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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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iv

Com efeito, a tradição da vida contemplativa, na qual Hannah Arendt se

formou, é a do distanciamento das coisas como condição de reflexão. Esse

distanciamento, no entanto, afasta o filósofo da experiência do mundo e tende a

nele provocar uma visão de cima e de fora da política, que distorce a realidade.

Hannah Arendt não incidiu nesse equívoco porque se viu confrontada com o

mundo por força da questão judaica — tema sobre o qual começou a pensar,

efetivamente, desde 1926, quando conheceu Kurt Blumenfeld numa conferência

sobre sionismo em Heidelberg, promovida pelo seu amigo e colega Hans Jonas.

Kurt Blumenfeld (1884-1963) foi uma eminente figura do sionismo alemão,

cuja análise sobre as dimensões psicológicas e sociológicas da resposta judaica

ao anti-semitismo marcaram Hannah Arendt e aguçaram seu senso de

identidade. Converteu-se, a partir desse encontro em 1926, num grande amigo e

interlocutor, a quem Hannah Arendt muito deve em matéria de análise política.

Esse débito foi sempre reconhecido, inclusive publicamente, quando ela dedicou

à sua memória a edição francesa, que é de 1973, de seu livro Sobre o antisemitismo

— que constitui, como se sabe, a primeira parte de As origens do

totalitarismo.

Hannah Arendt nunca se sentiu talhada, por temperamento e inclinação, para a

vida pública. Experimentou, no entanto, a ação graças à sua militância na

política judaica, sobre a qual largamente refletiu. Testemunham sua militância as

atividades que exerceu na França, na década de 1930, como uma das

responsáveis pela imigração de jovens judeus para a Palestina (Youth Aliyah) e

nos Estados Unidos, na década de 1940 e início dos anos 1950, nas suas funções

como diretora da Conference on Jewish Relations e diretora executiva da Jewish

Cultural Reconstruction, além de suas responsabilidades intelectuais na

Schocken Books, importante editora nova-iorquina, especializada em temas

judaicos. Testemunham a sua reflexão não apenas as discussões sobre a questão

judaica e o anti-semitismo que permeiam As origens do totalitarismo, ou o

polêmico livro sobre o processo Eichmann e a banalidade burocrática do mal no

regime nazista, como também a biografia de Rahel Varnhagen e muitos artigos

esparsos sobre política e identidade judaicas, hoje em parte recolhidos no livro

postumamente editado em 1978 por Ron A. Feldmann intitulado The Jew as

Pariah.

Uma das importantes revelações do livro de Young-Bruehl sobre a relação

entre a obra de Hannah Arendt e a sua militância na política judaica é o exame

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