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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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crescido num mundo que não estava desarticulado. Isso lhes proporcionou sua

“rara autoconfiança”, tão perturbadora para o mundo a que então chegaram e tão

amargamente ressentida como arrogância e presunção. Foi esse meio, e jamais o

Partido Alemão, que sempre se manteve como o lar de Rosa Luxemburgo. O lar

era, até certo ponto, móvel e, visto ser predominantemente judaico, não coincidia

com nenhuma “pátria”.

Evidentemente, é muito sugestivo que o sdpkil (Socialdemocracia do Reino da

Polônia e Lituânia, antes chamado sdpk, Socialdemocracia do Reino da Polônia),

o partido desse grupo predominantemente judaico, tenha se originado a partir de

uma cisão do Partido Socialista Polonês, o pps, devido à posição deste último a

favor da independência polonesa (Pilsudski, o ditador fascista da Polônia após a

Primeira Guerra Mundial, foi seu produto mais famoso e bem-sucedido), e que,

após a cisão, os membros do grupo se tornaram defensores ardorosos de um

internacionalismo muitas vezes doutrinário. E ainda mais sugestivo que a

questão nacional seja o único tema onde se pode acusar Rosa Luxemburgo de

auto-ilusão e pouca disposição de encarar a realidade. É inegável que isso tem

alguma relação com seu judaísmo, embora seja, é claro, “lamentavelmente

absurdo” descobrir em seu antinacionalismo “uma qualidade particularmente

judaica”. O sr. Nettl, embora não oculte nada, é antes cuidadoso em evitar a

“questão judaica” e, em vista do nível geralmente baixo dos debates sobre esse

tema, só se pode louvar sua decisão. Infelizmente, sua compreensível aversão ao

assunto tornou-o cego aos poucos fatos relevantes nesse terreno, o que é muito

lamentável pois esses fatos, ainda que de natureza simples e elementar, também

escaparam à mente de Rosa Luxemburgo, tão alerta e sensível em outros

aspectos.

O primeiro deles corresponde àquilo que apenas Nietzsche, ao que sei, foi o

único a indicar, a saber, que a posição e as funções do povo judaico na Europa

destinaram-nos a se converter nos “bons europeus” par excellence. As classes

médias judaicas de Paris e Londres, Berlim e Viena, Varsóvia e Moscou, não

eram de fato nem cosmopolitas nem internacionais, embora os intelectuais entre

eles assim se julgassem. Eram europeus, coisa que não se poderia dizer a

respeito de nenhum outro grupo. E não era uma questão de convicção; era um

fato objetivo. Em outras palavras, enquanto a auto-ilusão dos judeus assimilados

geralmente consistia na crença errônea de que eram tão alemães como os

alemães, tão franceses como os franceses, a auto-ilusão dos judeus intelectuais

consistia em pensar que não tinham “pátria”, pois sua pátria de fato era a Europa.

Há, em segundo lugar, o fato de que pelo menos a intelligentsia da Europa

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