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Homens Em Tempos Sombrios - Hannah Arendt

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MARTIN HEIDEGGER

FAZ OITENTA ANOS

Juntamente com seu octogésimo aniversário, Martin Heidegger festeja o

cinqüentenário de sua atividade pública como professor. Platão disse um dia:

“Pois o começo é também um deus que, enquanto permanece entre os homens,

tudo salva” (Leis, 775e).

Que então me seja permitido principiar por esse começo na vida pública, não

no ano de 1889 em Messkirch, mas no ano de 1919, iniciação do professor na

vida pública acadêmica alemã na Universidade de Friburgo. Pois o renome de

Heidegger é mais antigo que a publicação de Sein und Zeit [O ser e o tempo] em

1927, e pode-se até perguntar se o insólito êxito desse livro — não apenas a

impressão que imediatamente provocou, mas sobretudo seu extraordinário efeito

a longo prazo, medida pela qual podem se medir pouquíssimas publicações no

século xx — teria sido possível sem, como se diz, o êxito professoral que o

precedeu e foi por ele apenas confirmado, pelo menos no espírito dos estudantes

da época.

Havia algo de estranho nessa primeira glória, talvez ainda mais do que na de

Kafka no início dos anos 1920, ou na de Braque e de Picasso ao longo da década

anterior. Estes eram igualmente desconhecidos do público, no sentido corrente

do termo, e no entanto exerciam uma influência extraordinária. Mas, no caso de

Heidegger, não existia nada em que sua fama pudesse se apoiar, nenhum texto e

apenas notas de cursos, que circulavam de mão em mão; e os cursos tratavam de

textos universalmente conhecidos, sem conter nenhuma doutrina a ser tomada e

transmitida. Não havia senão um nome, mas o nome viajava por toda a

Alemanha como a novidade do rei secreto. Tratava-se de algo totalmente

diferente dos “círculos” centrados em torno de um “mestre” e por ele dirigidos

(como, por exemplo, o círculo George). Estes, bastante conhecidos do público,

dele se ocultavam por trás da aura de um mistério que pretensamente apenas os

membros do círculo conheceriam. No caso em questão, não havia mistério nem

iniciados. Os alcançados pela novidade sem dúvida se conheciam entre si, pois

eram todos estudantes; por vezes houve amizade entre eles e mesmo depois

assistiu-se, aqui ou ali, à formação de grupos, mas jamais existiu um círculo e

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