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que você pode fazer contra a verdade?”.
E muito mais quanto às histórias que nunca foram publicadas. Ainda há muito
a se encontrar na literatura a seu respeito, embora algumas estejam
estranhamente alteradas. (Segundo a “tradição oral”, se foi o que aconteceu, o
papa recebeu a primeira delegação judaica com a saudação: “Sou seu irmão
José”, as palavras com que José no Egito se fez conhecer aos irmãos. Agora elas
são noticiadas como ditas aos cardeais, quando os recebeu pela primeira vez
após sua eleição. Temo que essa versão soe mais plausível; mas a primeira seria
realmente muito grandiosa, ao passo que esta outra dificilmente é mais do que
muito bonita.) Todas mostram a total independência que provém de um
verdadeiro desapego às coisas deste mundo, a magnífica liberdade de
preconceitos e convenções que muito freqüentemente poderia resultar num senso
quase voltairiano, a rapidez espantosa em virar a mesa. Assim, quando protestou
contra o fechamento dos jardins do Vaticano durante seus passeios diários e lhe
disseram que não era adequado à sua posição expor-se à vista dos mortais
comuns, ele perguntou: “Por que as pessoas não deveriam me ver? Eu não me
comporto mal, me comporto?”. A mesma presença de espírito, que os franceses
chamam esprit, é mostrada por outra história inédita. Num banquete do corpo
diplomático, quando era núncio apostólico na França, um dos cavalheiros quis
embaraçá-lo e fez circular pela mesa uma foto de uma mulher nua. Roncalli
olhou para a figura e devolveu-a ao sr. N., com a observação: “Sra. N.,
suponho”.
Quando jovem, gostava de conversar, ficar na cozinha e discutir coisas, e se
acusava de “uma inclinação natural a pronunciar julgamentos como um
Salomão”, a dizer a “Tom, Dick e Harry [...] como se conduzir em determinadas
circunstâncias”, a se imiscuir “em assuntos referentes a jornais, bispos, temas do
dia” e a tomar “a defesa de qualquer coisa que ache que está sendo injustamente
atacada e que me julgo capaz de defender”. Se conseguiu ou não suprimir essas
qualidades, certamente nunca as perdeu, e brotaram quando, após uma longa
vida de “mortificações” e “humilhações” (as quais considerava muito
necessárias para a santificação de sua alma), repentinamente atingiu a única
posição na hierarquia católica onde a voz de nenhum superior poderia lhe dizer a
“vontade de Deus”. Ele sabia, escreve em seu Diário, que “aceitara esse serviço
em pura obediência à vontade de Deus, enviada a mim pela voz do Sagrado
Colégio de Cardeais”, isto é, nunca achou que os cardeais o tivessem elegido,
mas sempre que “o Senhor me escolheu” — uma convicção que deve ter se
fortalecido muitíssimo, sabendo quão puramente acidental fora a aprovação do