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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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Em 1969, ao celebrar os oitenta anos de Martin Heidegger — em artigo incluído

neste livro —, Hannah Arendt rememorou o impacto de suas aulas e o

descobrimento que foi para ela e seus colegas participarem da revolução

filosófica heideggeriana. Esse belo texto de Hannah Arendt não entreabre, no

entanto, o que é uma das revelações do livro de Young-Bruehl: a colisão decisiva

que foi o seu encontro amoroso com o jovem Heidegger na Universidade de

Marburg e o que significou, para ambos, no plano pessoal, a união de vida e

pensamento.

Hannah Arendt tinha pouco mais de dezoito anos quando conheceu Heidegger.

A ele se devotou com paixão, numa relação amorosa que durou, embora mais

amainadamente, até o final da década de 1920. No início de 1930 a simpatia de

Heidegger pelo nazismo os afastou. Reencontraram-se em 1949, na primeira

viagem de Hannah Arendt à Europa depois da guerra. Nesse encontro Heidegger

confessou que ela tinha sido a paixão de sua vida, a fonte inspiradora de seu

trabalho e o ímpeto que o tinha levado a preparar O ser e o tempo e Kant e o

problema da metafísica. Daí a sua vergonha. Esta não era apenas política —

como pensei, quando perguntei a Hannah Arendt, em Cornell, qual tinha sido a

atitude de Heidegger quando eles se reviram depois da guerra, tendo ela então

me respondido que ele estava envergonhado. Vejo agora, pelos dados

apresentados no livro, que havia outro componente, de natureza pessoal, nesse

estado de espírito, e que levava em conta o que representara, para a jovem

Hannah, as dificuldades de uma relação amorosa secreta com o seu professor

casado e pai de família.

“As grandes paixões, como as obras-primas, são raras”, escreveu Balzac numa

frase que Hannah Arendt usou como epígrafe em seu ensaio sobre a escritora

dinamarquesa Isak Dinesen, também incluído neste livro. Daí a sua lealdade a

Heidegger, a quem, depois desse primeiro reencontro, visitou intermitentemente

nas suas muitas viagens à Europa, apesar das decisivas diferenças pessoais,

políticas e filosóficas que os separavam.

Intelectualmente, Hannah Arendt coincide com Martin Heidegger quanto ao

entendimento da função da linguagem como preservação e revelação. Daí o seu

permanente interesse pela literatura e o seu encanto com a poesia e com os

poetas. A Heidegger Hannah Arendt deve a sua visão da relação entre o ser e a

temporalidade, que é o que explica o seu entusiasmo por O ser e o tempo. Não

aceitava, no entanto, a preocupação exclusiva de Heidegger com a história do

ser, que o obnubilava para a história humana e, portanto, para um

existencialismo aberto, como o de Hannah Arendt em relação a temas como os

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