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edição de 23 de maio de 2022

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entrevista<br />

Quais os <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> produzir megapainéis?<br />

Eu já comecei na rua. Vale comentar<br />

que eu não comecei pintaneduardo<br />

kobra<br />

muralista<br />

pintar para<br />

mim é uma<br />

forma <strong>de</strong> me<br />

comunicar<br />

Ícone da street art no mundo, Eduardo Kobra é<br />

aquele brasileiro que dá orgulho. Seu murais<br />

gigantescos estão espalhados em nada menos<br />

do que 50 países. Os painéis <strong>de</strong> Kobra falam <strong>de</strong><br />

história, memória e <strong>de</strong> personagens que lutaram pela<br />

paz. “Acima <strong>de</strong> tudo, eu venho tratando <strong>de</strong> temas<br />

que eu vivi durante a minha infância, que eu vejo<br />

hoje, que me incomodam, que me <strong>de</strong>ixam feliz”,<br />

afirma o paulistano. Para além da parte financeira,<br />

ele consi<strong>de</strong>ra que a sua arte movimenta i<strong>de</strong>ias,<br />

emoções e sentimentos, e chega a lugares inusitados<br />

e simples, mudando a cara das cida<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong> pessoas<br />

das mais diversas classes sociais po<strong>de</strong>m ter acesso.<br />

kelly dores<br />

Qual a sua ligação com o mercado <strong>de</strong><br />

publicida<strong>de</strong> e marketing?<br />

Na história da arte observo que<br />

muitos artistas vieram <strong>de</strong>ssa escola<br />

<strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> e marketing, e<br />

tiveram êxito em suas trajetórias,<br />

transformando rótulos em verda<strong>de</strong>iras<br />

obras <strong>de</strong> arte, produtos em<br />

pinturas. Então, acredito que exista<br />

um diálogo importante entre esses<br />

universos, mas também uma linha<br />

muito tênue que separa esses mundos,<br />

ao mesmo tempo que em alguns<br />

momentos os unifica. Existem<br />

artistas, ilustradores e <strong>de</strong>signers<br />

fantásticos que migraram para o<br />

mundo das galerias, museus, assim<br />

como outros que fizeram essa transição<br />

e continuam mantendo a produção<br />

do trabalho <strong>de</strong> uma forma<br />

contínua e séria. Tenho algum tipo<br />

<strong>de</strong> relação <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> parâmetros.<br />

Já <strong>de</strong>senvolveu projetos sob encomenda<br />

para marcas?<br />

Eu acho que é importante a gente<br />

saber dividir. Existe um mito na<br />

arte <strong>de</strong> que artistas que acabam<br />

realizando produtos ou fazendo<br />

associações com marcas não são<br />

bem-vistos no mundo da arte. Enfim,<br />

acho que isso se mostra um<br />

argumento muito sensível, porque<br />

existem, sim, artistas que per<strong>de</strong>m<br />

a mão e acabam colocando suas<br />

obras <strong>de</strong> uma forma até mesmo pejorativa,<br />

sem nenhum tipo <strong>de</strong> controle<br />

ou cuidado, transformando<br />

o trabalho em verda<strong>de</strong>iros produtos.<br />

Mas tem artistas muito bem-<br />

-sucedidos, como Salvador Dalí,<br />

Andy Warhol, tantos outros, que<br />

já realizaram trabalho em rótulos,<br />

produtos e marcas, e continuaram<br />

tendo a sua trajetória respeitadíssima.<br />

Eu, sinceramente, tenho um<br />

caminho, e quando ele encontra a<br />

publicida<strong>de</strong> ou o marketing, quando<br />

essas linhas se cruzam, e o meu<br />

trabalho permanece íntegro, meus<br />

princípios e valores respeitados,<br />

esse diálogo acontece. E difícil citar<br />

aqui quais são as marcas, mas eu já<br />

me relacionei com algumas marcas,<br />

sim, que tiveram esse olhar cuidadoso<br />

sobre a minha trajetória.<br />

Como é ser uma referência na arte popular,<br />

ícone <strong>de</strong> inspiração?<br />

Na realida<strong>de</strong>, eu particularmen-<br />

te não me vejo assim. Sou uma pessoa<br />

bem contida em relação ao meu<br />

trabalho, sou muito pé no chão. Resumindo,<br />

eu mantenho muito firme<br />

as minhas convicções em relação<br />

à integrida<strong>de</strong> no que diz respeito<br />

à evolução. Não tenho nenhuma<br />

conexão com a parte relacionada<br />

a glamour ou algo <strong>de</strong>sse tipo. Eu<br />

acho, sim, muito consistente quando<br />

se tem um trabalho ao longo <strong>de</strong><br />

muitos anos pela persistência, resiliência,<br />

resistência, força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>dicação e empenho. Eu me<br />

consi<strong>de</strong>ro mesmo um trabalhador<br />

na arte. Acredito que todos os dias<br />

tenho a obrigação <strong>de</strong> evoluir, <strong>de</strong> me<br />

<strong>de</strong>dicar, a obrigação <strong>de</strong> fazer algo<br />

melhor do que o dia <strong>de</strong> ontem. Acho<br />

que só <strong>de</strong>ssa forma é possível construir<br />

uma trajetória, uma história<br />

e permanecer feliz. Eu preciso me<br />

sentir bem, feliz com aquilo com o<br />

que estou fazendo. Eu sou muito<br />

crítico com o meu trabalho, sou daquele<br />

tipo que per<strong>de</strong> noites <strong>de</strong> sono<br />

pensando nos projetos. Cada projeto<br />

é uma <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> vida para<br />

mim, seja ele gratuito ou valendo<br />

milhões. Para mim, não há diferença,<br />

também não há diferença <strong>de</strong> um<br />

trabalho feito num lugar simples,<br />

numa comunida<strong>de</strong> ou num lugar<br />

nobre. Em todos os trabalhos eu me<br />

<strong>de</strong>dico integralmente.<br />

Como você aplica a criativida<strong>de</strong> no seu<br />

dia a dia?<br />

Essa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar algo<br />

inusitado, <strong>de</strong> tentar encontrar uma<br />

maneira <strong>de</strong> fazer, <strong>de</strong> pensar uma<br />

forma diferente <strong>de</strong> chegar a um resultado,<br />

<strong>de</strong> fazer essa imersão, acho<br />

que a questão é se divertir, é interna.<br />

É um incômodo, algo que me<br />

perturba, é uma necessida<strong>de</strong>, assim<br />

como o ar que eu respiro, a comida<br />

que eu como, o meu filho que está<br />

comigo, a minha família. Criativida<strong>de</strong><br />

para mim é isso, é vencer a<br />

cada dia, transformar os dias, tentar<br />

trazer algo novo, reflexões, pensamentos,<br />

exteriorizar aquilo que está<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim <strong>de</strong> alguma maneira.<br />

E ter objetivos, ter meta, uma visão,<br />

querer chegar a algum lugar também.<br />

E tudo isso vai se <strong>de</strong>sdobrando<br />

e eu vou transformando isso <strong>de</strong><br />

pensamento a <strong>de</strong>senho, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho<br />

a imagem, <strong>de</strong> imagem a mural.<br />

Que método <strong>de</strong>senvolveu para criar as<br />

suas peças?<br />

O método da paixão, do amor,<br />

da <strong>de</strong>dicação. É aquilo que eu sou,<br />

o que penso, o que vejo, no que<br />

acredito e aquilo o que estou apren<strong>de</strong>ndo.<br />

O meu trabalho é a evolução<br />

daquilo que eu sou como ser humano.<br />

Conforme eu vou apren<strong>de</strong>ndo,<br />

meu trabalho vai evoluindo. Conforme<br />

vou me <strong>de</strong>senvolvendo, meu<br />

trabalho vai crescendo. Conforme<br />

vou apren<strong>de</strong>ndo a amar o próximo,<br />

a respeitar o próximo, a preservar o<br />

planeta, meu trabalho vai evoluindo.<br />

Eu não tenho exatamente uma<br />

fonte, mas eu tenho princípios. Na<br />

história da arte eu percebo que existe<br />

muita coisa que não se conecta<br />

comigo e eu não preciso fazer isso<br />

para agradar os outros. Não preciso<br />

usar drogas, beber ou trair minha<br />

mulher. Eu posso fazer diferente,<br />

ter fé em Deus. Eu posso não beber,<br />

assim como eu não bebo há mais <strong>de</strong><br />

12 anos. Eu posso pensar diferente,<br />

posso simplesmente ser aquilo que<br />

sou e transmitir isso através das<br />

minhas obras. As minhas obras são<br />

um reflexo <strong>de</strong>sse aprendizado. Não<br />

me julgo melhor do que ninguém,<br />

muito pelo contrário, acho que<br />

cada um <strong>de</strong> nós está num processo<br />

individual <strong>de</strong> autoconhecimento.<br />

On<strong>de</strong> busca inspiração para o seu trabalho?<br />

A cida<strong>de</strong>, a rua, a periferia, a comunida<strong>de</strong>,<br />

as tretas, a violência urbana,<br />

a poluição. É assim que eu me<br />

<strong>de</strong>senvolvi, cada célula do meu corpo<br />

está conectada a isso <strong>de</strong> alguma<br />

forma. Foi assim que eu me <strong>de</strong>senvolvi,<br />

através <strong>de</strong> ofensas, repressão,<br />

palavras contrárias. Foi assim<br />

que eu encontrei o meu caminho e<br />

percebi que po<strong>de</strong>ria fazer algo diferente,<br />

<strong>de</strong> certa forma transformar o<br />

meu mundo e a partir do meu mundo<br />

colocar mensagens positivas nos<br />

lugares. É assim que eu penso o<br />

meu trabalho, o ambiente urbano,<br />

as cida<strong>de</strong>s. A cida<strong>de</strong> está contida<br />

em mim e isso se reflete no meu trabalho.<br />

Eu falo <strong>de</strong> história, memória,<br />

<strong>de</strong> personagens que lutaram pela<br />

paz. Mas, acima <strong>de</strong> tudo, eu venho<br />

tratando <strong>de</strong> temas que eu vivi durante<br />

a minha infância, que eu vejo<br />

hoje, que me incomodam, que me<br />

<strong>de</strong>ixam feliz. Pintar, para mim, é<br />

uma forma <strong>de</strong> me comunicar.<br />

26 <strong>23</strong> <strong>de</strong> <strong>maio</strong> <strong>de</strong> <strong>2022</strong> - jornal propmark

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