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somente pelo peso da pessoa, é precisamente o fato de, sem representar coisa
alguma além de sua própria existência, assegurar que, mesmo na obscuridade da
dominação total, onde qualquer bondade que ainda possa subsistir se torna
absolutamente invisível e portanto ineficaz, mesmo então a razão só pode ser
aniquilada se todos os homens pensantes estiverem realmente, literalmente
exterminados.
Era auto-evidente que ele permaneceria firme em meio à catástrofe. Mas que
tudo aquilo nunca sequer se mostrasse tentador a ele — isso, que é menos autoevidente,
foi sua inviolabilidade, e para os que o conheciam significava muito
mais que resistência ou heroísmo. Significava uma confiança que dispensava
provas, uma segurança de que, em tempos onde tudo poderia acontecer, não
poderia acontecer uma coisa. O que Jaspers então representava, quando estava
totalmente isolado, não era a Alemanha, mas o que restara da humanitas na
Alemanha. Era como se ele sozinho em sua inviolabilidade pudesse iluminar
aquele espaço que a razão cria e preserva entre os homens, como se a luz e a
amplitude desse espaço pudessem sobreviver mesmo se ali restasse apenas um
único homem. Não que tenha sido realmente assim, ou sequer pudesse assim ter
sido. Jaspers muitas vezes disse: “O indivíduo por si mesmo não pode ser
pensante”. Nesse sentido, ele nunca esteve só, nem pensou muito sobre tal
solidão. A humanitas, cuja existência era por ele assegurada, provinha da região
natal do seu pensamento, e essa região nunca foi despovoada. O que distingue
Jaspers é que ele se sente mais à vontade nessa região da razão e da liberdade,
conhece seu caminho por ela com mais segurança do que outros que podem
conhecê-la, mas não conseguem suportar aí viver constantemente. Porque sua
existência era governada pela paixão à própria luz, foi capaz de ser como uma
luz na escuridão, irradiando de alguma fonte oculta de luminosidade.
Há algo fascinante no fato de um homem ser inviolável, incontrolável,
impassível de tentações. Se quiséssemos explicá-lo em termos psicológicos e
biográficos, poderíamos pensar talvez no lar de onde proveio Jaspers. Seus pais
ainda estavam intimamente ligados ao campesinato frísio orgulhoso e resoluto
que possuía um senso de independência absolutamente incomum na Alemanha.
Bem, a liberdade é mais que a independência, e restava a Jaspers desenvolver, a
partir da independência, a consciência racional da liberdade, onde o homem se
experimenta como um dado a si. Mas a naturalidade soberana — uma certa
temeridade alegre (Übermut), como ele às vezes coloca —, com que gosta de se
expor às correntes da vida pública, mantendo-se ao mesmo tempo independente
de todas as tendências e opiniões que ocorrem estar em voga, provavelmente