Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt
viDurante dezoito anos — de 1933, data da fuga da Alemanha nazista, a 1951,ocasião em que se converteu em cidadã americana — Hannah Arendt foi,juridicamente, uma apátrida. A experiência da privação da cidadania — quesignifica a perda do direito a um espaço público em virtude da inexistência dovínculo jurídico com um Estado — marcou muito o modo de ser de HannahArendt. Quando as pessoas não pertencem a uma comunidade política, não têmmais direitos humanos. Na inexistência da tutela jurídica organizada, são osacidentes da simpatia, a força da amizade ou a graça do amor os únicoselementos que oferecem a um refugiado a base precária que confirma a suadignidade humana.Essa reflexão de Hannah Arendt coloca no contexto apropriado o significadode seu casamento com Blücher. Numa carta a Kurt Blumenfeld, logo após apublicação de As origens do totalitarismo, Hannah Arendt dizia: “É raro aspessoas serem capazes de se ajudar mutuamente; no caso, penso que éefetivamente verdade que nós dois dificilmente teríamos sobrevivido, um sem ooutro”.O casamento de Hannah Arendt — retratado como uma “monarquia dual” noromance de 1954 Pictures of an institution, de Randall Jarrell, uma das pessoassobre as quais ela escreve neste livro — sustentava-se na igualdade e naindependência. Viveram a troca de idéias em intensos e permanentes seminárioscontubernais, descritos nas memórias de Alfred Kazin: New York Jew.Respeitaram os respectivos espaços numa relação forte, que os anos tornaramserena. A morte de Heinrich Blücher em 1970 foi um duríssimo golpe — umenorme vazio — que a sempre discreta Hannah confidenciou apenas para suagrande amiga Mary McCarthy.Elisabeth Young-Bruehl observa que Hannah Arendt nunca escreveu um perfilde Heinrich Blücher nem descreveu seu casamento. Entretanto, algo disso seencontra, indiretamente, por força dos paralelismos, nas entrelinhas de seu relatosobre a relação entre Rosa Luxemburgo e seu companheiro Leo Jogiches, queintegra Homens em tempos sombrios: “Ele era, definitivamente, masculinigeneris, o que era de considerável importância para ela [...] Ele eradecididamente um homem de ação e de paixão, que sabia agir e sofrer. Étentador compará-lo a Lênin, com quem tem algo de semelhante, exceto pelapaixão do anonimato e pelo gosto de atuar atrás das cenas. O seu amor pelaconspiração e o perigo deve ter-lhe dado um encanto erótico adicional. Ele foi,
na verdade, um Lênin manqué, até mesmo na sua inabilidade de escrever, que noseu caso era total [...] Nunca saberemos quanto das idéias políticas de RosaLuxemburgo derivaram de Jogiches; num casamento não é fácil identificar eisolar as idéias dos parceiros”.Hannah Arendt tinha a vocação da amizade, que a experiência de refugiada,acima mencionada, aguçou e reforçou. O casal Blüncher organizou e manteve,em torno de si, uma tribo de amigos. Estes incluíam, na condição depredecessores, a amiga de adolescência de Hannah, Anna Mendelsohn Weil — aquem a biografia de Rahel Varnhagen é dedicada — e o companheiro dejuventude em Berlim de Heinrich, o compositor e poeta Robert Gilbert; abrangiaos amigos da Europa, transplantados para os eua, como o filósofo Hans Jonas e oeminente especialista de relações internacionais Hans Morgenthau; eincorporava também os que, nos eua, foram se agregando, por força dasafinidades, filosóficas, literárias ou políticas, como Randall Jarrell, Alfred Kazin,Dwight MacDonald, Philip Rahv, Robert Lowell, Harold Rosenberg, J. GlennGray e Mary McCarthy. A esta última Crises da república é dedicado. Foi a tribode amigos que ajudou Hannah Arendt a enfrentar a morte de Heinrich, emboranão lhe tivesse faltado, já viúva, propostas de casamento. Uma do poeta W. H.Auden, um bom amigo do casal, que Hannah recusou com compreensívelconstrangimento e certo complexo de culpa, porque não desejou cuidar delematernalmente, com regularidade. Outra, de Hans Morgenthau, que como elatinha enviuvado. Hannah achava Morgenthau masculini generis — o que eleapreciava —, mas considerava-o incapaz de um verdadeiro entendimento daspessoas, talento que tanto estimara em Blücher. Saíam juntos, no entanto, comfreqüência e chegaram mesmo a passar umas férias em Rodes.É a vocação da amizade que explica a lealdade de Hannah Arendt para com osseus amigos. Depositária dos manuscritos de Walter Benjamin, que os confiou aocasal Blücher em Marselha, levou-os na sua fuga, para entregá-los, de acordocom as instruções de Benjamin, para Adorno no Institute for Social Research,em Nova York. A demora de Adorno em publicar os manuscritos de Benjamin— que só foram reunidos em livro em 1955 — e de quem Hannah Arendt nãogostava, desde o tempo em que dificultou a carreira universitária de seu primeiromarido, Günther Anders, em Frankfurt, irritou-a profundamente. Ela também seressentia do fato de que, em vida de Benjamin, os frankfurtianos o consideravamum mau marxista, não suficientemente dialético, tendo Benjamin revisto algunsde seus textos para apaziguá-los. É esse o contexto, que não discutiupublicamente, a partir do qual, com admiração combinada a lealdade, ela editou,
- Page 205 and 206: homem viajou com as coisas que eram
- Page 207 and 208: menos às preocupações mais eleva
- Page 209 and 210: nada mais a fazer?”. 44O tédio,
- Page 211 and 212: não serem bons”, e partilha com
- Page 213 and 214: em algumas das mais belas canções
- Page 215 and 216: nenhuma mesquinharia, nenhuma trai
- Page 217 and 218: das classes dominantes, diziam eles
- Page 219 and 220: quando Brecht as escreveu. Sem dúv
- Page 221 and 222: ser, mais do que quer que tenha fei
- Page 223 and 224: 16 Ver a monografia de Marianne Kes
- Page 225 and 226: RANDALL JARRELL: 1914-1965Encontrei
- Page 227 and 228: poética podia se tornar irritantem
- Page 229 and 230: Escreva sobre mim (se puder; eu mal
- Page 231 and 232: nada houve de esotérico.Quem entã
- Page 233 and 234: formação dos caminhos serve antes
- Page 235 and 236: pensar”; quando diz que o pensar
- Page 237 and 238: como capacidade mental, é por nos
- Page 239 and 240: apenas “ao atravessá-lo”, apen
- Page 241 and 242: PosfácioHANNAH ARENDT: VIDA E OBRA
- Page 243 and 244: iiHannah Arendt gostava de contar h
- Page 245 and 246: também a sua vida acima da trivial
- Page 247 and 248: Em 1969, ao celebrar os oitenta ano
- Page 249 and 250: que esclarecem elementos-chave de f
- Page 251 and 252: de um texto de 1942, intitulado “
- Page 253 and 254: vHannah Arendt, como ela mesma diss
- Page 255: inclusive um judiciário independen
- Page 259 and 260: sociais aos quais a igualdade é de
- Page 261 and 262: INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS“Sobr
- Page 263: Copyright © 1968, 1967, 1965, 1955
na verdade, um Lênin manqué, até mesmo na sua inabilidade de escrever, que no
seu caso era total [...] Nunca saberemos quanto das idéias políticas de Rosa
Luxemburgo derivaram de Jogiches; num casamento não é fácil identificar e
isolar as idéias dos parceiros”.
Hannah Arendt tinha a vocação da amizade, que a experiência de refugiada,
acima mencionada, aguçou e reforçou. O casal Blüncher organizou e manteve,
em torno de si, uma tribo de amigos. Estes incluíam, na condição de
predecessores, a amiga de adolescência de Hannah, Anna Mendelsohn Weil — a
quem a biografia de Rahel Varnhagen é dedicada — e o companheiro de
juventude em Berlim de Heinrich, o compositor e poeta Robert Gilbert; abrangia
os amigos da Europa, transplantados para os eua, como o filósofo Hans Jonas e o
eminente especialista de relações internacionais Hans Morgenthau; e
incorporava também os que, nos eua, foram se agregando, por força das
afinidades, filosóficas, literárias ou políticas, como Randall Jarrell, Alfred Kazin,
Dwight MacDonald, Philip Rahv, Robert Lowell, Harold Rosenberg, J. Glenn
Gray e Mary McCarthy. A esta última Crises da república é dedicado. Foi a tribo
de amigos que ajudou Hannah Arendt a enfrentar a morte de Heinrich, embora
não lhe tivesse faltado, já viúva, propostas de casamento. Uma do poeta W. H.
Auden, um bom amigo do casal, que Hannah recusou com compreensível
constrangimento e certo complexo de culpa, porque não desejou cuidar dele
maternalmente, com regularidade. Outra, de Hans Morgenthau, que como ela
tinha enviuvado. Hannah achava Morgenthau masculini generis — o que ele
apreciava —, mas considerava-o incapaz de um verdadeiro entendimento das
pessoas, talento que tanto estimara em Blücher. Saíam juntos, no entanto, com
freqüência e chegaram mesmo a passar umas férias em Rodes.
É a vocação da amizade que explica a lealdade de Hannah Arendt para com os
seus amigos. Depositária dos manuscritos de Walter Benjamin, que os confiou ao
casal Blücher em Marselha, levou-os na sua fuga, para entregá-los, de acordo
com as instruções de Benjamin, para Adorno no Institute for Social Research,
em Nova York. A demora de Adorno em publicar os manuscritos de Benjamin
— que só foram reunidos em livro em 1955 — e de quem Hannah Arendt não
gostava, desde o tempo em que dificultou a carreira universitária de seu primeiro
marido, Günther Anders, em Frankfurt, irritou-a profundamente. Ela também se
ressentia do fato de que, em vida de Benjamin, os frankfurtianos o consideravam
um mau marxista, não suficientemente dialético, tendo Benjamin revisto alguns
de seus textos para apaziguá-los. É esse o contexto, que não discutiu
publicamente, a partir do qual, com admiração combinada a lealdade, ela editou,