Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
em primeiro lugar, por ter “aceitado com simplicidade a honra e o encargo”,
depois de ter sempre tido “o máximo cuidado [...] em evitar qualquer coisa que
pudesse atrair a atenção sobre mim”. Em segundo, por ter “sido capaz de [...]
efetivar imediatamente certas idéias que eram [...] perfeitamente simples, mas
com efeitos de longo alcance e plenas de responsabilidade para o futuro”. Mas,
de acordo com seu próprio testemunho, embora “a idéia de um Conselho
Ecumênico, um Sínodo Diocesano e a revisão do Código do Direito Canônico”
tivesse lhe ocorrido “sem nenhuma premeditação”, sendo até “totalmente
contrária a qualquer suposição prévia [sua] [...] sobre o assunto”, ela apareceu
aos que o observavam como a manifestação quase lógica ou, pelo menos, natural
desse homem e sua impressionante fé.
Cada página do livro dá provas dessa fé, e contudo nenhuma delas, e
certamente tampouco todas em conjunto, é tão convincente quanto as
inumeráveis fábulas e anedotas que circulavam em Roma durante os quatro
longos dias de sua agonia final. Era uma época em que a cidade oscilava, como
de hábito, sob a invasão de turistas, que, devido à sua morte que viera mais cedo
do que se esperava, era acrescida por legiões de seminaristas, monges, freiras e
padres de todas as cores e de todos os lugares. Todos, desde o taxista ao escritor
e editor, do garçom ao balconista, fiéis e infiéis de todos os credos, tinham uma
história para contar sobre o que Roncalli fizera ou dissera, como se conduzira em
tal ou qual ocasião. Várias delas foram agora reunidas por Kurt Klinger, sob o
título Um papa ri, e outras foram publicadas entre a literatura crescente sobre o
“bom papa João”, 1 todas trazendo o nihil obstat e o imprimatur. Mas essa
espécie de hagiografia pouco ajuda a compreender por que o mundo inteiro tinha
os olhos sobre o homem, pois, presumivelmente a fim de evitar “ofensas”,
cuidadosamente se poupa de dizer a que grau os padrões usuais do mundo,
inclusive o mundo da Igreja, contradizem as regras de julgamento e
comportamento contidas nas pregações de Jesus. Nos meados do século xx, esse
homem decidiu tomar, literal e não simbolicamente, cada artigo de fé que lhe
fora ensinado. Ele realmente desejou “ser esmagado, desdenhado, desprezado
por amor a Jesus”. Disciplinou-se a si e à sua ambição até realmente não se
importar “nada com os julgamentos do mundo, mesmo do mundo eclesiástico”.
Com 21 anos de idade, decidira: “Mesmo que eu fosse papa [...] ainda teria de
me apresentar ao juiz divino, e então o que eu valeria? Não muito”. E no final de
sua vida, no Testemunho espiritual à sua família, podia escrever com confiança
que “o Anjo da Morte [...] me levará, como creio, ao paraíso”. A enorme força
dessa fé nunca se tornou mais evidente do que nos “escândalos” que