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que a solidariedade da humanidade só pode ser significativa num sentido
positivo se vier acompanhada pela responsabilidade política. Nossos conceitos
políticos, segundo os quais temos de assumir responsabilidade por todos os
assuntos públicos ao nosso alcance, independentemente de uma “culpa” pessoal,
pois como cidadãos nos tornamos responsáveis por tudo o que nosso governo faz
em nome do país, podem nos levar a uma situação intolerável de
responsabilidade global. A solidariedade entre a humanidade pode muito bem se
converter numa carga insuportável, e não surpreende que as reações habituais a
isso sejam a apatia política, o nacionalismo isolacionista ou a rebelião
desesperada contra todos os poderes, mais do que um entusiasmo ou desejo de
fazer ressurgir o humanismo. O idealismo da tradição humanista do Iluminismo
e seu conceito de humanidade aparecem como um otimismo temerário à luz das
realidades presentes. Estas, por outro lado, na medida em que nos trouxeram a
um presente global sem um passado comum, ameaçam tornar irrelevantes todas
as tradições e histórias particulares do passado.
É contra esse pano de fundo de realidades políticas e espirituais, das quais
Jaspers provavelmente tem mais consciência do que qualquer outro filósofo de
nossa época, que se deve entender seu novo conceito de humanidade e as
proposições de sua filosofia. Kant outrora convocou os historiadores de sua
época a escrever uma história “com um ponto de vista cosmopolita”. Poder-se-ia
facilmente “provar” que toda a obra filosófica de Jaspers, desde seu início com
Psychology of world views [Psicologia das visões do mundo] (1919) até a
história mundial da filosofia, 3 foi concebida com “um intento voltado para a
cidadania mundial”. Se a solidariedade entre a humanidade deve se basear em
algo mais sólido que o medo justificado às capacidades demoníacas do homem,
se a nova vizinhança universal de todos os países deve resultar em algo mais
promissor do que um tremendo aumento do ódio mútuo e uma irritabilidade um
tanto universal de todos contra todos, então é preciso que ocorra um processo em
escala gigantesca de compreensão mútua e progressivo auto-esclarecimento. E
assim como o pré-requisito para um governo mundial, na opinião de Jaspers, é a
renúncia à soberania em favor de uma estrutura política confederada a nível
mundial, assim também o pré-requisito para essa compreensão mútua seria a
renúncia não à tradição e ao passado nacional de cada um, mas à autoridade
constritora e à validade universal que sempre foram anunciadas pela tradição e
pelo passado. Foi por essa ruptura, não com a tradição, mas com a autoridade da
tradição, que Jaspers entrou na filosofia. Sua Psychology of world views nega o
caráter absoluto de qualquer doutrina e, em seu lugar, coloca uma relatividade