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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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formação dos caminhos serve antes à abertura de uma dimensão do que à

realização de um fim previamente estabelecido. Os caminhos podem ser

pacíficos “caminhos florestais” (Holzwege é o título de uma coletânea de ensaios

dos anos 1936-1946) que, por não conduzirem a um fim estabelecido fora da

floresta e “se perdem de repente no não-aberto”, são incomparavelmente mais

adequados para quem ama a floresta e nela se sente à vontade do que as rotas de

problemas cuidadosamente traçadas onde se acotovelam as pesquisas dos

especialistas em filosofia e ciências humanas. Em alemão, a metáfora dos

“caminhos florestais” exprime algo muito essencial, não só que, como sugere o

termo alemão, a pessoa está engajada num “caminho que não leva a lugar

nenhum”, do qual ela não se afasta, mas também que, como o lenhador, cujo

assunto é a floresta, segue caminhos que ela mesma desbravou, e esse

desbravamento faz parte do ofício tanto quanto a derrubada das árvores.

Heidegger, nessa dimensão de profundidade aberta apenas pelo seu pensar

ativo, estabeleceu uma grande rede dessas trilhas do pensamento; certamente, o

único resultado imediato levado em consideração, e que formou escola, foi o de

ter derrubado o edifício da metafísica existente, onde, em todo caso, ninguém

mais, há muito tempo, se sentia realmente à vontade, como as galerias e sapas

subterrâneas fazem desmoronar aquilo cujos alicerces não têm profundidade

suficiente. Esse é um assunto histórico, talvez até de primeira ordem, mas nós

que nos mantemos no exterior de todos os corpos de ofícios, inclusive o dos

historiadores, não precisamos nos preocupar com isso. O fato de se poder, numa

perspectiva específica, chamar com justiça Kant de “demolidor” pouco importa,

senão em relação ao seu papel histórico e ao menos quem ele foi. No que

concerne ao papel desempenhado por Heidegger na demolição da metafísica,

que, de qualquer modo, era iminente, é a ele, e apenas a ele, que se deve

agradecer que tal desmoronamento tenha ocorrido de maneira digna do que o

precedeu; que a metafísica tenha sido pensada em todas as suas conseqüências e

não apenas repassada e ultrapassada pelo que veio a seguir. “O fim da filosofia”,

como diz Heidegger em Zur Sache des Denkens, mas um fim que honra a

filosofia e mantém sua honra, preparado por aquele que lhe era mais

profundamente apegado. Por toda a vida tomou os textos dos filósofos como

base de seus seminários e cursos, e é só na velhice que avança e se arrisca a

realizar um seminário sobre um texto seu. Zur Sache des Denkens contém o

“Protocolo para um seminário sobre a conferência Tempo e ser”, 2 que constitui a

primeira parte do livro.

Eu dizia que se seguia a novidade para aprender o pensar e o que então se

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