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Para apreender a relevância filosófica do conceito de humanidade e cidadania
mundial de Jaspers, seria bom lembrar o conceito de humanidade de Kant e a
noção de história mundial de Hegel, visto que constituem sua base tradicional
adequada. Kant via a humanidade como um possível resultado final da história.
A história, diz ele, não ofereceria senão a visão de uma “melancólica
casualidade” (“trostloses Ungefähr”) caso não houvesse uma esperança
justificada de que as ações avulsas e imprevisíveis dos homens pudessem ao
final realizar a humanidade como uma comunidade politicamente unida, ao par
do pleno desenvolvimento da qualidade humana do homem. O que se vê das
“ações dos homens no grande quadro mundial [...] em geral [parece] tecido de
loucura, vaidade pueril, muitas vezes de malícia e destrutividade pueris”, e só
pode adquirir sentido se supusermos que existe um secreto “intento da natureza
nesse curso sem sentido dos assuntos humanos”, 13 que opera por trás dos
homens. É interessante notar, e é uma característica da nossa tradição de
pensamento político, que foi Kant, e não Hegel, o primeiro a conceber uma
astuta força secreta, a fim de encontrar algum sentido na história política. A
experiência que se encontra por trás não é senão a de Hamlet: “Nossos
pensamentos são nossos, seus fins nada têm com os nossos”, exceto que essa
experiência era particularmente humilhante para uma filosofia cujo núcleo era a
dignidade e a autonomia do homem. A humanidade, para Kant, era aquele estado
ideal num “futuro muito distante”, onde a dignidade do homem coincidiria com
a condição humana na Terra. Mas esse estado ideal necessariamente poria um
fim à política e à ação política, tais como as conhecemos atualmente e cujas
loucuras e variedades são registradas pela história. Kant antevê um futuro muito
distante em que a história passada realmente terá se convertido na “educação da
humanidade”, segundo as palavras de Lessing. A história humana então não teria
maior interesse que a história natural, onde consideramos o estado presente de
cada espécie como o telos inerente a todo o desenvolvimento anterior, como seu
fim, no duplo sentido da meta e conclusão.
A humanidade para Hegel se manifesta no “espírito universal”; em sua
quintessência, ela sempre se encontra aí num dos seus estágios históricos de
desenvolvimento, mas nunca pode se tornar uma realidade política. Ela também
se realiza por uma astuta força secreta; mas o “ardil da razão” difere da “astúcia
da natureza” de Kant na medida em que só pode ser percebida pelo olho
contemplativo do filósofo, único para quem adquire sentido a cadeia de
acontecimentos aparentemente arbitrários e desconexos. O clímax da história
mundial não é o surgimento fático da humanidade, mas o momento em que o