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edição de 23 de maio de 2022

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propmark 57 aNoS<br />

Divulgação<br />

Bom mesmo era...<br />

Marco Giannelli (Pernil)*<br />

Tem uma frase do Riobaldo, personagem<br />

<strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas,<br />

que eu adoro: “Eu quase que<br />

nada não sei. Mas <strong>de</strong>sconfio <strong>de</strong><br />

muita coisa”.<br />

Num mundo repleto <strong>de</strong> gurus, xamãs<br />

e Mães Dinah do metaverso capazes <strong>de</strong><br />

antecipar com exatidão os <strong>de</strong>stinos da<br />

humanida<strong>de</strong>, esta citação sempre me<br />

ajudou a manter os pés no chão e ter humilda<strong>de</strong><br />

para reconhecer que tudo o que<br />

eu consigo prever se resume a alguns<br />

achismos.<br />

E, se eu penso que é difícil dizer como<br />

será o futuro, igualmente traiçoeiro é tentar<br />

falar com proprieda<strong>de</strong> do passado.<br />

Explico. Des<strong>de</strong> que entrei na propaganda,<br />

sempre ouvi o mesmo mantra das pessoas<br />

que já trabalhavam há mais tempo: “Bom<br />

mesmo era naquela época...”.<br />

Bons mesmo eram os comerciais dos<br />

anos 1980: a bonita camisa do Fernandinho,<br />

os bilhetinhos dizendo para não<br />

esquecer a minha Caloi, o orelhão que<br />

morria no meio da rua, o primeiro sutiã<br />

da adolescente, o Bombril do Carlinhos<br />

Moreno, o Hitler da Folha <strong>de</strong> S.Paulo.<br />

E olha que eu ouvia isso na meta<strong>de</strong> dos<br />

anos 1990, quando fazia estágio e a propaganda<br />

na TV mostrava que tal coisa<br />

não era nenhuma Brastemp, que só mesmo<br />

um louco pra ter um filho, que tinha<br />

coisas que só a Philco fazia pra você, que<br />

alguns japoneses eram mais criativos que<br />

os japoneses dos outros e a VW era tão<br />

confiável que o controle <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />

checava tudo duas vezes.<br />

Diziam que bons mesmo não eram apenas<br />

os filmes. Eram os salários, as agências,<br />

os uísques, os clientes, as festas, os<br />

diretores, as produções com diárias e orçamentos<br />

infinitos, as cestas com panetones<br />

no fim do ano e por aí vai.<br />

Tão impossível quanto negar a magia<br />

<strong>de</strong> todas essas campanhas, seria esquecer<br />

as vantagens da época. Mas a tal da nostalgia,<br />

como já foi comprovado, nos traz<br />

uma lembrança apenas parcial: ignora,<br />

por exemplo, infinitas horas trabalhadas<br />

na madrugada (e com o orgulho estampado<br />

nas olheiras <strong>de</strong> quem julgava merecer<br />

uma medalha), estilos “enérgicos” <strong>de</strong><br />

chefiar que <strong>de</strong>pois receberiam o nome <strong>de</strong><br />

assédio moral e coisas que pareciam normais<br />

e sequer estavam em pauta.<br />

Não, eu não sou um sujeito otimista e<br />

muito menos perto da perfeição. Bem longe<br />

disso. Driblar os processos <strong>de</strong>sgastantes<br />

e complicados <strong>de</strong> hoje não é fácil. Mas,<br />

tentando enxergar o fundinho meio cheio<br />

do copo, acho que o terreno nunca foi tão<br />

vasto para a criativida<strong>de</strong>. Hoje é possível<br />

ganhar um Grand Prix no Festival <strong>de</strong> Cannes<br />

com um clipe musical e um Oscar em<br />

Hollywood com um curta-metragem bancado<br />

por uma marca. Dois exemplos que<br />

não estão mais restritos àqueles efêmeros<br />

30 segundos e são criação pura.<br />

Além disso, temas que foram esquecidos<br />

durante muito tempo ganham cada<br />

vez mais espaço, e nos fazem prestar mais<br />

atenção e enten<strong>de</strong>r melhor sobre diversida<strong>de</strong><br />

e inclusão (convidar para a festa e<br />

chamar para dançar), equida<strong>de</strong> (perguntar<br />

se tem roupa para ir), saú<strong>de</strong> mental<br />

etc. Mesmo admitindo o quão longe ainda<br />

estamos do i<strong>de</strong>al, os primeiros passos estão<br />

sendo dados. E, sim, precisamos acelerar<br />

muito mais, eu sei.<br />

Por isso, apesar <strong>de</strong> todo o perrengue e<br />

baixo-astral que volta e meia toma conta<br />

do mercado, eu tendo a acreditar que, lá<br />

na frente, a gente vai conseguir ter o distanciamento<br />

necessário para ver as coisas<br />

positivas que começaram a surgir mais recentemente.<br />

E dizer que estes dias aqui,<br />

apesar <strong>de</strong> tudo, também foram “bons<br />

tempos”. Se eu tenho alguma certeza disso?<br />

É claro que não. Mas <strong>de</strong>sconfio que eu<br />

possa estar certo.<br />

“tentando enxergar<br />

o fundinho meio cheio<br />

do copo, acho que o<br />

terreno nunca foi<br />

tão vasto para<br />

a criativida<strong>de</strong>”<br />

*Marco Giannelli (Pernil) é CCO da AlmapBBDO<br />

marco.giannelli@almapbbdo.com.br<br />

jornal propmark - <strong>23</strong> <strong>de</strong> <strong>maio</strong> <strong>de</strong> <strong>2022</strong> 65

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