, Jax. Importa pelo menos para mim. Por que você
tentaria me odiar?
Antes que ele pudesse responder, uma voz nos
interrompeu. — Sério Jax?
Eu olhei para cima e vi uma mulher bonita diante de
nós. Ela tinha cabelos ondulados castanhos e olhos
castanhos. E usava roupas de enfermagem, e a tristeza em
suas feições me doeu, mesmo que eu não soubesse quem ela
era.
— Amanda, — disse Jax, com sua voz severa.
Ela não disse nada, mas seus olhos caíram na minha
mão descansando na de Jax e então ela olhou de volta para
ele.
Ele relutantemente afastou a mão da minha. — Ouça,
Amanda.
Tapa.
Fiquei surpresa ao ver a mão dela fazer contato com sua
bochecha. Jax também ficou surpreso com base na maneira
como ele balançou a cabeça em choque.
— Dane-se, Jax, — ela disse enquanto seus olhos se
enchiam de lágrimas. — Você me disse que não estava
vendo ninguém.
— E não estou, — ele disse.
Minhas mãos voaram para o meu peito. — Ah não. Nós
não somos… ele e eu… — gaguejei, sem saber por que me
sentia tão nervosa. É isso que ela pensa? Que Jax e eu
estávamos saindo? — Nós não estamos saindo. Somos
apenas amigos.
Ela me olhou de cima a baixo enquanto cruzava os
braços. — Sim, certo, garota nova. Todo mundo sabe que Jax
não tem amigos. Ele não sabe como ser amigo, da mesma
forma que não sabia como ser namorado.
— Agora espere um minuto, — eu comecei, mas Jax
levantou a mão.
— Está tudo bem, Kennedy. Ela está certa.
Não, ela não estava.
Fiquei quieta por respeito à Jax, mas por dentro meu
sangue estava começando a ferver. Eu não podia acreditar no
quão desagradável essa mulher estava sendo, só porque ela
viu Jax e eu saindo uma vez. Ficou claro que eles
costumavam estar em um relacionamento, mas acabou. Ela
menosprezá-lo – dar um tapa nele – era completamente
desnecessário.
— Boa sorte, — ela me disse, colocando a alça da bolsa
no ombro. — Não se surpreenda quando tentar entrar e
for atingida por um bloco de cimento. Ele é a definição
do emocionalmente indisponível.
Ela se virou para ele e bufou alto. — Eu deveria saber
que você acabaria sendo como seu pai, seu idiota sem
coração. — Ela se afastou, deixando um peso flutuando ao
nosso redor.
Eu vi a faca invisível que ela enfiou profundamente no
peito de Jax. Seu corpo se encolheu com a dor de suas
palavras antes que ele olhasse para mim. Ele parecia
completamente vazio quando seus lábios se separaram. —
Acho que devemos sair.
— Sim, ok. — Peguei minha bolsa e voltamos para seu
carro. Enquanto dirigíamos, eu não fechei meus olhos
nenhuma vez. Eu não conseguia parar de encarar Jax, me
perguntando o que estaria passando em sua mente. Eu
queria perguntar, mas também não queria parecer tão
carente. Suas juntas estavam pálidas quando ele agarrou o
volante à sua frente e sua boca tremia de vez em quando.
Quando ele parou na minha casa, desligou o carro e
olhou na minha direção. — Desculpe por tudo isso.
— Você não fez nada errado.
— Sim, tudo bem. Bem, acho que vou falar com você…
— Você quer continuar o encontro? — Eu falei. — Sei
que foi muita coisa lá atrás, e eu poderia dizer que ela
ainda não te esqueceu, mas ainda podemos sair. É
cedo, é sábado e o tempo está bom. Podemos sentar no
conversível dos meus pais e apenas conversar, ou não
conversar, o que você quiser fazer.
Ele sacudiu o nariz com o polegar. — Preciso ficar
sozinho por um tempo, Kennedy.
— Sim claro. Você está querendo ficar sozinho – na
verdade, sim… mas fique sozinho comigo.
Ele hesitou por um momento, então achei que poderia
insistir um pouco mais.
— E tenho uma garrafa do uísque favorito do meu pai
que podemos terminar, e acredite em mim quando digo que
meu pai só tomava coisas boas.
Ele riu. — São apenas onze da manhã.
— Oh. Certo. Bem, eu também tenho os grãos do café
favorito da minha mãe, para que possamos tomar café hoje
de manhã e beber uísque à noite.
— Você quer passar o dia inteiro comigo? — Ele
perguntou surpreso.
— O dia inteiro e a noite inteira.
E fizemos exatamente isso.
Entramos e bebemos inúmeras xicaras de café.
Conversei a maior parte do tempo, o que pareceu muito
com a nossa infância, e Jax ouviu com tranquilidade.
Contei a ele mais histórias sobre meus pais e Daisy e mais
histórias sobre meu passado, e sempre que eu ria alto, ele
sorria e olhava para mim como se eu fosse o sol.
Conversamos sobre nossas carreiras, e ele me contou
que planejava comprar todos os livros que publiquei até
agora.
Ele me contou sobre a terra de seu pai e como ele
planejava tornar a propriedade tudo o que sua mãe sonhara,
uma vez que ela fosse passada a ele. — Ela nunca foi capaz
de realizar seus sonhos. Quero realizá-los por ela, — disse.
Poderia dizer que era difícil para ele falar sobre sua mãe,
mas fiquei feliz por ele falar sobre ela. Se eu aprendi alguma
coisa nas últimas semanas, foi que falar sobre seus entes
queridos os manteria vivos, e eu precisava disso. E tinha
certeza de que Jax também precisava disso.
Quando pegamos o uísque naquela noite, fomos para o
conversível dos meus pais para beber debaixo das estrelas e
da lua.
Minha coisa favorita sobre sentar ao lado de Jax era
que, mesmo quando ele estava quieto, quando as conversas
desapareciam e ficávamos com nada além do silêncio, na
quietude eu sentia a cura. Ficar quieta com ele era uma das
minhas coisas favoritas de todos os momentos que
compartilhamos naquele dia.
Depois que bebemos um pouco demais, Jax colocou as
mãos atrás da cabeça e olhou para o céu. — Eu não quero ser
como ele, — confessou. — Como meu pai. Amanda disse isso
antes, e ela disse isso algumas semanas atrás também.
Tenho certeza que as pessoas nesta cidade pensam que sou
como ele, mas não quero ser. Ele era um monstro.
— Você não é seu pai.
Ele balançou sua cabeça. — Você não me vê há anos,
realmente não pode dizer isso.
— Sim eu posso.
— Como assim?
— Porque sua índole não mudou ao longo dos anos.
Você é o mesmo garoto gentil de antes. Porém, nesta cidade,
essas pessoas não o veem, porque estão muito presas em
seus preconceitos e maneiras de julgar com base em uma
tragédia que aconteceu anos atrás. O que eles não veem é a
bondade em seus olhos, a maneira como você ajuda as
pessoas quando elas não estão olhando, a maneira como você
se entrega àqueles que precisam, a maneira como você se
importa tão silenciosamente. Você é a mesma alma linda que
amei todos esses anos atrás, Jax, e você não é nada como seu
pai.
Ele fechou os olhos. — Promete?
Coloquei minha mão em sua coxa. — Prometo.
Seus olhos se abriram rapidamente e caíram na minha
mão. — Toda vez que você faz isso, sinto como se estivesse
acordando novamente.
— Faço o que?
— Tocar-me.
Engoli em seco com suas palavras, e não tinha certeza
se era o uísque ou o redemoinho de emoções dentro de mim
que estava fazendo minha mente girar. — Senti sua falta,
Moon, — confessei.
— Eu senti mais saudades de você. Eu senti tanto a sua
falta. Eu vivia na escuridão há tanto tempo... senti tanto a
sua falta...
— O que você quis dizer quando disse que tentou me
odiar?
— Porque você parou de escrever, — explicou. — Eu
senti que quando suas cartas pararam de chegar, eu não
queria mais me importar com você. Depois que perdi minha
mãe, precisei de suas cartas e, quando elas pararam, eu
queria te odiar. Eu me odiava mais, porém, porque tinha
certeza de que você parou de escrever por causa do que eu
disse a você sobre o que aconteceu com minha mãe. Imaginei
que você pensasse que eu era um assassino.
Ofeguei e meus olhos se estreitaram. — Eu nunca
recebi essas cartas de você.
— O que?
— Jax, você parou de me escrever. Nunca recebi cartas
sobre o que aconteceu com sua mãe ou o que aconteceu com
você. Quero dizer, diabos, eu fiquei escrevendo por um ano
inteiro depois que suas cartas pararam de chegar. Eu apareci
no acampamento de verão, esperando que você estivesse me
esperando lá com respostas. Eu nunca pararia de escrever
para você e nunca teria pensado nessas coisas terríveis sobre
você.
A confusão alinhou em seu rosto. — Você me escreveu?
— Sim. Fiquei com o coração partido quando suas
cartas pararam de chegar. Sentei-me no banco do motorista
e me virei para ele. — Eu viria aqui por você, Jax. Teria
forçado meus pais a me levarem para onde quer que você
estivesse para que eu pudesse ajudá-lo em seu sofrimento.
Eu estaria ao seu lado.
— Você era meu sol, — disse ele. — Depois que suas
cartas pararam, o mundo ficou muito mais escuro.
Peguei suas mãos nas minhas e as apertei. — Sinto
muito que você tenha passado por isso. Eu odeio que você
tenha passado esse tempo pensando que eu me virei contra
você. Nunca faria isso. Você era minha lua, meu melhor
amigo.
Ele olhou para nossas mãos entrelaçadas. — Posso te
contar um segredo?
— Qualquer coisa.
— O dia em que percebi que era você, voltou a
funcionar.
— O que voltou a funcionar?
— O meu coração.
Jax
DEPOIS DA noite BÊBADA no conversível, Kennedy e eu
ficamos inseparáveis. Comecei a mostrar a ela todas as coisas
que Havenbarrow tinha a oferecer. Curiosamente, eu meio
que comecei a gostar da cidade idiota também. Era mais fácil
encontrar prazer nas coisas quando você tinha alguém como
Kennedy para experimentá-las.
Todo dia que saíamos, ela me obrigava a ir ao café para
cumprimentar Marshmallow – contra meu melhor
julgamento. Aquele gato idiota a amava e bufava para mim.
Quando não estávamos juntos, eu estava planejando nossas
próximas aventuras. Queria que ela visse o mundo de
Havenbarrow comigo ao seu lado.
Passei anos sem Kennedy ao meu redor, e agora estava
determinado a compensar o tempo perdido.
— Sabor favorito de sorvete em apenas três, — disse
Kennedy enquanto nos sentávamos na floresta num
domingo de manhã, comendo barras de granola e vendo
os pássaros passarem. — Um, dois, três!
— Lua Azul! — Eu gritei.
— Cereja! — Ela exclamou. E apontou na minha direção
e ofegou. — Oh meu Deus! Quem gosta de lua azul? Que
sabor é esse, afinal de contas? Honestamente, lua azul?
Afinal, o que isso quer dizer?
— Significa que é um sorvete delicioso que tem gosto de
paraíso. É como se Froot Loops tivesse um filho apaixonado
por algodão-doce.
Ela gargalhou e era lindo. — Isso parece nojento.
— Você está errada. Se você experimentasse, seria
apaixonada por ele tanto quanto eu.
— Isso parece um desafio, e eu decidi há muito tempo
que nunca deixaria passar os desafios dos sorvetes.
Levantei-me e estendi minha mão para ela. — Venha,
então. A sorveteria da cidade tem a melhor lua azul do
mundo. Claro, é a única lua azul que já comi, mas tenho
certeza de que é a melhor.
Ela pegou minha mão e fomos. A noite estava perfeita,
então, em vez de dirigirmos para a cidade, escolhemos
caminhar. Durante todo o caminho, Kennedy continuou
falando sobre tudo e qualquer coisa, e eu ouvia todas as
sílabas que saíram de sua boca. Quando entramos na
fila do sorvete, ouvi algumas pessoas ao nosso redor
sussurrando, mas não pensei muito sobre isso.
Eu não poderia ter me importado menos com o que essa
gente mesquinha pensava da ideia de Kennedy sair comigo.
Eles não precisam mais me definir. Somente eu.
— Oi, vamos pegar dois sorvetes com duas bolas cada
de lua azul, — disse Kennedy quando nos aproximamos do
balcão. Ela enfiou a mão na bolsa para pagar e, quando fui
retirar meu cartão de crédito, ela o empurrou. — Desta vez
não, Moon. É por minha conta.
Ela pagou nosso sorvete e voltamos à nossa caminhada.
No caminho, fomos parados pelas gêmeas de O Iluminado, de
Stephen King. Elas estavam vestindo roupas combinando.
Combinando suas malditas roupas. Honestamente, que tipo
de mulher adulta andava por aí com roupas combinando?
— Oh meu, oi, Kennedy, — disse Kate com sua voz
melodiosa falsa. E olhou para mim. — Jax.
— Kate. Louise, — eu murmurei, nem um pouco
interessado na conversa que estava prestes a acontecer.
— Saindo para um pequeno passeio? — Louise
questionou, olhando para os sorvetes em nossas mãos. —
Isso parece delicioso. Talvez eu precise experimentar um
assim que estiver fora da minha dieta. Isso não parece
delicioso, Kate?
— Parece uma bomba de carboidratos isso sim, já que
está me perguntando, respondeu a irmã. Então ela se virou
para Kennedy. — Agora, eu não pretendo bisbilhotar, mas
está rolando muitos rumores pela cidade sobre vocês dois.
— Oh? — Kennedy perguntou, erguendo uma
sobrancelha. — É mesmo?
— Sim, é verdade. Você é o assunto de Havenbarrow.
Assim como as celebridades. — Ela riu. Por que ela está
rindo? — Agora, não querendo me meter em sua vida. Louise
e eu nos orgulhamos de ficar fora da vida das pessoas, mas é
verdade?
— O que é verdade? — Kennedy perguntou.
Louise a cutucou. — Você sabe que vocês dois estão em
um relacionamento? Ou é apenas uma aventura? Talvez
como amigos, ou amigos com benefícios? Eu sei que ele está
fazendo o trabalho no seu quintal, então talvez vocês dois
tenham se aproximado durante esse tempo. Não estou
bisbilhotando, mas estou curiosa se vocês dois são…
— Woof!
Meus olhos se arregalaram quando me virei para
Kennedy, que estava olhando para as gêmeas com os olhos
arregalados. E ela… latiu. Foda-se, Kennedy Lost estava
latindo para as gêmeas, e isso oficialmente se tornou o
destaque da minha vida.
O olhar de medo nos rostos de Kate e Louise estaria
para sempre colado na minha mente.
Kennedy continuou latindo para elas quando
começaram a recuar lentamente, completamente confusas
com suas ações.
Então fiz a única coisa que consegui pensar em fazer.
Eu lati para elas também.
Elas fugiram como as baratas que eram, e eu tinha
certeza de que as notícias sobre os latidos seriam reveladas
na próxima reunião da cidade. Por alguma razão, isso me
agradou.
— Realmente poderia ter usado você nesta cidade anos
atrás, — brinquei.
— Não vou embora tão cedo, então terei que trabalhar
para aprofundar meus grunhidos. — Ela finalmente teve a
chance de lamber o sorvete que estava começando a derreter
em suas mãos. E todo o seu corpo congelou quando seus
olhos se arregalaram em choque. — Caralho! Tem gosto de
tudo de bom neste mundo.
— Eu te disse!
— Não, sério. É melhor que sexo.
Estreitei meus olhos. — Você está fazendo sexo
com as pessoas erradas.
Ela riu e suas bochechas ficaram um pouco vermelhas.
— Tanto faz. Tudo o que estou dizendo é que você estava
certo.
Eu levantei uma sobrancelha. — Espere, eu preciso
ouvir você dizer isso de novo. Tem um toque legal.
— Nunca mais digo essas palavras, então as guarde em
sua memória.
E cutuquei o braço dela. — Diga isso outra vez.
— Não. — Ela riu, girando para longe de mim. — Nunca.
— Então comecei a fazer cócegas em sua barriga, e ela chiou.
— Pare com isso!
— Não até que você diga novamente.
— Nuncaaa! — Ela se arrastou quando eu comecei a
fazer cócegas nela mais e mais até que ela se render. — Ok,
ok, você estava certo! — Exclamou, levantando as mãos no ar
e, quando se ergueu, o mesmo fez sua casquinha de sorvete,
que ela soltou de sua mão. Como todos sabem, tudo que sobe
desce.
Bem em cima da minha cabeça.
Kennedy deu um passo para trás, com o rosto vermelho
por conter o riso enquanto a lua azul derretida escorria por
minha pele, fazendo a bagunça de todas as bagunças por
toda a minha cabeça.
Suas mãos pousaram em seus quadris quando suas
risadas foram diminuindo. — Se essa não é a melhor
definição de karma instantâneo, não sei o que é. — Ela
limpou minha bochecha com o dedo onde o sorvete estava
derretendo e depois lambeu.
E se não tivesse sido tão fodidamente adorável e sexy a
forma como lambeu o dedo, eu poderia ter tido coragem
suficiente para ficar chateado, mas não consegui. Eu não
podia fazer nada além de sorrir como um tolo.
— Você acha que é engraçado, hein? — Eu sorri,
balançando a cabeça e derrubando o sorvete no chão.
— Eu sou uma comediante. É engraçado, você sabe,
porque a lua azul está cobrindo Moon neste momento. É
como se vocês dois fossem feitos para ser um. Era uma parte
do seu destino Jax! — Ela gritou quando eu coloquei meu
sorvete no topo de sua cabeça. Por um segundo, tive um
momento de pânico achando que ela podia ficar chateada
com a minha ação, mas depois que vi suas bochechas
subirem mais alto e ouvi sua risada irromper no céu, com
meu coração batendo cada vez mais rápido.
Começo a rir com ela, incontrolavelmente, a ponto de
minhas bochechas doerem. O que tornou ainda mais
engraçado foram os olhares estranhos que recebemos de
todos ao nosso redor. Então, quando nos acalmamos,
Kennedy olhou para mim com um sorriso largo, e
colocou as mãos nos quadris fazendo uma pose.
— Como estou?
— Doce, — eu respondi. E fui em sua direção e passei o
dedo por seu lábio inferior, onde o sorvete estava pingando.
Eu fiz isso sem pensar. Meu corpo simplesmente se moveu
para ela como se houvesse uma atração magnética. Eu não
pude me afastar. Meus olhos estavam fixos em sua boca
quando ela lentamente deslizou a língua pelo lábio inferior,
saboreando o sorvete que cobria sua pele.
Eu também queria provar, queria me deliciar com a
doçura em seus lábios.
De alguma forma, eu me aproximei e as mãos sujas de
Kennedy estavam contra o meu peito, descansando sobre o
meu coração bagunçado. Seus olhos estavam em mim, e eu
me perguntava se ela podia sentir isso – a loucura que residia
dentro de mim.
— Jax…
— Sim?
— Você está pensando…?
— Sim. E você está pensando…?
— Uh-huh.
Em segundos, seus lábios estavam nos meus, e
eu a beijei com força, como se estivesse esperando
todos esses anos para redescobrir sua boca na minha. Ela me
puxou pela camisa. E tudo ao nosso redor ficou em silêncio
quando eu comecei a me perder em seu beijo, em seus lábios,
em sua língua, em seus batimentos cardíacos.
Tão doce.
Tão incrívelmente doce. Senti como se estivesse voando,
apesar de meus pés permanecerem no solo.
Foi um beijo feito no céu, e fiquei agradecido por isso,
independentemente dos meus pecados passados. Eu
precisava que Kennedy Lost voltasse para mim. Eu precisava
que ela me encontrasse depois de todo esse tempo. Parte de
mim se sentiu tola por sentir tanto depois de viver uma vida
em que não sentia nada. Talvez tudo isso fosse um sonho,
nada mais do que eu perder a cabeça e cair em uma miragem
de fantasia esperançosa. Mas eu não me importei. Não me
importava se era falso ou real; Eu só sabia que ela era a
primeira coisa na minha vida que me fazia sentir vivo. Eu a
beijei como se o tempo estivesse acabando. Eu a beijei por
nossos dias no passado eu a beijei por amanhã. E então eu a
beijei novamente.
Se ela era um sonho, eu planejava dormir para sempre.
VOLTAMOS para sua casa naquela noite e ela me
convidou para entrar e nos limparmos. Tiramos os sapatos na
entrada e ela me levou ao banheiro. Ligou o chuveiro e tirou a
roupa, deixando o sutiã e a calcinha. Por um segundo, pensei
que estava de volta ao meu sonho do boneco de neve,
enquanto a observava entrar no chuveiro.
— Eu imagino que essa é a melhor maneira de tirar essa
meleca que ficou em nossa pele, — disse enquanto meu pau
se contorcia ao vê-la.
Sim. A qualquer momento, começaria a nevar sobre
nossas cabeças.
Ela me chamou e eu também tirei minhas roupas,
deixando apenas minha cueca boxer. A água correu sobre
nós, e eu não conseguia parar de encará-la. Ela era tão linda
de todas as formas. A maneira como seu sutiã e calcinha
molhados se agarravam à sua pele me fez querer arrancá-los
de seu corpo, mas controlei meus desejos.
Na verdade, apenas ficar perto dela parecia um presente
que eu não merecia.
— Mãos, — disse.
Estendi as minhas em sua direção. E ela esguichou
xampu em minhas mãos e depois adicionou um pouco nas
dela, e começamos a lavar o cabelo um do outro. Quando
o sorvete açucarado derreteu na nossa pele, eu não
queria nada além de empurrá-la contra a parede e
deslizar tão profundamente nela que não teria outra opção a
não ser gritar meu nome.
Invés disso fiquei parado, pegando seus sinais.
Quando terminamos de lavar o xampu do cabelo, ela
inclinou a cabeça para olhar para mim. Seus lábios carnudos
estavam rosados e ela estava sorrindo.
— Basorexia? — Sussurrou.
— Basorexia, — respondi.
Juntamos nossos lábios e ficamos assim a noite toda.
Jax
— VOCÊ ESTÁ FELIZ, — comentou Joy enquanto nos
sentávamos na varanda para o nosso café da manhã. Seria
um dia agitado com os trabalhos de encanamento pela
cidade, então fiquei agradecido por ter alguns momentos com
ela para facilitar o dia.
Também fiquei agradecido por poder acordar com
Kennedy ao meu lado em sua cama. Não tínhamos feito sexo,
mas ficamos acordados até tarde da noite conversando, nos
beijando e beijando. Quando ela adormeceu em meus braços,
eu sabia que nunca seria capaz de deixá-la ir novamente.
Sorri para Joy e assenti. — Estou. — Os olhos dela
lacrimejaram e eu ri. — Não chore Joy.
— São lágrimas felizes, querido, — disse batendo na
minha mão. — Apenas lágrimas felizes. Você é como um neto
que eu nunca fui capaz de ter. Você significa o mundo para
mim, e tudo que eu sempre quis era que você fosse feliz.
— Obrigado, Joy, por sempre estar aqui para mim.
— É isso que a família faz, querido. Ficamos juntos nos
dias bons e ruins.
Mesmo que ela não fosse minha parente de sangue, Joy
Jones tinha sido a minha família nos últimos anos. Depois
que Derek saiu, eu me senti muito sozinho. Se não fosse por
ela, eu nunca poderia ter chegado onde estou. E nunca vou
ser capaz de lhe mostrar gratidão suficiente pela forma que
ela me amou, mesmo quando eu não tinha ideia de como me
amar.
Olhei para a xícara de café em minhas mãos. — Parte de
mim sente que esta boa sensação não me pertence... como se
o universo a colocasse sobre mim e fosse levá-la de volta
quando percebesse que eu não a mereço.
— Se há alguém neste mundo que merece esse bom
sentimento, é você, Jax. Não estrague tudo pensando no que
poderia dar errado. Não o desperdice tentando descobrir os
pormenores do futuro. Esteja presente neste momento da
vida, porque, este momento, é tudo o que temos. Aceite este
conselho dessa velha, a felicidade fica onde você permite que
ela esteja.
O sol brilhou sobre nós quando eu ri para mim mesmo e
balancei minha cabeça. — É uma loucura pensar que estou
me apaixonando por ela?
— A melhor coisa que podemos fazer na vida é sermos
corajosos o bastante para amar. Apaixone-se por ela e nunca
pare – embora eu vá ter um problema se você não vir assistir
The Bachelor comigo. É quando seu amor por Kennedy
começa a cruzar a linha.
Sorri até ver o olhar severo em seu rosto. Os punhais
que Joy estava atirando em mim foram suficientes para me
assustar.
Estava determinado a nunca perder um episódio de The
Bachelor com ela pelo resto da vida. Além disso, era a nossa
tradição. Eu não tinha muitas tradições na minha vida;
portanto, eu ia segurar as que tinha.
DESDE QUE EU peguei Connor para trabalhar, ele estava
sorrindo de orelha a orelha, olhando para mim como se eu
tivesse levado para casa uma medalha de ouro olímpica.
— Por que você fica me encarando assim? — Perguntei.
— Você fez, não fez? — Connor zombou quando
chegamos ao nosso primeiro trabalho no Gary's Café. — Você
colocou seu limão no coco dela, não foi? — Ele
exclamou, apontando um dedo para mim.
— Que diabos você está falando? — Resmunguei,
balançando a cabeça.
— Estou falando de você e Kennedy se desossando!
Percebo pela careta em seu rosto.
Eu levantei uma sobrancelha. — Você pode dizer pela
minha careta que eu dormi com alguém? Isso me parece ao
contrário.
— Pode parecer assim para as pessoas comuns, mas eu
sou treinado em conhecer as caretas de Jax Kilter – e essa é
uma careta feliz! E mais! Você me deixou entrar na sua
caminhonete e colocar na estação de rádio pop. E você odeia
música pop, e juro que estava cantando junto com Taylor
Swift.
— É contagiante, — murmurei.
— Caramba, você acabou de dizer que Taylor Swift é
contagiante! O mundo está terminando oficialmente. Então,
conte-me tudo.
— Eu não estou lhe dizendo nada sobre isso, porque não
há nada a dizer, — eu disse enquanto estacionava o carro e
saía. Fui para a traseira da minha pick-up e peguei meu kit
de ferramentas.
Connor correu para mim com seu telefone celular e o
empurrou na minha cara. — Então o que é isso?
Olhei para a fotografia no celular e estreitei os olhos
antes de arrancá-lo de sua mão. — Como você conseguiu
isso? — Eu estava olhando para uma foto de Kennedy e eu
nos beijando na rua na noite anterior. Que tipo de paparazzi
de baixo orçamento é que tínhamos nesta cidade infernal?
— Começou a circular pela cidade ontem à noite. E
pensar que você disse que nada aconteceu.
— E nada aconteceu, — repeti. Connor me deu um
sorriso de mentiroso, e revirei os olhos. — Nada que eu estou
lhe dizendo, pelo menos.
— Uau, isso é cruel. Eu conto tudo para você, amigo.
— Sim, e eu meio que gostaria que você parasse de fazer
isso, se eu for honesto.
— Tanto faz. Você adora ouvir minhas histórias. Então,
conte-me tudo sobre isso. Foi tudo como você pensou que
seria na sua primeira vez? — ele zombou. Eu estava tão perto
de xingá-lo – exceto que eu não conseguia parar de sorrir
como um idiota. Connor também brincou com a minha
felicidade. — Oh meu Deus, estou tão orgulhoso de você,
campeão. Lembro-me da minha primeira vez como se fosse
ontem.
— Provavelmente porque foi ontem. Além disso, não
dormimos juntos. Nós apenas… nos beijamos.
Ele parou de andar e levantou uma sobrancelha
confuso. — Espere, pausa. Você está feliz por ter beijado uma
garota?
Dei de ombros. — Sim.
Ele balançou a cabeça com decepção. — Esperava mais
de você, Jax. Procure-me quando você for um homem de
verdade.
— Ei, Connor?
— Sim?
— Cala a boca.
— Ok, chefe.
O DIA PASSOU DEVAGAR, mas não tivemos grandes
problemas no trabalho, o que me deixou feliz. Nada poderia
estragar um dia como canos entupidos de merda. Depois que
deixei Connor, fui para casa de repouso de papai para checálo.
Na verdade, eu não estava ansioso para ver Amanda,
porque sabia que, se Connor tinha a fotografia de Kennedy e
eu nos beijando, provavelmente também havia chegado a
ela.
Logo que entrei, os punhais que Amanda atirou em meu
caminho me deixaram plenamente consciente de que eu
estava certo em minha suposição.
— Apenas uma amiga, hein? — Ela zombou, revirando
os olhos enquanto folheava uma revista.
Vou até a recepção e, embora não sentisse que lhe devia
uma explicação sobre Kennedy e eu, sabia que ela merecia.
Amanda nunca foi desagradável enquanto estávamos juntos.
Nós viemos de diferentes origens. Tínhamos crenças
diferentes. Quando ela falou sobre crianças, falou sobre como
queria criar, no que queria que elas se tornassem – médicos,
atletas, políticos.
Não concordo com essa ideia.
Queria ter um filho feliz e com permissão para ser o que
quisesse.
Além disso, quando se tratava de paixão entre Amanda e
eu, faltava. Não me entusiasmava quando sabia que iria vêla.
Não me sentia como se ela fosse a pessoa com quem eu
queria passar uma eternidade. Não via um futuro para nós
dois.
Ela merecia alguém que a olhasse como se ela fosse
todas as estrelas no céu – e, infelizmente, eu não era esse
cara.
— Lamento se ouvir sobre Kennedy e eu te machuca,
Amanda. Você sabe que eu nunca quereria isso para você.
Ela continuou franzindo a testa. — Sim, bem, ainda dói.
Eu fiz uma careta e deslizei minha mão por meu cabelo.
— Escute, considere-se com sorte. Eu sou um idiota. Você
está melhor sem mim.
— Sei disso, Jax. Eu não sou estúpida. É só que… —
Sua voz baixou e ela balançou a cabeça. — Você nunca fez
isso comigo.
— Fiz o que?
— Rimos. Nós nunca rimos juntos.
— Claro que sim, — falei. Não havia como não rirmos
juntos. Nós namoramos por quase dois anos, deve ter havido
algumas risadas.
— Não, nós não fizemos, e você, com certeza, não olhou
para mim do jeito que você olhou para aquela garota. Sinto
muito por te dar a bofetada, ok? É só… era isso que eu
queria. O que você deu a ela é o que eu queria.
— Você vai conseguir isso, Amanda. Há alguém lá fora
que irá te dar tudo o que você merece e muito mais. Você
merece mais do que eu lhe dei.
— Claro que sim. — Ela riu. — Seja como for, boa
sorte.
Agradeci e fui ver meu pai. Quando eu cheguei, ele já
estava na cama. Não seria uma boa visita, e os seus
murmúrios eram sobre como seu filho era um fodido.
— Foo… da... se, — disse ele. — Ja-x foo... di…do, —
continuou repetindo. Eu tentei o meu melhor em ignorá-lo,
mas quando se tornou demais, saí do quarto, puxei uma
cadeira do lado de fora da porta e esperei. Eu esperaria até
ele dormir, então eu leria para ele. Amanda me notou e
franziu a testa, mas fiquei feliz quando ela não se aproximou
de mim. Eu não queria seu conforto. Na realidade, eu queria
que Kennedy estivesse sentada ao meu lado para me dar
aquele choque elétrico.
Quando papai estava dormindo, voltei para o quarto. Ele
parecia cada vez mais fraco, e eu sabia que as coisas estavam
em declínio. Fiz o possível para não pensar nisso e li os
capítulos dessa noite. Estava chegando perto do final do
romance, então comecei a ler mais devagar.
Engraçado como eu poderia ter um dia maravilhoso e
deixar a clínica me sentindo esgotado. Normalmente, depois
das minhas visitas, eu voltava para casa ou para a floresta.
No passado, eu nunca quis ficar sozinho, mas era assim que
eu sentia que tinha que estar. Atualmente, eu não sentia a
mesma solidão, e se eu estivesse sozinho, eu queria ficar
sozinho com ela.
Parei na entrada da garagem de Kennedy e
estacionei o carro indo até sua varanda e toquei a
campainha. Quando ela respondeu, ela já estava de pijama, e
linda como sempre.
— Ei você. — Sorriu. — Como foi a visita com seu pai?
Dei de ombros. — Realmente não quero falar sobre isso.
Eu só estava esperando poder ficar aqui um pouco porque
não queria ir para casa hoje à noite. Minha mente está se
movendo um pouco rápido depois de ver a forma em que ele
estava, então pensei que talvez pudesse ficar aqui por um
tempo.
— Claro, Jax. Nem precisa perguntar.
Antes que eu pudesse entrar em sua casa, ela estava na
varanda me envolvendo em seus braços e, pela primeira vez
na minha vida, percebi que lar não era um lugar, era uma
pessoa. Quando me perdi naquela noite, fugi para Kennedy e,
para minha sorte, ela me deixou entrar.
Jax
Treze anos de idade
GOSTARIA QUE mamãe não estivesse no trabalho.
Gostaria que Derek não estivesse no treino de futebol.
Gostaria de não estar em casa sozinho com meu pai. Eu
odiava ficar em casa sozinho com ele.
— Pelo amor de Deus. Pode parar de tremer? Você vai
assustar essa maldita coisa, — disse papai por trás de mim.
Ele colocou minhas mãos sobre a arma. O cervo ficou na
minha frente de cabeça baixa, comendo alguma coisa, talvez
grama ou um ramo?
O que é que os cervos comem? Frutas? Pomos? Comem
reunidos em família, ou levam comida para casa com eles? Ou
comem sozinhos?
— Mantém o controle, — meu pai sibilou contra minha
orelha. Sua voz áspera me tirou dos meus devaneios. O
animal olhou para cima e hesitou por um momento.
Ele esticou o pescoço e começou a mastigar um galho de uma
árvore.
Galhos! Eles comem galhos!
— Olhe para essa beleza, Jax. É um sólido cervo de
cauda branca.
Meu coração bateu forte no peito, porque o cervo era
uma beleza – então por que eu o mataria? O que esse animal
fez para mim? Nada. Não parecia fazer nada a ninguém. Eu
olhei para o papai e vi como ele parecia orgulhoso. Eu não
conseguia pensar na última vez em que ele pareceu orgulhoso
ao meu redor, e não queria decepcioná-lo.
Papai disse que homens de verdade vão caçar, e eu
queria ser um homem de verdade como ele. Derek estava no
treino de futebol e mamãe estava trabalhando até tarde na
lanchonete, então éramos apenas papai e eu em casa em
nossa floresta. Eu nem tinha certeza de que podíamos caçar
em junho, mas papai me disse que a terra era dele, então é
autorizado a fazer o que quiser, sempre que quisesse.
Meus olhos focaram no cervo. Estava ficando cada vez
mais difícil para eu respirar. Parecia que alguém havia
colocado a mão no meu peito, agarrado meu coração e
garantido apenas me soltar se eu fizesse uma escolha.
Ser um homem ou ser um maricas.
O animal ficou lá, cuidando de sua vida enquanto eu o
perseguia nas sombras feitas pelos arbustos.
— Eu não quero, — sussurrei, com meu tremor
retornando. Não é justo. O cervo não fez nada. Tínhamos
comida em nossa casa. Nós não precisávamos disso. Nós não
estávamos com fome. Eu não estava com fome... — Por favor,
não, — disse suavemente, talvez mais para mim mesmo, ou
talvez para Deus.
— Vamos. Derek matou três sozinho no ano passado. Se
você não fizer isso, pode ter certeza de que não vai acampar
no final desta semana. Não seja um merdinha, — disse papai,
ameaçando-me com a única coisa que ele sabia que me
machucaria. Não queria perder o acampamento com
Kennedy. Estava esperando o ano todo por isso.
Quando o cervo olhou de volta para o chão para
encontrar mais galhos, abaixei minha arma. Não sabia se
meu pai viu, mas logo atrás do rabo havia um cervo bebê.
Seus olhos de corça estavam arregalados e ela parecia
assustada. Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu não
posso fazer isso.
— Porra, Jax, — papai disse antes de se abaixar no chão
com sua arma duas vezes maior que a minha, se não três
vezes maior. Ele se concentrou no cervo. Senti meu estômago
revirar e um gosto desagradável de vômito se instalou na
minha garganta. E fiz o meu melhor para empurrá-lo
de volta, engolindo em seco. Eu levantei e quase
perdi o equilíbrio com o movimento rápido. Meus olhos
travaram com o filhote de cervo que parecia invisível para
meu pai. Balancei minha cabeça para frente e para trás.
Não posso!
Eu não posso deixar isso acontecer!
Não posso deixar o cervo morrer!
Em pânico, comecei a balançar os braços e a gritar. —
Não! Corre! Fuja! Gritei, do fundo da minha garganta tensa e
dolorida. O cervo parecia alarmado e começou a se mover.Eu
pulei para cima e para baixo, tentando sinalizá-lo para correr
e nunca olhar para trás, mas era tarde demais. A arma do
meu pai disparou e o cervo só conseguiu chegar a alguns
metros antes de cair no chão.
Meus olhos se moveram para onde o cervo bebê estava
parado alguns metros atrás. Agora ela tinha ido embora.
— Que diabos, garoto? — Papai gritou comigo. Ele se
levantou e me deu um tapa na parte de trás da minha
cabeça. — Arrume suas coisas e espere aqui. — Eu o ouvi
murmurar baixinho para mim.
Ele caminhou em direção ao cervo.
O cervo morto.
O cervo morto que papai matou.
Inclinei-me e comecei a vomitar meu café da manhã e
almoço, e provavelmente um pouco do jantar da noite
passada. Eu odiava isso. Eu odiava caçar. Eu odiava o cervo
por ser estúpido e não correr rápido o suficiente. Eu odiava
Derek por ser melhor que eu. Eu odiava mamãe por não estar
em casa quando papai me arrastou para a floresta. Eu odiava
papai por não gostar de mim do jeito que eu era. Eu me
odiava por decepcioná-lo.
Talvez eu me odiasse um pouco mais do que qualquer
outra coisa.
— VOCÊ NÃO DEVERIA TER FEITO ele fazer isso, — mamãe
o repreendeu mais tarde em casa enquanto eu envolvia meus
braços em volta de mim do topo da escada. Ela e papai
estavam na sala andando de um lado para o outro. Eles
estavam brigando por mim pela última hora. Mamãe chegou
em casa e me encontrou chorando no meu travesseiro, e me
abraçou com força, dizendo que tudo ficaria bem.
— É uma pena que ele seja assim! Seu irmão matou seu
primeiro cervo quando ele era muito mais novo que Jax!
— Mas ele não é Derek, — ela falou. — Jax é
diferente. Ele é sensível.
— Ele é um maricas.
— Não fale assim do meu filho, — ela ordenou com uma
voz muito severa.
— Oh, então agora ele é seu filho? — Papai atirou de
volta.
— Ele é quando você o trata assim. — A voz da mãe
falhou e ela cruzou os braços, olhando para o tapete. — Você
sabe o que eu quero dizer, Cole.
— Não, acho que não. — Ele beliscou a ponta do nariz.
— É engraçado, Derek nem sequer é meu filho de sangue,
mas parece mais meu do que o meu próprio filho.
— Não diga coisas assim. Além disso, é diferente. Derek
é muito mais velho que Jax. Essa não é uma comparação
justa.
Papai resmungou algo que eu não pude ouvir, em
seguida, passou as mãos pelos cabelos. — A menos que você
queira deixar ele mais maricas do que ele já é, deixe-me lidar
com a criação do menino para ser um menino. Ele é um
mariquinhas porque você continua o mimando, Elizabeth.
Isto é obra tua.
— Não vou fazer isso. Não vou ouvir você falar mal de
Jax, porque ele não tem os mesmos hobbies que você.
— A cabeça dele está sempre num livro! Ele chora por
causa da merda de uma pescaria porque pensa que o peixe
está sofrendo! Porra, ele chorou durante o Rei Leão na
semana passada porque o Mufasa morreu porra! Os rapazes
não choram por causa do Rei Leão. Ele é um merdinha fraco,
e você tem sorte de eu estar aqui para fazer dele um homem.
— Não precisa fazer dele um homem. Ele é perfeito do
jeito que é.
— Não. Ele é fraco. Você está enfraquecendo ele. Apenas
observe – veja ele nunca conseguir nada por causa de sua
mãe. Você está arruinando o garoto.
Eles continuaram brigando, e eu me senti mal por isso.
Um nó se instalou no meu estômago. Voltei para o meu
quarto e chorei mais no meu travesseiro.
— Pare de chorar, perdedor, — eu falei para mim
mesmo. — Seja um homem.
Mamãe e papai brigaram mais e mais por mim. Eles
nunca brigaram pelo meu irmão mais velho, talvez porque ele
fosse mais parecido com meu pai. Talvez fosse porque ele era
bom em esportes, talvez porque ele era forte.
Forte.
Eu queria ser forte. Eu precisava ser forte.
— VOCÊ ESTÁ BEM, QUERIDO? — Mamãe perguntou,
olhando para o meu quarto. Já era hora de dormir, mas eu
não conseguia dormir. Minha cabeça e coração doíam demais
para dormir naquela noite.
— Ele me odeia, — sussurrei.
Mamãe se aproximou e se arrastou na cama ao meu
lado. Ela colocou os braços em volta do meu corpo e me
segurou perto dela. — Seu pai não te odeia, Jax. Ele é
apenas… — Respirou fundo. — Ele foi criado de maneira
diferente, só isso. Ele acha que certas coisas fazem da pessoa
um homem, mas ele está errado.
— Eu não sou um homem.
— Você está certo, você não é. — Ela se inclinou para
frente e beijou meu nariz. — Você é um garoto bonito que
está apenas aprendendo sobre si mesmo, só isso.
— Mas eu quero ser forte como papai e Derek. Quero ser
melhor do que sou.
— Forte? Jax Kilter, você é o garoto mais forte que eu
conheço, — ela garantiu, colocando o nariz no meu. — Você
sabe o que faz você forte?
— O quê?
— Seus batimentos cardíacos. A maneira como você
ama os animais e não quer que nada de ruim aconteça com
eles. Do jeito que você diz, por favor, e obrigado. A maneira
como você mantém as portas abertas para as pessoas. A
maneira como você ri alto ao ler um livro engraçado e relê as
partes em voz alta para que eu possa rir também. A maneira
como você compartilha suas piadas favoritas comigo. A forma
como você ama sua mãe. — Ela sorriu. — Você pode ser o
garoto mais forte que eu já conheci, e um dia você também
será um homem forte. Não deixe seu pai chegar até você.
Você não é menos homem só porque não é como ele ou seu
irmão.
Eu queria acreditar nela, mas era difícil.
— Você sabe que você é meu melhor amigo, Jax? — Ela
perguntou.
Eu sabia. Achei que ela só disse por que precisava dizer,
mas ela também era a minha melhor amiga.
Mamãe era minha única amiga, além de Kennedy. Ela
estava sempre cuidando de mim, mesmo quando eu sabia
que ela não estava. Não importava o quê, mamãe estaria
sempre lá por mim.
— Eu te amo, mamãe.
— Eu também te amo, Jax. Posso te perguntar uma
coisa?
— Sim.
— O que você pensaria se você, Derek e eu tivéssemos
nossa própria casa?
Meus olhos se arregalaram. — Sem papai lá?
Ela franziu o cenho e acenou com a cabeça. E vi
lágrimas enchendo seus olhos. — Sim. Eu acho que seria
bom para nós. Estarei começando meu negócio de paisagismo
em breve, e você pode ser meu braço direito para me ajudar.
Podemos começar uma nova vida sem seu pai. Claro, ele
sempre estaria em sua vida, Jax, mas teríamos nossa própria
casa para ficar.
— Você está deixando o Cole?
Eu olhei para cima e vi Derek parado na porta com
pânico nos olhos.
Mamãe se levantou da cama e foi até ele. — Derek, nada
foi decidido ainda e...
— Você não pode deixá-lo! Você não pode fazer isso. Eu
já perdi um pai, e você não pode me obrigar a passar por isso
novamente. Eu não vou. Eu vou ficar aqui com Cole.
— Acalme-se, Derek. Nada foi decidido.
— É por causa dele, não é? — Ele perguntou,
gesticulando em minha direção. — É porque ele é uma
aberração. Eu sei que é por isso que você e Cole
brigam o tempo todo.
— Derek! — Mamãe sibilou. — Não se atreva a falar
sobre seu irmão assim!
— Por que não? Você sabe que é verdade. Você o trata
como se ele não fosse um esquisito. Cole está certo, ele é uma
putinha.
Mamãe agarrou Derek pelo braço, não com força, mas
com firmeza. — Peça desculpas ao seu irmão agora.
— Por quê? Só estou dizendo a verdade.
— Derek, — ela repreendeu, mas ele não desistiu.
Mamãe soltou o braço dele e apontou para a porta. — Vá
para o seu quarto e não pense por um segundo em treinar
futebol pelo resto da semana. Está de castigo.
— O que? De jeito nenhum! Temos um jogo na sextafeira
e, se eu não treinar, não posso jogar. — Ele gemeu
quando seu rosto ficou vermelho de raiva.
— Você deveria ter pensado nisso antes de falar sobre
seu irmão dessa maneira.
— Isto é uma merda, — ele murmurou, afastando-se
irritado.
— Agora são duas semanas! — Mamãe gritou. Logo
depois disso, e a porta do quarto de Derek bateu.
Mamãe suspirou e beliscou a ponta do nariz.
— Ele está certo, — eu disse. — É tudo por minha
causa.
Mamãe se aproximou de mim, inclinou-se para ficarmos
cara a cara e colocou as mãos nas minhas bochechas. —
Jaxson Eli Kilter, nada disso – e eu quero dizer nada – tem
algo a ver com você. Seu pai e seu irmão estão errados. Você
é perfeito do jeito que é. Agora descanse um pouco. — Ela
beijou minha testa e ajeitou o cobertor em mim. Afastou-se e
estava prestes a apagar a luz, mas eu gritei.
— Deixa ligado? — Eu perguntei, me sentindo idiota por
ainda ter medo do escuro.
— Luz noturna, — disse ela, apontando para a parede.
— Lembra? Nunca fica escuro com a sua luz noturna.
Assenti lentamente. — Mas a porta pode ficar aberta? —
Perguntei.
— Ok baby, — ela prometeu. E apagou a luz.
Tentei o meu melhor para me lembrar do que mamãe
tinha me dito, mas era difícil. Papai não falava comigo há
dias, desde que me recusei a atirar no cervo. A última coisa
que ele tinha me falado era que eu era um maricas antes de
deixar de falar comigo.
Sempre que eu entrava numa sala, papai saía.
Sempre que eu dizia olá, a boca dele ficava fechada.
Sempre que eu fazia alguma coisa, ele me fazia sentir
invisível.
Invisível.
Eu sou invisível.
Kennedy
Presente
— VOCÊ quer ir a uma aventura hoje? — Jax perguntou
enquanto estávamos deitados na cama juntos. Na noite
anterior, quando ele veio à minha casa, eu poderia dizer que
sua energia não foi poupada na visita a seu pai. Ele não
queria falar sobre isso, então eu não insisti. Deixamos as
coisas assim e quando fomos para a cama, ele parecia mais
calmo do que quando tinha chegado. Eu estava agradecida
por isso. Faria qualquer coisa para acalmar a sua mente
perturbada.
— Estou sempre em busca de uma aventura, —
respondi, me movendo na cama. Como chegamos aqui tão
rápido? Um dia, estávamos reconstruindo uma amizade, e no
outro ele estava deitado sem camisa na minha cama. Achei
que poderíamos dizer que nossa amizade tinha evoluído com
o tempo.
Gostei mais desta versão de nós – a versão adulta e
imperfeita de nossa história.
— O que você tem em mente? — Eu perguntei.
— Vi que você tem a sala escondida da biblioteca na sua
lista de coisas para ver. Agora, honestamente, isso parece
uma lenda urbana. Tenho noventa e nove por cento de
certeza de que não existe.
— E tenho um por cento, de chance de ser verdade, —
eu disse, esfregando as mãos.
— Então vamos lá. Vou tomar banho, e depois vou
tomar meu café com Joy. Tenho alguns trabalhos com
Connor, mas depois disso, estou livre. Podemos ir até a
biblioteca por volta das cinco da tarde, se você quiser?
— Parece bom para mim.
Antes de sair, ele me deu um beijo de despedida e as
borboletas que me atingiram quase me jogaram para trás.
Estava preparada para enfrentar uma onda de felicidade pelo
resto do dia – então meu telefone começou a tocar e o nome
de Penn apareceu na tela.
Ele não tinha me ligado desde que eu saí. Não tinha dito
uma palavra para mim, exceto pelas poucas mensagens de
texto que diziam que ele sentia minha falta. Agora estava me
ligando e eu não sabia o que fazer, então deixei ir para o
correio de voz.
Quando começou a tocar novamente, meu estômago deu
um nó e eu engoli em seco, atendendo apenas no caso de algo
errado estar acontecendo.
— Alô? — Eu disse.
— Kennedy, oi. Como você está? — Ele perguntou. Ele
parecia calmo como sempre, o que era preocupante após a
forma como ele lidou com o fim do nosso casamento.
— Como eu estou? — Eu perguntei confusa. — O que
você quer, Penn?
— Acho que mereço esse tom depois da forma como lidei
com as coisas entre nós. Poderia ter lidado com tudo um
pouco melhor.
Bufei. — Nem me fala. Por que você está ligando?
— Para dizer para você voltar para casa agora. Faz
algumas semanas, e eu poderia realmente precisar de você
aqui, Kennedy. Tenho saudades suas. As pessoas estão
perguntando por você. Estão reparando que não está por
perto.
— Não era isso que você queria? Você não queria que eu
parasse de fazer escândalos na frente das pessoas?
— Você estava de luto… e eu percebo isso. Quero dizer,
raios, eu também estava de luto, e não lidei bem com
nada muito bem. Tenho pensado em ir a terapia, para
resolver meus problemas com a raiva… para ajudar a
resolver o nosso casamento.
— Nós não temos um casamento, Penn. Você me
expulsou. Você jogou dinheiro para mim como se eu fosse
uma prostituta patética. Você disse que desejava que eu
tivesse feito um aborto. Não quero mais nada com você.
— Baby, — disse ele, fungando. Ele está chorando?
Sério? Eu não tinha ouvido Penn chorar uma única lágrima
desde o acidente. — Preciso de você. Lembra-se do jantar que
fomos na noite em que tudo deu errado? Lembra-se daquela
senhora mais velha, Laura Smith?
Aquela que me disse para fugir? Sim, eu me lembro
dela. — O que tem ela?
— Bem, ela está querendo comprar uma grande
propriedade, e quero dizer realmente grande, Kennedy – o
tipo de dinheiro que mudaria nossas vidas para sempre.
— Você quer dizer sua vida, Penn. Isso mudaria sua
vida.
Ele ficou quieto por um momento. — Sim, quero dizer…
é uma oportunidade incrível.
Ele me ligou para se gabar? Para me dizer o quão
maravilhosamente as coisas estavam indo para ele? Porque
eu não estava interessada em ouvi-lo, isso era certo.
— Bom para você. Escute, se você não tem mais nada a
dizer…
— Ela não quer meu trabalho sem você, — ele
interrompeu.
— O quê?
— Ela disse que a única maneira de fazer negócios
comigo é se ela puder jantar fora com você.
Eu ri alto. — Você está brincando?
— Não. Essas são suas orientações. Não sei por quê.
Não entendo por que ela gostaria de se encontrar com você.
Você não parece importante o suficiente para qualquer coisa
que ela possa precisar.
E aí estava.
Um dos insultos marca registrada de Penn, que mais
tarde ele me chamaria de temperamental demais por ficar
ofendida.
— Adeus Penn.
— Espera, Kennedy, caramba! — Ele gemeu no telefone.
— Por que você tem que ser tão difícil o tempo todo? Eu não
fui nada além de um santo maldito para você depois que você
matou minha garotinha, e é assim que você me paga? Isto é…
Eu desliguei.
Suas palavras enviaram calafrios na minha espinha
quando meu telefone escorregou da minha mão e bateu no
chão.
Você matou minha garotinha.
Essa faca cavou fundo no meu âmago e torceu dentro de
mim. Ele não tinha me ligado porque sentia minha falta. Ele
ligou porque precisava de mim. Ele ligou porque, sem mim,
ele perderia um enorme lucro. Não tinha nada a ver com o
amor dele por mim. Ele realmente não queria que eu voltasse
para casa para ele. Ele queria me usar e depois me jogar fora
como uma velha boneca de pano.
Uma parte estúpida de mim quase acreditou em suas
palavras. Terapia? Ok, certo. No momento em que mencionei
a Penn que estava pensando em fazer terapia após o acidente,
ele me disse que era uma perda de tempo. Ele disse que os
terapeutas eram fajutos que não ajudavam as pessoas a
melhorar, apenas roubavam seu dinheiro, e agora ele estaria
fazendo terapia? Para resolver seus problemas?
Palavras, era tudo o que ele estava me dando. Palavras
vazias e sem sentido para tentar me puxar de volta à sua teia
de destruição. Na verdade, eu estava cansada de tudo. Estava
cansada dele me menosprezando, cansada dele me
magoando.
Uma parte de mim achava que Laura tinha dito
isso a Penn para servir como carma. Ela sabia que eu
iria embora e que, portanto, ele não tinha como conseguir
uma comissão dela. Parecia um momento de ‘poder feminino’
e eu desejava poder abraçá-la por isso.
Meu telefone começou a tocar novamente, e o nome de
Penn apareceu na tela.
Eu peguei e bloqueei seu número.
Não tinha mais nada a dizer ao homem que me fez sentir
tão pequena durante os dias mais difíceis da minha vida.
Laura estava certa – não é assim que um marido deve tratar
sua esposa.
Nunca permitiria que um homem me tratasse dessa
maneira novamente.
— SINTO SUA FALTA e quero voltar logo para casa, —
disse Yoana, apenas alguns segundos depois de eu ligar para
ela. Já haviam se passado alguns dias desde nossa última
conversa porque ela e Nathan estavam viajando pela América
do Sul sem muita recepção de celular. Eu dei a ela uma
rápida atualização sobre a vida em Havenbarrow, a magia
que era a lua azul, e todos os detalhes sobre Jax Kilter,
junto com o telefonema de Penn.
— Eu também sinto sua falta, mas você voltará em mais
ou menos um mês, e então poderemos nos encontrar.
— Com o teu novo namorado, corta, o antigo melhor
namorado, — ela gritou, fazendo-me rir.
— Ele não é meu namorado. Ele é apenas um garoto que
é meu amigo, — falei, parecendo tanto como quando éramos
crianças e Yoana zombava da minha conexão com Jax. —
Além disso, eu ainda sou legalmente casada com Penn.
— Ele que se lixe, o idiota. Não acredito que ele tentou te
arrastar de volta para a vida dele para fazer um negócio.
Tenho um milhão por cento de certeza que ele estava
planejando te chutar para o meio-fio no momento em que
recebesse seu dinheiro. Ele é um perdedor que não te merece,
mas parece que esse tal Jax merece. Então vamos falar mais
sobre ele.
Só de pensar em Jax minhas bochechas incendiaram.
Ele era tão gentil comigo e amável. Ouviu minhas esperanças
e sonhos, me permitiu falar sobre Daisy e, quando eu chorei,
não me chamou de emotiva. E não disse que era demais.
Ele me ouviu, me consolou e enxugou minhas lágrimas.
Mesmo antes de Daisy falecer, Penn sempre minou
minhas emoções. Jax permitiu que elas voassem e nunca
pareceu entediado por qualquer coisa que eu sentisse.
Isso era libertador para mim. Quando alguém permite que
você seja totalmente quem você é, você deve a ele todo o seu
amor.
— Ele é realmente maravilhoso, Yoana. Sofreu um
trauma quando era mais novo, então é bom conversar com
alguém que entende como é carregar a culpa de um acidente.
Ela ficou quieta por um segundo, e eu sabia que estava
pensando em algo importante.
— O que foi? — Perguntei.
— Nada.
— Yoana, eu te conheço da mesma maneira que você me
conhece, de dentro para fora. Então qual é o problema?
— Eu só quero ter certeza de que Jax está inteiro, sabe?
Não quero que você se apaixone por alguém que também está
quebrado.
Também está quebrado.
Ela achava que eu estava quebrada, não sabia o que
dizer sobre isso.
— Você realmente acha que estou quebrada? — Eu
perguntei, com minha voz trêmula com um poço de nervos
dentro de mim.
— Não, não! Não é isso, Kenny. Só quero dizer que
você já passou por muita coisa. Não quero que sinta
que precisa ser atraído por outra pessoa que tenha bagagem.
Quanto mais ela falava sobre isso, mais ela me deixava
desconfortável. Então suspirou. — Isso não está saindo bem.
— Não, não está. Também é estranho ver como
segundos atrás, você estava bem com a ideia de chamar Jax
de meu namorado.
— Isso foi antes que eu soubesse que ele passou por um
grande trauma. Olha, eu não estou tentando empacar sua
felicidade. Se alguém neste mundo merece, é você. Só estou
sendo uma irmã mais velha, só isso. É meu trabalho proteger
você. Tudo o que estou dizendo é para ter cuidado com seu
coração. Já passou por muita coisa e não quero que você se
machuque novamente.
Assim como na minha ligação anterior com Penn, eu
estava ficando com um gosto desagradável na boca. Aqui
estava eu, finalmente encontrando meu norte depois de tanta
luta, e agora minha irmã estava me dizendo para diminuir
minha velocidade em direção à felicidade.
Não queria ouvir isso.
— Eu ouvi você, Yoana. Ouvi. Acho que vou dar um
passeio para clarear um pouco a cabeça. Hoje o dia está
pesado.
— Eu sinto muito. Não pretendia adicionar mais
estresse, juro.
— Está bem. Você me ama e está apenas cuidando dos
meus melhores interesses, e eu entendo. Faria o mesmo por
você também. Falamo-nos em breve. Continue aproveitando
sua viagem!
— Vou fazer. Eu te amo.
— Amo você também.
Depois que desliguei, coloquei um tênis, e fui para a
floresta e me lembrei de como respirar enquanto tentava
parar de pensar demais nas palavras de Yoana. E se ela
estivesse certa? E se por me apaixonar por Jax tão
rapidamente eu estivesse me preparando para mais uma
armadilha? Eu me apaixonei por Penn rapidamente. Tudo
sobre nós tinha sido um turbilhão, e a ideia de passar por
esse tipo de dor novamente parecia demais.
E se Jax me machucasse? Ficou claro que até seu
terapeuta, Eddie, estava preocupado com seu bem-estar, em
como ele estava lidando com a saúde de seu pai. E se quando
ele falecesse, Jax estourasse? E se ele me afastasse? E se eu
precisasse dele e ele não fosse capaz de me pegar antes de eu
cair?
Estava sendo ingênua em pensar que nosso
relacionamento estava a caminho de um mundo de felicidade
para sempre? Quer dizer, diabos, nós nem estávamos
oficialmente em um relacionamento.
Sentei-me do lado de fora e ouvi os pássaros por
algumas horas, esperando que eles me dessem algumas
respostas, rezando para que compartilhassem alguns
segredos de cura comigo.
Kennedy
— VOCÊ TEM AS CHAVES DA BIBLIOTECA? — Eu perguntei a
Jax quando ele pegou um chaveiro na mão. Ficamos no
primeiro degrau para entrar no que parecia ser uma
biblioteca muito fechada. A placa dizia alto e claro que o
horário de funcionamento era das nove às cinco. Certamente
Jax sabia desse fato.
— Tenho hoje à noite, — ele disse, encontrando a chave
certa e destrancando a porta à nossa frente. Quando ele
abriu, eu fiquei parada.
— O que acontece agora? — Eu perguntei. — Estamos
simplesmente invadindo?
Ele riu com aquela risada profunda e viril que eu amava
dele. — Não. O cara que dirige a biblioteca, Hunter, me
autorizou a passar a noite.
— Você alugou a biblioteca? Está me dizendo que há
uma maneira de alugar bibliotecas, porque eu gostaria
de me inscrever diariamente.
— Não, normalmente não, mas Hunter me devia um
favor.
— Que tipo de favor merece você alugar a biblioteca
inteira?
Ele torceu o nariz e coçou a nuca. — Estava
trabalhando no encanamento da casa dele há um tempo, e
encontrei uma calcinha de renda enfiada profundamente no
ralo do vaso sanitário.
— Ok? — Perguntei, não entendendo a história
estranha.
— Uma calcinha de tamanho grande demais, e vamos
apenas dizer que sua esposa é mignon, e não era a
proprietária dela. Além disso, ela viajou a negócios na
semana anterior à questão da calcinha.
— Oh, que cachorro!
— Sim, mas ele me implorou para não contar, não que
eu fosse. A vida das outras pessoas não é da minha conta.
Enquanto o cheque dele estivesse limpo, eu estaria bem.
Hoje, quando lhe pedi as chaves para a biblioteca para vir à
noite, ele disse que não. Eu disse calcinha de renda e ele a
entregou.
Eu ri. — Você chantageou ele com uma calcinha?
— Claro que sim.
Estremeci com o pensamento de Jax ter que lidar com a
calcinha de uma estranha. — Aposto que você vê muitas
coisas estranhas no seu trabalho.
— Nem me fale de bolinhas anais.
Meus olhos arregalaram. — O que?!
Ele riu para si mesmo e balançou a cabeça. — Deixa pra
lá. Vamos.
Entramos na biblioteca e, em um instante, eu estava no
céu. Jax trancou a porta atrás de nós para que ninguém mais
pudesse entrar. Se eu tivesse que ser trancada em algum
lugar, rezei para que fosse numa biblioteca. Nunca ficaria
sem aventuras.
— Imaginei que seria mais fácil procurar a sala
escondida da biblioteca se mais ninguém estivesse aqui. Além
disso, agora podemos ser selvagens e ignorar as regras de não
falar.
— Você não está muito rebelde?
— O que posso dizer? Rebelde até os ossos.
Isso é tão emocionante para mim, e eu adorei que Jax
tenha se esforçado para tornar o que algumas pessoas
pensariam ser uma noite chata ainda mais especial. Na
recepção, havia uma cesta cheia de salgadinhos e duas
taças de vinho.
— Joy nos enviou uma garrafa de vinho branco. Ela
disse que você realmente gostou desse tipo. Além disso, tentei
fazer uma torta de frango, que é um milhão de vezes mais
fácil de dizer do que fazer. E Joy também me ajudou com
isso.
Meus olhos se arregalaram. — Essa é minha comida
preferida. —
— Sim, eu sei – pelo menos eu sabia que era. Estava
relendo suas cartas antigas e...
— Você ainda tem nossas cartas?
Ele ficou tímido, envergonhado, cruzou os braços e deu
de ombros. — Sim. Eu sei que isso é provavelmente estúpido,
mas elas significaram muito para mim. Quando eu era mais
jovem, em alguns dos meus dias mais difíceis, voltava e lia
essas cartas. Elas me fizeram passar por coisas pesadas.
Sem pensar, passei meus braços em volta dele e o puxei
para dentro do meu corpo. Eu precisava senti-lo contra mim,
para me lembrar de que isso era real, que éramos reais. Eu
sabia com o que Yoana estava preocupada e a amava por sua
preocupação, mas Jax era o único projetado para mim. Ele
não era o vilão do meu conto de fadas; era o herói quebrado,
aquele que não iria me salvar, mas salvar-se a si mesmo, e
ele estava fazendo isso. Dia após dia, ele se esforçava para
melhorar, o que era tão inspirador para mim, e ele me
fez querer fazer o mesmo por mim mesma. Eu não
queria que Jax me curasse – isso era meu trabalho. Mesmo
assim, eu queria ser inspirada por seu crescimento para ver
que eu também poderia crescer, poderia me curar, poderia
sair da minha situação atual e encontrar a felicidade do outro
lado.
— Você me faz querer melhorar, — sussurrei enquanto
seus braços fortes me seguravam.
Ele deu um beijo na minha testa. — Você está me
deixando melhor, — respondeu.
Decidimos jantar e beber todo o vinho antes de começar
a examinar a biblioteca. Havia tantos livros para tentar puxar
para destrancar a passagem secreta da sala escondida, e
havia uma boa chance de ficarmos lá a noite toda.
Eu não me importei nem um pouco. Ficar trancada na
biblioteca com Jax Kilter, poderia ter pensado em maneiras
piores de passar a noite.
Inventamos um jogo em que íamos a diferentes direções
da biblioteca e pegávamos livros aleatórios para lermos
trechos. Qualquer outra pessoa no mundo poderia pensar
que éramos nerds por isso, mas honestamente, foi à noite
mais divertida que eu já tive em muito tempo. Ter um homem
grande, forte – e um pouco embriagado – lendo trechos de A
Odisseia era muito mais excitante do que se poderia
pensar.
A maneira como as palavras rolavam na língua de Jax
enviava calafrios na minha espinha. Poderia ouvi-lo ler para
mim pelo resto da minha vida, e ainda assim não teria o
bastante de suas palavras.
— Puxe um livro e vire para a página noventa e quatro.
Leia o quarto parágrafo, — ele ordenou para a décima sexta
rodada do jogo.
Peguei um romance intitulado Midnight Mansion de
Graham Russell, o grande autor de horror, e comecei a ler.
'Suas mãos estavam encharcadas de gasolina e seu hálito
estava coberto por uísque envelhecido que não queimava mais.
Ele estava bebendo há dias, mas, ainda assim, pareciam
apenas algumas horas. A solidão das semanas passadas
passou enquanto ele vasculhava as fotografias antigas da
mulher que amava e que agora era uma assassina
identificada. Ele se perguntava como poderia ter amado
alguém tão sombrio, mas a percepção se instalou no fato de
que as pessoas mais sombrias eram as mais divertidas de se
apaixonar. Ele ansiava por desapontamento, e Leslie sempre
lhe deu isso’.
Poxa.
Senti falta de escrever. Sempre que leio palavras fortes,
eu queria voltar a usá-las.
— Minha vez, — disse Jax do outro lado.
— Ok, puxe um livro, página cento e quatro, parágrafo
cinco.
Ele pigarreou e começou a ler. ´Iris, não solte’, Harry
implorou, vestindo sua camiseta esfarrapada. ‘se você for
agora, eu ficarei aqui sozinho. Não sei como voltar para a
cidade. Não sei quando ou para onde devo ir. Não sei respirar,
a menos que você esteja me guiando. Este lugar está cheio de
guerra, e você é minha paz. Então, por favor, não me deixe ir.
Meu coração pulou na minha garganta, e me virei para a
esquerda para ver Jax parado ali com um livro na mão, e não
apenas um livro. Meu livro.
— Onde você conseguiu isso? — Perguntei.
— Estava nas prateleiras.
Balancei minha cabeça. — Duvido que esteja aí.
— Eu poderia ter colocado lá, — respondeu. E caminhou
até mim e pegou minha mão na dele. — Você é uma autora
incrível, Kennedy.
Sorri. — Você não pode afirmar isso em um parágrafo.
eles.
— Eu sei, — ele concordou. — É por isso que eu li todos
— Você… — Eu respirei lentamente. — Você leu meu
livro?
— Sim. É poderoso e comovente, como você. É poderosa
e comovente.
— Jax... — Antes que eu pudesse terminar meu
pensamento, Jax se moveu para a parede a algumas
prateleiras de mim, pegou certo romance e eis que a sala
escondida se abriu. Estava cheio de mais prateleiras de
livros, havia um belo sofá e uma poltrona enorme. Poderia
passar o resto da minha vida nessa sala e ficaria bem.
Eu ri. — Você sabia onde estava isso o tempo todo?
— Culpado da acusação.
Queria bater no braço dele, mas mais do que isso, eu
queria beijá-lo. Eu queria puxá-lo para o recanto lindamente
escondido, cair em seu corpo e beijá-lo com força e por muito
tempo. Enquanto olhava para a sala, comecei a me virar para
falar com Jax, e ele estava ali. Estava na minha frente,
olhando para mim como se eu fosse algo que ele queria
arrebatar antes do final da noite.
— Se está tudo bem com você, acho que terminei de ler
por esta noite, — sussurrei enquanto arrastava um dedo em
seu peito.
— Você quer ir embora? — Ele perguntou encarando
meus lábios. Quando ele olhou para mim, seus olhos estavam
dilatados, e o desejo que eu estava sentindo era
completamente visto dentro dele.
— Não, — eu disse expirando.
Ele se aproximou e descansou a testa na minha. — Você
quer entrar no recanto comigo, Sun?
— Sim.
— Você quer me beijar dentro do recanto, Sun?
— Sim. — Sim, sim, sim…
— Você quer tirar nossas roupas lá dentro, Sun? —
Disse suavemente contra meus lábios antes de chupar meu
lábio inferior.
— Por favor, Jax, — implorei, gemendo em sua boca
quando o desejo tomou conta de mim. Ele me levantou e me
carregou para a sala. E me prendeu contra uma estante de
livros, me beijando como se estivesse esperando a noite toda
por isso. Minhas pernas estavam enroladas em sua cintura
quando senti seu desejo contra mim. A boca percorreu meu
pescoço, e eu gemi quando coloquei minhas mãos nas
prateleiras ao meu lado para me equilibrar. Os gemidos de
Jax contra a minha pele enviaram uma poça de calor ao meu
núcleo e comecei a moer meus quadris contra seu jeans.
Eventualmente, ele me colocou no chão e começou a se
despir até ficar com suas boxers. Comecei a fazer o mesmo,
tirando minhas roupas. E ele se aproximou de mim, com seus
olhos fixos na minha calcinha vermelha, e passou os
dentes ao longo do lábio inferior. — Linda pra caralho,
— murmurou.
E prendeu os dedos na borda da renda e a puxou para
baixo antes de me levar em direção à enorme poltrona. —
Sente-se, — ordenou, e nossa, eu gostei disso. Gostei dos
comandos dele.
Sentei, e ele se abaixou no chão a minha frente. Ele se
ajoelhou diante de mim e me olhou como se eu fosse uma
rainha e ele estivesse lá se curvando. Abriu minhas pernas, e
o desejo que eu tinha por ele naquela noite disparou para o
teto. Eu queria que ele me provasse, me lambesse, me
provocasse, e ele fez exatamente isso.
Quando se aproximou do meu núcleo, começou a beijar
e lamber e foder minhas coxas com a boca. A antecipação
estava me matando quando eu coloquei minhas mãos nos
braços da poltrona e enfiei minhas unhas no tecido.
Foi quando Jax chegou ao meu núcleo, e sua língua
molhada me chicoteou, me lambendo de cima a baixo
enquanto eu gemia de prazer.
— Você tem um gosto tão bom, Kennedy… você tem o
gosto de tudo que eu sempre quis, — declarou. E colocou as
mãos sob as bochechas da minha bunda, levantando-me por
meus quadris para que pudesse conduzir sua língua mais
profundamente em mim. Ele não estava apenas me fodendo
ao ponto do orgasmo; ele estava fazendo amor com minhas
carências, também. Ele estava focado e dedicado a mim.
Jax levantou uma das minhas pernas em cima do
ombro e continuou. Sua língua chupou meu clitóris antes de
deslizar dois dedos profundamente dentro de mim. Enquanto
sua língua se movia, seus dedos dançavam, me aproximando
cada vez mais do clímax.
— Sim, por favor, — implorei, — Continue… isso… Jax,
eu vou… — Não conseguia, não sabia que poderia ser tão
bom. Eu não sabia que um homem poderia arrebatar uma
mulher como se ela fosse sua rainha e seu único objetivo era
agradá-la de todas as maneiras possíveis.
Não conseguia parar o tremor que tomou conta de todo
o meu corpo. Quando ele me tocou e fez amor comigo com
sua língua, não consegui parar o feroz orgasmo que inundou
todo o meu corpo.
— Eu amo isso, Sun. — Ele gemeu de prazer, ainda me
lambendo. — Amo seu gosto na minha língua.
Eu não conseguia nem formar frases mais. Não consegui
encontrar as palavras para conectar em minha mente para
dizer a ele o que eu queria a seguir, o que eu precisava a
seguir. Então, gaguejei as únicas três palavras que consegui
reunir.
— Foda-me, Jax, — eu disse sem fôlego, e seus olhos se
encontraram com os meus.
— Sim?
— Por favor, — implorei, precisando saber como era tê-lo
dentro de mim.
Ele pegou sua carteira no jeans e tirou uma camisinha.
Quando ele se levantou, tirou a cueca, e seu pênis foi
revelado e eu tinha certeza de que ofeguei com o tamanho.
Quando ele deslizou a camisinha por seu pênis, e eu
observei, quase gozei novamente da visão pecaminosa dele se
acariciando.
Estendeu a mão para mim, me levantou da cadeira e me
levou para o sofá.
Enquanto ele se posicionava sobre mim, parou
esfregando levemente o pênis no meu núcleo. — Eu quero
isso para sempre, — confessou baixinho e um pouco trêmulo.
Seus olhos dilatados encontraram os meus quando ele
começou a deslizar para dentro de mim. Seus lábios se
separaram quando ele abaixou sua boca na minha. — Eu
quero você para sempre.
— Sua, — garanti, querendo gritar de prazer pela
sensação dele me dando cada pedaço seu. — Sou sua.
E começou a fazer amor comigo ali mesmo na sala
escondida da biblioteca. Ele penetrou em mim sem
arrependimentos. Ele me fodeu com um propósito. Eu
também senti tudo dele. Senti sua luz e sua escuridão, sua
felicidade e sua tristeza, sua eternidade e seu para sempre,
enquanto ele entrava e saía de mim com um ritmo que
correspondia aos meus batimentos cardíacos. Jax fez amor
comigo em meio a milhares de romances, e eu sabia que
nenhuma dessas histórias jamais superaria a que estávamos
criando dentro de nós mesmos.
Havia algo tão poderoso em fazer amor com seu melhor
amigo.
E quando terminamos de fazer amor?
Fizemos novamente.
Kennedy
COMECEI A ESCREVER NOVAMENTE.
Não era nada para contar ao mundo, e tudo que escrevi
poderia ser sem sentido, mas essas palavras eram minhas, e
eu nunca fiquei tão agradecida por ser capaz de criá-las.
Todos os dias, eu fui à biblioteca para escrever no recanto
escondido. E ficava lá até o sol se pôr, digitando as palavras
que estavam vindo para mim mais rápido do que meus dedos
podiam se mover.
Tinha me esquecido de como era me sentir inspirada,
ser incapaz de me concentrar em qualquer coisa ao meu
redor por algumas horas por dia.
Quando não estava escrevendo, passava um tempo com
Jax, o máximo de tempo possível. Parecia que eu não
conseguia o bastante dele. Então, quando ele me disse que
estava indo para Chicago para visitar seu irmão, meu coração
se esvaziou um pouco. A ideia de não tê-lo por perto no
fim de semana era muito para absorver, o que parecia
bobo. Há algumas semanas atrás, ele nem sequer
estava na minha vida. E agora, a ideia dele não estar por
perto era triste.
— É apenas um fim de semana, — sorriu quando nos
sentamos no conversível. — Prometo voltar.
— É melhor que volte. Ou eu vou te encontrar
novamente, como eu te encontrei nesta cidade, — brinquei. —
Você não está se livrando de mim tão facilmente.
— E nem gostaria de me livrar de você. Estou ansioso
para ver meu irmão, no entanto. Só nos reunimos uma vez
por ano, no aniversário de nossa mãe.
Fiz uma careta. — Isso deve ser difícil. — Lembrei-me de
como era difícil o aniversário dos meus entes queridos.
— Foi no começo, mas com o tempo, ficou melhor,
Kennedy. — Ele colocou a mão na minha e apertou. — Vai
ficar melhor e mais fácil para você.
Era bom ter esse conforto.
— Mas meu irmão se recusa a voltar a visitar esta
cidade, então eu sempre tenho que ir para Chicago. Pode ser
diferente depois que nosso pai falecer. Sinto que foi por isso
que ele fugiu depois que nossa mãe morreu. Ou talvez seja
muito difícil estar nesta cidade após o acidente. Quem sabe?
Mas, por enquanto, estou bem em fugir de Havenbarrow para
vê-lo.
— Vocês dois são próximos?
Ele riu. — Não como você e Yoana, — ele respondeu. —
Mas estamos bem. Ele é meu irmão, e eu sei que se eu
precisar de algo, ele estaria lá para mim.
Havia tanto conforto nesse fato.
Ele olhou para o celular e fez uma careta. — Na verdade,
eu deveria voltar para minha casa e fazer as malas, saio cedo
amanhã.
— Oh, tudo bem, — assenti enquanto saía do carro. —
Talvez eu possa ir ajudar você a fazer as malas. Ou, bem, ver
você fazer as malas. Ou... eu não sei... Eu só quero estar perto
de você.
Ele sorriu. — Você realmente vai sentir minha falta,
hein?
Revirei os olhos. — Tanto faz, Jax. Não é grande coisa.
— Já é uma coisa. Eu adoraria sua ajuda, embora. E
também adoraria que você passasse a noite comigo. Quero
poder beijar você quando o sol nascer antes de eu partir.
Esse foi o pedido mais fácil que eu já cumpri.
Andamos pela floresta para chegar à sua casa, e foi
nesse momento que eu percebi que nunca tinha estado
dentro da casa de Jax. Eu nunca tinha visto onde ele
morava, onde seu pai morava. Curiosamente, eu
estava em parte igual, empolgada e nervosa ao pisar no lugar
onde ele cresceu. Eu sabia que muitas coisas terríveis
aconteceram naquela casa. No entanto, eu gostava de
acreditar que muitas lembranças amorosas também viviam
lá.
Quando entramos, e ele me mostrou, e meu peito
apertou. Havia todas as peças que faziam da casa uma casa.
Os móveis eram vividos. Havia fotografias de sua família em
todo o espaço. Em uma moldura da porta, havia marcações
mostrando o crescimento da altura de Derek e Jax. Passei
meus dedos por aquelas marcas e não pude deixar de sorrir.
Que memória especial.
Infelizmente, com os respingos de luz, veio à escuridão.
Minhas mãos pousaram contra uma parede que tinha um
buraco através dela. Parecia que alguém a tinha socado com
o punho. Esses tipos de buracos eram vistos por toda a casa.
Quando Jax me pegou tocando um dos pontos, ele
pigarreou. — Essas são minhas memórias com meu pai.
— Por que você não as consertou?
Sua boca se contorceu quando ele enfiou as mãos nos
bolsos. — Não queria esquecer o jeito que ele era. Parece
estúpido e mesquinho, mas eu não queria que sua saúde em
declínio fosse uma razão para eu perdoá-lo pela dor que me
causou. Então, deixei os buracos como lembretes.
— Quantas vezes ele perdeu a parede e machucou você?
Ele ficou calado.
Isso me fez querer chorar.
— Sinto muito, Jax. — Era preciso certo tipo de monstro
para colocar as mãos contra uma criança. Jax não merecia
esse tratamento. Nenhuma criança no mundo inteiro merecia
ser ferida por aqueles que deveriam proteger suas vidas.
Ele encolheu os ombros. — Foi há muito tempo.
— Ainda assim, — disse. — Lamento.
Ele me deu um sorriso sem graça antes de me levar para
seu quarto para fazer a mala.
Quando entrei no quarto, congelei ao ver duas caixas
grandes e abertas em cima da mesa dele. — O que é isso? —
Perguntei, correndo para ver o que havia dentro delas,
mesmo tendo certeza de que já sabia.
Ele olhou e ficou um pouco envergonhado. — Você não
deveria ver isso.
— Mas eu quero. — Vasculhei as caixas e balancei a
cabeça quando uma pequena risada saiu dos meus lábios. —
Eu sei que você disse que comprou um dos meus livros para
a biblioteca, mas parece que você trouxe todos os meus cinco
livros, — eu disse, atordoada. — Cinco vezes!
— Eu queria apoiá-la.
Sorri. — Um livro teria sido bom.
— E se eu acidentalmente derramar algo sobre o livro?
Eu queria ter alguns de reserva. Um dia, vou construir uma
biblioteca com todos os seus livros nas prateleiras.
Ele era o homem mais doce com quem eu já havia
cruzado, e estava tão agradecida por ele estar de volta na
minha vida. — Pela maneira como as coisas estão indo, estes
serão os únicos livros que terá, — brinquei.
Ele balançou a cabeça, extremamente certo do
contrário. — Você chegará lá, Kennedy. Um dia de cada vez.
Esperava que ele estivesse certo.
Nessa noite fizemos amor, e depois adormecemos nos
braços um do outro. Pela manhã, eu não estava pronta para
me despedir. Enquanto estávamos em frente da sua
caminhonete, me senti culpada.
— Lamento não conseguir te levar ao aeroporto. Quem
me dera ser melhor do que isto. Quem me dera não ter todos
os meus problemas.
Qual era o meu problema? Deveria ter sido capaz de
fazer isto. Devia ter conseguido entrar naquele carro e levá-lo
ao aeroporto, como uma pessoa normal. Queria ser o
meu antigo e normal eu outra vez.
Ele se inclinou me beijou nos lábios e depois minha
testa. — Você chegará lá, Kennedy, — repetiu como na noite
anterior sobre meus romances. — Um dia de cada vez.
Quando ele partiu, eu já sentia sua falta, e
egoisticamente comecei há contar as horas até que ele
voltasse.
Jax
NÃO havia como contornar o fato de que meu irmão
Derek estava muito bem. Ele era um empresário de sucesso
que trabalhou duro ao longo dos anos para subir na escada
corporativa. Se você me perguntasse o que ele fazia
exatamente, eu encolheria os ombros, mas sabia que ele
ganhava bem fazendo isso.
Quando ele parou no Aeroporto Internacional O'Hare de
Chicago para me buscar no seu BMW, lembrei-me de como
ele estava indo.
— Bem, se não é meu irmãozinho favorito, — Derek
sorriu, saltando do carro. Ele caminhou até mim, colocou as
mãos nos meus ombros e balançou a cabeça. — Você parece
maior do que a última vez que te vi. Você vai me fazer ter que
entrar na academia e começar a puxar um pouco de ferro.
— Se você fizer isso, pode não se encaixar mais em seus
ternos de grife, — brinquei.
— É para isso que servem os alfaiates, irmão.
Ele me puxou para um abraço, e eu seria um mentiroso
se dissesse que não me senti bem. É sempre bom vir em
Chicago para ver Derek. Às vezes, parecia que eu estava
vendo minha mãe também, olhando para o rosto dele. Ela
teria ficado tão orgulhosa do homem que ele se tornou.
Depois que terminamos nosso abraço, fiquei chocado
quando vi uma mulher saindo do banco do passageiro. Ela
era uma garota muito bonita, com o sorriso mais brilhante
que eu já vi – além do de Kennedy. Essa era a primeira vez
que visitei Derek e ele tinha uma companhia. Não era segredo
que meu irmão tinha um pouco da personalidade playboy.
Ele dormiu com muitas mulheres, mas nunca as deixava ficar
tempo suficiente para andar em seu BMW.
E definitivamente não as convidava para vir com ele
para me buscar no aeroporto.
— Olá! — Ela sorriu. — Eu sou Stacey. Derek…
— Noiva, — Derek interrompeu.
Stacey riu e cutucou Derek na lateral. — Você deveria
me deixar falar!
— Desculpe, não me canso de dizer em voz alta, — disse
ele, beijando-lhe na testa.
— Noiva? — Eu perguntei, tentando o meu melhor para
não parecer surpreso. — Não sabia que havia sequer
uma namorada.
— Sim, bem, tem sido um turbilhão, — Stacey sorriu. —
Só nos falamos há cerca de dois meses, e ontem à noite bum!
Proposta!
Fiquei atordoado.
— Você sabe o que eles dizem, quando você sabe…, —
disse Derek, beijando a testa da garota novamente. Ambos
pareciam apaixonados pra caramba. A felicidade parecia bem
em Derek. Às vezes parecia que ele lutava para encontrar seu
caminho na vida além do trabalho. Houve momentos em que
sua mente ficou tão sombria, mas ele se recusou a deixar
alguém entrar. E dizia que a terapia não era para ele, mas
estava feliz que funcionasse comigo. Ainda assim, gostaria
que ele falasse com alguém. Não doía.
— Parabéns! — Eu disse, estendendo minha mão em
direção a Stacey para cumprimenta-la.
— Oh não, querido, eu sou de abraços, — disse, me
puxando. Quando ela me apertou até a morte, olhei para meu
irmão, que estava sorrindo de orelha a orelha para ela como
se ela fosse seu sol.
Bom para eles.
— Agora, não se preocupe. Não vou ficar no seu pé o fim
de semana inteiro. Eu só queria vir te conhecer e dizer oi.
Derek me falou muito sobre você. —
— Espero que as coisas boas, — brinquei.
— Há apenas coisas boas a dizer, — comentou Derek,
mesmo sabendo que era mentira.
Fomos para seu apartamento, que evidenciou mais uma
vez que o dinheiro não era um problema para ele. Era um
lugar enorme, com três quartos no oitavo andar, no centro de
Chicago. Às vezes, eu me perguntava onde estaria se tivesse
aceitado sua oferta de trabalho na sua empresa. Então,
novamente, eu sabia no fundo da minha alma que eu era um
garoto do sul por completo. As grandes luzes da cidade não
eram meu lar. E me sentia mais em paz no fundo da floresta.
Stacey não ficou por muito tempo. Mesmo que eu
dissesse que ela era mais que bem-vinda em nos acompanhar
no jantar, mas ela discordou, dizendo que precisávamos de
tempo para conversar.
Derek escolheu a melhor churrascaria de toda a cidade,
e eu estava mais do que disposto a deixá-lo pagar por isso.
Encanadores não ganhavam o tipo de dinheiro que Derek
recebia, e a maior parte do meu salário era para as contas
médicas do meu pai.
— É realmente muito bom ver você, Jax. Deveríamos
começar a fazer visitas com mais frequência. Uma vez por ano
não parece mais o suficiente. Especialmente com Stacey
sendo uma garota de família. Ela ficou horrorizada quando eu
disse a ela que só nos víamos uma vez por ano, — disse
Derek, cortando seu lombo.
— Você é mais que bem-vindo a descer para
Havenbarrow, — respondi, ao que ele torceu o nariz. Sua
reação não era uma surpresa para mim. Eu sabia que Derek
não tinha planos de voltar à sua cidade natal. Nem para me
visitar. Muitos de seus demônios moravam lá. Na verdade, eu
não o culpo por não querer revisitá-los.
— Você sabe que é muito difícil para mim, Jax. — Sua
voz caiu um pouco. — Mas você é sempre bem-vindo aqui.
— Eu sei. Vou me esforçar mais para vir também.
Talvez eu traga Kennedy para conhecer ele e Stacey. O
fato de trazer Kennedy para visitar era um pensamento
chocante para mim. E o fato de me deixar tão feliz me chocou
ainda mais.
— Ou você pode apenas aceitar a oferta de trabalho na
minha empresa. Você sabe que eu sempre darei uma vaga
para você, e não seria uma posição inferior. Você pode
trabalhar ao meu lado, ser meu sócio.
Eu ri. — Não tenho um osso comercial no meu maldito
corpo, Derek. A ideia de me fazer teu sócio é uma loucura. Eu
arruinaria seus negócios em um piscar de olhos.
— Eu poderia te treinar. Sério, Jax. Podíamos fazer uma
grande equipe.
Levantei uma sobrancelha. — Por que temos essa
conversa em todos os anos que venho aqui?
Ele suspirou e largou os talheres. — Quero mais para
você do que sua vida em Kentucky.
— Minha vida está bem lá. Eu tenho meus negócios.
— Esse era o negócio de canalização de Cole – não o seu,
— argumentou. — Você só assumiu o controle depois que ele
teve o primeiro derrame, porque, por algum motivo, você
sente que deve algo a esse bastardo.
Sempre senti que devia algo a meu pai porque matei a
esposa dele. Parecia motivo suficiente para manter seus
negócios funcionando. — Eu sou bom nisso. — Dei de
ombros. Eu sabia que Derek nunca entenderia, mas eu
realmente gostava do meu trabalho. Eu era bom nisso e não
me vi abandonando tão cedo. — Por que você está sempre me
pressionando para deixar Havenbarrow?
— Porque é uma cidade de merda. Você não precisa
desse lugar na sua vida.
Não tinha vontade de discutir com ele. Nós só tínhamos
esse tempo para ficarmos juntos. A última coisa que eu
queria fazer era brigar.
— Mudando de assunto, — eu disse, me mexendo no
meu lugar. — Que tal me falar um pouco mais sobre Stacey.
Derek sorriu como um estudante em sua primeira
paixão. A conversa ficou mais leve, e depois que ele
terminou de me contar tudo sobre Stacey, eu o
informei sobre Kennedy.
— Não brinca, — ele suspirou, atordoado. — Aquela
mesma garota pela qual você era louco quando criança?
— A única.
— Isso é um filme de Nicholas Sparks ou algo assim, —
ele brincou. — Então, ela é sua namorada?
A pergunta permaneceu um pouco na minha mente. Nós
realmente não conversamos sobre rótulos, mas não era
segredo que Kennedy era minha, e eu era dela. Pelo menos
em minha mente ela era minha, e eu não vi isso mudar tão
cedo. — Poderia dizer que sim.
Ele continuou sorrindo como um idiota. — Isso é bom,
Jax. Olhe para nós dois. Ambos em um relacionamento com
boas mulheres. Mamãe ficaria orgulhosa.
A menção de mamãe apertou meu peito um pouco
quando a culpa me atingiu. — Ela deveria vir para o seu
casamento, Derek… — Engoli em seco e olhei para baixo. —
Me desculpe, eu tirei isso de você. — Tirei muitas lembranças
dele e me odiei por isso. Mamãe nunca conheceria seus
netos. Ela nunca participaria da dança mãe-filho em nossos
casamentos. Ela nunca saberia quanto sucesso Derek havia
alcançado.
— Pare com isso, Jax, — repreendeu Derek. — Não faça
essa merda, ok? Não carregue isso em seus ombros.
— É difícil não fazer quando sou eu o motivo.
— Você não é! — Ele gritou, fazendo outras pessoas se
virarem para olhar para nós dois. Sua voz era alta e poderosa
quando seu rosto ficou vermelho pelo seu aborrecimento.
Então, sua voz falhou quando ele abaixou o volume. — Você
não é responsável por essa merda, Jax. Foi há muito tempo, e
você não pode segurar isso em seus ombros para sempre.
Não foi sua culpa. Um dia você tem que deixar isso para lá.
— Eu não vejo isso acontecendo. Sou a razão pela qual
ela se foi, Derek, e eu amo você por agir como se eu não
fosse, mas eu sei. Enfim, desculpe por trazer isso à tona.
Vamos mudar de assunto.
A maneira mais fácil de chatear meu irmão era dizer que
eu era responsável pela morte de mamãe, mas ele estava lá.
Ele estava lá na floresta comigo quando eu puxei o gatilho.
Ele sabia o que aconteceu. Não havia como negar o que eu
tinha feito.
Ainda assim, rasgava-o por dentro saber que eu me
culpava tanto. Portanto, eu faria o possível para não falar
sobre isso, especialmente quando minha visita era tão curta.
O resto da noite foi gasto, trocando histórias do nosso
passado e falando sobre o futuro. Antes do jantar
terminar, Derek me fez uma pergunta muito
importante, que eu tive a honra de responder.
— Jax, você quer ser meu padrinho?
Kennedy
SENTIA FALTA DE JAX. Eu parecia um disco arranhado com
a quantidade de vezes que eu disse a mim mesma que sentia
falta dele. Fiquei impressionada com o quanto eu podia sentir
falta de alguém que nem estava na minha vida há tanto
tempo. E fiz o meu melhor para me manter ocupada, porém,
e felizmente, as palavras ainda estavam fluindo.
Passei a maior parte do meu fim de semana na
biblioteca, com intervalos para almoçar no Gary's. Marty
estava mais do que disposto a conversar comigo um pouco
sobre minha escrita. Descobri que ele também escrevia por
diversão e mencionou que deveríamos ter noites de redação,
se eu quisesse.
Gostei da ideia de ter alguém com quem conversar se eu
estivesse presa no meu enredo. Então, durante qualquer
tempo de inatividade, eu pensava em Jax – escrevia –
pensava em Jax – comia-pensava em Jax – dormia.
Na tarde de sábado, enquanto comia minha segunda
fatia do bolo de veludo vermelho no café, sorri brilhantemente
quando notei Connor do lado de fora distribuindo panfletos
para os transeuntes. Não sabia o que ele estava tramando,
mas sabia que era algo relacionado a alguns de seus
negócios. Eu nunca conheci um garoto com uma ética de
trabalho tão forte. Quando ele entrou no café, todos o
cumprimentaram com sorrisos brilhantes, porque Connor era
amado por todos que ele conhecia.
— Ei, Kennedy! — Ele disse, sorrindo de orelha a orelha.
— Como você está?
— Ótima, Connor. E você? Como está sua mãe? — Eu
perguntei. Alguns dias atrás, Connor me disse que sua mãe
estava lutando contra o câncer e fazendo um ótimo trabalho
na batalha. Quando ele falou sobre sua mãe, ele falou como
se ela fosse a melhor mulher do mundo. E amei isso nele.
Sempre havia algo especial em um garoto que amava sua
mãe.
— Ela está indo muito bem, na verdade! Não tenho
dúvida de que as coisas estão melhorando. — Estendeu um
panfleto e cartão de visita em minha direção. — Falando em
estar sempre atualizado, eu queria saber se você deixaria
uma avaliação no Yelp 12 sobre a JAC Paisagismo.
12 - Yelp é uma empresa que seu site e aplicativos voltados à avaliação de estabelecimentos
comerciais.
Levantei uma sobrancelha para o cartão de visita e não
pude deixar de sorrir. — Jax sabe que você começou um
negócio enquanto ele estava fora?
Ele sorriu. — Pensei que seria melhor surpreendê-lo
com a notícia quando ele voltasse à cidade. Mantenha a
surpresa, sim? Já tenho alguns novos clientes entrando em
contato conosco depois que viram seu quintal.
— Ele vai te matar, Connor, — eu ri, balançando a
cabeça.
— Sim, bem, nenhuma novidade… — Ele olhou para o
celular. — Desculpe sair assim, mas tenho que ir à igreja
para distribuir esses panfletos. Eles estão saindo do ensaio
do coral, e tenho certeza de que Jesus adoraria que alguns
deles tivessem seus gramados abençoados. Tchau, Kennedy!
— E desapareceu tão rapidamente quanto chegou,
distribuindo panfletos para quem passasse por ele.
Jax ficaria emocionado com seu novo negócio.
Depois de terminar meu bolo, saí do café, e notei uma
mulher lutando com um carrinho de bebê enquanto deixava
cair à bolsa de fraldas e todos os produtos voaram pela
calçada. Sem pensar, corri para ajudá-la.
— Aqui está, — eu disse, recolhendo suas coisas
enquanto ela me agradecia.
— Oh Deus, muito obrigada. Desculpe, tenho andado
muito dispersa ultimamente e não percebi que não fechei a
bolsa, — comentou. — E com outro a caminho, tenho certeza
que só vai piorar. Mãe, cérebro e tudo.
Eu olhei para seu carrinho, onde não havia um, mas
dois bebês sentados. Um estava em um descanso profundo e
pacífico, enquanto o outro resmungava. Minha mente ficou
embaçada e dei um passo para trás enquanto balançava a
cabeça.
Ela inclinou a cabeça enquanto olhava para mim. —
Você está bem?
Meus lábios se separaram, mas eu não podia dizer nada.
As palavras não chegavam quando o ataque de pânico
começou a subir no meu peito. Não era justo. Ela tinha dois
bebês – e outro a caminho – e eu não tinha minha Daisy.
Daisy.
Ela se foi por minha causa.
Era minha culpa.
Uma lágrima escorreu por minha bochecha e os olhos
da mulher se arregalaram em pânico. — Oh meu Deus, você
está bem? Eu disse alguma coisa? Você está…
— Sinto muito, — murmurei, ainda olhando para o
carrinho. Não conseguia me mexer. E não conseguia
respirar, e desta vez Jax não estava lá para me levar
para casa.
A mulher seguiu meu olhar, e começou a ficar nervosa
quando testemunhou meus olhos grudados em seus filhos. E
rapidamente juntou o resto de suas coisas e se afastou.
Mexa-se, Kennedy. Mova-se. Vá, eu disse a mim mesma.
Mas nada estava acontecendo. O pânico era grande demais
para eu fugir. Quando uma mão pousou no meu ombro, eu
saltei para me virar e ver Amanda parada atrás de mim.
— Você está bem? — Perguntou confusa com meu
estranho comportamento.
— Eu…eu… — Engoli em seco. Tudo que eu podia fazer
era balançar a cabeça. Eu me senti tão estúpida. Tão fraca.
Tão perdida. Amanda cruzou o braço com o meu e me levou a
um banco do outro lado da rua. Sentamos e ela esperou o
pânico passar.
— Coloque a cabeça entre as pernas e respire, — ela
ordenou. Eu fiz o que ela disse, sem lhe dar palavras, porque
tudo parecia demais para mim. Ela ficou ao meu lado até
minhas respirações voltarem ao normal, e o constrangimento
substituiu meus medos.
— Obrigada, — murmurei, sentando-me enquanto meus
batimentos cardíacos continuavam a acelerar.
— Qual é o seu problema? — Ela retrucou,
olhando para mim como se tivesse crescido duas
cabeças em mim. Ela estava olhando para mim da mesma
maneira que Penn me olhava. Como se eu fosse uma
aberração da natureza.
— Lamento. Às vezes tenho ataques de pânico.
— Por quê? — Ela questionou secamente. Tinha certeza
que ela estava se perguntando por que Jax escolheria alguém
como eu. Alguém tão quebrada, quando ela parecia tão…
inteira.
— Eu… eu sofri um trauma no ano passado. E ainda
estou tentando resolver isso.
Ela fez uma careta. Por uma fração de segundo, pensei
que se sentisse mal por mim, mas depois falou suas
verdades. — Jax precisa de alguém melhor do que você.
— Desculpe-me? — Perguntei me levantando.
— Digo. Ele já lidou com merda suficiente em sua vida
e, agora, com o pai idiota morrendo, ele não precisa de
alguém com essa bagagem. Ele já teve o bastante. Por que
você colocaria seus problemas na porta dele?
Meu peito apertou quando me sentei outra vez,
atordoada por suas palavras. — Não, eu… estou resolvendo
meus problemas. Não estou colocando nada nos ombros de
Jax.
— Você está, porém, e é completamente egoísta da sua
parte. E com base no seu recente ataque de pânico em
público, ficou claro que você não está trabalhando o
suficiente nos seus malditos problemas. Se você se
importasse com ele, daria espaço a ele e o deixaria lidar com
o fato do pai estar morrendo. A última coisa que ele precisa é
do drama de uma garota aleatória.
Ela não disse outra palavra. Simplesmente se levantou e
saiu, deixando-me sentada ali transtornada.
Odiava que ela me afetasse. Odiava ter começado a
duvidar de mim e de meu relacionamento com Jax por causa
dos comentários de Amanda. E se ela estivesse certa? E se eu
estivesse dificultando as coisas para Jax? Ele passou por
muita coisa. Por que ele deveria lidar com meus colapsos
emocionais também? E se Yoana estivesse errada com sua
preocupação por Jax piorar minha situação? E se eu fosse o
problema?
E se eu fosse um problema que nunca poderia ser
resolvido?
Fui para casa naquela noite e pensei demais em tudo. O
sono nunca me encontrou, e na manhã seguinte, quando Jax
voltou à cidade, garanti estar ocupada demais para vê-lo. Eu
precisava resolver meus problemas antes de aparecer na sua
porta. Ele já estava passando por tanta coisa sozinho.
Não era justo se eu permitisse que meus problemas
pesassem no seu mundo.
Kennedy
FIQUEI na biblioteca durante os próximos dias, dizendo a
Jax que estava muito ocupada trabalhando no meu romance
para me encontrar com ele. Cada vez que ele me perguntava
se eu estava bem, eu mentia e dizia que estava tudo bem. Eu
ainda não sabia como encará-lo após minha interação com
Amanda, apesar de tudo o que eu queria era estar em seus
braços para receber seu conforto novamente.
Naquela terça-feira, fiquei tanto tempo na biblioteca que
nem percebi que começara a chover enquanto trabalhava.
Quando Hunter veio me expulsar da biblioteca durante o dia,
fiquei impressionada com a quantidade de chuva que estava
caindo ao meu redor.
Meu primeiro pensamento foi ligar para Jax, mas eu
sabia que não podia fazer isso. Em vez disso, peguei meu
telefone celular e usei o aplicativo Cuber que Connor havia
me dito para baixar semanas atrás. Digitei 'diamond' para o
código promocional e não pude deixar de sorrir quando
funcionou.
Connor era jovem, mas muito inteligente. Seu aplicativo
era brilhante.
Eu tentei o meu melhor para não deixar o barulho da
chuva me incomodar enquanto esperava o carro de Connor
parar na frente da biblioteca. Quando isso aconteceu, corri
escada abaixo e pulei no banco do passageiro. Meu coração já
estava batendo rapidamente no meu peito, mas tentei
controlar o pânico.
— Olá, Kennedy! Bem-vinda ao Cuber, a grande
novidade em transporte. Posso lhe oferecer uma água? Talvez
algumas balas de hortelã? Eu tenho algumas revistas, se você
quiser...
— Estou bem, Connor. Só gostaria de chegar em casa o
mais rápido possível.
— Entendido. Nós da Cuber gostamos de dar
exatamente aos passageiros o que eles querem, então terei
você em casa em pouco tempo. Sente-se, relaxe e aproveite o
passeio.
Não era muito provável.
A chuva martelou quando Connor nos levou pela
estrada. Eu odiava a chuva, odiava como seus gritos batiam
no carro como uma agressão.
Minhas mãos estavam apertadas com força
quando fechei os olhos e respirei fundo.
Estaríamos em casa em breve, e eu voltaria para dentro,
e tudo ficaria bem.
Eu ficaria bem.
Eu estou bem.
Toda vez que um trovão rugia, meu coração disparava.
Eu podia ouvir a música que estava tocando nos alto-falantes
naquela noite. Eu podia ouvir mamãe cantando no banco ao
meu lado. Eu poderia jurar que Daisy e papai estavam
cantando junto com mamãe no banco de trás.
O telefone de Connor tocou e meus olhos se abriram.
— O que é que foi isso? — Perguntei, entrando em
pânico quando meu coração se alojou firmemente na minha
garganta.
Connor sorriu para mim e deu de ombros enquanto
olhava para o console. — Apenas meu telefone. Aposto que é
minha mãe, que está se perguntando onde estou. — Ele
pegou o celular enquanto a chuva batia no carro.
— Não! Pare! — Eu gritei. E coloquei minha mão sobre
seu celular, e ele parou, olhando para mim com uma
sobrancelha levantada. — Olhe para a estrada. Está
chovendo demais e você não deve olhar o telefone.
— Não se preocupe, Kennedy – sou um profissional,
— disse, puxando o telefone.
Meu coração bateu agressivamente contra a minha
caixa torácica, tentando sair do meu peito, e balancei a
cabeça. — Pare, — eu pedi.
Ele levantou uma sobrancelha. — O quê?
— Estaciona! Estaciona! Estaciona! — Gritava, batendo
no painel com as palmas das mãos. E não conseguia respirar.
Minha boca ficou aberta quando uma onda de pânico me
engoliu inteira. — Por favor, Connor! Por favor, encoste,
encoste.
— Está bem, está bem! — Ele disse, puxando o carro
para o lado na estrada. Quando estacionou eu saltei para fora
do veículo o mais rápido que pude.
Fui em direção às árvores ao lado da estrada enquanto a
chuva caía, e me abaixei, passando meus braços em volta das
minhas pernas e balançando para frente e para trás,
paralisada pelo medo. Isso estava acontecendo novamente.
Isso estava acontecendo novamente. Eu os estava perdendo.
Eu estava perdendo tudo de novo.
— ELA COMEÇOU A SURTAR, cara, e eu não consigo
levá-la de volta para o carro, — disse Connor a alguém
depois que outro carro parou. Estremeci na chuva
gelada quando um trovão rugiu acima. Não conseguia me
mexer. Eu estava tentando me mover nos últimos quinze
minutos, mas não conseguia. Meu corpo estava congelado no
lugar enquanto a chuva batia na minha pele. Cada gota
acendia um flashback, e cada flashback aumentava o pânico
que destruiu minha alma.
Fazia tanto tempo desde que eu tinha experimentado
um ataque de pânico neste nível. Eu deveria melhorar. Eu
deveria estar encontrando meu caminho para um novo
começo. Eu estava escrevendo de novo. Eu estava feliz. Pelo
menos, eu pensei que estava feliz.
No entanto, lá estava eu, enrolada em uma bola debaixo
de um carvalho, incapaz de me mover devido aos flashbacks
dos meus horrores.
— Ok, eu a peguei, — disse uma voz profunda, calma
como o dia. Ele se aproximou de mim e se inclinou na minha
frente. — Ei, Sun, — disse Jax, dando-me seu meio sorriso.
— O que está acontecendo?
— Eu… eu não posso... não consigo respirar… — E
respirei fundo enquanto envolvia meus braços em volta do
meu corpo e balançava para frente e para trás.
— Respire, — disse ele, concordando com a cabeça. —
Você pode respirar. Você está respirando. Está um pouco
irregular. Devemos tirar você da chuva.
— Eu não posso… o carro… eu não posso entrar no
carro agora.
Ele não arqueou uma sobrancelha ou mostrou qualquer
sinal de julgamento enquanto me observava no meio do meu
ataque de pânico. Ele não fez perguntas nem me disse que eu
poderia entrar no carro e que tudo ficaria bem. Ele não
minou meus sentimentos ou medos, e não me disse para
apenas fazer isso da mesma maneira que meu ex costumava
fazer. Ele era a calma no meio do meu furacão.
— Então não vamos colocá-la em um carro, mas você
não pode ficar aqui na chuva, então vamos lá. — Ele
estendeu os braços em minha direção.
— O que você vai fazer?
— Eu vou carregá-la.
Meu coração partido começou a bater novamente
quando eu olhei para a paz que enchia seu olhar. Enquanto
eu estava em pânico, ele ficou parado. E era a tranquilidade
do mar quando minha mente nadou através de suas próprias
ondas brutais de desespero.
Balancei minha cabeça. — Não, Jax. Estamos muito
longe da minha casa. Você não pode fazer isso. Além disso,
sou muito pesada, e, e, e...
— Kennedy, — ele interrompeu, ainda estendendo as
mãos na minha direção. — Eu vou carregá-la agora.
Eu não disse outra palavra, apenas assenti quando ele
passou os braços em volta de mim e me levantou debaixo da
árvore. Ele começou a andar na direção de nossas casas, que
ficavam a alguns quarteirões de distância.
— O que você está fazendo? — Perguntou Connor.
— Vou levá-la para casa.
— É mais de um quilômetro, Jax.
— Não será um problema, — disse com naturalidade,
embora eu soubesse que era uma tarefa insana.
Connor passou as mãos pelos cabelos e suspirou. —
Seguirei atrás de você, caso você decida que precisa de uma
carona.
Ele entrou no carro e dirigiu devagar atrás de Jax.
Connor era para Jax o que Jax era para mim – um verdadeiro
amigo. Qualquer um que o levasse na chuva era alguém que
valeria a pena ter na sua vida, e qualquer pessoa que o
seguisse para garantir que você não precisasse de uma
carona também merecia prêmios.
Havenbarrow tinha homens-feitos para romances.
Enterrei minha cabeça no peito de Jax enquanto ele me
carregava, nunca parecendo cansado do peso do meu corpo
em seus braços. Cada passo que ele dava era controlado e
deliberado. Quando minha cabeça estava contra seu peito e
enquanto ouvia seu coração bater, meus próprios batimentos
pareciam se acalmar.
— Obrigada, Moon, — sussurrei, segurando sua camisa
encharcada com força.
— A qualquer hora, Sun, — ele respondeu.
Quando chegamos em casa, ele foi em frente e me
carregou pelos degraus da minha varanda. Connor correu
para mim com minha bolsa e chaves. Ele as estendeu para
mim e eu agradeci.
Antes que eu percebesse, Connor passou os braços em
volta de mim e me segurou firme. — Sinto muito, Kennedy.
Por qualquer coisa que eu tenha feito, me desculpe.
Disse que ele não havia feito nada de errado, mas
quando ele me soltou, e vi as lágrimas em seus olhos e a
culpa nublando seu olhar, afirmei. — Eu juro, Connor. Eu
estou bem.
Ele assentiu uma vez e ajeitou o boné de beisebol. —
Descanse um pouco, senhora. Jax, fique de olho nela, sim?
Jax passou a mão em sua nuca. — Ficarei.
Connor voltou para o carro e partiu, deixando um Jax
molhado na minha varanda. E eu me sentindo um pouco
boba agora que me acalmei do meu pânico.
Minhas mãos roçaram minhas bochechas quando eu lhe
dei um sorriso patético. — Você não deveria estar de pé
nessas roupas molhadas. Estou bem agora, juro. Vou me
trocar e ir para a cama, e...
— Você pode falar sobre isso.
Eu levantei uma sobrancelha. — O quê?
— Você pode falar sobre o que está sentindo comigo.
Balancei minha cabeça. Meus lábios se abriram para
falar, mas engasguei em minhas palavras, incapaz de
expressar as emoções que pesavam no meu coração.
— Eu não sei como falar sobre isso. Pensei que estava
melhor, pensei que estava melhorando.
— Você está melhorando.
— Não, eu não estou. Eu tenho ataques de pânico
quando vejo crianças. Eu tenho ataques de pânico quando
chove. Eu mal consigo entrar em um carro sem ficar
sobrecarregada. Eu não consigo dirigir. Você não vê? Eu não
sou normal. Penn sempre dizia que eu era um fardo e sou.
Amanda estava certa.
— Amanda? — Ele perguntou, arqueando uma
sobrancelha. — O que diabos Amanda têm a ver com alguma
coisa? Oque ela disse a você?
— Não importa. Tudo o que importa é que ela estava
certa. Você merece alguém que não esteja tão quebrado
quanto eu.
— Você está falando maluquice, — disse ele, balançando
a cabeça. — Você acabou de ter um ataque de pânico – não é
o fim do mundo.
— Sim, é. Você não vê, Jax? Estou quebrada. Sou
mercadoria danificada e você já se consertou. Você não
merece ter que lidar com meus pedaços quebrados depois de
ter passado por muita coisa por conta própria.
— Diga-me o que sente, e eu vou ficar, — ele garantiu.
— Quaisquer que sejam Kennedy, não tenho medo. Ficarei
aqui.
Abaixei minha cabeça e enxuguei as lágrimas que
teimosamente continuavam caindo. — Alguns dias, mal
consigo me olhar no espelho sem sentir o peso dos meus
erros.
Ele enfiou as mãos profundamente nos bolsos e
estreitou os olhos enquanto estudava cada centímetro de
mim. — Eu sei como é isso.
— Mas você está melhor em sua cura. Você fez o
trabalho para melhorar. Sinto que dou um passo à frente e
cinco para trás.
— Não há um caminho reto, Kennedy. A cura não é
linear. A cura vem com curvas, solavancos na estrada e
buracos. Ainda tenho dias em que penso em minha mãe e
quero ficar na cama para sempre. Ainda tenho semanas em
que meu corpo sofre com as lembranças do passado, mas sei
que esses dias fazem parte da cura. Eddie me disse uma vez
que não podemos curar se tivermos muito medo de honrar
nossas sombras também. Até o sol fica encoberto por nuvens
alguns dias. Isso não tira a luz que ele emite.
Meus lábios se separaram e eu não sabia o que dizer.
Meu peito ainda estava tão apertado e minhas mãos estavam
trêmulas.
— Deixe-me abraçá-la, — disse acenando em minha
direção. — Por favor?
Eu assenti.
Entramos em casa e tirei minhas roupas molhadas. Dei
a Jax uma calça de moletom grande e ele deslizou para
dentro delas, permanecendo sem camisa.
Nós nos arrastamos para a cama, e ele passou os braços
em volta de mim enquanto eu me permitia quebrar. Ele
não me disse para me apressar. Ele não disse que
havia um limite de tempo para o sofrimento. Ele
apenas me permitiu sentir tudo, de uma só vez, e eu percebi
o quanto isso era necessário para mim. Eu precisava
desmoronar, e ele estava lá para pegar meus pedaços
quebrados.
— EU TENHO ESSE MEDO—, confessei, olhando para o
teto do meu quarto. Passei um bom tempo chorando contra o
peito de Jax e finalmente estava voltando para a Terra com
minhas emoções. — Que eu sou muito complicada para
alguém amar. Que o fato de eu estar quebrada seja demais
para alguém. Que meu trauma me dividiu em muitos pedaços
desagradáveis.
Jax ficou quieto por um momento. Era como se ele
estivesse tentando formar as palavras da maneira perfeita
para me fazer entender seus pensamentos. Quando ele falou,
eu estava ouvindo com cada grama do meu ser.
— Eu nunca me apaixonei, — disse. — Nunca me
apaixonei, nunca soube como isso funcionava, mas estou
tentando entender mais. Estou tentando aprender tudo o que
posso sobre isso. O que aprendi até agora é que quando
penso em amor, eu penso em você.
Meus lábios se separaram quando calafrios percorreram
meu corpo. — Jax…
— Eu amo seus pedaços quebrados, porque mostra que
você viveu. Isso mostra que você é corajosa o suficiente para
se entregar ao mundo, por mais difícil que seja às vezes. —
Ele olhou nos meus olhos. — Eu te amo, Kennedy. Eu te amo
de uma maneira que é maior que o amor. Amo seus raios de
sol e suas sombras da lua, e continuarei amando você e seus
pedaços quebrados até você sentir meu amor com tanta força
que você esquecerá que seu coração tem rachaduras
danificadas. Então, eu vou te amar mais.
Suas palavras curaram partes de mim que eu nem sabia
que estavam quebradas. Meus lábios dançaram nos dele e eu
o beijei levemente. — Eu também te amo.
— Um dia, você vai superar isso, Kennedy. Um dia, você
poderá andar lá fora e dançar na chuva como quando era
mais jovem, e eu dançarei ali com você. Mas você não precisa
se apressar, ok? Você tem permissão para ir devagar. Não há
cronograma na cura. Você anda no ritmo que funciona para
você, e eu a carregarei quando suas pernas se cansarem.
Você não precisa seguir esse caminho sozinha. —
Naquela noite, a tempestade lá fora começou, mas pela
primeira vez em muito tempo, porque eu estava nos braços de
Jax, consegui adormecer.
QUANDO ACORDEI no dia seguinte, o sol estava fluindo
pelas janelas. E rolei na cama para ver que Jax se foi.
Sentando-me rapidamente, peguei meu telefone e já passava
das onze da manhã. Eu dormi muito mais do que pensava.
Coloquei meu roupão e fui procurar Jax pela casa. Ele
saiu sem dizer nada? Antes que eu pudesse pensar mais,
ouvi um zumbido alto vindo de fora. Quando cheguei à minha
porta da frente, meu coração quase pulou do meu peito
quando vi milhares de bolhas de sabão sendo sopradas em
minha direção. Dezenas de máquinas de bolhas estavam no
meu quintal da frente, e bem no meio de tudo isso, Jax
estava com as mãos enfiadas nos bolsos da calça de moletom,
com um grande sorriso no rosto.
— O que é isso? — Eu ri, balançando a cabeça para
frente e para trás.
— Você não pode ficar triste quando está soprando
bolhas de sabão, — ele me disse, vindo em minha direção.
Pegou minhas mãos nas dele e as apertou. — E eu queria que
você sentisse um beijo de sua filha esta manhã, queria que
você se lembrasse disso, não importa o quê, ela ainda está
aqui.
Lágrimas se formaram nos meus olhos. — Você é tudo
que eu queria e tudo que eu nunca soube que poderia ter.
— E sou seu, — ele garantiu. — Acho que sempre fui. —
Ele deu um passo para trás, estendeu a mão para mim e
curvou-se levemente. — Agora, você me fará a honra de
dançar comigo nas bolhas? — Ele perguntou.
Eu ri, peguei a mão dele e dançamos.
Kennedy
— O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI? — Ofeguei quando
Yoana veio andando em direção à minha varanda da frente.
Jax e Connor estavam trabalhando no paisagismo e eu estava
escrevendo uma cena do meu romance quando notei minha
irmã pulando em minha direção.
Eu me levantei e corri até ela, puxando-a para um
abraço apertado.
— Vocês não deveriam estar em casa até o próximo mês,
— eu disse confusa como sempre.
— Sim, bem, um passarinho na cidade me disse que
você pode estar precisando da família. Nathan está em casa
descansando, então eu pensei em parar aqui para vê-la para
que possamos conversar, — Yoana disse enquanto olhava
para Jax, que estava se esforçando ao máximo para agir
como se estivesse trabalhando duro. — E você deve ser Jax.
— Ela sorriu enquanto caminhava até ele. — É bom vê-lo
novamente depois de todos esses anos, e obrigada por
sua ligação. — Ela o puxou para um abraço, e eu
ainda estava confusa como sempre.
— Você ligou para ela? Quando? — Perguntei perplexa.
Ele encolheu os ombros. — Peguei seu telefone na outra
noite enquanto você dormia e liguei para ela. Imaginei que
você pudesse precisar de alguns rostos familiares por aí.
Meu coração era dele.
— Obrigada, Jax, — eu disse, e ele me deu um meio
sorriso, que me aqueceu por dentro. E abracei Yoana
novamente.
Ela passou um braço em volta do meu ombro e me
cutucou na lateral com o quadril. — Agora, que tal uma
xícara do café favorito da mamãe para que possamos
conversar um pouco?
— Você não está com jetlag? Você não precisa conversar
comigo se estiver cansada.
— Prefiro ficar cansada com você a dormir. Agora vamos
lá. Eu preciso que você me atualize de tudo, especialmente
sobre quão gostoso o pequeno Jax acabou se tornando.
Balancei minha cabeça. — Pensei que você estava
preocupada comigo saindo com ele.
— Depois daquela ligação? De jeito nenhum. Eu estava
errada. Estava muito, muito errada. Então, vamos lá –
me cafeine.
Fomos para dentro, e meu peito parecia que ia explodir
de emoção por ter minha irmã de volta. Eu precisava dela
mais do que eu imaginava. Sentamo-nos na sala de jantar,
conversando sob o sol. Ela me contou tudo sobre suas
viagens, e eu pude ver que sempre que ela mencionava
Nathan, ela tinha ainda mais amor por ele do que quando
eles foram embora. Surpreendeu-me como o amor poderia
continuar crescendo depois de tantos anos.
— E esse cara Jax, Kennedy, — disse balançando a
cabeça enquanto segurava sua xícara de café. — Vocês estão
juntos, não é?
— Acho que sim. Com ele me sinto melhor, me sinto feliz
em dias que normalmente seriam tristes.
— Ótimo, — disse ela, balançando a cabeça. — É isso
que você merece. Eu não vou mentir; fiquei muito apreensiva
quando você me contou sobre o passado dele. Eu não queria
que você se machucasse, mas o jeito que ele lidou com você
quando estava em seu pior momento, o jeito que ele te
defendeu… era isso que eu sempre quis para você. Queria
que você tivesse um amor verdadeiro, do tipo que te sustenta
em vez de deixá-la cair. Penn não era esse homem para você,
mas Jax… o jeito que ele olha para você… — Ela fingiu
desmaiar, me fazendo rir.
— Você notou isso em dois segundos, e foi o
suficiente?
— Sim, — ela disse sombriamente. — Você sabe por
que?
— Por quê?
— Porque ele olhou para você da maneira que papai
olhava para mamãe – como se você fosse o mundo e ele
tivesse sorte de estar em sua órbita.
Borboletas chutaram meu estômago. — É assim que ele
me faz sentir: importante, como se eu fosse o bastante.
— Porque você é o bastante, Kenny. Você sempre foi. Eu
sei que você passou por momentos difíceis, mas no final, eu
sei que eles vão fazer você mais forte. Eu já estou tão
orgulhosa do seu progresso.
Eu olhei para o café rodopiando na minha caneca. — Às
vezes, acho que fui tão tola por ficar longe por tanto tempo.
Eu poderia estar aqui com você e Nathan e me curar muito
mais rápido.
— Ninguém pode fazer uma pessoa se curar mais
rápido, mas, com certeza, estaríamos com você durante a
chuva.
Talvez seja disso que se trata. Talvez não se trate de
pegar a luz do sol, mas ser capaz de enfrentar a tempestade
com aqueles que você mais ama.
— Acho que vou começar a ver alguém, — eu
disse. — Jax mencionou como a terapia o ajudou, e
acho que pode ajudar a desobstruir parte da bagunça
acumulada dentro da minha cabeça.
— Acho que é uma ideia brilhante. É preciso ser
corajosa para pedir ajuda. Só nunca esqueça que você não
está sozinha neste mundo, Kennedy. Eu te dou cobertura, e
você sabe a coisa mais bonita sobre tudo isso?
— O que é?
— Agora temos uma equipe de anjos cuidando de nós
todos os dias. Se isso não é uma bênção, não sei o que é.
NAQUELA NOITE, agradeci a Jax com minhas palavras e
meu corpo. Eu o amava como se fosse à única coisa que eu
deveria fazer. Nossos corpos se encaixam tão bem, como se
fossemos a peça de um quebra-cabeça. Eu amei o jeito como
ele me amava, tanto com seu corpo quanto com suas
palavras.
Enquanto estávamos deitados na cama, seu telefone
tocou e ele se sentou para vê-lo. Percebi o olhar sério em seu
rosto enquanto ele lia a mensagem.
— O que foi? — Eu perguntei.
— Era Amanda sobre o meu pai, — disse sombriamente.
— Ele está… não está bem. E tiveram que transferi-lo para
um hospital.
— Oh meu Deus, Jax. Eu sinto muito.
Ele começou a se mexer. — Eu tenho que ir lá. Tenho
que ir ver, eu tenho que… — Ele começou a vestir suas
roupas e suas palavras eram confusas. — Eu preciso…
— Ei, — eu disse, acalmando-o colocando minhas mãos
em seus ombros. — Está bem. Entendi. Vou te levar até lá.
— Não, não posso pedir para você fazer isso. Eu sei
como dirigir é para você. Estou bem, estou...
— Jax, você não está bem. Você não pode dirigir agora.
Entendi. Me dê suas chaves.
Ele as entregou com relutância, e pegamos nossas
coisas antes de sair. Quando entrei no banco do motorista,
respirei fundo. Eu mentiria se dissesse que meus nervos não
foram atingidos, mas tive que superar isso rapidamente,
porque no banco do passageiro havia um homem que estava
ao meu lado durante minhas tempestades, e agora era minha
vez de fazer o mesmo por ele. Liguei a chave na ignição, pisei
no acelerador e fomos embora.
Quando chegamos, as perspectivas não eram boas. Jax
trouxe um livro com ele, e os médicos o informaram que
não havia muito tempo para Cole, e disseram que Jax
deveria se preparar para se despedir.
Ele não disse uma palavra ao pai sobre seus
sentimentos. Ele não expressou seu amor ou gratidão. Ele
não compartilhou histórias sobre como seu pai havia mudado
sua vida. Em vez disso, ele se sentou e leu Guerra e Paz. Ele
leu capítulo após capítulo até que suas emoções começaram
a tirar o melhor dele. Quando se tornou demais, quando as
palavras falharam em seus lábios e a dor no coração começou
a afogá-lo, peguei o livro de suas mãos e comecei a ler.
Kennedy
COLE DEU seu último suspiro no dia cinco de agosto. Eu
estava lá com Jax quando aconteceu. Sentamos dentro do
quarto do hospital, com as enfermeiras nos dando espaço
enquanto Jax testemunhava os pulmões de seu pai
inspirando e expirando pela última vez.
Depois que aconteceu, Jax se virou para mim e falou
baixinho. — É errado que eu esteja um pouco aliviado por ele
ter ido? É egoísta pensar que ele não pode mais me
machucar? Isso faz de mim um monstro?
— Não, — eu disse, pegando sua mão na minha. — Isso
te faz humano.
No dia do funeral, o sol estava alto, mas o mundo
parecia sombrio. Foi uma pequena reunião de pessoas que se
encontraram no cemitério; Cole não queria uma cerimônia. O
irmão de Jax, Derek apareceu com sua noiva, Stacey. Eddie e
Marie vieram, junto com Connor, Yoana e Nathan. Todo
mundo que se importava com Jax estava lá para
confortá-lo.
Meu coração saltou quando me virei para ver outra
figura caminhando em nossa direção. Joy estava se
aproximando do cemitério, e quando ela chegou até nós, ela
tomou um lugar ao lado de Jax.
Ele se virou para ela, chocado por ela finalmente ter
saído de casa depois de tantos anos. — O que você está
fazendo aqui? — Ele perguntou, com a confusão enchendo
seu olhar.
Joy deu a ele o tipo de sorriso que ampara todos os
corações partidos. Ela pegou sua mão e a segurou com força.
— Eu vou onde o amor está, — ela respondeu calmamente. —
O que significa que eu vou onde você está.
Meu coração quase explodiu quando eu os vi
compartilhando esse momento.
— Obrigado, Joy, — Jax sussurrou.
— Sempre, — ela respondeu.
Quando chegou a hora de Jax dizer algumas palavras,
ele não tinha certeza do que deveria ser dito. — A maioria de
vocês nunca conheceu meu pai, e aqueles que o conheceram
sabem que ele não era um bom homem. É ridículo eu fingir
que ele foi um bom pai para mim, porque ele não foi. Ele foi
cruel, duro e, na maioria dos dias, eu o odiava, e
ainda… — Ele respirou fundo. — Você odeia tanto
alguém e ainda sente falta dele ao mesmo tempo? É assim
que meu amor por meu pai era, fatigado. Tudo o que eu
sempre quis fazer foi deixá-lo orgulhoso, mesmo nos seus
últimos dias.
Jax enfiou a mão no bolso do casaco e tirou o romance
que estava lendo para o pai. — Esse foi o livro que meu pai
viu minha mãe lendo no dia em que se conheceram. Ele disse
que leu porque queria algo em que pudessem se conectar.
Não vou mentir e fingir que meus pais tiveram um ótimo
relacionamento, porque não tiveram. Eles tinham falhas,
como todos nós, mas este livro os conectava, e eu queria
terminar de lê-lo antes de seus últimos dias, para que eu
pudesse encontrar uma conexão com ele também. Li alguns
capítulos, e foi assim que me senti sobre o nosso
relacionamento em geral. Que faltavam alguns capítulos.
Fungando, ele passou a mão embaixo do nariz e deu de
ombros. — Espero que ele encontre paz na escuridão, e
espero que onde quer que vá, a manhã chegue e que ele
tenha outra chance de encontrar sua luz.
Ele abaixou a cabeça enquanto suas emoções o
dominavam. Eu corri para ele para segurar sua mão. Eddie
foi também e pegou o livro da sua mão.
— O que você está fazendo? — Jax perguntou.
— Vou ler alguns capítulos, — disse Eddie, folheando as
páginas. — Porque o livro não está terminado até a última
palavra ser lida.
— Ainda há um longo caminho a percorrer, Eddie, —
argumentou Jax. — Você não pode ler tudo isso.
— Eu também vou ler alguns, — Yoana interrompeu, e
como uma reação em cadeia, todo mundo se adiantou para
ler enquanto estávamos ao redor do caixão de Cole. Foi o
momento mais bonito que eu já testemunhei. Passamos o
livro, um por um, e quando chegou à última página, Jax leu
as palavras em voz alta.
Quando terminou, ele colocou o romance em cima do
caixão e se despediu.
Então voltamos para nossos carros segurando as mãos
um do outro, porque andar sozinho não era algo que teríamos
que fazer novamente.
Kennedy
APÓS O FUNERAL, fomos para a casa de Jax. Parecia que
ele estava lidando bem com as coisas até que chegou a hora
de ele e Derek vasculharem os pertences do pai. Eles estavam
no escritório de Cole por um tempo antes de eu ouvir Jax
gritar: — Isso é besteira!
Alarmada, fui checar os dois para ter certeza de que
estavam bem, e no momento em que vi Jax, meu coração
começou a quebrar.
Seus olhos pareciam pesados e cansados e suas mãos
estavam envolvidas em um copo de uísque.
Não tivemos a chance de trocar de roupa depois do
funeral. Nós não tivemos a chance de pensar, realmente. O
terno preto de Jax estava desabotoado, sua gravata desfeita e
sua luz interior lentamente se apagara.
— Nós vamos resolver isto, Jax. Não se preocupe, —
disse Derek, com a voz sombria. Ele virou-se para sair
do escritório e deu-me um meio sorriso. — Cuide dele?
— Eu vou. — Derek fechou a porta atrás de si,
deixando-me sozinha com um Jax muito perturbado. — Você
está bem? — Perguntei.
— Ele era um idiota. — Jax acenou com a cabeça,
olhando para o copo, que estava tremendo. — E não quero
dizer de uma forma ‘sou um homem adulto com problemas
com o papai’. Não, quero simplesmente dizer que ele era um
idiota. Ninguém apareceu no seu funeral porque ele era um
idiota. Ninguém além de mim o visitou no hospital porque ele
era um idiota. Até o fim, mesmo depois de morto, ele é um
idiota de merda. — Ele riu, mas ambos sabíamos que não
havia nada de engraçado nesta situação. Cada risada parecia
uma facada. Cada sorriso parecia doloroso.
Apoiei-me no batente da porta e olhei para ele. — Jax…
— Não, — ele sussurrou, levantando o copo da mesa. —
Não me faça sentir melhor. Não quero a sua luz agora.
— O que eu posso fazer? Como posso ajudá-lo?
— Você não pode. Você não entende. Você não sabe o
que ele fez... — Respirou fundo e foi até à estante, onde
descansou a mão, com a bebida oscilando no copo. Suas
costas estavam viradas para mim, mas eu podia ouvir em seu
tom que ele estava quebrando.
— Diga-me, — insisti.
— Derek foi embora depois que minha mãe faleceu
depois que ele viu o homem que meu pai sempre foi
verdadeiramente. Ele foi esperto em fugir, e eu também
poderia ter saído com ele. Eu poderia ter saído. Derek me
disse para ir com ele, mas fiquei porque achei que devia algo
a meu pai. Ele nunca me disse nada que me fizesse sentir
bom o bastante. Ele nunca me deu um motivo para ficar.
Lembro-me de toda vez que ele colocou as mãos em mim.
Lembro-me de todos os comentários repulsivos que ele me
fez, e não consigo me lembrar se alguma vez ele tenha dito
que me ama. Nunca. Então ele morre. Ele morre, Kennedy.
Morre. E tem a coragem de deixar isso para trás. — Ele fez
um gesto em direção à mesa.
Meus olhos viajaram para o local antes de me aproximar
e levantar a papelada. Era uma cópia do testamento do seu
pai.
Jax riu. — Vá para a página três, parágrafo quatro, —
ele ordenou. Quando fiz o que disse e li o que estava escrito
lá, meu estômago caiu e senti uma onda de enjoo tomar
conta de mim.
Meu olhar encontrou o de Jax e ele assentiu. Reli o
parágrafo, esperando que estivesse errado, um erro de
digitação, algum tipo de erro. Mas não era.
— Ele deixou a Derek, a empresa de canalização e a
propriedade. Deixou tudo para ele…, — disse,
balançando a cabeça, mordendo o canto da boca. —
Isto é tudo o que eu já tive. Meu pai e este lugar eram tudo o
que eu sempre tive, e ele deu a meu irmão, que fugiu.
Não tinha certeza do que dizer. Não tinha certeza de
como processar essa informação. Tudo o que eu sabia era que
Jax tinha recebido uma mão de merda na vida, e justamente
quando parecia que a possibilidade de ele dar a volta por
cima, a vida voltava novamente à realidade, dando-lhe outra
ronda de desilusões.
— Ele deve ter deixado algo para você… Ele deve ter… —
As minhas palavras tropeçaram e cambalearam na minha
língua. — Isto não faz sentido, — eu disse ainda incrédula.
— Cole Kilter nunca fez sentido.
— Ele não deixou nada para você?
Ele balançou a cabeça e apontou para o testamento
novamente. — Há uma caixa de sapatos no chão. Foi o que
ele me deixou.
Olhei para baixo e peguei a caixa. Lá dentro estavam as
cartas – as nossas cartas, as que eu nunca tinha recebido de
Jax e as que eu tinha enviado que ele nunca recebeu. Em
cima delas havia um pedaço de papel que dizia: ‘Você levou a
minha felicidade, então eu levei a sua’.
Quando olhei para cima, Jax estava olhando para mim.
Eu não tinha ideia do que dizer ou o que sentir, então
eu não podia nem imaginar que pensamentos estavam
passando por sua mente.
— É engraçado, não é? — Ele andou pelo escritório, com
a voz elevando-se. — Mesmo do seu túmulo, ele pode me
machucar.
— Jax…
Ele balançou a cabeça para frente e para trás. — Todo
esse tempo pensei que haveria algum motivo para tudo isso,
alguma razão por trás de toda essa besteira, mas não havia.
Como é que eu ia resolver isto? Como poderia eu, fazer
um homem que passou toda a sua existência lutando pelos
outros, ver que também merecia lutar por ele, quando tantas
coisas na sua vida tinham contado uma história diferente?
— É tudo uma piada, — ele murmurou. Recuando,
olhou para o estrago e vi o pequeno tremor em seu lábio
inferior. Deixou cair o copo no chão, e enquanto se
estilhaçava, ele também quebrava. E caiu de joelhos e seus
ombros caíram para frente. Ele não chorou, mas eu sabia que
era o seu ponto de ruptura. Minha mão cobriu minha boca
para esconder meus próprios gritos pela alma quebrada
diante de mim. Quando ele não conseguia chorar, eu me
desfiz por ele.
Suas mãos pousaram sobre o copo quebrado, que
cortou sua pele. Aproximei-me dele e não disse uma
palavra. Não pedi que ele ficasse de pé. Não pedi que
ele tentasse ser forte. Sentei-me ao seu lado durante
a sua tempestade, e fiquei quando ele me implorou que o
deixasse sozinho.
Kennedy
— COMO ELE ESTÁ? — Derek perguntou depois que eu
forcei Jax a dormir um pouco. Derek e Stacey estavam
hospedados na pousada da cidade. Stacey voltou para
descansar, mas ele não queria ir embora sem saber que seu
irmão estava bem.
Fui até ele e sentei-me no sofá ao seu lado. — Ele está
lutando, é claro. Não posso censurá-lo. O que seu pai…
— Ele não era meu pai, — Derek sibilou entre dentes. —
Ele também não era o pai de Jax. Nem de longe. A forma
como aquele monstro o tratava era nojenta. Eu nem consigo
imaginar o que ele passou quando eu parti. Eu não devia têlo
deixado aqui.
— Você tentou fazê-lo ir com você, — ofereci.
— Sim, bem, eu deveria ter insistido mais.
— Pelo menos você pode deixar-lhe a propriedade, —
eu disse. — Tenho certeza que você pode assinar em
seu nome, ou algo assim. Tenho certeza que há uma
maneira de fazer isto funcionar.
Derek baixou a cabeça. Com as mãos entrelaçadas, e os
seus nós nos dedos estavam brancos enquanto ele se
mantinha calado.
— Derek, — insisti. — Você pode transformar a
crueldade do seu pai em algo bom.
— Eu sei, — ele concordou. — É exatamente por isso
que vou vender esse buraco pelo maior lance.
Senti a pontada de suas palavras. — Você não pode
fazer isso. Este lugar significa tudo para Jax.
— Sério? É por causa dos buracos nas paredes? É isso
que o mantém aqui? Ou as lembranças de quando Cole jogou
o micro-ondas no chão da cozinha? Ou as memórias de
quando ele me deu um soco tão forte que eu desmaiei na
noite anterior à minha partida? É isso que o mantém aqui? —
disparou ele.
— Não. Claro que não.
— Então o que diabos poderia mantê-lo neste lugar?
— Sua mãe, — eu sussurrei.
Derek começou a bater o pé no chão acarpetado. Todo o
seu corpo tremia. — Essa é outra razão pela qual ele deveria
deixar este lugar para trás. É muita tragédia.
— Ele está tentando transformar isso em algo bonito.
Você precisa acreditar nisso, Derek.
— Você não pode tirar beleza do nosso passado. Confie
em mim, eu tentei.
Fiquei triste ao ver a ansiedade de Derek aumentar cada
vez mais à medida que ele estava ali sentado. Eu sabia que a
sua mente se movia à velocidade da luz, e ele acreditava
verdadeiramente que estava fazendo a coisa certa ao vender
as terras da sua família.
— Derek…
— Vou entrar em contato com as pessoas certas para
que isto avance o mais rápido possível. — Levantou-se do
sofá e encostou o polegar nas sobrancelhas. — Tenho um voo
para casa amanhã cedo, mas entrarei em contato com Jax.
— Espera, não. Por favor, reconsidere, — implorei,
disparando para me levantar. — Isto vai quebrá-lo, Derek. Se
você tirar esta propriedade dele, ele vai quebrar.
O canto de sua boca se encolheu quando ele se recusou
a fazer contato visual comigo. — Ele passou por coisas piores
e sobreviveu. Tenho certeza de que também passará por isso
e sairá mais forte. Poderá finalmente começar uma vida.
— Ele tem uma vida aqui.
— Não, ele tem uma jaula aqui. Uma em que ele
está preso por muito tempo. Escuta, Kennedy, eu
entendo. Você se importa com ele. Eu também. É por isso que
estou fazendo essa escolha. Ele não vai fazer isso por si
mesmo. Eu fiz muitas coisas erradas na minha vida. Eu fiz
escolhas erradas várias vezes, mas sinto na minha alma que
isso é o certo.
— Para onde ele vai? — Sussurrei, balançando a cabeça.
— Sem a casa dele, para onde ele irá?
— Essa é a beleza de tudo, — murmurou enquanto
alisava seu terno de grife. — Ele poderá ir a qualquer lugar,
menos aqui. Diga a ele que eu disse adeus, sim?
— Que tal você mesmo contar a ele? Seja homem. Olhe
nos olhos do seu irmão e diga a ele o que você está fazendo.
— Nunca fui uma pessoa corajosa. — Ele abaixou a
cabeça por um segundo e respirou fundo antes de suspirar.
— Apenas diga que é o melhor e eu entrarei em contato.
— Você é um covarde. — Eu lancei, enojada com a ideia
de que Derek iria embora sem contar a Jax seus planos. Que
ele nem teria a coragem de olhar o rosto de seu irmão e dizer
a verdade. — Ele te adora, e você vai acabar com ele.
— Ele vai me perdoar, porque é isso que Jax faz. Ele
perdoa as pessoas.
— Mas isso não lhe dá o direito de se aproveitar dele.
— Você está certa, e talvez eu tenha que enfrentar
uma carga pesada de carma por essa escolha, mas,
pelo menos, vou conseguir dormir melhor sabendo que meu
irmão não está nesta prisão. Entendo que você se preocupa
com ele, inferno, estou feliz que ele tenha alguém lutando por
ele, mas também estou lutando por ele. Sinto muito que você
não possa ver isso agora, mas com o tempo talvez você veja.
Adeus, Kennedy.
E me deixou lá com a notícia que eu sabia que ia
destruir o homem que eu amava.
Lá estava eu, com a bomba em minhas mãos, que eu
sabia que explodiria a alma de Jax da pior maneira possível.
DEPOIS de eu ter dado a notícia da partida e dos planos
de Derek, ele não ficou chateado. Não gritou e não teve
nenhum colapso. Parecia… desanimado. Entorpecido, talvez.
Como se rolasse por todas as emoções e ficasse com um vazio
absoluto.
— Acho que você deve ir, — disse Jax enquanto
estávamos sentados na beira da sua cama.
— Não, Jax. Eu não vou te deixar.
Fiquei tranquilizando-o, mas não tinha certeza de
que ele estava me ouvindo mais.
Estava desligado do seu ambiente, desligado dos seus
sentimentos, desligado de mim.
Levantou-se da cama, e pigarreou. — Tenho de ir ao
banheiro.
Também me levantei, junto com ele, que me deu um
sorriso fraco. — Você não precisa me seguir até o banheiro,
Sun. Acho que consigo lidar com isso.
— Oh, certo. Claro. Tudo bem. Estarei aqui esperando.
— E me sentei conforme ele saiu do quarto, alguns momentos
depois, ouvi o motor da sua caminhonete ligar. Corri para a
porta da frente a tempo de vê-lo partir.
— ELE NÃO ATENDEU AO telefone. Eu liguei sem parar. Já
faz mais de quatro horas— expliquei a Yoana no momento em
que ela chegou à minha casa. — Estou realmente
preocupada.
— Tenho certeza que ele está bem. Provavelmente
precisava limpar a cabeça. Tudo o que aconteceu foi muito
para ele.
— Eu não quero ele sozinho, quero estar lá para
ele. Eu sinto que precisa de alguém, ao seu lado, mas
ele está afastando a todos. E sei como é estar nesse inferno.
Afastei você por um ano inteiro porque sabia que você me
daria conforto e não achava que merecia.
A tristeza dessa verdade ardeu nos olhos de Yoana. —
Você o ama, não é?
Eu assenti. — Com tudo o que sou.
Ela me deu um sorriso quebrado e me cutucou no
braço. — Você sabe o que se faz quando se ama alguém?
— O quê?
— Ame-os muito mais em seus piores dias. Jax está
sofrendo, e mesmo que ele ache que não, ele precisa de você.
Ele precisa de você mais do que nunca. Você sabe o que eu
faria se fosse Nathan?
Esperei por sua resposta.
Ela se levantou, caminhou até a porta da frente e
começou a calçar os tênis. — Eu procuraria em todos os
cantos do mundo para trazê-lo de volta para casa para mim.
Então, vamos procurá-lo.
Peguei meus sapatos e estávamos a caminho.
Jax
— UÍSQUE—, murmurei, deslizando meu copo vazio em
direção ao barman. Não sabia quanto tempo eu estava
sentado dentro daquele bar. Não sabia quanto tempo eu
estava lá. Afastei-me de Kennedy e seu conforto, porque
minha mente estava muito confusa. E precisava me afastar e,
quando consegui sair pela cidade, percebi que não tinha mais
para onde ir.
Eu não conhecia mais nada além daquela maldita
cidade.
Então, acabei no Ray's Bar e Grill, bêbado em uma noite
de sábado. Eu estava oficialmente no ponto em que o uísque
parou de queimar e meus pensamentos ficaram em branco.
Bom. Eu não queria sentir nada. Não queria lidar com o fato
de que, depois de anos tentando compensar meus erros, eu
ainda tinha falhado. E estava sem teto, e sem trabalho.
Dei a meu pai tudo o que tinha e ele me ferrou.
Apesar de ele ter me dito que, um dia, eu ficaria com a
terra. Apesar de ele ter jurado que me passaria a
terra. Esse foi meu erro por acreditar num mentiroso. Eu
poderia muito bem acreditar no Papai Noel.
— Você tem certeza que já não bebeu o suficiente, Jax?
— Ray perguntou, estreitando os olhos. Qual era a história
das pessoas que batizavam seus bares com seus primeiros
nomes nesta cidade? Faltava-lhes assim tanta criatividade?
Merda.
Eu estava bêbado.
— Enterrei um idiota hoje, Ray. Tenho direito de tomar
mais de uma dose de uísque, — sussurrei.
Ray fez uma careta. — Ouvi falar sobre isso. — Ele não
me ofereceu suas condolências, porque ele era um homem
honesto. Ele não estava triste por meu pai ter falecido. Não o
culpo. No entanto, ele colocou meu copo de volta na minha
frente e deixou a garrafa de uísque comigo.
Passei as mãos por meus cabelos selvagens e
indomáveis antes de servir outro copo. Desliguei o telefone
para evitar as ligações de Kennedy que continuava me
ligando. Eu não estava pronto para me sentir bem. Não
estava pronto para o amor que ela iria me dar.
Tudo o que eu queria fazer era me afogar nas minhas
verdades patéticas.
Tudo o que eu queria era ser deixado sozinho.
Infelizmente, eu sabia que isso não aconteceria no
momento em que ouvi uma voz risonha no bar. — Oh meu
Deus, Lars! Pare com isso, — Amanda bufou.
Olhei por cima do ombro para ver duas Amandas e três
Lars, entrando no bar. Estavam bêbados, obviamente, e
dançavam a música country que estava ressoando do rádio.
Desde quando a música estava tocando?
Talvez o tempo todo.
Pisquei algumas vezes e balancei a cabeça. Acabou que
havia apenas uma Amanda e um Lars. Tanto faz. Isso não
importa.
Voltei ao meu uísque e tentei o meu melhor para me
livrar do meu aborrecimento quando Lars gritou. — Bem, se
não é Jax Kilter no bar. Que bom para todos! — Ele gritou,
batendo palmas.
Meu peito apertou, mas, ainda assim, o ignorei.
— Deixe-o em paz, Lars, — disse Amanda. — Ele já
passou por muito hoje.
— Oh sim. Tinha até me esquecido disso. Aposto que é
por isso que ele está aqui, no entanto. Tenho certeza que ele
está tomando uma bebida em comemoração ao seu pai
moribundo. É isso que você está fazendo, Jax? Perguntou
Lars, marchando na minha direção e colocando suas
mãos contra os meus ombros.
Minhas mãos agarraram o copo e fiquei parado.
— Lars, vamos lá. Vamos pegar uma mesa e comer, —
Amanda implorou, como se estivesse surpresa pelo fato de
Lars ser um idiota. Estava no DNA dele. — Deixe-o em paz.
Será que ela acreditava realmente que isso era algo que
Lars faria? Ele nunca me deixou em paz durante toda a
minha vida. Porque é que ele iria ter calma comigo essa
noite? Além disso, o passatempo favorito do Lars era dar
pontapés nas pessoas quando elas já estavam abatidas.
Nada como bater num cachorro morto.
— Que tal você conseguir uma mesa, enquanto eu
converso com um velho amigo. — Ele pediu.
— Não sou seu amigo, — sussurrei.
Ele inclinou a cabeça em minha direção e se aproximou.
— O que você disse?
Amanda deu alguns passos em nossa direção. — Lars…
— Vá, — ele ordenou, dando-lhe seu sorriso arrogante.
Eu olhei para Amanda. Os olhos dela estavam cheios de
preocupação. Não tinha certeza se a preocupação era comigo
ou com ela mesma.
— Não deixe ele falar assim com você, — falei
suavemente. — Não deixe ninguém falar assim com você.
— Jax…, — ela começou, e Lars mais uma vez a
interrompeu.
— Eu disse, arrume uma mesa, — ele retrucou.
Como pôde ela acabar com ele? Ela era melhor do que
isso. Ela merecia algo melhor. Com base na forma como
baixou a cabeça e foi procurar uma mesa para os dois, ela
não sabia que estava melhor sem ele.
Sabia que eu não era fã do Lars. Não consegui deixar de
pensar se ela foi atrás dele para tentar chamar minha
atenção.
— Isso te incomoda? — Lars me perguntou. — Eu
fodendo sua ex-mulher?
— Cara. Você está falando sério? Nós temos quase trinta
anos. Que tal você superar essa merda? — Murmurei. Está
um pouco velho para isso.
— Deve estar matando você. Na verdade, estou
surpreendido por Amanda ter ficado contigo tanto tempo
quanto ela ficou. E quer saber de uma coisa? Depois de eu
acabar de foder com ela, também vou foder tua nova garota.
Daí ele já foi longe demais. — Se você chegar perto
de Kennedy, — eu sibilei, virando-me de lado.
— Ohh, aí está ele. — Ele sorriu. — A fera está
acordando.
— O que você quer de mim, Lars?
— Quero que você saia desta cidade. Estamos melhores
sem você. E você acha que é esperto? Começando um negócio
de paisagismo? Levando meus clientes?
— Não estou começando um negócio de paisagismo, —
murmurei.
— Então que diabos é isso? — Ele latiu, jogando um
cartão de visita em minha direção.
Peguei e tentei focar meu olhar o melhor que pude.
Claro, Connor fez cartões de visita e os estava distribuindo
pela cidade. Deveria saber que ele acabaria fazendo algo
estúpido assim.
— Não é verdade, — eu disse a ele.
— É verdade para mim quando as pessoas falam sobre
receber cotações de outra empresa. Não posso ter você aqui
tirando dinheiro do meu bolso.
— Ninguém está pegando seu dinheiro, — eu gemi.
Estava bêbado demais para isso. Por que Lars estava falando
comigo? Ele não tinha um encontro para voltar?
— Claro que não, porque você é um vagabundo, tal
como seu pai morto. Ninguém nesta cidade quer
trabalhar contigo, além de consertar seus banheiros de
merda. Um homem de merda lidando com a merda, isso é
tudo que você é. Eu gostaria que você tivesse se matado
quando matou sua fodida mãe, — sussurrou com sua voz
baixa e coberta de veneno.
E, sem mais nem menos, as partes entorpecidas da
minha alma acenderam-se dentro de mim enquanto ele falava
sobre a minha mãe. — O que é que você quer, Lars? — Erguime,
levantando-me do banco. — Você quer que eu surte?
Quer que eu enlouqueça? Quer que eu lute com você? Quer
me fazer parecer um idiota? Bem. Aqui estou, Jax-porra-
Kilter! O idiota que matou sua mãe. O idiota que foi
espancado pelo pai. O idiota que não tem nada. Você quer
que o monstro em mim apareça? Aqui está! Vamos lá! Faça o
seu melhor, — sibilei, com os braços bem abertos. O que é
que eu tinha a perder?
— Você realmente quer fazer isso, Kilter? — Lars
perguntou, aparentemente surpreso.
Não. Eu não queria lutar com Lars. Eu não queria fazer
nada. Eu estava bêbado, tudo estava girando, e o
entorpecimento que eu segurava estava desaparecendo.
Balancei minha cabeça. — Não importa, — eu
murmurei.
— O que há com você, hein? Por que você é um
cara tão estranho? Por que você está sempre
sussurrando? — Lars latiu. — Eu não sei como Amanda
aguentou isso.
Não queria lidar com ele. Não queria lidar com ninguém.
Tudo o que eu queria era ser deixado em paz.
Quando me virei para me afastar, Lars agarrou meu
ombro e me virou para encará-lo. — Eu não terminei de falar
com você, idiota! — Ele gritou, e sem pensar eu bati meu
punho direto em seu rosto.
E não quis fazer isso. Eu estava indo embora. Tudo o
que eu queria ir para casa.
Eu não tinha casa…
Merda, merda, merda.
Antes que eu pudesse me concentrar, Lars me atacou e
me mandou para o chão. Começamos a lutar enquanto todos
no bar gritavam. Amanda parecia estar chorando. Algumas
pessoas aplaudiram, outras tentaram nos separar.
— Sai fora daqui! — Ray gritou, tirando um do outro.
— Ray, desculpe. — Lars ficou de pé. — Foi ele que
começou.
— Poupe-me, Lars. Você é um idiota de verdade por
mexer com Jax hoje, de todos os dias. Dê o fora daqui, — ele
ordenou. E Ray estendeu a mão para mim. — Você está
bem, Jax?
Balancei a cabeça, mas não disse mais nada enquanto
estava me levantando. Meu rosto doía. Minha cabeça doía.
Meu coração também doía.
Enfiei a mão no bolso, peguei meu dinheiro e joguei no
balcão. — Desculpe Ray, — eu sussurrei antes de sair do bar.
Comecei a afagar meus bolsos, procurando por minhas
chaves quando uma voz me chamou.
— Jax!
Eu olhei para cima e vi quatro Kennedys vindo em
minha direção.
Duas Kennedys.
Não, apenas uma.
— O que você está fazendo aqui? — Gaguejei,
tropeçando. Eu poderia ter deitado na calçada e ficaria bem.
— Estou aqui para levá-lo para casa, — disse
envolvendo um braço em volta do meu.
Eu puxei para longe. — Casa? — Eu ri. — Boa Kennedy.
Comecei a andar na direção oposta a ela, e ela me
seguiu. — Espere Jax. Vamos. Você pode ficar na minha
casa. Você não precisa ficar sozinho.
— Por que não? É assim que tem sido.
— Você está bêbado, — ela sussurrou, voltando para
mim e segurando meu braço. Aquele choque elétrico que ela
enviava ainda estava lá. Odiava como ela me confortasse.
Odiava como estar perto dela fazia as coisas parecerem um
pouco melhores.
— Estou ferrado. — Suspirei. — Eu devo ir. Preciso sair
desta cidade. Preciso sair deste lugar. Preciso...
— Venha comigo, — ela interrompeu. Com seus olhos
cor de mel me perfurando.
— Onde?
— Onde quer que seja. Em qualquer lugar. Para onde
quer que você vá, leve-me com você. — Ela tomou as minhas
mãos nas dela e puxou-me para mais perto do seu corpo. Eu
queria afastar-me, mas queria permanecer ainda mais. Sua
testa descansou contra a minha. — Fica, Jax.
— Sun…
— Fique, Moon, — ela sussurrou, colocando as mãos no
meu peito.
Meus olhos se fecharam quando minha mente começou
a girar.
— Fique comigo, — ela implorou.
— Não tenho nada, Kennedy. Não tenho nada para
lhe oferecer.
— Dê-me seu coração, e é tudo que preciso. Por favor,
Jax. Por favor — ela implorou, passando os lábios
suavemente pelos meus. — Se você ficar, eu vou te amar para
sempre.
Abri os olhos e lá estava ela, minha amante. Minha
amiga. Minha luz do sol.
— O que eu vou fazer? — Perguntei, com minha voz
falhando.
— Vamos para casa hoje à noite e vamos descobrir de
manhã. Tudo bem?
Nós vamos descobrir isso.
Nós.
Já não era apenas eu. Eu não estava mais sozinho,
porque Kennedy era corajosa o bastante para andar ao meu
lado.
E balancei a cabeça lentamente e peguei a mão dela na
minha. — Tudo bem.
Kennedy
— O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI? Como você sabia onde
eu estava? — Derek perguntou na manhã seguinte.
— Há apenas uma pousada na cidade. Não é tão difícil.
Eu não dormi ontem à noite, porque Jax não conseguia
dormir, então fiquei com ele até o sol nascer.
— Posso te mostrar uma coisa? — Eu perguntei.
Derek coçou a barba e pigarreou. — Stacey e eu temos
que chegar ao aeroporto em breve. Eu realmente não tenho
tempo.
— Não vai demorar muito. Só quero te mostrar uma
coisa.
— Mostrar-me o quê?
— O que Jax criou. Venha ver, por favor. Prometo que
você verá que sua propriedade precisa ficar com Jax.
Ele olhou para o relógio de pulso e cruzou os braços. —
Eu só tenho cerca de vinte minutos.
— Confie em mim, não vai demorar muito.
Ele não disse mais nada, apenas assentiu.
Levei Derek para o bosque na terra de Jax. Nós não
dissemos uma palavra o caminho todo. Quando chegamos ao
campo das margaridas, os olhos de Derek se encheram de
lágrimas ao ver todas aquelas flores.
— Margaridas, — ele sussurrou, parecendo seu irmão.
— Sim.
— Eram suas flores favoritas. — Ele limpou a garganta.
— Jax fez este lugar para ela?
— Sim. E têm muitos outros planos também. Manteve
todas as antigas plantas de paisagismo dela e...
— Merda, — Derek sussurrou antes que um grito caísse
em seus lábios. — Porra!
Sua explosão me jogou em um loop, e eu não tinha
certeza do que dizer. — Desculpa se te aborreci ao trazê-lo
aqui, — disse me sentindo culpada por minha ideia. Pensei
que iria ajudá-lo.
— Não, você não entendeu, — ele disse enquanto as
lágrimas começaram a cair em suas bochechas. Ele
colocou as mãos acima da cabeça visivelmente emocionado.
— Não, você não percebe.
— Percebo o que?
— Tudo isso. — Engoliu em seco e colocou as mãos
atrás da cabeça. — Tudo o que meu irmão passou é minha
culpa, porra.
Estreitei meus olhos, perplexa. — Do que você está
falando?
— Todas as suas lutas, toda a sua dor. Ele ficar preso
com Cole, é tudo por minha culpa. E aqui ele está plantando
as flores favoritas da mamãe por culpa de algo que nem é
culpa dele.
— Derek. O que está acontecendo?
— O acidente. Não foi ele. — Sua cabeça caiu e as
lágrimas caíram rapidamente pelas bochechas. Todo o seu
corpo tremia quando ele falou as palavras que viraram meu
mundo inteiro de cabeça para baixo. — Fui eu, Kennedy. Fui
eu. Eu atirei nela. Eu matei nossa mãe, não Jax.
As palavras me embalaram, e o silêncio que encheu a
floresta era aterrorizante.
Eu dei alguns passos para trás. — O quê? Não. Foi o
Jax. Eu sei que provavelmente se culpa por você tê-lo
deixado aqui, mas...
— Não, — Derek discordou. — Fui eu que fiz isso. Eu
puxei o gatilho, Kennedy. Sua arma ainda estava com a trava
segurança. Ele não desativou a trava. Eu fiz isso. Sinto
muito. Peço desculpas. Eu atirei nela. Eu matei minha mãe.
Ele começou a soluçar incontrolavelmente enquanto
revelava suas verdades. — Eu sinto muito. Eu sinto muito.
Não sabia o que fazer eu não sabia como avançar com
tudo o que estava saindo da boca de Derek. Ele atirou em sua
mãe? Ele matou Elizabeth e permitiu que Jax convivesse com
a ideia de que foi ele quem puxou o gatilho?
Que diabos estava acontecendo?
Derek
Dezessete anos de idade
COLE cancelou a viagem de acampamento de verão de
Jax. Ele não o deixou ir, porque Jax não matou o cervo.
Mamãe lutou com Cole para deixar Jax ir, mas ele disse que
era o dinheiro dele e não estava enviando seu filho fraco para
o acampamento.
Mamãe e Cole brigavam o tempo todo ultimamente, eu
não aguentava mais. Era como antes, quando mamãe brigava
com meu pai. Eu odiava os gritos, mas odiava o pensamento
de deixarmos Cole mais. Eu sabia que mamãe o deixaria, se
Jax não mudasse. Eu já perdi um pai e não queria perder
outro.
Na maior parte do tempo, Cole era tudo que eu queria
em um pai. Ele vinha a todos os meus jogos de futebol. Nós
pescamos juntos. Nós íamos caçar. Ele era incrível pra
caralho. Claro, ele era duro com Jax, mas isso era culpa
de Jax. Ele agia como um bebê o tempo todo. Se ele
agisse como um garoto e não como uma garotinha,
Cole o trataria como ele me tratava. Então, mamãe e Cole
ficariam felizes e tudo ficaria bem. Eu ia me certificar disso.
— Saia da cama, — gritei, entrando no quarto de Jax e
empurrando-o no ombro no final de uma tarde, depois de
outro dia de mamãe e Cole brigando. — Temos que sair e
fazer isso rápido.
— Fazer o que?
— Você tem que matar um cervo e daí Cole vai te
perdoar.
O rosto de Jax caiu quando o pânico passou por ele. —
Não, não. Eu não posso fazer isso, — ele gaguejou.
Puxei seu cobertor e o tirei da cama. — Sim, você pode,
Jax. Você está com medo.
— Eu não estou, — mentiu. Ele estava apavorado.
— Sim você está. Agora vamos lá. Você realmente quer
ser a razão pela qual mamãe vai deixar Cole? Você quer que
seus pais se separem?
— Não.
— Então vamos lá.
— Nós não podemos nem pegar as armas. Papai as
mantém trancadas.
Coloquei as chaves de Cole na frente do rosto dele. —
Deixa comigo. Vamos, agora antes que eles percebam que não
estamos na cama.
Jax ficou parado por um momento, e eu gemi, batendo a
palma da mão na minha testa. — Jax, agora é a hora. Tenha
medo para sempre, ou apenas faça isso, — falei com meus
olhos penetrando nos dele. Seu olhar parecia tão gentil, como
o de mamãe. Ele também era calmo como ela. Emocional.
Cole disse que eles eram muito emocionais para o seu próprio
bem.
— Você não quer que Cole te ame como ele me ama? —
Eu o repreendi.
Isso o fez levantar.
Eu o arrastei para fora do quarto e o fiz colocar um
tênis. Ele me seguiu até o galpão, onde pegamos as armas. —
Pegue a arma de Cole, — eu pedi. — Ele ficará impressionado
ao ouvir que você matou um cervo com sua arma favorita.
Assim que saímos, certifiquei-me de que Jax segurasse a
arma. Ele estava tremendo muito.
Estava escuro e eu sabia que ele odiava o escuro. Não
havia muito do que Jax não tivesse medo, isso era certo.
Tudo o que tínhamos era a luz da lanterna que eu
trouxe conosco, com uma vela tremeluzente. Imaginei
que uma lanterna assustaria muito o cervo.
Eu também tinha minha arma, caso Jax precisasse de
ajuda.
Tudo o que ele tinha que fazer era matar o cervo. Tudo o
que ele tinha que fazer era puxar o gatilho e Cole gostaria
dele. Então tudo voltaria ao normal. Mamãe e Cole parariam
de brigar, e poderíamos ser uma família.
Usei a lanterna para nos ajudar a ver o cervo se
movendo entre as árvores. Cole me ensinou que era preciso
ter paciência ao capturar uma beleza como o cervo cauda
branca.
Então, esperamos, esperamos e esperamos um pouco
mais.
Finalmente, ele apareceu. O cervo era grande. Quase
duas vezes maior do que eu matei no outono passado.
— Aí está, Jax. Ele é lindo! Foco, — ordenei, embora as
mãos de Jax estivessem trêmulas.
Então, ouvimos a voz na floresta, chamando por nós
dois. — Jax! Derek!
Mamãe.
Ela estava vindo.
Ela sabia que havíamos saído.
Porra.
— Faça! — Eu sussurrei, fazendo Jax saltar e derrubar
a vela.
— Nossa, Jax, vamos lá! Você entendeu, apenas aperte o
gatilho. Puxe o gatilho, aperte o...
A arma disparou e Jax soltou a arma de suas mãos.
Ouvimos um grito.
A arma caiu das minhas mãos e eu tentei o meu melhor
para olhar para a escuridão. Ouvi soluços enquanto corria
pela escuridão em direção aos gritos. Quando cheguei ao
barulho, uma onda de pânico passou por mim quando vi
sangue na grama e os galhos ao meu redor. E olhei para um
par de olhos de corça, que estavam arregalados de pânico.
eu.
— Mamãe! — Eu gritei. E Jax correu, aterrorizado como
— Meninos, — mamãe suspirou, tremendo com as
palavras enquanto as lágrimas escorriam por suas
bochechas.
O que?
Como?
Não…
As mãos de Jax pegaram as dela nas minhas
quando comecei a gritar. — Socorro! — Eu gritei, o
pânico atingindo cada centímetro do meu ser. Meu
peito subiu e batia descontroladamente quando senti como se
meu coração estivesse sendo arrancado de dentro do meu
peito.
— Está tudo bem, baby, — mamãe choramingou,
apertando as mãos nas de Jax.
— Sinto muito, mãe, — Jax soluçou.
Suas palavras desapareceram quando a escuridão da
noite começou a me engolir inteiro.
Não, não, não…
— O que eu fiz?! — Jax chorou quando o pânico se
instalou no meu peito. Foi tudo minha culpa.
Lágrimas inundaram meus olhos quando ele olhou para
mamãe. — Oh meu Deus, — gritei, andando de um lado para
o outro. Não foi ele. Não foi ele.
Diga a ele que era minha arma.
Diga a ele que eu apertei o gatilho.
Seja fodidamente corajoso!
Mas não consegui.
Eu não consegui dizer as palavras.
E disse a única coisa que nunca deveria ter saído
dos meus lábios enquanto meu irmãozinho chorava
com nossa mãe em seus braços. — Jax, — eu gritei,
com minha voz tensa. — O que você fez!?
Kennedy
Presente
NENHUMA PALAVRA FOI DITA quando Derek revelou sua
história.
Ele continuou a desmoronar no meio das margaridas, e
eu balancei minha cabeça. — Você tem que dizer a verdade a
ele.
— Não, não posso. Eu não consigo… isso vai matá-lo, —
ele engasgou. — Ele nunca vai me perdoar.
— Isso não importa, Derek. Ele passou pelo inferno,
vivendo toda a sua vida com essa dor e culpa por algo que
nem sequer fez! Confesse, admita! Você não merece esconder
isso dele. E me desculpe, se você não contar a ele, eu irei.
— O que está acontecendo? — Uma voz perguntou atrás
de nós. Eu me virei para ver Jax parado ali, parecendo
confuso. — Derek, você está bem? É por causa da morte
do papai? — Perguntou tão ingênuo.
Derek balançou a cabeça. — Sinto muito, Jax.
— Está bem. Seja o que for, está tudo bem. — Ele foi até
o irmão, ignorando completamente o motivo por trás das
lágrimas de Derek. Ele não tinha ideia de porque seu irmão
estava desmoronando, mas ele o confortou. Um conforto que
eu não acreditava que ele merecesse.
— Diga a ele, — ordenei a Derek, cuja culpa estava
estampada em todo o seu rosto.
— Dizer-me o que? — Jax perguntou. — O que está
acontecendo?
Derek abaixou a cabeça e continuou se desculpando. As
palavras pareciam menos legítimas toda vez que saíam de
sua boca.
— Desculpe pelo quê? — Jax questionou. — O que
diabos está acontecendo?
Derek respirou fundo e revelou tudo ao irmão.
As palavras queimaram quando caíram da língua de
Derek e atingiram a alma de Jax.
Jax se afastou do irmão, e falou. — Não. Você me
deixou... — Ele fechou os olhos com força e respirou fundo.
— Passei a vida inteira pensando que fui eu quem...
— Eu sei, — confessou Derek, balançando a cabeça. —
Eu sei. Não posso voltar atrás e me desculpe. Fugi todos
esses anos atrás porque não conseguia enfrentar o que tinha
feito, Jax. Eu fui um covarde. Estava fodido da cabeça e saí.
Me arrependo disso todos os dias da minha vida.
— Toda vez que te ligava e você dizia que não era minha
culpa. E você tentando martelar isso na minha cabeça, em
toda oportunidade que tinha. Você tentou me convencer disso
com o fato de que eu não deveria me culpar, e eu nunca
entendi o porquê. Eu imaginava que você estava tentando me
confortar, mas a verdade era que você estava tentando
confessar.
Derek continuou chorando, e Jax ficou em silêncio.
Não sabia o que fazer, o que dizer, como melhorar a
situação. Eu tinha quase certeza de que Jax estava prestes a
quebrar. Eu teria enlouquecido se essas verdades me fossem
reveladas. Mas para minha surpresa, para surpresa de todos,
ele ficou calmo.
— Dê para mim, — Jax disse ao irmão. — Esta terra, me
dê. Não quero mais nada de você. Você me deve isso. Não
quero seu tempo e não dou a mínima para suas desculpas,
mas você me dá isso e depois seguimos em frente.
— É sua, — disse Derek, abatido enquanto se rendia. —
É sua.
Derek se afastou, ainda sussurrando suas desculpas.
Corri para o lado de Jax e peguei suas mãos nas
minhas. — Não consigo imaginar o que você está sentindo.
Não consigo nem pensar o que está passando por sua cabeça
agora, mas eu só quero que você saiba que estou aqui com
você. Estou aqui, Jax, e não vou sair do seu lado.
Fechou os olhos e encostou os lábios à minha testa.
Encostou-me a ele e me segurou com força. — Está tudo uma
bagunça.
— Eu sei.
— Mas eu ainda tenho você.
— Sim. Jax, eu estou aqui, não importa o quê, eu ficarei
aqui.
— Eu amo você, Kennedy.
— Eu também te amo.
Sabia que não seria fácil. Sabia que havia muito que Jax
teria que trabalhar, mas eu estaria lá com ele. Eu ia segurar
sua mão durante todas as tempestades que aparecessem em
seu caminho.
FIQUEI ao lado de Jax nos dias seguintes, que se
transformaram em semanas. Ele estava lutando para lidar
com a verdade do acidente de todos aqueles anos atrás.
Derek o procurou várias vezes para tentar consertar o
relacionamento deles, mas Jax não atendeu.
— Vou ter que falar com ele algum dia, — ele disse, —
simplesmente não acho que esse dia seja hoje.
Mais do que compreensível.
Depois do que ele passou, eu não culparia Jax se ele
nunca mais falasse com seu irmão, mas eu o conhecia. Seu
amor era maior do que seu ódio. Seu relacionamento com o
irmão nunca mais seria o mesmo, mas eu sabia que em
algum momento ele o perdoaria.
Por agora ele começou a trabalhar no paisagismo da sua
propriedade, com minha ajuda e a de Connor, é claro. Parecia
que colocar as mãos na terra estava servindo de cura para
ele. Cada vez que desenterrava um pedaço de seu passado,
parecia que estava descobrindo um novo tipo de futuro. Algo
que poderia ser bonito e sadio. Finalmente estava
encontrando uma maneira de começar novamente.
E eu estava fazendo o mesmo.
Eddie – ou, bem, ele era o Dr. Jefferson naquela tarde –
me entregou outro lenço de papel para enxugar minhas
lágrimas. Eu o via duas vezes por semana nas últimas
três semanas, e nossas sessões sempre terminavam
comigo em lágrimas.
— Isso é bom, Kennedy. Despir suas emoções é algo
muito saudável, — ele me encorajou. Eu sabia que ele estava
certo, apesar de alguns dias parecerem muito mais difíceis de
lidar. Mas eu estava ficando melhor em lidar com meus
ataques de pânico com algumas dicas e truques que ele me
deu.
— Sempre que vir outra criança, cintile a palavra 'Daisy'
em sua mente. Pense neles como momentos de sua filha
enviando seu amor, em vez de parecer um momento de perda.
Ela pode viver em todos os momentos e, se você permitir,
pode ser uma bela bênção.
Eu estava tentando o processo dele há algum tempo e,
embora nem sempre funcionasse, às vezes acabava sorrindo.
Depois, eu compartilhava histórias sobre Daisy com as
pessoas que eu amava, e as pessoas que estavam sempre
dispostas a ouvir.
Naquela tarde, quando saí da sessão de terapia, Jax
estava me esperando do lado de fora do prédio.
— Lágrimas? — Ele perguntou com um pequeno sorriso
nos lábios.
— Você sabe. — Sorri. — Seria terapia sem o Eddie me
fazer chorar?
— Ele é muito bom em seu trabalho, — Jax concordou.
Estreitei os olhos e cutuquei-o no peito. — Talvez você
deva voltar a permitir que ele seja bom em seu trabalho com
você também.
Ele beijou minha testa e me puxou para ele. — Nós dois
não podemos melhorar de uma só vez, Sun. Precisamos de
pelo menos um parceiro instável nesse relacionamento, —
brincou.
Interrompi meus passos. — Sério Jax. Você está bem?
Quero dizer, eu sei que você diz que está bem, mas você está
mesmo?
— Chegarei lá. Eu prometo. Só vai levar um dia de cada
vez. Apenas tenho que continuar acordando de manhã e
querendo mais pela minha vida. Por enquanto, tudo bem.
Eu sorri. — Ótimo.
— Sim. Um passo na frente do outro. É tudo o que
posso fazer de verdade.
Planejava dar cada passo ali ao lado dele. Enquanto
continuássemos em frente, eu sabia que estaríamos bem.
— Agora, podemos chegar a essa festa? Prometi a
Connor que não faltaria. — Jax me jogou suas chaves e foi
para o banco do passageiro de sua caminhonete. Ele
estava me deixando dirigir sempre que eu pedia para
que eu pudesse me sentir mais confortável ao
volante. Nunca dirigimos a lugar além de dez minutos, mas,
para nossa sorte, nenhum lugar em Havenbarrow levava mais
de dez minutos para chegar.
Hoje era o grande aniversário de Connor e, por grande,
eu quis dizer enorme. Connor era amado por praticamente
todos na cidade. O centro da cidade inteira foi fechado como
se um grande festival estivesse acontecendo. Havia uma rodagigante
alugada, jogos de parque de diversão e um tobogã.
Todo mundo na cidade apareceu para comemorar os
dezoito anos de Connor, que era praticamente o inferno
pessoal de Jax. Ele ainda odiava as pessoas dessa cidade,
mas ele amava Connor mais do que ele jamais admitiria.
Estacionamos a caminhonete – que eu dirigi
perfeitamente, devo acrescentar – e Jax pegou o presente de
Connor no banco de trás.
As pessoas corriam pela festa rindo, gritando e
enchendo o rosto com algodão-doce e pipoca. Era tudo tão
exagerado e maravilhoso. E Connor merecia essa
comemoração.
Quando Connor disse que o ingresso era uma taxa de
vinte e cinco dólares por seu aniversário, ele não estava
brincando. Dois adolescentes pegavam o dinheiro no portão
principal. E deixei cinquenta dólares para ele – estava me
sentindo selvagem desde que terminei o primeiro
rascunho do meu manuscrito. Claro, meu agente pode
não ser capaz de vender o livro para uma editora e talvez eu
tenha que continuar economizando por um tempo, mas me
senti bem por estar de volta aos trilhos com meus sonhos e
objetivos.
— Sócio, você veio! — Connor disse, correndo para Jax e
eu com o maior sorriso no rosto. Essa não era a única coisa
em seu rosto. Havia um pintor na festa e Connor se tornara
oficialmente um tigre. Eu esperava que ele nunca mudasse.
Seu espírito era brilhante demais para desaparecer.
Jax sorriu. — Eu não poderia quebrar nosso acordo.
Feliz Aniversário. — E entregou seu presente a Connor.
— Espero que tenha me dado isso e meus cem dólares
que você me deve.
— Sim, sim, punk. Paguei as meninas quando entrei.
Connor correu para abrir seu presente, e ele começou a
rir quando viu o que havia dentro. E não pude deixar de
levantar as sobrancelhas com a estranheza do presente.
— Puta merda! — Connor exclamou.
— Linguagem, — disse Jax.
— De jeito nenhum, Jax. Agora eu tenho dezoito anos,
então posso dizer o que diabos eu quiser. Mas, falando sério,
esse é o melhor presente de todos os tempos.
Curiosa perguntei. — Isso são… bolinhas anais?
— São com certeza. — Connor sorriu de orelha a orelha.
— Diga a verdade, Jax. Estas são as de Eddie?
— Espere o que?! — Suspirei.
— Não interessa, — disseram em uníssono.
Sabem que mais? Eu deixaria esse pensamento morrer.
A última coisa que eu precisava era chorar na minha próxima
sessão de terapia enquanto pensava em Eddie usando
bolinhas anais.
— Também peguei isso para você, — disse Jax, puxando
sua carteira.
Connor balançou as sobrancelhas. — Mais dinheiro?
— Não, mas acho que você pode gostar. — Ele entregoulhe
um cartão de visita e, em segundos, Connor ficou
emocionado.
E sacudiu o cartão no ar. — Sério?
— Sim.
Connor entregou o cartão para mim para mostrar o que
o estava deixando tão emocionado. Eu li em voz alta. — Kilter
& Roe Paisagismo: dois homens e uma enxada. — Elegante.
Eu gostei.
— Você realmente quer iniciar outro negócio
comigo? — Perguntou Connor.
— Seria uma honra. — Jax estendeu a mão para ele. —
O que você diz, sócio?
— Eu digo, porra, sim! — Connor pulou de emoção. —
Oh! Eu quase esqueci as melhores notícias que tinha para
contar sobre minha mãe. Ela está em remissão. O câncer se
foi oficialmente.
Os olhos de Jax se encheram de lágrimas quando ele
jogou os braços em torno de Connor e o abraçou emocionado.
— Foda-se, sim! — Ele gritou.
Connor riu. — Linguagem, Jax! De qualquer forma.
Finalmente economizei o suficiente para levá-la à Disney
World neste inverno e queria convidar vocês dois para virem
comigo. Você sabe, eu preciso do meu sócio lá para conhecer
o lugar mais feliz do mundo.
— Não perderia isso por nada no mundo, — disse Jax,
sorrindo. Aquele momento lembrou-me de algo tão
importante na vida. Lembrou-me que, embora houvesse
momentos sombrios, também havia momentos cheios de luz.
A mãe de Connor encontrou um final feliz, e eu sabia que
havia muito mais finais felizes para as nossas vidas. Estava
ansiosa por todos os momentos com Jax. Os altos e os
baixos.
— Só para deixar claro, eu não estou pagando pelos
dois, então é melhor você começar a economizar. Quero
você lá, mas não sou o seu vale-alimentação, —
brincou Connor antes de sair correndo para conversar com
outras pessoas.
Jax me puxou para um abraço e me segurou firme.
Enquanto olhamos para a multidão, meu coração se encheu
de alegria quando vi uma menininha empurrando seu rosto
cheio de algodão-doce.
— Daisy, — murmurei para mim mesma.
— O que você disse? — Jax perguntou, sorrindo na
minha direção.
— Nada. — Eu fiquei na ponta dos pés e beijei seus
lábios. — Só senti uma onda de amor, só isso.
Passamos o resto da noite perdendo dinheiro nos jogos e
girando na roda gigante. Quando fui para casa com Jax
naquela noite, não pude deixar de me sentir agradecida.
Tanta coisa aconteceu na minha vida, e mesmo com tudo
isso, eu ainda era capaz de sorrir. Fiquei grata por todas as
tempestades que me trouxeram de volta a ele.
— VOCÊ QUER LER AS CARTAS? — Eu perguntei a Jax,
depois que chegamos em casa da festa de Connor.
Sentamos em sua cama com a caixa de sapatos de
cartas antigas que havíamos trocado. Nos últimos dias,
estávamos debatendo o que faríamos.
Ele balançou a cabeça. — Acho que não. Quando escrevi
essas cartas, eu estava em um lugar muito escuro. E revivi
esse lugar por tantos anos na minha vida e estou cansado
dessa história. Eu quero seguir em frente, e isso significa me
livrar dessas cartas. — Ele me puxou para mais perto de seu
corpo. — Temos o resto da eternidade para trocarmos outras
cartas de amor.
Eu beijei seus lábios quando a campainha tocou. —
Esperando alguém?
— Não, — disse ele, levantando-se para ir atender. Eu
segui de perto atrás para ver quem poderia ser.
Quando ele abriu a porta, ficamos surpresos ao ver
Amanda parada ali com uma caixa nas mãos. Seus olhos
pousaram em mim antes de dar a Jax um fraco sorriso.
— Oi, desculpe interromper sua noite. Achei que já era
hora de devolver suas coisas que você deixou na minha casa.
Não sei por que segurei por tanto tempo, mas aqui está. —
Ela disse, passando a caixa a Jax.
— Obrigado, — ele disse.
— Sim. E lamento pelo que aconteceu no bar. Lars
estava errado. Ele é um idiota às vezes. Você não
merecia isso. — Ela continuou mexendo nos dedos e
evitando o contato visual. — Você merece ser feliz.
— Você também, Amanda. Você merece mais do que
Lars.
— Talvez. — Sorriu nervosa. — Só o tempo dirá. — Ela
olhou em minha direção e me deu um sorriso quebrado. —
Cuide dele, sim? Este homem não ama facilmente. Por um
tempo, pensei que ele não amava nada, mas vejo que isso
mudou quando ele olha para você. Você o deixa inteiro. Você
era a peça que faltava. Então, pode me fazer um favor?
— Sim? — Eu perguntei.
Ela sorriu para nós dois e soltou um suspiro pesado. —
Fique.
Jax
KENNEDY SE RECUSOU a sair de perto de mim durante
todas as minhas dificuldades. Ela ficou nos meus momentos
mais sombrios e prometeu que não iria a lugar nenhum sem
mim. Dia após dia, ela abriu meu coração e não pareceu ter
medo do que viu.
Quando chegou a hora de uma cura mais profunda, eu
sabia exatamente para onde ir.
— Bem, admito que quando vi seu nome na minha
agenda, pensei que era um erro de digitação, — disse Eddie
enquanto eu entrava no consultório dele.
Eu ri um pouco e tomei meu assento muito familiar em
frente à sua mesa. — Sim, bem, o que posso dizer? Eu gosto
de manter as pessoas ocupadas. — Fazia algumas semanas
desde que Derek voltou para casa e eu ainda estava tentando
lidar com as verdades que ele revelou. Cada dia vinha com as
suas próprias lutas e eu tinha passado por todas as
emoções, mas já não tinha de lidar com elas sozinho.
Não tinha que sentir o que sentia no escuro, porque
Kennedy estava lá para ser a minha luz.
Na verdade, eu tinha uma equipe inteira ao meu redor
para ajudar a me guiar para casa sempre que começava a me
afastar, e isso incluía as minhas consultas de terapia com
Eddie. Na verdade, aprendi o que significava conquistar seus
demônios. Não era algo que você fazia e desaparecia
magicamente. Não, a vida estava determinada a jogar merda
em você, não importa o quanto você tentasse permanecer no
reino da felicidade.
Mas eu descobri rapidamente o quanto era importante
aprender a revidar.
Essa era a coisa sobre as tempestades. Quando você
estava no meio delas, eles se sentiam poderosas. Elas
achavam que estavam dirigindo sua vida, e você ficava sem
controle sobre a maneira como os ventos sopravam. Era por
isso que era tão importante ter um grupo de amor ao seu
redor o tempo todo. Quando você enfrentava a tempestade
junto daqueles que te amavam, quando segurava as mãos
deles permanecia forte, e as tempestades tinham mais
dificuldades em derrubá-lo. As tempestades não o
surpreendiam porque você estava ligado ao mundo com
amor, a arma mais poderosa a ser usada durante a mais
poderosa das tempestades.
E quando a tempestade passava? Você permanecia
de pé com quem amava, olhando para o arco-íris.
Kennedy foi quem me aterrou. Sua mão na minha
mão me manteve imóvel e, com seu amor, eu sobrevivi a mais
difícil das minhas tempestades.
Eddie e eu conversamos por um tempo. Passamos do
tempo previsto, mas ele não parecia se importar e, quando
chegou a hora de eu ir embora, ele se recostou na cadeira, me
encarando com lágrimas nos olhos.
Eu ri. — Você está ficando emocionado, Doc?
— É só que… — Ele limpou a garganta, tirou os óculos e
enxugou os olhos. — Isso é bom. Isso é incrível, Jax. É uma
honra vê-lo se tornar o homem que você é hoje. Você é a
definição da cura.
Também sentia. Sentia a cura, senti-me ficando inteiro
novamente.
LIGUEI PARA Derek pedindo para vir até Havenbarrow,
dizendo a ele que precisava revisar alguns documentos sobre
a transferência da propriedade para mim. Mesmo que essa
não fosse à verdadeira razão pela qual eu liguei para ele.
Achei que era hora de realmente conversarmos sobre tudo o
que aconteceu.
Quando ele chegou em casa, ele parecia quebrado e
cheio de culpa. Antes que pudesse deixar outro pedido de
desculpas escorrerem por seus lábios, eu disse a ele para não
dizer.
— Apenas entre — pedi, entrando em casa. Ele seguiu
atrás de mim.
No momento em que entrou na sala, ele parou e
levantou uma sobrancelha. — O que está acontecendo?
Ao redor havia várias latas de tinta e materiais para
reformar a casa. Sentei-me no sofá em frente a ele e juntei
minhas mãos. — Estou cansado dessas coisas. Estou
cansado de tentar descobrir por que você fez o que fez e como
minha vida poderia ter sido diferente se você tivesse dito a
verdade. Estou cansado de tentar te odiar. Estou cansado de
me sentir mal por você e pela merda que você carrega em
seus ombros. Estou cansado do passado, Derek. Então, eu
estou consertando os buracos ao redor deste lugar. Estou
removendo todas as lembranças do que papai fez comigo.
Estou preenchendo os buracos que me lembram de tudo o
que aconteceu antes e quero que você me ajude.
Ele limpou a garganta e cruzou os braços. — Não espero
que você me perdoe, Jax.
— Sim, eu sei, mas um dia eu vou. Vai demorar um
pouco. Por enquanto, só preciso da sua ajuda para
pintar essas paredes.
Não precisávamos resolver tudo naquele momento. Não
tivemos que nos abraçar e fazer as pazes. Não tivemos que
consertar nossas cicatrizes porque elas ainda estavam muito
vivas, mas poderíamos pintar juntos. Poderíamos encobrir o
passado e trazer um futuro melhor. A cura viria aos poucos, e
eu estava disposto a superar isso.
UMA SEMANA DEPOIS, Derek regressou a Chicago.
Ficamos em termos decentes, que imaginei que só
melhorariam com o tempo. Digamos que começamos a subir
do fundo do poço. No entanto, eu também sabia que levaria
mais de uma semana de reformas para corrigir nossos
problemas.
Depois que ele saiu, fui para a casa de Kennedy em uma
tarde de domingo. Ela estava tendo um dia de spa com
Yoana, que fez isso a meu pedido. Quando entrei em seu
quintal, Connor estava dando os retoques finais em nosso
projeto paisagístico. Nós tínhamos pendurado luzes de fadas
na noite anterior, e agora que o céu noturno estava se
aproximando, tudo estava começando a iluminar-se
perfeitamente. Kennedy ainda não tinha visto nada,
porque eu queria que o quintal fosse uma surpresa. Eu
queria estar lá quando ela testemunhasse a imagem
completa.
Nas árvores pendiam borboletas de papel, a favorita de
sua filha. Nos arbustos, as máquinas borbulhavam sem
parar, e no lado esquerdo da cerca havia um campo de
margaridas sob uma placa que dizia Flores de Daisy com o D
ao contrário.
Connor se aproximou e me deu um tapinha nas costas.
— Você está feliz com o resultado, chefe?
Eu sorri para ele e passei um braço em volta de seus
ombros. — Está perfeito, sócio.
Connor olhou para mim e sorriu de orelha a orelha. A
verdade da história era que aquele garoto tinha sido o melhor
parceiro que eu já poderia ter pedido. Seu humor e bondade
provavelmente me salvaram nos dias mais difíceis da minha
vida. Sou agradecido por poder conhecer alguém como ele.
— Prometa que não vai me esquecer quando se tornar
um milionário, Con? — Perguntei.
— Não seja bobo, Jax. — Ele balançou a cabeça. — Eu
vou ser um bilionário. E provavelmente comprarei sua
empresa de você, mas pagarei um bom cheque.
Eu ri. Parecia certo.
— Vocês, preparem-se, preparem-se, — disse Joy,
correndo para o quintal. — Yoana e Kennedy estão voltando.
Meu estômago deu um nó, e eu não podia deixar de rir
quando vi Yoana virando a esquina, guiando uma Kennedy de
olhos vendados.
— Por que estou tendo um forte déjà vu? — Kennedy
riu. — Yoana, eu já sei como é a casa. A venda é realmente
necessária?
— É, — eu disse a ela.
Kennedy ficou mais ereta. — Jax? — Ela questionou. —
O que você está fazendo aqui?
— Queríamos surpreendê-la com o quintal finalizado. —
Fui até ela e beijei seus lábios. — Você está pronta?
— Estou! — Ela exclamou. — Estava esperando por isso.
— Ok, e lembre-se, se você odiar, foi Connor que fez, —
brinquei. Tirei a venda dos seus olhos e ela ofegou ao ver
tudo ao seu redor.
— Oh meu Deus. — Ela chorou, olhando em volta.
Quando olhou para as árvores e viu as borboletas, as
lágrimas começaram a cair. Então elas começaram a correr
por suas bochechas quando ela viu a placa, e elas nunca
terminavam de cair. Yoana chorou pelas emoções de sua
irmã e, inferno, eu quase chorei também, porque ver
Kennedy feliz fazia meu coração disparar.
— Você gostou? — Eu perguntei.
— Se gosto disso? Jax, está tudo perfeito. Nunca
imaginei algo tão bonito. Isso é mais do que eu jamais
poderia imaginar.
Peguei a mão dela na minha e a conduzi. — Vamos lá,
deixe-me mostrar-lhe tudo. — Eu apontei todos os pequenos
detalhes que ela provavelmente nem queria saber, mas eu
estava excitado, nervoso e, porra, estava difícil respirar.
Eu a conduzi até o campo de margaridas e apontei para
as flores. — Estas são margaridas especiais. Há rumores de
que algumas são ótimas para cultivar objetos dentro delas.
Ela riu. — Afinal, o que isso quer dizer?
— Basta olhar atentamente e ver se você consegue
descobrir.
Ela estreitou os olhos para mim e se abaixou. E
começou a procurar nas flores o que quer que fosse que ela
deveria encontrar. — Não há nada aqui, — disse ela, confusa.
— Isso é porque eu já o peguei, — eu disse.
Ela se virou e me encontrou de joelhos com uma
margarida na mão. No topo da flor, havia um anel de
diamante, esperando por seu dedo.
A mão de Kennedy voou para seus lábios e ela soltou
um pequeno suspiro. — Jax...
— Kennedy, a primeira vez que te vi, eu sabia que você
era especial. Claro, um pouco esquisita, mas foi isso que me
fez me apaixonar por você. — Ela riu entre as mãos trêmulas.
— Você é a definição de força. Você é a parte mais brilhante
do meu dia. Seu amor cura as rachaduras no meu coração
que eu pensei estarem condenadas a serem quebradas para
sempre. Você é minha melhor amiga, minha alma gêmea e
minha flor favorita, e se você me permitir, eu adoraria ser o
único a fazer você sorrir pelo resto da minha vida. Você quer
se casar comigo?
— Sim! — Ela gritou chorando, me puxando do chão. E
começou a plantar beijos por todo o meu rosto, me fazendo
sorrir.
— Você tem que me deixar colocar o anel, eu acho, —
brinquei.
— Oh, certo! Claro. — Ela estendeu a mão e todos
aplaudiram a nossa volta. Eu não podia acreditar como
minha vida havia mudado. Era como se todas as peças
estivessem reunidas novamente e a tempestade finalmente
tivesse passado para trazer dias melhores.
Eu sabia que a vida teria seus problemas, mas também
sabia que ficaria bem porque estava cercado de amor,
de amizade e de Kennedy. Ela era meu sol, eu era sua
lua e, pelo resto de nossas vidas, nos lembraríamos de
dançar na chuva.
Jax
Três anos depois
— OH MEU DEUS, Kennedy, eu sempre soube que você
era especial! Eu não disse isso na primeira vez que a
conhecemos, Kate? Eu não falei sobre o quão especial
Kennedy era? — Louise sorriu quando estava em frente da
minha mulher.
Minha mulher.
Adorava o som disso.
Era divertido ver Louise, junto com todos os outros na
cidade, desmaiando sobre Kennedy na sessão de autógrafos
em Havenbarrow para o seu mais recente romance de
sucesso. Há mais de quinze meses, Kennedy assinou um
acordo com uma grande editora. Quando seu livro, Invasão,
chegou às prateleiras, e tornou-se um sucesso instantâneo.
Kennedy chorou no dia em que a Oprah's Magazine
a incluiu na lista de 'leitura obrigatória'. Ela quase
vomitou quando chegou ao New York Times – onde
ficou por dez meses até agora.
Depois de algum convencimento da população da
cidade, Kennedy concordou em fazer uma sessão de
autógrafos, e as gêmeas eram as primeiras da fila.
Embora Kennedy pudesse ter sido desagradável com as
mulheres que não foram nada além de cruéis com ela desde o
dia em que chegou, ela não foi. Se manteve gentil, e
demonstrou muita gratidão. Às vezes, eu gostaria que ela
fosse uma idiota como eu, mas, infelizmente, ela era o sol.
Ela era meu sol. Eu me apaixonei pelo sol, e ela manteve meu
coração quente.
— Obrigada por terem vindo, senhoras, mas acho que
vou ter que interromper esta sessão, — disse Kennedy,
levantando-se. Havia uma fila enorme saindo pela porta do
café do Gary. As pessoas começaram a gemer com a ideia de
Kennedy partir, vendo como ainda não havia assinado seus
livros.
Eu levantei uma sobrancelha para ela, confuso com o
que ela estava fazendo.
— Eu sei, desculpe a todos, e certamente reagendarei na
primeira chance que tiver. Só que, minha bolsa acabou de
romper, então acho que tenho que ir para o hospital, — ela
explicou.
Oh Certo. Isso fazia sentido.
Olhei para ela inexpressivamente por alguns segundos
antes de suas palavras clicarem na minha cabeça.
Oh!
Certo!
Isso fazia sentido!
Estávamos tendo um bebê! Bem, ela estava tendo um
bebê, eu estava junto nessa viagem. Caminhonete. Chaves.
Bebê! Oh inferno, eu estava em pânico.
— Não entre em pânico, — disse Kennedy, andando ao
meu lado com as mãos na barriga.
— Pânico? Por que eu ficaria em pânico? Eu não estou
em pânico! Eu só preciso das minhas chaves, — eu disse,
batendo nos bolsos. — Chaves, chaves, eu preciso da minha
chave...
— Aqui, — disse ela, balançando-as na minha cara. —
Eu dirigi para cá, lembra?
— Certo, é claro. OK. Vamos. — Saí pela porta da frente,
deixando-a para trás, até perceber que deixei minha esposa
grávida, muito grávida para trás. E corri de volta para dentro.
— Esqueci; eu preciso que você venha comigo.
Ela riu enquanto controlava a respiração. — Sim,
suponho que sim.
Chegamos ao hospital e tudo correu bem. Exceto pela
parte em que eu apaguei, mas não precisamos falar sobre
isso.
Depois de doze horas de trabalho de parto, eu e a minha
linda esposa, conseguimos segurar nossa linda filha.
Elizabeth Daisy Kilter.
Nomeada em homenagem a minha mãe e sua filha, é
claro.
Elizabeth era um sonho realizado, e quando eu a abracei
pela primeira vez, eu sabia que nunca seria capaz de deixá-la
ir.
— Ela é perfeita, — eu disse, balançando-a para frente e
para trás em meus braços. Olhei para minha esposa exausta
e beijei sua testa. — Você foi perfeita.
Todo sonho que eu já tive, se tornou realidade naquele
dia. Eu estava com o amor da minha vida olhando nos olhos
de nossa filha e não podia pedir mais nada. Eu sabia que
cada dia que estava por vir seria uma bênção e prometi a
mim mesmo que nunca tomaria isso como garantido. Eu ia
viver todos os dias como se fosse o meu último o que
significava que mostraria à minha família o quanto eu os
amava várias vezes.
Especialmente a minha esposa. Meu sol. Minha
melhor amiga.
Amigos para sempre.
Amantes para toda a vida.
Cinco anos depois
— PAPAI, POSSO COMER UMA BARRA DE GRANOLA? —
Elizabeth perguntou enquanto seguíamos pela floresta
terminando uma de nossas longas caminhadas. O sol estava
começando a se pôr e sempre gostamos de vê-lo do
conversível que colocamos entre as árvores.
O velho veículo amarelo tinha muitas adições de arte
adicionadas desde que Kennedy e eu nos encontramos há
muitos anos. Joy desenhou uma foto comemorando seu
nonagésimo quinto aniversário no mês passado. Nathan e
Yoana adicionaram um desenho de seu doce recém-nascido
Elijah ano passado também. E recentemente, tivemos um de
Elizabeth em uma foto do seu primeiro dia de aula.
Ver o carro crescer com lembranças era uma das
minhas coisas favoritas para testemunhar.
Quando chegamos ao carro, subimos no banco de
trás para ver o céu desaparecer à noite.
— Você já não comeu sua barra de granola? — Kennedy
perguntou a Elizabeth com uma sobrancelha levantada.
— Sim, mamãe, mas foi por isso que perguntei ao papai,
porque ele sempre diz sim para mim, mesmo quando você diz
não, — disse ela com naturalidade.
A garota não estava errada. Eu tinha muita dificuldade
em dizer não à minha pequena. Eram os olhos, eu juro. Ela
tinha os olhos de sua mãe.
— Bem, que tal adiarmos a granola até depois do jantar,
— disse Kennedy.
Elizabeth teve um ataque, é claro, mas quando percebeu
que não íamos ceder, ela soltou o maior suspiro do mundo. —
Ser criança é difícil, — gemeu.
— Eu aposto. — Sorri e a puxei para o meu colo. — Não
se preocupe, um dia você será adulta e poderá comer todas
as barras de granola que quiser.
Os olhos dela brilharam. — Sério?
— Com certeza.
— Mesmo aquelas com lascas de chocolate? — Ela
perguntou.
— Mesmo aquelas, — Kennedy assentiu, beijando a
testa de Elizabeth.
Enquanto observávamos o céu, Elizabeth sempre
adorava apontar a lua quando podíamos vê-la. — Aí está! Lá!
Está certo, papai? Você é a lua?
Eu sorri. — Sim. Eu sou a lua.
Elizabeth estreitou os olhos. — E mamãe é o sol?
— Exatamente, — eu disse.
— Isso significa que Daisy e eu podemos ser as estrelas?
— ela perguntou, olhando para o céu mais uma vez.
Isso fez meu coração quase explodir no meu peito.
Os olhos de Kennedy lacrimejaram quando um sorriso
caiu contra seus lábios. — Sim, querida. Você e sua irmã
podem ser as estrelas.
Todos os dias, contávamos a Elizabeth às histórias de
seus entes queridos. Contamos as histórias deles para
mantê-los vivos para sempre, e isso aquecia meu coração,
sabendo que Elizabeth entendia que, embora as pessoas
passassem, elas nunca haviam realmente ido embora – desde
que as mantivéssemos perto de nossos corações. Naquela
noite, nossos entes queridos estavam perto de nós. Eu podia
senti-los no vento. Eu podia sentir o amor e a proteção deles
toda vez que olhava para o céu.
Naquela noite, nos sentamos sob o céu, e as
estrelas brilhavam intensamente.
Kennedy
Doze anos de idade
Ano dois do acampamento de verão
— O que você quer ser quando crescer, Jax? — Eu
perguntei quando nos sentamos na doca olhando para a
água. Estávamos jogando pedras até ficarmos sem pedras,
então agora estávamos sentados no banco, entediados como
sempre. Era um dos dias mais lentos no acampamento, onde
não havia muito que fazer. Pelo menos eu tinha Jax, então
tudo se tornava melhor.
Além disso, eu corri para roubar alguns picolés da sala
de jantar, então tínhamos aqueles para desfrutar.
O céu estava cheio de nuvens e eu sabia que uma
tempestade viria em breve. Estava tão animada por isso
também. Amava quando chovia. Jax não era um grande fã de
tempestades, mas eu sempre disse a ele que ele acabaria
gostando.
— Eu não sei. Realmente não penso assim no futuro, —
respondeu lambendo seu picolé. — O que você quer ser?
— Acho que quero escrever livros e quero usar todas as
grandes palavras que você me ensinou. Quero que meus
livros sejam tão grandes e tão bons que deixem as pessoas
felizes quando terminarem. Quero que as pessoas fiquem tão
empolgadas com a ideia de esperar por outro livro meu. E, a
cada livro terá uma palavra que você me ensinou, por isso é
como se você sempre fizesse parte dos meus livros também.
Por um segundo, eu pensei que ele riria de mim e dizer
que meu sonho era estúpido, mas ele fez sua coisa de Jax.
Ficou quieto enquanto lambia seu picolé rápido o suficiente,
para que nunca deixasse suas mãos sujas. Então, disse: —
Vou ler todos os seus livros cinco milhões de vezes.
Eu sorri.
— Ei, Jax?
— Sim, Kennedy?
— Ainda seremos amigos no futuro?
— Amigos para sempre, — ele respondeu.
— E sempre.
E descansou a mão livre no banco, e eu descansei a
minha bem ao seu lado. Seu mindinho roçou no meu, e
eu senti isso no meu coração.
Eu amava Jax Kilter e, um dia, eu esperava que ele
também me amasse.
Mas isso não me importou muito naquela noite. Nós
ainda éramos crianças. Nós teríamos a eternidade para nos
apaixonarmos. Não tinha que acontecer naquela noite.
Naquela noite, tudo o que tivemos que fazer era sentar no
banco e esperar a chuva chegar.
Quando a chuva começou a cair, fiquei na doca e
comecei meus movimentos selvagens de dança. Eu pulava,
remexia e pulava novamente. E não podia acreditar no que
aconteceu depois.
Pela primeira vez desde que eu o conheci, Jax dançou
comigo também.