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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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conta é a pessoa humana e sua capacidade de se demonstrar. O filósofo — em

contraste com o cientista — se assemelha ao estadista por ter de responder por

suas opiniões, por se manter responsável. O estadista, de fato, está na posição

relativamente afortunada de só ser responsável pela sua própria nação, ao passo

que Jaspers, pelo menos em todos os seus textos após 1933, sempre escreveu

como que respondendo por si mesmo perante toda a humanidade.

Para ele, a responsabilidade não é um peso e não tem nenhuma relação com os

imperativos categóricos. Antes flui naturalmente de um prazer inato em tornar

manifesto, em clarear o escuro, em iluminar as sombras. Sua afirmação no

âmbito público é, em última análise, apenas o resultado do seu amor à luz e à

claridade. Ele amou tanto a luz que ela marcou toda sua personalidade. Nas

obras de um grande escritor, quase sempre podemos encontrar uma metáfora

consistente peculiar a ele, apenas sob a qual toda a obra parece adquirir um foco.

Uma tal metáfora na obra de Jaspers é a palavra “claridade”. A existência é

“clarificada” pela razão; os “modos de cingir” — de um lado, nossa mente que

“cinge” tudo o que nos ocorre, de outro lado, o mundo que nos “cinge”, “o serem

pelo qual somos” — são “trazidos à luz” pela razão; a própria razão,

finalmente, sua afinidade com a verdade é verificada pela sua “amplitude e

luminosidade”. Tudo o que se ergue para a luz e não se dissolve em vapor sob

seu brilho participa da humanitas; tomar para si o responder perante a

humanidade por todos os pensamentos significa viver naquela luminosidade

onde se testa a pessoa e tudo o que ela pensa.

Muito antes de 1933, Jaspers era o que se chama “famoso”, como também o

são outros filósofos, mas foi apenas no decorrer do período de Hitler, e

principalmente nos anos posteriores, que se tornou uma figura pública na plena

acepção da palavra. Isso não se devia, como se poderia imaginar, apenas às

circunstâncias da época que inicialmente o obrigaram à obscuridade dos

perseguidos e, a seguir, converteram-no no símbolo dos tempos e atitudes

mudadas. No que se refere às circunstâncias, apenas o conduziram ao lugar a que

pertencia por natureza — à luz plena da opinião mundial. O que se deu não foi

alguém sofrer algo, a seguir experimentar a si mesmo nessa sua provação e

finalmente, quando ocorreu o pior, representar algo como uma “outra

Alemanha”. Nesse sentido, ele não representa absolutamente nada. Sempre se

manteve totalmente só e independente de todos os grupos, inclusive do

movimento de resistência alemão. O magnífico dessa posição, sustentada

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