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do judaísmo ou do cristianismo tê-lo-ia impedido de travar uma amizade e um
discurso de amizade com um muçulmano convicto, um judeu piedoso ou um
cristão crente. Qualquer doutrina que, de princípio, barrasse a possibilidade de
amizade entre dois seres humanos seria rejeitada por sua consciência livre e
certeira. Teria imediatamente tomado o lado humano e não ligaria para a
discussão culta ou inculta em cada uma das partes. Esta era a humanidade de
Lessing.
Essa humanidade surgiu num mundo politicamente escravizado cujos
fundamentos, além do mais, já estavam abalados. Lessing também já vivia em
“tempos sombrios” e, à sua maneira, foi destruído por essa obscuridade. Vimos a
forte necessidade que sentem os homens, em tais épocas, de se aproximarem
entre si, de buscarem no calor da intimidade o substituto para aquela luz e
iluminação que só podem ser oferecidas pelo âmbito público. Mas isso significa
que evitam disputas e tentam ao máximo tratar apenas com pessoas com quem
não entrarão em conflito. Para um homem com a disposição de Lessing, pouco
espaço havia numa tal época e num tal mundo confinado; onde as pessoas se
aproximavam para se aquecerem mutuamente, afastavam-se dele. E no entanto
ele, polêmico a ponto de brigar, não podia suportar a solidão mais do que a
excessiva proximidade de uma fraternidade que anulava todas as diferenças.
Nunca realmente ansiou por brigar com alguém com que estivesse discutindo;
estava apenas interessado em humanizar o mundo com o discurso incessante e
contínuo sobre seus assuntos e as coisas que nele se encontravam. Queria ser o
amigo de muitos homens, mas não o irmão de nenhum homem.
Ele não conseguiu atingir essa amizade no mundo com as pessoas em
discussões e discursos, e na verdade, sob as condições que então predominavam
nas terras de língua alemã, dificilmente teria conseguido. A simpatia por um
homem que “valia mais que todos os seus talentos” e cuja grandeza “residia em
sua individualidade” (Friedrich Schlegel) realmente nunca poderia se
desenvolver na Alemanha, pois essa simpatia teria de brotar da política no
sentido mais profundo da palavra. Como Lessing era uma pessoa totalmente
política, insistia que a verdade só pode existir onde é humanizada pelo discurso,
onde cada homem diz, não o que acaba de lhe ocorrer naquele momento, mas o
que “acha que é verdade”. No entanto, essa frase é praticamente impossível na
solidão; ela pertence a uma área onde existem muitas vozes e onde a enunciação
daquilo que cada um “acha que é verdade” tanto une como separa os homens, de
fato estabelecendo aquelas distâncias entre os homens que, juntas, compreendem
o mundo. Toda verdade fora dessa área, não importa se para o bem ou o mal dos