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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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haver uma laudatio na entrega do prêmio, estava realmente voltando a um

sentido mais antigo e adequado do âmbito público, um sentido segundo o qual é

precisamente a pessoa humana em toda sua subjetividade que precisa aparecer

em público para atingir uma realidade plena. Se aceitamos esse sentido novoantigo,

devemos mudar nossas concepções e abandonar nosso hábito de igualar o

pessoal ao subjetivo, o objetivo ao factual ou impessoal. Essas equações derivam

das disciplinas científicas, onde são significativas. São obviamente não

significativas na política, em cujo âmbito as pessoas aparecem na íntegra como

pessoas que agem e falam e onde, portanto, a personalidade é tudo menos um

assunto privado. Mas essas equações também perdem sua validade na vida

intelectual pública, que evidentemente inclui e ultrapassa consideravelmente a

esfera da vida acadêmica.

Para aqui falar adequadamente, devemos aprender a distinguir não entre

subjetividade e objetividade, mas entre o indivíduo e a pessoa. É verdade que é

um sujeito individual que oferece alguma obra objetiva ao público, abandona-a

ao público. O elemento subjetivo, digamos o processo criativo que entrou na

obra, não concerne de forma alguma ao público. Mas, se essa obra não é apenas

acadêmica, se é também o resultado de “ter-se demonstrado na vida”, um ato e

uma voz vivos acompanham-na; a própria pessoa aparece junto com ela. O que

então emerge é desconhecido para quem o revela; não pode controlá-lo da

mesma forma como não pode controlar a obra que preparou para a publicação.

(Qualquer pessoa que tente conscientemente introduzir sua personalidade em sua

obra está apenas representando, e ao fazê-lo lança fora a oportunidade real que

significa aquela publicação para ele e os outros.) O elemento pessoal está além

do controle do sujeito e, portanto, é o exato oposto da mera subjetividade. Mas é

essa mesma subjetividade que é “objetivamente” muito mais apreensível e

disponível para o sujeito. (Por autocontrole, por exemplo, entendemos apenas

que somos capazes de apanhar esse elemento puramente subjetivo em nós

mesmos, a fim de usá-lo como quisermos.)

A personalidade é uma questão totalmente diferente. É muito difícil de

apreendê-la e talvez se assemelhe mais intimamente ao daimon grego, o espírito

guardião que acompanha cada homem ao longo de toda sua vida, mas está

sempre olhando por sobre seu ombro, resultando que ele é mais facilmente

reconhecido por todos que encontram o homem do que por ele mesmo. Esse

daimon — que não tem nada de demoníaco em si —, esse elemento pessoal num

homem, só pode aparecer onde existe um espaço público; este é o significado

mais profundo do âmbito público, que se estende muito além do que entendemos

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