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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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ISAK DINESEN: 1885-1963

Les grandes passions sont rares

comme les chefs-d’œuvres

Balzac

A baronesa Karen Blixen, née Karen Christentze Dinesen — chamada Tanne

pela sua família, e Tania primeiramente pelo seu amante e a seguir pelos amigos

—, foi a escritora dinamarquesa de rara distinção que escreveu em inglês por

fidelidade à língua do seu amante falecido e, no espírito do bom coquetismo

antiquado, em parte ocultava, em parte mostrava sua autoria prefixando ao seu

sobrenome de solteira o pseudônimo masculino “Isak”, aquele que ri. O riso

supostamente resolveria vários problemas um tanto incômodos, entre os quais o

menos sério talvez fosse sua firme convicção de que ser uma autora, portanto

uma figura pública, não era algo muito conveniente para uma mulher; a luz que

ilumina o domínio público é demasiado crua para ser agradável. Tivera suas

experiências nesse assunto desde que sua mãe fora uma defensora do voto

feminino, ativa na luta pelos direitos políticos da mulher na Dinamarca, e

provavelmente uma daquelas excelentes mulheres que nunca levarão um homem

à tentação de seduzi-las. Aos vinte anos, escrevera e publicara alguns contos e

fora encorajada a prosseguir, mas imediatamente decidiu o contrário. Ela

“outrora nunca quis ser uma escritora”, “tinha um medo intuitivo de ficar presa”,

e qualquer profissão, por designar invariavelmente um papel definido na vida,

seria uma armadilha, escudando-a contra as infinitas possibilidades da própria

vida. Tinha quarenta e tantos anos quando começou a escrever

profissionalmente, e quase cinqüenta quando apareceu seu primeiro livro, Seven

gothic tales [Sete contos góticos]. Naquela época descobrira (conforme sabemos

a partir de “The dreamers” [Os sonhadores]) que a maior armadilha na vida é a

identidade própria do indivíduo — “não serei novamente uma pessoa. [...] Nunca

mais terei meu coração e toda minha vida ligados a uma mulher” — e que o

melhor conselho que se pode dar aos amigos (no conto, Marcus Cocoza,) por

exemplo é não se preocupar “demais com Marcus Cocoza”, pois isso significa

ser “realmente seu escravo e prisioneiro”. Portanto, a armadilha era não tanto o

escrever, profissionalmente ou não, mas antes o tomar-se a sério e identificar a

mulher com a autora que tem sua identidade inelutavelmente confirmada em

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