23.03.2022 Views

Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

espírito universal adquire sua autoconsciência numa filosofia, quando o

Absoluto finalmente se revela para o pensamento. A história mundial, o espírito

universal e a humanidade dificilmente têm qualquer conotação política na obra

hegeliana, apesar dos fortes impulsos políticos do jovem Hegel. Imediatamente,

e muito apropriadamente, tornaram-se idéias dominantes nas ciências históricas,

mas continuaram sem nenhuma influência notável na ciência política. Foi em

Marx, que decidiu “pôr Hegel de novo sobre os pés”, isto é, transformar a

interpretação da história no fazer da história, que esses conceitos mostraram sua

relevância política. E essa é uma história totalmente diferente. É óbvio que, não

importa quão próxima ou distante possa estar a realização da humanidade, só se

pode ser um cidadão do mundo dentro da estrutura das categorias kantianas. O

melhor que pode acontecer a qualquer indivíduo no sistema hegeliano de

revelação histórica do espírito universal é ter a boa sorte de nascer entre as

pessoas certas no momento histórico certo, de modo que o seu nascimento

coincida com a revelação do espírito universal nesse período particular. Para

Hegel, ser um membro da humanidade histórica significava ser um grego, e não

um bárbaro, no século v a.C., um cidadão romano, e não um grego, nos

primeiros séculos de nossa era, ser um cristão e não um judeu na Idade Média,

etc.

Comparado com Kant, o conceito de humanidade e cidadania mundial de

Jaspers é histórico; comparado com Hegel, é político. Ele de certa forma

combina a profundidade da experiência histórica de Hegel com a grande

sabedoria política de Kant. Contudo, o que distingue Jaspers de ambos é

decisivo. Ele não crê na “casualidade melancólica” da ação política e das

loucuras da história registrada, nem na existência de uma astuta força secreta que

dirige o homem para a sabedoria. Abandonou o conceito kantiano de uma “boa

vontade” incapaz de ação, por ser baseada na razão. 14 tanto com o desespero

como com a consolação do idealismo alemão na filosofia. Se a filosofia deve se

tornar ancilla vitae, não há dúvidas sobre a função que tem a preencher: nas

palavras de Kant, ela terá antes de “carregar o archote à frente de sua graciosa

senhora do que a cauda do seu vestido atrás”. 15

A história da humanidade antevista por Jaspers não é a história universal de

Hegel, onde o espírito universal usa e consome país após país, povo após povo,

nos estágios de sua realização gradual. E a unidade da humanidade em sua

realidade presente está longe de ser a consolação ou recompensa por toda a

história passada, tal como Kant esperava. Politicamente, a nova unidade frágil

realizada pelo domínio técnico sobre o mundo só pode ser assegurada dentro de

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!