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relatividade fundamental. A inumanidade ligada ao conceito de uma verdade
única surge com especial clareza na obra de Kant justamente por ter tentado
encontrar a verdade na razão prática; é como se ele, que indicara tão
inexoravelmente os limites cognitivos do homem, não conseguisse suportar a
idéia de que, também na ação, o homem não pode se comportar como um deus.
Lessing, porém, se regozijava com o que sempre — ou pelo menos desde
Parmênides e Platão — atormentou os filósofos: a verdade, tão logo enunciada,
imediatamente se transforma numa opinião entre muitas outras, é contestada,
reformulada, reduzida a um tema de discurso entre outros. A grandeza de
Lessing não consiste meramente na percepção teórica de que não pode existir
uma verdade única no mundo humano, mas sim na sua alegria de que realmente
ela não exista e, portanto, enquanto os homens existirem, o discurso interminável
entre eles nunca cessará. Uma única verdade absoluta, se pudesse existir, seria a
morte de todas aquelas discussões onde esse ancestral e mestre de todo o
polemismo em língua alemã se sentia tão à vontade e sempre tomava partido
com a máxima clareza e definição. E isso teria significado o fim da humanidade.
Hoje em dia, é difícil para nós identificarmo-nos com o conflito dramático,
mas não trágico, de Nathan, o Sábio, tal como Lessing pretendera. Isso em parte
porque, em relação à verdade, tornou-se corriqueiro comportarmo-nos com
tolerância, embora por razões que dificilmente têm alguma ligação como as de
Lessing. Atualmente, uma pessoa ainda pode colocar a questão, pelo menos ao
estilo da parábola dos três anéis de Lessing — como, por exemplo, no magnífico
pronunciamento de Kafka: “É difícil dizer a verdade pois, embora exista apenas
uma verdade, ela está viva e tem, portanto, uma face viva e mutável”. Mas aqui,
também, nada se diz a respeito do ponto político da antinomia de Lessing — isto
é, o possível antagonismo entre verdade e humanidade. Além do mais, hoje em
dia é raro encontrar gente que acredite possuir a verdade; ao invés disso,
deparamo-nos constantemente com os que estão seguros de estarem certos. A
diferença é básica; a questão da verdade no tempo de Lessing ainda era uma
questão filosófica e religiosa, ao passo que nosso problema de estarmos certos
surge no interior da ciência e é sempre decidido por um modo de pensamento
orientado para a ciência. Ao dizê-lo, deixo de lado a questão de se essa alteração
nas formas de pensamento mostrou-se benéfica ou perniciosa para nós. O fato
simples é que mesmo os homens inteiramente incapazes de avaliar os aspectos
especificamente científicos de um argumento são tão fascinados pela certeza
científica como os homens do século xviii o eram pela questão da verdade. E de
modo bastante estranho, os homens modernos não se desviam de seu fascínio