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isso lhes parecesse sério (Política, 1259 e ss.). E como os livros, como se sabe,
não são escritos para as camponesas, a risonha trácia ainda teve que ouvir Hegel
dizer que ela realmente não tinha nenhum senso de elevação.
Platão, que na República queria não só proibir aos poetas o seu ofício, mas
também o riso aos cidadãos, pelo menos da classe dos guardiães, temia mais as
zombarias de seus concidadãos do que a hostilidade das opiniões contra a
exigência do caráter absoluto da verdade. Talvez soubesse precisamente que a
morada do pensador, vista de fora, é facilmente comparável à Cidade-dos-Cucosnas-Nuvens
de Aristófanes. Em todo caso, ele sabia que o pensar, quando quer
negociar seu pensamento, é incapaz de se defender contra o riso dos outros; e
este pode ter sido um motivo para partir para a Sicília, por três vezes, em idade
já avançada, a fim de ajudar o tirano de Siracusa a tomar o bom caminho,
ensinando-lhe as matemáticas, que lhe pareciam uma introdução indispensável à
filosofia. Ele não notou que essa empresa fantástica, da perspectiva da
camponesa, parece muito mais cômica do que a desventura de Tales. E de certa
forma com razão: pois, pelo que sei, ninguém riu, e não conheço nenhum relato
desse episódio onde se permita rir. Os homens evidentemente ainda não
descobriram para que serve o riso — talvez porque seus pensadores, que desde
sempre foram levados a falar mal do riso, abandonaram a questão, se bem que
por vezes, aqui e ali, um deles gastou os miolos sobre suas manifestações
imediatas.
Ora, sabemos todos que Heidegger também cedeu uma vez à tentação de
mudar de “morada” e de se “inserir”, como então se dizia, no mundo dos
afazeres humanos. E, no que concerne ao mundo, mostrou-se ainda um pouco
pior para Heidegger do que para Platão, pois o tirano e suas vítimas não estavam
além-mar, mas em seu próprio país. 10 No que concerne a ele mesmo, creio que
as coisas são outras. Ele era ainda bastante jovem para — a partir do choque
resultante da colisão que o lançou, há 35 anos e depois de dez curtos meses de
febre, de volta para a morada que lhe cabia — extrair uma lição, em seu pensar,
do que experimentara. O que se seguiu para ele foi a descoberta da vontade
como vontade de vontade, sob as espécies da vontade de poder. Sobre o querer
muito se escreveu nos tempos modernos e sobretudo na época contemporânea:
mas sobre sua essência, apesar de Kant, apesar de Nietzsche, pouco se meditou.
De qualquer forma, ninguém antes de Heidegger viu o quanto essa essência é
contrária ao pensar e exerce sobre ele uma ação destrutiva. Ao pensar pertence a
“aquiescência”, e no horizonte do querer o homem que pensa deve dizer de uma
maneira apenas aparentemente paradoxal: “Eu quero o não-querer”; pois é