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pela atitude dos cientistas, que, na medida em que procedem realmente de modo
científico, sabem muitíssimo bem que suas “verdades” nunca são conclusivas e
estão continuamente sofrendo revisões radicais pela pesquisa existente.
Apesar da diferença entre as noções de possuir a verdade e estar certo, estes
dois pontos de vista têm algo em comum: os que assumem um ou outro
geralmente não estão preparados, em caso de conflito, para sacrificar seu ponto
de vista à humanidade ou à amizade. Realmente acreditam que, se o fizessem,
estariam violando um dever superior, o dever da “objetividade”; de modo que,
mesmo que ocasionalmente realizem tal sacrifício, não se sentem agir por
consciência e, pelo contrário, até se envergonham de sua humanidade e muitas
vezes se sentem nitidamente culpados por isso. Em termos da época em que
vivemos, e em termos das muitas opiniões dogmáticas que dominam nosso
pensamento, podemos traduzir o conflito de Lessing num conflito mais próximo
à nossa experiência, mostrando sua aplicação aos doze anos e à ideologia
dominante do Terceiro Reich. Por ora, deixemos de lado o fato de que a doutrina
racial nazista é de princípio indemonstrável, pois contradiz a “natureza” do
homem. (De passagem, vale notar que essas teorias “científicas” não foram
invenção dos nazistas, nem mesmo invenção especificamente alemã.) Mas
suponhamos por ora que as teorias raciais tenham sido provadas de forma
convincente. Pois não se pode negar que as conclusões políticas práticas que os
nazistas extraíram dessas teorias eram perfeitamente lógicas. Suponhamos que
uma raça realmente se mostrasse inferior, por evidências científicas indubitáveis;
esse fato justificaria seu extermínio? Mas a resposta a essa pergunta ainda é
muito fácil, pois podemos invocar o “Não matarás” que efetivamente tornou-se o
mandamento fundamental a governar o pensamento legal e moral do Ocidente
desde a vitória do cristianismo sobre a antiguidade. Mas em termos de um
pensamento não governado por restrições legais, morais ou religiosas — e o
pensamento de Lessing era tão desimpedido, tão “vivo e mutável” quanto aquele
—, a pergunta teria de ser colocada assim: Tal doutrina, mesmo que
convincentemente demonstrada, valerá o sacrifício de uma única amizade que
seja entre dois homens?
Assim retornamos ao meu ponto de partida, à espantosa falta de “objetividade”
no polemismo de Lessing, à sua parcialidade sempre atenta, que nada tem a ver
com a subjetividade, pois vem sempre montada não em termos do eu, mas em
termos da relação dos homens com seu mundo, em termos de suas posições e
opiniões. Lessing não teria sentido nenhuma dificuldade em responder à
pergunta que acabei de formular. Nenhuma avaliação da natureza do islamismo,